01.10.24
NOTA: Este post é respeitante a Segunda-feira, 30 de Setembro de 2024.
Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.
Há quase exactos trinta anos, no Verão de 1994, ao aparecimento e rápida popularização de um novo género musical em Portugal: o rap/hip-hop cantado em Português. Até então confinado a 'rodas' e batalhas 'freestyle' nas ruas dos bairros pobres das duas grandes Áreas Metropolitanas, o estilo almejava, nesse ano, conquistar finalmente as ondas radiofónicas, muito por conta da compilação 'Rapública', e do mirabolante sucesso obtido pelo 'single' 'Nadar', dos Black Company, cujo refrão se tornou ubíquo nos recreios portugueses durante o ano lectivo seguinte. Mais do que veículo para um dos mais famosos e icónicos 'one-hit wonders' portugueses, no entanto, a referida colectânea serviu como instrumento de divulgação do estilo às massas, e subsequente criação de oportunidades para novos e desconhecidos artistas dentro do género.
Inicialmente concebida como mostruário do vibrante movimento hip-hop que vinha nascendo na Margem Sul do Rio Tejo, em localidades como o Barreiro, Almada, Amora ou Seixal, 'Rapública' era uma ideia do MC e produtor luso-caboverdiano Ângelo César Firmino – mais conhecido pelo 'nome de guerra' Boss AC – que estenderia convites aos grupos do seu 'círculo', mostrando-se mesmo disposto a alargar o espectro geográfico da colectânea com um convite aos Mind Da Gap, pioneiros da cena portuense que viria, anos depois, a 'eclipsar' a lisboeta. Face à recusa de Ace, Presto e Serial, no entanto, AC avançaria com um alinhamento de apenas cinco artistas (incluindo o próprio), cada um com uma 'amostra' de dois temas.
A acompanhar Boss nesta pioneira empreitada estariam Family, Zona Dread, Líderes da Nova Mensagem e, claro, Black Company, que em breve mostrariam o 'poderio' do hip-hop nacional a uma faixa alargada de ouvintes; em comum, os cinco artistas tinham a escolha do português para as letras (embora três temas surgissem em língua inglesa, e um em crioulo cabo-verdiano), e o carácter contestário e crítico das mesmas, como era apanágio da primeira vaga do género. Para 'single', era escolhido 'Nadar', um tema de letra menos 'dura' e refrão contagiante, cujo sucesso ultrapassaria quaisquer expectativas que os músicos pudessem ter alimentado, tornando-se o tema por excelência do Verão de 1995 em Portugal e ajudando a colectânea a vender umas impressionantes quinze mil cópias no primeiro ano, número que faz dela, ainda hoje, um dos discos do género mais vendidos em Portugal.
A principal consequência deste impacto inicial seria, no entanto, a demonstração de viabilidade do hip-hop enquanto género 'mainstream' em Portugal, que levaria, nos anos segiintes, à formação de uma cena pujante, bi-partida entre Lisboa e o Porto, e que revelaria bandas e artistas como Da Weasel, General D ou o próprio Boss AC, além de Mind Da Gap e Deallema, mais a Norte. Em suma, o movimento hip-hop português talvez não tivesse sido possível nem viável sem a coragem de Boss AC em lançar esta histórica colectânea, e as capacidades compositivas dos Black Company, que conseguiram pôr Portugal a cantar sobre os problemas de jovens pobres de bairros suburbanos durante um Verão inteiro. Razões mais que suficientes para darmos algum espaço à 'mãe' do chamado TugaHop, no ano em que se celebram exactos trinta anos sobre o 'nascimento' oficial do género.