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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

29.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de a maioria dos artistas musicais se manter na activa tanto tempo quanto os seus corpos, mentes e motivação lhes permitem, a esmagadora maioria acaba, ao longo desse percurso, por cair na irrelevância, ignorada pela maior parte do que havia sido a sua base de fãs, e resignada a perseverar em prol de uma minoria fiel que vai mantendo a sua carreira 'à tona'. Tão-pouco é este um destino reservado apenas a artistas 'do momento' – até mesmo nomes a dada altura tão famosos como Whitney Houston, AC/DC ou Britney Spears se viram 'apanhados' nesta teia quase inescapável.

De longe em longe, no entanto, surge um nome que consegue transcender este paradigma, e conquistar (e manter) uma base de fãs desde os seus primeiros momentos até ao final da carreira. Um desses nomes foi Anna Mae Bullock, a cantora afro-helvético-americana mais conhecida pelo nome artístico de Tina Turner, e que se conseguiu estabelecer como um dos grandes nomes da música 'pop' e 'soul' durante quase três décadas, permanecendo relevante durante a maior parte desse período.

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A cantora com o seu mais icónico visual.

Nascida a 26 de Novembro de 1939, e falecida a 24 de Maio deste ano de 2023, aos 83 anos, Tina Turner despontou para o mundo da música ainda adolescente, quando – durante um intervalo na 'performace' da banda do futuro marido Ike Turner – demonstrou os seus dotes vocais por intermédio de uma balada de BB King. Contratada de imediato como vocalista principal da banda, a então adolescente faria a sua estreia em disco no ano seguinte, mas a verdadeira revelação surgiria em 1960, quando – após uma falha de comparência de um tal Art Lassiter, para quem Bullock compusera uma música – a própria se encarregaria da voz principal, no que seria, à partida, apenas uma faixa-guia para a posterior composição finalizada com Lassiter como vocalista. O resultado, no entanto, foi tão impressionante que ajudaria mesmo a lançar a carreira da jovem, entretanto rebaptizada com um nome mais sonante, pelo qual viria a ser conhecida em todo o Mundo durante as três décadas seguintes, primeiro ao lado de Ike na chamada 'Ike & Tina Turner Revue', e mais tarde por conta própria.

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O casal nos tempos como duo.

Os anos seguintes foram passados a estabelecer a reputação no circuito de clubes de 'rhythm and blues', até a sua música chegar aos ouvidos de Phil Spector, que prontamente pagou pelo direito de realizar sessões de gravação com Ike e Tina. Seria delas que viria a sair 'Mountain High – River Deep', uma das mais icónicas músicas daquele período, que ajudaria Ike e Tina a assegurar o posto de banda de abertura na turnê dos Rolling Stones, e a metade feminina do duo a aparecer na capa da revista homónima, tendo sido a primeira artista negra a conseguir tal feito.

Estava dado o mote para dez anos de sucesso como dueto, durante os quais conseguiriam uma sucessão de êxitos, e presença assídua nos programas de variedades norte-americanos. Este 'estado de graça', no entanto, viria a terminar em 1976, quando o entretanto tornado casal viu a sua relação fracturar-se devido ao abuso de substâncias por parte de Ike, que resultaria mesmo no divórcio entre os dois, e óbvia dissolução do duo que formavam. Destemida, Tina lançar-se-ia como artista a solo, mas os seus discos seguintes encontrariam pouco sucesso; ainda assim, o nome que estabelecera ao lado de Ike ajudá-la-ia a manter-se relevante, com nova digressão ao lado dos Stones, em 1981, e duetos com nomes como Rod Stewart, além de algumas controvérsias típicas de uma estrela em ascensão.

Seria apenas em 1983, quando já era considerada (imagine-se!) uma cantora 'retro-nostálgica', que Tina viria a atingir, finalmente, o mega-sucesso que lhe vinha escapando desde a separação com Ike, através do single 'Let´s Stay Together', cujo inesperado sucesso levou à gravação, em apenas duas semanas, do álbum 'Private Dancer', que viria a atingir a marca de quíntupla platina e as posições cimeiras dos 'tops' norte-americanos e britânicos, além de valer a Turner três prémios Grammy. É, também, deste álbum que sai 'What´s Love Got To Do With It', talvez a música-estandarte de Tina Turner na consciência popular, e única música da artista a atingir o número 1 da tabela da Billboard. Aos quarenta e quatro anos, a cantora conseguia, finalmente, viver a experiência normalmente gozada por artistas com metade da sua idade.

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O álbum que granjeou o mega-estrelato à cantora.

Os anos seguintes trariam 'mais do mesmo', com os três álbuns subsequentes de Tina a atingirem marcas muito semelhantes a 'Private Dancer', e com o estrelato da cantora a ser cimentado por um papel de apoio no terceiro filme da série 'Mad Max', o infame 'Para Além da Cúpula do Trovão', de 1985. À entrada para a última década do século XX, Tina parecia não conseguir 'pôr pé em ramo verde', batendo (em 1990) o recorde de audiências numa turnê previamente estabelecido pelos Rolling Stones, bem como o seu recorde pessoal de vendas, com a compilação 'Simply the Best', certificada óctupla platina (!!) no Reino Unido. No ano seguinte, Ike e Tina são adicionados ao lendário Rock and Roll Hall of Fame, mas Tina escusa-se a comparecer, alegando fadiga após a última digressão.

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A compilação de 1990 atingiria a marca de óctupla platina no Reino Unido, batendo novo recorde de vendas para a cantora.

Ainda assim, o icónico casal permanece 'nas bocas do Mundo' não só devido ao encarceramento de Ike, como também ao lançamento de um filme biográfico sobre a sua relação, e a carreira de Tina, em 1993. A ligação da cantora ao Mundo do cinema seria reatada dois anos depois, quando Tina grava o tema-título para o primeiro filme de Pierce Brosnan como James Bond, 'GoldenEye'. Seguem-se, até final da década, mais dois álbuns de originais, 'Wildest Dreams' (do ano seguinte) e 'Twenty-Four Seven', lançado em 1999, quando Tina contava já sessenta anos! Anunciado como álbum de despedida da cantora, o LP constituiu uma 'saída pela porta grande', atingindo a marca de Ouro e dando azo a mais uma digressão recordista, já no Novo Milénio.

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O último álbum da cantora, lançado quando a mesma contava já sessenta anos.

A despedida do estúdio não significou, no entanto, o fim da carreira de Tina, que – nas duas décadas subsequentes, até ao seu falecimento – se manteria activa com o lançamento de compilações, um single de beneficência para a UNICEF em parceria com a italiana Elisa e, claro, 'performances' ao vivo, uma delas ao lado de Beyoncé, na cerimónia dos Grammys de 2008. No ano seguinte, Turner fundaria, ao lado de outras personalidades musicais, a fundação Beyond, responsável por discos de música espiritual e de meditação entre 2009 e 2017. Em 2016, estreia o musical biográfico 'Tina', desta vez com o envolvimento da própria artista, e em 2018, Turner é galardoada com o Prémio de Carreira na cerimónia dos Grammys. Pelo meio, ficam três volumes de autobiografias e memórias, o último lançado em 2020, e a participação num documentário sobre a sua vida, produzido em 2021. Nesse mesmo ano, Tina é novamente adicionada ao Rock And Roll Hall of Fame, desta vez como artista a solo, e volta a não comparecer, aceitando o prémio via satélite a partir da sua casa na Suíça, onde viria a falecer cerca de dezoito meses mais tarde.

No momento em que o ciclo de Tina, inevitavelmente, se encerra, fica a ideia de uma carreira atípica, que conseguiu reunir o consenso de nada menos do que três gerações de amantes de música comercial, e sobreviver às constantes flutuações e 'modas' do mercado, tornando mais que merecida esta homenagem póstuma a uma das grandes divas 'pop' de finais do século XX. Que descanse em paz.

 

15.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

A cena 'punk' lisboeta era, nos anos 80 e 90, um dos mais famosos e prolíferos movimentos musicais portugueses, com actividade e impacto ao nível daquele que viria a ser o movimento hip-hop nortenho em inícios do novo milénio. Centrada em bairros como Alvalade, localidades da Linha de Cascais e espaços como o Johnny Guitar ou o Rock Rendez-Vous, a sobredita vaga de grupos 'punk' e 'new wave' (todos, sem excepção, com letras cantadas em português) viu nascer grupos tão emblemáticos como os Xutos e Pontapés, Peste & Sida, Mata-Ratos, Capitão Fantasma, ou uma banda que, apesar da literal meia dúzia de anos de carreira, viria a adquirir estatuto de culto entre os fãs de rock rápido e agressivo 'made in' Portugal: os Censurados.

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O grupo em 'pose Ramones'.

Formada no referido bairro de Alvalade em finais da década de 80, a banda resultou da junção de quatro músicos – Orlando Cohen na guitarra, Fred Valsassina no baixo, Samuel Palitos na bateria e o icónico e malogrado João Ribas na voz – que, no melhor espírito 'punk rock', se juntaram num estúdio improvisado (situado no quarto de Ribas) para escrever músicas 'curtas e grossas' com letras contestatárias, cujo principal alvo eram os políticos e figuras de autoridade da época; esses temas, posteriormente apresentados ao vivo nos 'buracos' do costume, acabaram por ganhar tracção entre a comunidade de 'troca de cassettes', a qual ajudou a popularizar o nome do grupo através da partilha das suas canções - mais de uma década antes do dealbar da Internet e do 'boom' da partilha de ficheiros – fazendo com que as mesmas fossem já sobejamente conhecidas ainda antes do lançamento do álbum de estreia do grupo. Uma história que quase parece ter sido escrita, de tal modo encarna o 'estereótipo' normalmente associado ao 'punk', mas que apenas vem provar algo que os Ramones já haviam demonstrado uma década e meia antes – nomeadamente que, para se tocar 'punk rock', só era precisa muita vontade e alguma capacidade de improviso.

Naturalmente, com uma base de fãs já estabelecida e uma reputação em rápida ascensão, o próximo passo do grupo passou pela gravação de um álbum de estreia homónimo, saído em 1990 e considerado um dos marcos históricos do movimento 'punk' português, tendo a sua qualidade, inclusivamente, atraído interesse do estrangeiro – nomeadamente, da maior 'fanzine' sobre 'punk' da época, a Maximum Rock'n'Roll, que teceu loas ao álbum nas suas páginas.

O lendário álbum de estreia do grupo, lançado logo no início da década de 90

Com a cotação de tal modo 'em alta', não é, pois, de admirar que o grupo tenha demorado apenas cerca de um ano a lançar novo registo, tendo 'Confusão', de 1991, sido bem-sucedido em manter o nome Censurados bem presente na memória colectiva da cena 'punk' nacional durante os dois anos seguintes, tempo que demora a sair o terceiro e último álbum de estúdio, 'Sopa”. Já de créditos bem firmados na cena nacional, e com ligações a espaços como o supramencionado Johnny Guitar (tendo, inclusivamente, participado na lendária colectânea lançada pelo mesmo em 1993), o grupo consegue neste registo final uma 'cunha' de respeito, na pessoa de Jorge Palma, que surge no tema 'Estou Agarrado a Ti.'

Dada a sua preponderância na cena rock nacional, não é, igualmente, de estranhar que os Censurados tenham sido convidados a participar em dois dos mais famosos álbuns de tributo do referido movimento, comparecendo tanto em 'Filhos da Madrugada' – o tributo a Zeca Afonso lançado em 1994 e que reúne a 'nata' do movimento musical lusófono, dos inevitáveis Xutos, GNR e UHF a Madredeus, Sitiados, Delfins, Entre Aspas, Resistência, os 'colegas' Peste & Sida, os cabo-verdianos Tubarões e até o Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras! – e 'XX Anos, XX Bandas', o álbum celebratório dos vinte anos de carreira dos Xutos e Pontapés, editado em 1999, e que conta com nomes como Rádio Macau, Da Weasel, Paulo Gonzo, Boss AC, Quinta do Bill, Ornatos Violeta, Bizarra Locomotiva, Cool Hipnoise, Lulu Blind ou o 'alter ego' dos Peste & Sida, Despe e Siga, além de alguns 'repetentes' do tributo a Zeca. Os Censurados participam, respectivamente, com os temas 'O Que Faz Falta' e 'Enquanto a Noite Cai', aqueles que viriam a ser os últimos temas gravados em estúdio pelo colectivo – sendo o segundo, inclusivamente, já póstumo, ainda que tenha dado azo a uma 'tourné' de reunião ao lado dos próprios Xutos, da qual resulta um lendário micro-concerto de apenas quinze minutos na edição de 1999 do Festival do Sudoeste, bem como um álbum ao vivo, gravado na Queima das Fitas de Coimbra no mesmo ano e lançado em 2002 – esse, sim, o último registo oficial do grupo.

Versão ao vivo da 'cover' dos Xutos incluída em 'XX Anos, XX Bandas', captada no último concerto oficial do grupo, na Queima das Fitas de Coimbra de 1999

A dissolução dos Censurados não significou, no entanto, o afastamento dos seus integrantes da música, ou sequer do movimento 'punk' – pelo contrário. João Ribas formaria, logo no ano seguinte, os não menos lendários Tara Perdida - cuja carreira soma e segue até hoje, tendo mesmo conseguido resistir ao falecimento do seu fundador e figura de proa - e os restantes integrantes também se manteriam activos na cena musical, embora de forma mais discreta. Mesmo que o fim dos Censurados tivesse equivalido ao fim das suas carreiras, no entanto, os quatro músicos poder-se-iam sempre orgulhar de terem sido banda de culto do movimento rock português de finais do século XX, e de, em apenas seis anos, terem construído um legado de fazer inveja a muitas bandas com várias décadas de carreira, validando a famosa máxima de Kurt Cobain de que 'é melhor acabar carbonizado do que desaparecer lentamente.'

A algo incongruente aparição do grupo na 'Hora do Lecas', em 1990.

 

01.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Já aqui anteriormente falámos de algumas das principais bandas do 'boom' de pop-rock nacional vivido entre inícios da década de 80 e finais da seguinte, e que daria ao movimento musical 'mainstream' nacional uma panóplia de nomes que vai dos inevitáveis Xutos & Pontapés, UHF. Delfins e GNR a bandas como Resistência, Rio Grande, Rádio Macau, Clã, Santos & Pecadores, Ornatos Violeta, Blind Zero, Quinta do Bill, Sitiados, Três Tristes Tigres, Fúria do Açúcar, Silence 4 ou a banda de que falamos esta semana, e que celebra este ano o trigésimo aniversário do lançamento do seu álbum de estreia - os Entre Aspas.

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Formados logo no início da década como um duo constituído pela vocalista Viviane (grande 'cartão de visita' do grupo) e pelo seu marido, o guitarrista Tó Viegas, o projecto foi inicialmente concebido apenas com o intuito de preencher um convite para tocar no bar Morbidus, em Faro, tendo a própria designação da banda surgido da forma como assinalaram a data do concerto na sua agenda pessoal, com um sinal de 'aspas'. No entanto, esse primeiro espectáculo rapidamente se desdobrou numa carreira a tempo inteiro, tendo o casal preenchido o alinhamento com uma secção rítmica – constituída pelo baixista Luís Fialho e pelo baterista João Vieira – a tempo de conquistar o terceiro lugar no primeiro Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa, realizado em 1991. Um início honroso para um percurso que teria o seu verdadeiro início no ano seguinte, quando a banda assina contracto com a multi-nacional BMG e inicia o processo de composição do seu primeiro álbum, já com Nuno Filhó no lugar do demissionário Luís Fialho.

O referido álbum, intitulado 'Entre SFF', veria a luz no ano seguinte (há quase exactos trinta anos) e contaria com a produção de Manuel Faria, ex-Trovante, que voltaria a colaborar com o grupo na versão de 'Traz Outro Amigo Também' incluída num álbum de tributo a Zeca Afonso, no ano seguinte. A par de temas próprios como 'Criaturas da Noite' e 'Voltas', este tema ajudou a cimentar a reputação da banda como um dos grandes nomes da nova vaga de pop-rock português.

A releitura de um dos mais famosos temas de Zeca Afonso feita pelo grupo em 1994.

Reputação essa, aliás, que seria cimentada pelo segundo álbum do grupo, 'Lollipop', lançado em 1995 e que contou com a produção daquele que era, à época, o nome de referência para trabalhos de pop-rock nacionais, Marsten Bailey, bem como com o contributo de dois novos integrantes, ambos de créditos firmados na cena – Filipe Valentim, ex-Rádio Macau, e Luís San Payo, ex-Pop Dell'Arte; antes da gravação do terceiro álbum ('Edelweiss', de 1997) verificar-se-ia ainda mais uma mudança, com a entrada do baterista Rui Freire a compôr aquele que seria o alinhamento dos Entre Aspas até ao final da carreira.

O dito final estava, no entanto, ainda a largos anos de distância, sendo que o grupo seguia de vento em popa, participando com dois temas na icónica colectânea 'Ao Vivo na Antena 3', em 1998 (mesmo ano em que Viviane é escolhida para dar voz a um dos temas do mega-projecto natalício 'Espanta Espíritos') e com uma versão de 'Doçuras' no não menos icónico tributo aos vinte anos de carreira dos lendários Xutos e Pontapés, lançado em 1999. Também nesse mesmo ano, é lançado o quarto álbum do grupo, 'Loja de Sonhos' produzido com a ajuda de Flak e com mistura de Joe Fossard.

A contribuição do grupo para a colectânea 'XX Anos, XX Bandas', dedicada aos vinte anos de carreira dos Xutos & Pontapés.

Infelizmente, o 'impulso' vivido pela carreira dos Entre Aspas durante a última década do século XX não sobreviveria aos primeiros anos do Novo Milénio, sendo o álbum ao vivo 'www.entreaspasaovivo.com' (lançado há quase exactos vinte e dois anos, em finais de Abril de 2001, e homónimo do hoje defunto 'site' do grupo) o último registo da banda antes da dissolução em 2005, e subsequente início da carreira a solo de Viviane. Os fãs do grupo teriam, no entanto, uma grata surpresa nove anos depois, quando, a pretexto daqueles que seriam os vinte anos de carreira do grupo, a BMG lança uma colectânea de êxitos – esta, sim, o último registo oficial de uma banda que, sem ter quaisquer daqueles 'hits' instantaneamente reconhecíveis tão típicos do pop-rock nacional de finais do século passado, conseguiu ainda assim estabelecer-se como um dos nomes na 'linha da frente' do movimento durante mais de uma década.

Mesmo após o término do grupo, no entanto, a carreira de Tó Viegas e Viviane seguiu tão firme como o seu casamento, tendo a dupla sido responsável, entre outros projectos, pelo tema 'Com Um Abraço', semi-finalista do Festival da Canção 2021 na voz de Ana Teresa – apenas uma das muitas provas de que o fim da banda que os notabilizou não correspondeu, de todo, à extinção da criatividade musical do casal, que continua a ter papel de destaque na cena 'pop' nacional moderna, mesmo que agora a partir dos 'bastidores'. Quanto aos Entre Aspas, o ano em que completariam trinta anos de carreira serviu mesmo de pretexto para uma reunião dos membros da formação clássica, e subsequente regravação do tema-estandarte do grupo, 'Criaturas da Noite'; resta esperar para ver se se trata de um regresso esporádico, ou se a carreira da banda virá, mesmo, a ganhar um 'segundo fôlego'...

A nova versão de 'Criaturas da Noite', gravada já este ano.

04.04.23

NOTA: Este post é respeitante a Segunda-feira, 03 de Abril de 2023.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar do relativo ecletismo de estilos que os jovens de finais do século XX inseriam na sua 'dieta' musical quotidiana, o 'jazz' nunca foi um género com que essa mesma demografia se identificasse particularmente, talvez pelas pretensões intelectuais e imagem algo antiquada com que o mesmo era associado à época, e que o colocavam em claro contraste com os estilos favorecidos pela juventude, como o pop-rock e o alternativo. E, no entanto, a verdade é que, apenas uma geração antes, este género musical havia sido religiosamente escutado e seguido por grande parte dos jovens nacionais da época, sobretudo os citadinos, graças a um programa de rádio de difusão nacional exclusivamente dedicado ao estilo, inaugurado em 1966 e que continuava a manter-se 'firme' naquele fim de século, vindo inclusivamente a adentrar-se pelas primeiras duas décadas do século XXI antes de ser interrompido, há meras semanas, pela morte do seu criador.

Falamos do 'Cinco Minutos de Jazz', rubrica de título auto-explicativo da responsabilidade de José (ou 'Jazzé') Duarte - não confundir com José Jorge Duarte, o 'Lecas' - que fez parte do léxico radiofónico português durante mais de cinco décadas, ao longo das quais apresentou aos ouvintes interessados em 'jazz' um sem-número de nomes mais ou menos famosos do estilo, alguns dos quais devem, inclusivamente, ao programa a penetração e difusão do seu nome em Portugal.

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O carismático apresentador do programa, figura de proa do 'jazz' nacional

Transmitido primeiro pela Rádio Renascença, depois pela Rádio Comercial, e finalmente pela Antena 1, o programa manteve uma transmissão ininterrupta durante praticamente quarenta anos (entre 1983 e o corrente ano de 2023), sempre com a mesma fórmula que adoptara aquando da sua criação em 1966, e que consistia numa apresentação da música, seguida da transmissão integral da mesma e, finalmente, numa pequena contextualização explicativa, que revelava mais alguns dados em relação ao tema que acabara de tocar. Um formato simples, mas eficiente, que tirava o máximo partido do tempo disponível para a rubrica e eliminava muita da 'palha' que continua, até hoje, a infestar muitos programas radiofónicos. Aliada ao carisma e simpatia natural do falecido apresentador, esta economia de estilo ajudou a tornar o programa um sucesso, tendo o mesmo mantido uma audiência cativa ao longo de décadas, até se tornar o programa mais antigo da rádio portuguesa.
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Não foi, no entanto, apenas o programa que almejou fama dentro dos meios musicais portugueses - também o seu anfitrião ganhou honras de 'decano' e 'embaixador' do movimento 'jazz' português, sendo muitas vezes o escolhido para acolher certas figuras de proa do estilo (ou mesmo para as aliciar para um concerto em Portugal) e estando envolvido na organização de vários dos primeiros festivais dedicados ao género em solo nacional. Foi, também, dele e do seu programa a responsabilidade pela edição do primeiro disco de 'jazz' em Portugal, de nome 'Estilhaços' e lançado em 1972 para celebrar o sexto aniversário do programa (o qual, ironicamente, seria alvo de uma paragem forçada daí a um par de anos, antes do regresso em 1983.)

Assim, e apesar de o seu programa se afirmar já como 'de culto' (ou, se preferirmos, 'de nicho') por alturas da infância e adolescência de muitos dos leitores deste 'blog', vale, ainda assim, realçar e relevar a importância do seu apresentador, cujo falecimento representa uma perda de vulto para o movimento 'jazz' português, que se vê privado não só do seu programa de referência, como também de uma das principais personalidades propulsoras do mesmo ao longo das décadas. Que descanse em paz.

20.03.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Regra geral, a maioria das bandas é fácil de catalogar dentro de um estilo definido, seja ele o rock, o heavy metal, o pop, a música étnica, a música clássica, ou qualquer outra das dezenas de denominações que compõem o Mundo da música moderna. Por vezes, no entanto, surge um colectivo que verdadeiramente desafia as convenções estabelecidas, ousando mesclar estilos numa mistura ecléctica que os ajuda a destacar da 'maralha' e a atrair a atenção de toda uma base de fãs. Nos anos 90, existiu em Portugal um grupo assim, cuja proposta passou por misturar o canto tradicional do nosso País, o fado, com elementos de música pop e gótica – proposta essa que os ajudou a catapultar para os mais altos vôos a que uma banda nacional pode aspirar. Falamos, é claro, dos Madredeus, o colectivo centrado em torno do guitarrista clássico Pedro Ayres de Magalhães, e cujo elemento mais distintivo, na sua fase clássica, foi a inimitável voz de Teresa Salgueiro, a qual, durante a sua permanência no grupo, se faria ouvir ao lado de artistas tão díspares quanto José Carreras e Moonspell.

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Formados ainda nos anos 80, datando o primeiro disco de 1987, seria, no entanto, na década seguinte que o colectivo baptizado com o nome de um bairro lisboeta atingiria a proeminência que se lhe conhece hoje em dia. O lançamento do segundo álbum, logo em 1990, e 'aventuras' internacionais como o concerto na exposição Europália '91 (dedicada à cultura portuguesa) ou a participação em bandas sonoras de filmes estrangeiros ajudaram a consolidar o nome do grupo não só dentro de portas como também 'lá fora', dando início à trajectória de sucesso que caracterizaria a carreira do grupo. O terceiro álbum, de 1994, já tem honras de digressão internacional e, no ano seguinte, a banda é convidada a colaborar com o cineasta Wim Wenders, que inclui temas dos Madredeus no seu 'Viagem a Lisboa', ajudando a elevar ainda mais o perfil internacional do colectivo. Já 'cá dentro', o mérito da banda era bem reconhecido, tornando-os figura de proa da cena musical nacional e motivando convites de índole tanto musical como cultural, como aquele que os levou a participar no espectáculo de abertura da Expo '98, ao lado de José Carreras, já depois de algumas alterações de formação e do lançamento de um quarto álbum, em 1997.

A ascensão do grupo não abrandaria, aliás, no Novo Milénio, que abriria com o lançamento de uma 'Antologia' e uma participação no filme 'Capitães de Abril', cada uma das quais com dois temas inéditos, e veria serem lançados, no espaço de apenas três anos, mais dois álbuns de originais, uma colectânea para o mercado brasileiro, um disco ao vivo e um de 'remixes' electrónicas – mais uma prova, caso as mesmas ainda fossem necessárias, de que o grupo havia atingido o patamar da fama e relevância. Seria, portanto, com alguma surpresa que os fãs do grupo receberiam a notícia de um 'ano sabático', em 2007, e, mais tarde, o êxodo da maioria dos membros, deixando o fundador Ayres de Magalhães e o teclista Carlos Maria Trindade como únicos representantes do nome.

Não querendo desvirtuar o mesmo com novos músicos, os dois decidem fundar um novo projecto, a Banda Cósmica, com o qual lançam três álbuns antes de decidirem mesmo 'ressuscitar' o seu grupo anterior, agora com novos músicos e a vocalista Beatriz Nunes no lugar que ficará para sempre associado a Teresa Salgueiro. Com esta nova formação, são lançados mais dois álbuns, o segundo dos quais, 'Capricho Sentimental', de 2015, é até hoje o último lançamento dos Madredeus. Qualquer que seja o futuro do grupo, no entanto, o colectivo de Pedro Ayres de Magalhães já inscreveu indelevelmente o seu nome na História da música portuguesa, e pode orgulhar-se de ser, até hoje, um dos principais nomes da mesma, tanto a nível nacional como internacional.

06.03.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de não ter, de longe, tanta expressão como a vizinha Espanha e os outros 'enclaves' mediterrânicos, como a Itália e a Grécia, Portugal não deixa, ainda assim, de ter uma cena hard rock e heavy metal bastante saudável, com várias bandas a conseguirem ganhar reconhecimento a nível nacional ao longo dos anos, e mais do que uma publicação especializada a gozar de alguma longevidade. Ainda assim, a triste verdade é que, destas, são mesmo muito poucas as que chegam a gozar de algum sucesso ao nível do 'mainstream', sendo pouco provável que o fã médio de música radiofónica (mesmo que com inclinações mais 'rock') seja capaz de nomear mais do que dois ou três nomes nesta categoria. Destes, o primeiro será inevitavelmente o dos Moonspell, expoente máximo do metal português, e talvez a única banda pesada verdadeiramente bem-sucedida a alguma vez sair do nosso país; logo atrás dos 'mestres' liderados por Fernando Ribeiro virão talvez, no entanto, nomes como os dos Tarantula – veterana banda de metal clássico do Porto, no activo há quase quatro décadas – e o da banda visada nesta Segunda de Sucessos, os lisboetas R.A.M.P.

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Caso paradoxal da música nacional, o grupo da Margem Sul do Tejo (cujo nome é um acrónimo das iniciais dos membros fundadores) conseguiu a proeza – considerável mesmo nos dias de hoje, e ainda mais nos anos 90 - de atingir a aceitação do grande público melómano sem nunca comprometer ou 'amaciar' a sua sonoridade power/thrash/groove, muito influenciada por bandas como Pantera. Ao contrário do que acontece em tantos outros casos, as guitarras pesadas e vocalizações fortes do fundador Rui Duarte não impediam a banda de bater recordes de vendas para uma banda pesada (o segundo disco, 'Intersection', entrou nos tops nacionais em 1995) e ser convidada a marcar presença em eventos e programas de índole generalista, como o 'Buereré', no qual se afirmaram como, talvez, o convidado musical mais insólito, incongruente e inesperado da década, senão mesmo da História da televisão portuguesa. A imagem daqueles 'cabeludos' a berrar e a fazer o tradicional 'headbanging' no cenário multi-colorido do programa de Ana Malhoa, rodeados de 'bonecos' e crianças em idade de instrução primária ficou, desde esse momento, gravada na memória de toda uma geração – o que, no fundo, faz com que a presença da banda no programa possa ser considerada um sucesso...

Imaginem ligar a televisão num fim-de-semana de manhã e 'ouver' isto entre o Dragon Ball Z e os Power Rangers...

Não era só a televisão infanto-juvenil que dava um nível inusitado de atenção à banda do Seixal; também a rádio parecia gostar do colectivo liderado por Rui Duarte e Ricardo Mendonça, tendo a Rádio Comercial considerado 'For A While', uma das faixas de 'Evolution, Devolution, Revolution', o terceiro trabalho do grupo, como uma das dez melhores músicas do ano de 1998 – uma distinção meritória e difícil de atingir para muitos artistas pop, que dizer de uma banda de metal! Também radialistas como António Sérgio consideravam o grupo uma 'pedrada no charco' do rock português, tendo-se este apoio (declarado ainda por alturas do primeiro álbum do grupo, 'Thoughts', de 1992) provado determinante na ascensão da banda dentro da cena musical nacional.

'For a While', o tema considerado como um dos dez melhores de 1998 pela Rádio Comercial.

Ascensão essa que, aliás, continuaria Novo Milénio adentro, com o grupo a continuar a ser 'a' banda de abertura por excelência para grandes nomes do metal mais pesado em território nacional, e a lançar mais dois álbuns álbuns de originais, um ao vivo, e uma colectânea celebratória do quarto de século de actividade, todos bastante bem sucedidos, pesem embora algumas mudanças de formação.

Comemorada a referida marca de vinte e cinco anos de actividade, no entanto, o grupo perde proeminência, remetendo-se ao relativo silêncio (pelo menos a nível discográfico) durante quase uma década, antes de ensaiar um regresso tão inesperado quanto explosivo em 2022 – a reacção ao qual foi suficientemente entusiasta para provar que os R.A.M.P. continuavam a ser capazes de atrair os 'metaleiros' portugueses em massa, e que a reputação da banda dentro da cena se mantinha intacta, mesmo que longe do sucesso comercial de outros tempos. Quanto ao que o futuro reserva para o grupo de Rui Duarte e companhia, há que esperar para ver, mas uma coisa é certa: os R.A.M.P. merecem já o seu lugar na lista de grandes nomes da música alternativa portuguesa, não só dos anos 90 como a nível geral – uma façanha invejável para um grupo de um estilo tão pouco 'acessível' como o thrash metal...

06.02.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Quando se pensa em vozes próprias para gravar um disco, ou até mesmo uma só música, o tom propositalmente agudo e nasalado de um palhaço não é, decerto, a primeira coisa que vem à mente; e, no entanto, só em Portugal, foram pelo menos dois os casos de palhaços a conseguirem enorme sucesso com a edição de álbuns inteiramente cantados por eles. Assim, neste que é o mês do Carnaval, dedicar-nos-emos a explorar a carreira musical desses artistas, começando esta semana pelo palhaço Croquete, e dedicando a próxima rubrica ao mítico álbum do Batatoon, sucesso absoluto junto do público infantil e, curiosamente, parcialmente criado e interpretado pelo antigo parceiro de Croquete, o palhaço Batatinha.

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Essa análise ficará, no entanto, para a próxima Segunda de Sucessos; esta semana, voltaremos a nossa atenção para António Assunção, desde finais dos anos 70 conhecido pelo nome profissional de Croquete, e que se destaca dos seus restantes companheiros de profissão, precisamente, pelos seus dotes musicais, que lhe valeram a alcunha de 'Palhaço Cantor' e fomentaram uma vasta carreira discográfica ao longo das duas décadas seguintes. De facto, são nada menos do que cinco os álbuns de originais lançados sob esse nome, ao qual se junta ainda um sexto – o primeiro, 'Palhaços À Solta', de 1981 – em parceria com Batatinha. As crianças dos anos 90, no entanto, conhecerão Croquete, sobretudo, pelo seu quarto disco, 'Muita Fruta', lançado em 1991, mesmo a tempo de cativar toda uma nova geração de potenciais fãs, nascidos já depois do auge da carreira do artista.

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Composto por dez faixas, 'Muita Fruta' tem a particularidade de se inserir declaradamente num estilo 'pimba', sendo que, com ligeiros ajustes temáticos, sem os coros infantis e com a 'voz de palhaço' substituída por um verdadeiro vocalista, faixas como 'Fruto Eu Ou Frutas Tu' poderiam, perfeitamente, ser comercializadas a um público adulto, ao contrário do que acontecia, por exemplo, com o pop infantil de 'As Canções do Lecas', lançado no ano anterior, ou com as pitorescas 'cantilenas' movidas a guitarra acústica de José Barata Moura ou Carlos Alberto Moniz (as quais são, ainda assim, evocadas em 'Linda Romã', 'Ai Que Bom Que É' ou 'A Doença do Pomar Tropical'.) A maioria das faixas do álbum movem a ritmo de 'bailarico', ideal para animar festas de Carnaval ou de Verão de aldeia, e o instrumental do tema-título permite, até, perceber onde os Mamonas Assassinas foram buscar inspiração para a sua paródia da música popular portuguesa em 'Vira-Vira'. Aqui e ali, há uma tentativa de diversificar a sonoridade ou apresentar outras influências (sobretudo brasileiras, como em 'O Barco das Bananas', ou latinas) mas a base musical de Croquete, pelo menos neste álbum, fica mesmo no domínio do 'pimba', embora neste caso dirigido a um público mais jovem.

Curiosamente, apesar de a sua carreira ter continuado, com participações televisivas e milhares de espectáculos de Norte a Sul do País, Croquete só voltaria a gravar novo disco mais de uma década e meia depois de 'Muita Fruta'; sem surpresa, dada a imutabilidade e intemporalidade geracional da música 'pimba', o novo disco oferece mais do mesmo, ficando na linha de outras produções dirigidas a um público infantil, tal como já acontecia com o seu antecessor na respectiva época. Quanto ao intérprete em si, apesar da menor projecção mediática em relação ao ex-parceiro, o mesmo manter-se-ia na activa, tendo já celebrado a marca de quarenta anos a fazer rir as crianças portuguesas – um feito notável para aquele que foi não só o pioneiro da 'palhaçada' em solo nacional, como também um artista discográfico mais bem sucedido do que alguém poderia imaginar...

 

23.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

No dealbar do ano de 1998, um álbum dominava os tops nacionais de música – um álbum que se viria a tornar um dos mais bem-sucedidos de sempre, atingindo uma impressionante quádrupla platina. Tratava-se de 'Saber A Mar', sexto trabalho de originais de um dos grupos favoritos dos adolescentes portugueses das décadas de 80 e 90: os icónicos Delfins.

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De facto, apesar de o referido trabalho os ter catapultado para todo um novo nível de sucesso, os Delfins contavam já com mais de uma década 'na ribalta' aquando do seu lançamento em 1996, sendo um dos nomes mais sonantes da vaga de 'pop-rock' surgida no nosso País durante essas duas décadas ao lado de nomes como Xutos & Pontapés, GNR e Rádio Macau, com os quais partilhavam características como as letras em português e o registo distinto do seu vocalista, o 'bonitão' Miguel Ângelo, também integrante do projecto Resistência. 'Hits' como 'Nasce Selvagem' e 'Um Lugar ao Sol' garantiam ao grupo presença assídua nas principais estações de rádio da época, e ajudavam a manter o colectivo no 'radar' cultural nacional.

O sucesso da banda não se cingia, aliás, aos territórios nacionais, sendo que, por alturas do lançamento do trabalho em causa, o grupo português havia já realizado espectáculos na Expo '92, em Espanha, na sala Zénith, em Paris, e na prestigiada Brixton Academy, de Londres; já dentro de portas, o grupo esgotava concertos por onde passava, fosse a abrir para Tina Turner em Alvalade,, a inaugurar 'de surpresa' o icónico Johnny Guitar ou a 'aquecer' literalmente a plateia no tradicional espectáculo de Ano Novo no Terreiro do Paço, todos em 1990. O Pavilhão Carlos Lopes, a Festa do Avante e o Coliseu dos Recreios de Lisboa foram alguns dos outros icónicos certames a presenciar a ascensão do grupo ao panteão do 'pop-rock' nacional durante aquela que foi a sua época de afirmação definitiva – e que, como já foi referido, acabaria em apoteose, com Miguel Ângelo e companhia a bater recordes de vendas com o seu sexto álbum, a tocarem na Expo '98 e a consumarem a tentativa de internacionalização com um álbum de temas adaptados para o Espanhol ('Azul', de 1998), já depois de o seu líder ter participado, como juiz, no mega-sucesso da SIC, 'Chuva de Estrelas', e dado a voz ao cowboy Woody na excelente dobragem nacional de 'Toy Story - Os Rivais', em 1995.

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Capa do grande êxito do grupo.

Infelizmente, esta tendência não se manteria no Novo Milénjo – apesar dos lançamentos regulares e consistentes (entre álbuns de originais, ao vivo, colectâneas e DVDs, foram onze registos) e da manutenção de um público fiel que 'crescera' com eles, a banda não mais veria os níveis de sucesso atingidos por volta de 1997, inserindo-se antes na categoria de 'instituição nacional', ao lado da maioria dos grupos da mesma vaga. Ainda assim, o estatuto do grupo ainda lhes permite viajar até ao Canadá e a Macau, tocar num cruzeiro em Marrocos, participar na segunda edição do concurso 'Operação Triunfo', e actuar em locais tão icónicos da Grande Lisboa como o Casino Estoril e o Centro Cultural de Belém, bem como no Rivoli do Porto.

Mesmo com toda esta projecção – ou talvez por causa dela – o grupo surpreendia a cena musical portuguesa ao anunciar um hiato, em 2009 – o qual acabaria por durar uma década, tendo a banda cascalense voltado a reunir-se em 2019 para um concerto nas Festas do Mar de Cascais, e celebrado no ano seguinte os quarenta anos de carreira; e embora, a este ponto, o futuro dos Delfins permaneça incerto, a sua trajectória já mais que justificou o seu estatuto de 'lendas' da música portuguesa – para o qual o álbum mais vendido em Portugal no ano de 1997 contribuiu de forma definitiva...

09.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Depois de na passada edição desta rubrica termos verificado a prevalência de um disco sobre todos os outros no que toca a volumes de vendas durante o ano de 1992, nada melhor do que dedicarmos algumas linhas ao grupo que os lançou, e que constituiu talvez o primeiro 'supergrupo' cem por cento português, anos antes dos Rio Grande: o projecto Resistência.

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Centrado em torno de Pedro Ayres de Magalhães, guitarrista dos Madredeus, este projecto reuniu músicos de várias das maiores bandas do cenário musical português, com ênfase no pop-rock, mas aberto também a outros estilos. A formação inicial, por exemplo – a que participou numa sessão experimental durante a Feira do Livro de Lisboa de 1989 – contava com a colega do fundador nos Madredeus, Teresa Salgueiro, ao lado de Anabela Duarte, dos Mler Ife Dada, e Filipa Pais, então dos Lua Extravagante.

As 'senhoras' acabariam, no entanto, por não colaborar com o músico além dessa sessão (se descontarmos, claro, a carreira dos próprios Madredeus), sendo substituídas por um elenco de luxo: Tim (dos eternos Xutos), Miguel Ângelo (dos então super-populares Delfins) e um ainda desconhecido Olavo Bilac, ainda a um par de anos de explodir com os Santos & Pecadores, bem apoiados por uma banda onde se destacavam Fernando Cunha (também dos Delfins) José Salgueiro (dos Trovante) e o veterano guitarrista-acompanhante Fernando Júdice (mais tarde também dos Madredeus).

Seria com este alinhamento que a banda viria a lançar o álbum que dominou as vendas fonográficas em Portugal em 1992, mas que na verdade foi composto e lançado no ano anterior – a estreia 'Palavras ao Vento', cujo alinhamento é um verdadeiro desfilar de êxitos dos músicos envolvidos, de 'Nasce Selvagem' e 'Não Sou o Único' (estrondosa duologia de abertura) ao final com 'Circo de Feras'. O denominador comum em todas estas regravações era uma maior ênfase na voz por oposição à tradicional estrutura pop-rock, uma proposta que acabava por diferenciar o grupo das bandas originais dos seus integrantes, e que contribuiu para o seu considerável, ainda que breve, sucesso.

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A estrondosamente bem-sucedida estreia do grupo.

O êxito de 'Palavras' motivou o grupo à gravação, ainda em 1992, de um segundo álbum, o também excelente 'Mano A Mano', que contava com novas versões de músicas como 'Um Lugar ao Sol', 'Amanhã É Sempre Longe Demais', 'Traz Outro Amigo Também' (de Zeca Afonso) e a pré-memética 'Timor', que qualquer 'puto' da época cantava no tom mais gozão possível para divertir os amigos no recreio.

600x600bf-60.jpgO segundo álbum do grupo.

Mais uma vez, o sucesso foi considerável, e no ano seguinte (há pouco menos de trinta anos) era lançado um disco ao vivo do grupo, 'Ao Vivo no Armazém 22', que incluía algum material original em meio às versões. Ainda em 1993, o grupo é convidado a participar no primeiro espectáculo 'Portugal Ao Vivo', com lugar no Estádio José Alvalade, em Lisboa.

ed169702341bb7ca4b0e2bda4a863eed.1000x1000x1.jpgO registo ao vivo de 1993

Com tanto sucesso e procura, nada fazia prever o fim dos Resistência – e, no entanto, foi precisamente isso que sucedeu. O grupo ainda participaria em discos de tributo a Zeca Afonso e António Variações (ambos de 1994), mas o contratualizado quarto álbum para a BMG nunca se chegaria a materializar, sendo que o grupo se viria a dissolver em 1995, quando os músicos decidiram prioritizar os seus projectos de origem.

Mas como na música – tal como na banda desenhada – ninguém nunca 'desaparece' de vez, também os Resistência se viriam, eventualmente, a reunir, ainda que tal efeméride viesse a demorar nada menos do que dezassete anos. Foi em 2012 que o lançamento de uma colectânea e um par de concertos de celebração de vinte anos, em Lisboa e Guimarães, dariam azo a uma mini-turnê, com passagem por mais uma edição do Portugal ao Vivo, desta vez no Estádio do Restelo, também em Lisboa. Dois anos volvidos, aquilo por que já ninguém esperava viria mesmo a acontecer: saía o quarto álbum dos Resistência, intitulado 'Horizonte' e lançado na editora de sempre, a BMG. A premissa, essa, era exactamente a mesma que fizera o sucesso do grupo duas décadas antes: novas versões de músicas de grupos como Madredeus, Rádio Macau, Delfins e Xutos.

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O álbum de regresso do grupo.

Estava dado o mote para um ressurgimento de carreira que – até à data – inclui mais dois álbuns de estúdio (em 2018 e 2019) e dois ao vivo (em 2016 e 2020), provando que a 'primeira vaga' de pop-rock nacional, e respectivos intérpretes, continuam a ter um mercado bem definido, o qual, por comparação aos próprios músicos que compõem esse movimento, nada fica a dever em Resistência...

26.12.22

NOTA: As informações contidas neste 'post' têm por base dados recolhidos do 'blog' Topdisco.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

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Numa altura em que a época natalícia está oficialmente encerrada (ou quase) e em que se caminha a passos largos para o final de mais um ano, achámos por bem embarcar na habitual maré de estimativas, listas e somatórios totais de tudo e mais alguma coisa, ainda que, naturalmente, com o nosso próprio traço distintivo - no caso, o facto de estarmos a analisar os 'tops' musicais nacionais não do ano que ora finda, mas de há, respectivamente, três décadas e um quarto de século (1992 e 1997).

Como se poderá decerto imaginar (sobretudo se se viveu a respectiva era temporal) ambas estas listas são significativamente diferentes, não só das actuais, mas até mesmo entre si; numa época em que a passagem de meia dúzia de anos implicava tendências por vezes diametralmente opostas, não é, de todo, de admirar que as mesmas se reflictam no tipo e volume de discos vendidos nos dois anos em análise. O que, sim, surpreende, são certas outras 'nuances' que se percebem ao analisar os 'tops' lusos de finais do século XX, e que talvez se afirmem como inesperados para os membros mais novos ou distraídos da geração daquele tempo.

O top de 1992, por exemplo, revela a força e influência que a música portuguesa tinha naquela que era uma das suas épocas áureas - suficientes, neste caso, para fazer com que o colosso 'Nevermind', dos Nirvana, fosse destronado não por um, mas por DOIS lançamentos nacionais, que tomavam para si os dois primeiros lugares da parada daquele ano: por um lado, 'Palavras ao Vento', do supergrupo Resistência, e por outro, o histórico 'Rock In Rio Douro', dos GNR cuja popularidade fora cimentada pelo bombástico e memorável concerto dado pelo grupo no antigo Estádio de Alvalade, em Abril daquele ano (ambos, aliás, lançamentos a que, paulatinamente, daremos atenção neste mesmo espaço.)

Atrás destes dois marcos do pop-rock nacional (e do ainda mais marcante documento histórico de Cobain e companhia) perfilavam-se discos de alguns dos 'suspeitos do costume' da época, dos Scorpions, Simply Red e Guns'n'Roses (todos então ainda em alta) aos 'recuperados' ABBA e Queen (que surgiam em dose dupla, com o excelente 'Greatest Hits II', uma das melhores colectâneas de rock de sempre, e o não menos clássico 'Live at Wembley '86'); e apesar de nenhum dos outros oito representantes da lista ser oriundo de Portugal, nada pode retirar aos dois grupos do topo a sensação de triunfo e 'conquista' do seu próprio país, bem como de 'dever cumprido' na prossecução de um marco histórico para a música portuguesa.

O triunfo da língua portuguesa sobre propostas internacionais cantadas em inglês é, aliás, uma característica em comum entre as duas tabelas em análise, já que também o 'top' de 1997 apresenta o padrão de dois discos lusos situados acima de um 'colosso' de vendas oriundo do estrangeiro. Neste caso, os dois 'conquistadores' são 'Quase Tudo' de Paulo Gonzo - cujo sucesso foi, em grande parte, movido pelo sucesso retumbante da regravação do mega-êxito 'Jardins Proibidos', ao lado de Olavo Bilac, dos também mega-populares Santos e Pecadores - e 'Saber A Mar', dos perenes Delfins, ambos os quais se superiorizaram, em território luso, ao fenómeno Spice Girls, cujo histórico álbum de estreia não logrou ir além do terceiro lugar.

Já as restantes posições reflectiam um domínio ainda maior da música portuguesa em relação a cinco anos antes, já que - além dos dois artistas de topo - também o super-projecto Rio Grande e o malogrado António Variações se lograram 'imiscuir' no top, onde a língua portuguesa era, ainda, representada pela brasileira Daniela Mercury, cujo clássico 'Feijão com Arroz' continuava, um ano depois, a mover unidades no mercado nacional. Do contingente internacional, além do 'girl group' britânico, marcavam presença na tabela Andrea Bocelli (uma daquelas 'anomalias' que por vezes acontecem no mercado 'pop'), os rapidamente esquecidos Kelly Family, e a 'resposta' masculina às Spice Girls, os Backstreets Boys, que davam então os primeiros passos daquilo que seria uma célere e bem-sucedida caminhada rumo ao mega-sucesso internacional.

Duas listas muito diferentes, portanto, mas que continham, ainda assim, um ponto em comum - a presença de (boa) música portuguesa entre os maiores sucessos de vendas, uma tendência que se viria a verificar progressivamente menos com o passar dos anos e das décadas. Também por isso, os dois tops servem como uma interessante 'cápsula temporal' das sociedades portuguesas de inícios e finais dos anos 90, tão diferentes entre si como o são da actual - e não apenas no mundo da música...

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