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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

08.12.24

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Quando se fala em emblemas históricos do futebol português, entretanto desaparecidos ou caídos em desgraça, existem, desde logo, alguns nomes incontornáveis. Campomaiorense, Beira-Mar, Tirsense, Felgueiras ou Espinho são apenas alguns dos clubes que os jovens de finais do século XX se habituaram a ver nas cadernetas anuais da Panini, e que, hoje em dia, se encontram muito longe desses anos áureos, não mais tendo logrado recuperar a popularidade de que gozavam nesses tempos. No entanto, talvez o nome maior dessa lista seja o clube cuja encarnação original completa este fim-de-semana cento e dez anos de existência (sem contar com três em que se encontrou inactivo), e que viveu os seus tempos áureos, precisamente, na última década do Segundo Milénio. Falamos do Sport Comércio e Salgueiros (vulgarmente conhecido apenas pelo seu último nome), o 'Benfica do Norte' que era conhecido por fazer a 'vida negra' aos adversários que visitavam o extinto Estádio Vidal Pinheiro, hoje uma estação de Metro com o mesmo nome do clube e da zona onde o mesmo se situava.

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Fundado em 1911, foi, no entanto, na década de 30 que o Salgueiros adquiriu a sua identidade, ao fundir-se com o também local Sport Comércio para dar origem ao clube que a classe operário portuense se habituaria a seguir. De facto, longe do elitismo dos outros clubes da cidade, nomeadamente o rival Boavista, o Salgueiros era uma agremiação declaradamente popular, o que ajudou a fomentar a sua popularidade naquelas primeiras décadas, e lhe outorgou o seu lugar no panorama futebolístico português.

No entanto, apesar do carinho que lhe era dispensado pelos trabalhadores portuenses, o clube apenas conseguiu deixar de fazer parte do 'pelotão' de emblemas da então II Divisão de Honra, e aspirar a mais altos vôos, volvidos quase oitenta anos desde a sua formação, e cinquenta desde a junção ao Sport Comércio; de facto, seria apenas já nos primeiros meses da década de 90 que o clube almejaria a sua segunda subida à divisão principal do futebol nacional, após quase quatro décadas e meia no segundo escalão. E se a primeira subida pouco tivera de notável ou extraordinário, esta 'segunda oportunidade' viria mesmo a colocar o clube portuense no 'mapa' de emblemas a ter em conta no futebol português, tornando-o num dos 'crónicos' da antiga Primeira Divisão, e proporcionando-lhe mesmo uma inédita experiência europeia, embora a mesma não tenha ido além de uma eliminação a duas mãos frente ao Cannes, de França, a contar para a primeira eliminatória da Taça UEFA 91-92, após ter conquistado o quinto lugar do campeonato na época anterior.

Foi também neste período que o clube se afirmou como 'viveiro' de jovens talentos, tendo produzido ou ajudado a notabilizar futuros craques como Deco, Sá Pinto, Feher, Nandinho ou Moreira (histórico guardião do Benfica parcialmente formado no clube) e visto ainda passar pelas suas fileiras veteranos como Silvino, Panduru ou Iliev, os quais, embora já longe dos seus tempos de glória, não deixaram ainda assim de dar o seu contributo para a História do mítico emblema. E embora essa mesma História tenha tido um final tudo menos feliz (com o clube a ser despromovido 'na secretaria' para as divisões amadoras, e subsequentemente extinto, por questões financeiras, na época 2004-05), o Salgueiros logrou 'recomeçar do zero', renascendo das cinzas em 2008, muito longe da grandeza de outros tempos mas, ainda assim, vivo. Mais de quinze anos volvidos, o clube não conseguiu ainda regressar ao nível a que os adeptos dos anos 90 se habituaram a vê-lo, mas mantém ainda assim a esperança de, um dia, conseguir voltar a inscrever o seu nome entre os 'grandes' do futebol português, tal como sucedeu nessa época. Parabéns, e que conte ainda muitos.

17.09.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Se houve posição em que o futebol português foi prolífico, essa posição foi a de avançado-centro; afinal, esta foi a década que revelou nomes como Mário Jardel, Alberto Acosta, Nuno Gomes, Claudio Canniggia, Domingos Paciência ou Marius Niculae, entre muitos outros. Mesmo fora do 'eixo' dos 'três grandes', iam paulatinamente surgindo nomes que não deixavam de entusiasmar mesmo os adeptos de outros clubes, como foi o caso, por exemplo, com Karoglan, Fary, Elpídio Silva, ou o jogador de que falamos este Domingo, que chegou a Portugal pela porta insular, há exactos trinta anos, e se viria a revelar, em épocas vindouras, parte importante das campanhas vitoriosas de dois dos três maiores clubes nacionais.

Falamos de Edmilson Gonçalves Pimenta, talvez o mais conhecido dos vários jogadores (curiosamente, todos avançados) que partilhavam o seu nome durante aquela mesma época do futebol nacional, e um dos dois cuja carreira teve início no arquipélago da Madeira. Mas enquanto o seu homónimo do Marítimo (que antes jogara também pelo Nacional) nunca viria a dar o 'salto' (embora tivsse sido herói nos Barreiros durante a referida década), 'este' Edmilson conseguiria fazer chegar a sua carreira a um patamar superior, tornando-se assim uma adição ideal à nossa rubrica Caras (Des)conhecidas, precisamente no dia em que completa cinquenta e dois anos de idade.

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O jogador com a camisola que o notabilizou.

Nascido no remoto estado brasileiro do Espírito Santo, em 1971, Edmilson iniciou a carreira sénior na local Associação Académica Colatina, aos dezoito anos, fazendo uma única época no clube antes de se transferir para o Esporte Clube Democrata, do estado de Minas Gerais; mais uma vez, a sua presença no clube mineiro duraria não mais do que uma época, após a qual a sua vida e carreira se veriam para sempre alteradas.

De facto, o defeso de Verão da época 1993/94 veria o brasileiro rumar a Portugal, para representar o Nacional da Madeira, então na Segunda Divisão de Honra. Ao contrário de tantos outros conterrâneos que até hoje rumam anualmente ao nosso País, no entanto, o avançado rapidamente se viria a destacar, afirmando-se como parte fulcral da campanha do Nacional naquela temporada, pesem embora os apenas quatro golos com que contribuiu para a mesma, ao longo de trinta jogos. Assim, não foi de surpreender que a época seguinte visse o brasileiro transitar para o principal escalão do futebol português, para representar outro histórico do mesmo, o Sport Comércio e Salgueiros, então a atravessar talvez a melhor fase da sua História. O novo desafio não intimidou, no entanto, o brasileiro, que viria a explanar a sua veia goleadora e a deixar a sua marca na época 1994/95 da equipa, atingindo os quinze golos em trinta e quatro partidas, e despertando o interesse do ''grande' local, o Futebol Clube do Porto – também, à época, em fase hegemónica - com o qual assinaria no final da temporada.

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O cromo do jogador na caderneta da Panini relativa à época 1994/95, quando representou o Salgueiros.

E se este é o patamar que fez 'tropeçar' tantos e tantos jogadores ao longo dos anos, tal não se verificou com o brasileiro; antes pelo contrário, Edmilson 'somaria e seguiria' com a camisola listrada de azul e branco, sendo peça fulcral na conquista do bi- e tri-campeonatos por parte do Porto, numa série que apenas seria interrompida pelo futuro clube do avançado, já no final do Milénio, e que veria os 'Dragões' conquistar o penta-campeonato. Nas duas épocas que passaria nas Antas, o brasileiro afirmar-se-ia como titular quase indiscutível ao lado de nomes como Aloísio, Jorge Costa, Carlos Secretário, Paulinho Santos, Sergei Yuran ou Zahovic, e conseguiria uma média de quinze golos por temporada, confirmando as indicações que havia deixado ainda ao serviço do 'vizinho' mais modesto.

Tendo em conta a preponderância do brasileiro no esquema táctico e forma de jogar dos 'Dragões', também não é de admirar que o mesmo tenha despertado a cobiça de clubes estrangeiros, tendo o início da temporada 1997/98 visto o avançado rumar ao único país não lusófono em que jogaria em toda a carreira, a França, para assinar pelo Paris Saint-Germain. Se o salto para um 'grande' não havia feito abrandar a carreira de Edmilson, no entanto, este outro 'obstáculo' típico para futebolistas profissionais viria mesmo a conseguir esse desiderato, tendo o brasileiro passado pouco mais de meia época em Paris, e almejado apenas dezoito presenças pelo seu novo clube, sem golos, antes de rumar novamente a Portugal.

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Foto de plantel do avançado durante a curta estadia no Paris Saint-Germain.

Mas se, nesta fase, o passo mais fácil e lógico seria o do regresso à 'casa' onde fora feliz, as Antas, Edmilson viria a surpreender tudo e todos ao assinar, não pelo Porto, mas por um dos rivais lisboetas, no caso o Sporting, aonde ainda chegou a tempo de realizar onze partidas e marcar três golos até final da temporada 1997/98. Estava dado o mote para mais duas épocas completas nos 'leões' de Alvalade, em que, sem ser titular indiscutível – dada a riqueza e qualidade dos seus concorrentes para a linha da frente – ainda almejou umas honrosas vinte e cinco presenças por temporada, contribuindo com um total de doze golos (dez deles na campanha de 1998/99) e juntando mais um título de Campeão Nacional ao seu palmarés, aquando da quebra do 'jejum' de quase duas décadas por parte dos verdes e brancos. Curiosamente, durante a sua estadia no clube, o avançado alinhou com a camisola 10, que se tornaria mais tarde sinónima, em Alvalade, de um outro avançado raçudo, sisudo e de farta 'melena' de cabelo, e que, ainda mais curiosamente, deixara o Salgueiros imediatamente antes da chegada do brasileiro ao clube: Ricardo Sá Pinto.

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Edmilson no Sporting.

A época seguinte parecia iniciar-se da mesma forma auspiciosa que as anteriores, tendo Edmilson participado em quinze jogos e conseguido quatro golos na primeira metade da campanha; o mercado de Inverno, no entanto, veria o jogador regressar ao seu Brasil natal, agora para representar um dos 'grandes' históricos do Brasileirão, o Palmeiras, de São Paulo. Seriam apenas sete as partidas com a nova camisola verde e branca, no entanto, antes de o avançado 'regressar ás origens' e assinar pelo mesmo Colatina que o vira iniciar formalmente a sua carreira. Ali permaneceria duas épocas antes de lhe ser oferecida nova oportunidade de regressar a Portugal, novamente para jogar na Segunda Divisão, agora ao serviço do Portimonense.

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Nos tempos do Portimonense.

No Algarve, o avançado conseguiria mais uma boa época, com nove golos em cerca de vinte e cinco partidas, que suscitariam o interesse dos noruegueses do Lyn; mais uma vez, no entanto, ficariam patentes as dificuldades de Edmilson em jogar em países fora do eixo Brasil-Portugal, e o avançado viria a realizar apenas oito partidas pelos nórdicos, sem golos, antes de 'regressar a casa' e assinar novamente pelo Colatina para a ponta final da época 2004/2005. Na temporada seguinte, nova tentativa de se 'aventurar' pela Europa, agora como parte do plantel do Visé, da Bélgica, que desmentiu o velho ditado que diz que 'não há duas sem três', tendo o avançado participado numas míseras três partidas naquela que foi a sua última aventura fora de um país lusófono.

O início da época de 2007 via Edmilson, então já com trinta e quatro anos e no ocaso da carreira, surgir vinculado ao mais insólito de todos os clubes da sua carreira, e quiçá o mais insólito de qualquer jogador a ter figurado nesta rubrica: a desconhecida Associação Desportiva Cultural Recreativa e Social de Guilhabreu, dos campeonatos distritais portugueses! Duraria pouco, no entanto, a estadia de Edmilson no modestíssimo emblema vila-condense, vindo o avançado a rumar ao Brasil, ainda nessa mesma temporada, para terminar a carreira no mesmo local onde a iniciara: a AA Colatina, do seu estado natal, que também chegaria a treinar.

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Em 2016, com a camisola do ES Espírito Santo, de que era então presidente.

Ao avaliar uma carreira que se expandiu ainda a cargos técnicos no Nazarenos (director desportivo), Espírito Santo e Guarda Desportivo (dos quais foi presidente), fica a imagem de um avançado rápido, móvel e com algum faro de golo, daqueles que davam 'dores de cabeça' aos defesas adversários, cujo percurso conta com vários merecidos troféus a nível nacional, e a quem só faltou mesmo mais um pouco de adaptabilidade aquando das várias 'aventuras' fora do seu país de acolhimento; tanto assim que, exactos trinta anos após a sua chegada a terras lusitanas, o seu nome continua a ser, merecidamente, incluído em qualquer lista de grandes avançados dos campeonatos portugueses de finais do século XX. Parabéns, Edmilson, e que conte muitos.

23.07.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

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O jogador com a última camisola que envergaria.

Era só mais uma jornada, de só mais um Campeonato Nacional da Primeira Divisão. O Benfica viajava até Guimarães para defrontar o Vitória local, numa fria noite de Janeiro de 2004. Do banco, saltava um avançado loiro, contratado a custo zero após rescisão com o FC Porto, e que vinha, a pouco e pouco, conquistando o seu espaço na equipa. E a verdade é que, neste jogo, o mesmo jogador não tarda a deixar a sua marca, fazendo a assistência para o golo da vitória dos encarnados, o único da partida, marcado por Fernando Aguiar. Mais tarde, o mesmo jogador seria admoestado com um cartão amarelo e, em reacção, esboçaria um sorriso irónico e inclinar-se-ia para a frente, pondo as mãos nos joelhos; momentos mais tarde – mas que pareceram uma eternidade – colapsaria no terreno de jogo, suscitando acção imediata por parte das equipas médicas de ambos os clubes, bem como do INEM, que levaria o jogador de urgência para o hospital. Infelizmente, o jovem não viria a conseguir recuperar do acidente cardíaco e, nesse mesmo dia, era noticiado o seu falecimento, aos vinte e quatro anos de idade. Chamava-se Miklos Feher, teria feito há poucos dias quarenta e quatro anos, e a sua morte é ainda hoje lembrada por qualquer adepto português daquela época como talvez a maior tragédia de sempre no desporto-rei nacional.

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A primeira experiência de Feher fora da Hungria foi a sua passagem atribulada pelo Porto.

Do que muitos talvez não se recordem, no entanto, é que Feher vinha já fazendo uma carreira honrosa em Portugal antes da sua chegada à Segunda Circular lisboeta, tendo sido Cara (Des)conhecida num par de 'históricos', e tido mesmo a sua afirmação num deles. Contratado pelo FC Porto ao Gyori ETO, da sua Hungria natal, no defeso de Verão de 1998, pouco antes ou pouco depois de completar dezanove anos de idade (nasceu a 20 de Julho de 1979), o ponta-de-lança já internacional sub-21 pelo seu país ver-se-ia, no entanto, sem espaço no plantel portista da altura, tendo conseguido amealhar apenas dez presenças pela equipa principal dos Dragões (um golo) e mais sete pela equipa B (dois golos) antes de seguir o habitual percurso de empréstimos para ganhar experiência.

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O jogador no Salgueiros...

A primeira paragem foi o 'vizinho' Salgueiros, onde ingressou logo no dealbar do ano 2000, ainda a tempo de efectuar catorze jogos e contribuir com cinco golos; já a primeira época completa do Milénio vê-lo-ia afirmar-se no Braga, onde marcaria catorze golos em vinte e seis jogos, uma média de mais de um golo a cada dois jogos. Pelo meio, ficariam ainda vinte e cinco internacionalizações pela equipa A da Hungria, pela qual marcaria sete golos.

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...e no Braga, onde faria a sua melhor época.

Seriam estas boas exibições que viriam a despertar o interesse do Benfica, com o qual Feher assinaria contrato no final da época 2001-2002, após mais uma temporada 'gorada' no Porto, e por quem chegaria aos trinta jogos e sete golos, sendo opção regular a partir do banco, e ganhando aos poucos a confiança dos adeptos. Tudo viria, no entanto, a terminar naquela noite de Janeiro, em que a morte ceifaria uma carreira que, caso contrário, talvez ainda tivesse continuado durante pelo menos mais uma década, quiçá nas divisões inferiores, ou em outros 'históricos' das ligas portuguesas, até se dar a inevitável transição para o posto de treinador, que talvez ainda ocupasse nos dias de hoje.

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A estátua a Feher no Estádio da Luz.

Tal como sucedeu, no entanto, a História trataria de eternizar Miklos Feher como aquele jovem de 'farripas' loiras e sorriso malandro, vestido com a camisola encarnada com patrocínio da Vodafone, que tiraria um momento para descansar no fim de um jogo físico e intenso, e não tornaria a levantar-se, e que é hoje homenageado com uma estátua no Estádio da Luz, e tributado sempre que uma equipa húngara visita Portugal. Que descanse em paz.

04.06.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Apesar de a maioria dos 'símbolos' de um clube (em qualquer modalidade) serem, tradicionalmente, oriundos das camadas de formação do mesmo, tal nem sempre é o caso; por vezes, surgem jogadores contratados de fora, já em idade sénior, mas que, ao deixarem o respectivo clube, o levam na boca e no coração, permanecendo para sempre adeptos do mesmo, e por vezes até surgindo ligados à estrutura. Os anos 90 não foram excepção neste aspecto, antes pelo contrário; só nos três 'grandes', existiam vários exemplos deste fenómeno, entre eles nomes tão icónicos como Aloísio, Nuno Gomes, João Vieira Pinto, Ivaylo Yordanov, Alberto Acosta, Krasimir Balakov e o jogador de que falamos hoje, um membro da Geração de Ouro que, apesar de até hoje merecer o apelido 'Coração de Leão', não iniciou a sua carreira nas 'escolinhas' de Alvalade, tendo chegado ao Sporting Clube de Portugal já 'homem feito', mas ainda mais do que a tempo de se tornar um ídolo e referência dentro do clube.

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O jogador com a camisola com que se notabilizou.

Falamos de Ricardo Manuel Andrade e Silva Sá Pinto – normalmente conhecido apenas pelos seus dois últimos apelidos – aquele segundo avançado de fartas sobrancelhas e penteado à 'jogador da bola', tão conhecido pela sua raça dentro de campo como pelo seu feitio complicado, eternizado no infame murro ao então Seleccionador Nacional, Artur Jorge, a 26 de Março de 1997, que lhe valeu uma suspensão de um ano de jogos internacionais.

Muito antes disso, no entanto – muito antes, aliás, de qualquer tipo de actividade internacional – Ricardo 'Coração de Leão' era uma jovem estrela em ascensão, não no centro de Lisboa, mas sim da 'outra' capital portuguesa, onde despontara para o futebol enquanto membro da formação do Futebol Clube do Porto, onde ingressara com tenros dez anos, e se notabilizara ao serviço do histórico Salgueiros, emblema onde completaria a formação e faria as suas três primeiras épocas como sénior. Corriam os primeiros anos da década de 90 (concretamente, a época 1991/92) quando um talentoso adolescente surge pela primeira vez ao serviço dos alvirubros nortenhos, dando imediatamente nas vistas pela raça e talento muito acima da média para um jogador da então II Divisão de Honra. Na época seguinte, surge a oportunidade de explanar o seu futebol no escalão principal, onde se estreia a 30 de Agosto de 1992, como suplente num jogo contra o Farense, e menos de dois anos depois, já com créditos firmados no seio da sua equipa, Sá Pinto era já peça fulcral na Selecção Nacional Sub-21 que chegaria à final do Campeonato Europeu da categoria no Verão de 1994.

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O avançado ao serviço do Salgueiros.

Tão meteórica ascensão não podia, é claro, passar despercebida a um 'grande', e é sem surpresas que os adeptos do Salgueiros se despedem de Sá Pinto imediatamente após o supracitado torneio, altura em que o jovem, ainda com apenas 22 anos, ruma à capital para assinar pelo Sporting, onde virá a passar as próximas três épocas, afirmando-se como peça progressivamente mais e mais importante dentro do colectivo; logo naquela primeira época, por exemplo, ajuda o clube a conquistar a Taça de Portugal, e posteriormente a Supertaça, no início da temporada seguinte. No total, são mais de setenta e cinco os jogos realizados pelo avançado nessa sua primeira passagem pelos 'verdes e brancos', e vinte os golos marcados – números apenas ligeiramente aquém dos conseguidos no Salgueiros no período análogo, e que lhe valem, com naturalidade, a presença regular também no 'onze' da Selecção Nacional, pelo menos até ao supracitado 'desaire' com Artur Jorge.

Tal como acontecera no seu clube original, aliás, o papel determinante do avançado no seio da sua equipa voltaria a atrair atenções alheias no defeso de Verão de 1997 – desta feita, do estrangeiro, concretamente da vizinha Espanha, próximo destino do avançado, que assina pela Real Sociedad.

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Sá Pinto na Real Sociedad.

Depois de mais três épocas de alto nível no país vizinho (apesar dos apenas seis golos, um dos quais na estreia, o avançado consegue amealhar um total de setenta partidas, afirmando-se como peça importante também no colectivo espanhol) o dealbar do Novo Milénio veria Ricardo 'Coração de Leão' regressar à 'casa adoptiva', a tempo de voltar a ser herói; desta feita, seriam seis as épocas e quase cem os jogos realizados pelo raçudo internacional português, que contribuía com catorze golos para as conquistas dos 'Leões' neste período, entre as quais se contam mais duas Supertaças e, claro, o troféu de Campeão Nacional na época 2001/2002.

Feitos suficientes para, apesar de não ter acabado a carreira no Sporting (fez ainda uma época na Bélgica, ao serviço do Standard Liége), Sá Pinto merecer a consideração e o carinho dos adeptos leoninos, para os quais se tornou ídolo, e que – aquando da inevitável transição para o cargo de treinador, no início da década de 2010 – o receberam de braços abertos, ainda que a sua inexperiência na função o tenha impedido de alterar os destinos do clube do coração, então numa fase difícil em termos de resultados. Nada, no entanto, que tenha travado ou prejudicado a carreira de Ricardo enquanto treinador, que subsiste até hoje, contando já com passagens por clubes como o Red Star Belgrado, Belenenses, Sporting Clube de Braga, Gaziantep, Vasco da Gama, Moreirense e duas passagens pelo Atromitos, da Grécia, entre outros clubes de menor expressão.

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Sá Pinto o treinador.

Para quem seguia o Campeonato Nacional durante a última década do século XX, no entanto, não é aquele 'senhor' de 'fatinho' que o nome Sá Pinto invoca, mas sim o intratável segundo avançado que foi ídolo por onde passou, deu uma 'murraça' no Seleccionador Nacional por o ter deixado de fora de um jogo, e 'comia a relva' sempre que entrava em campo – fosse ao serviço do Salgueiros, aos dezanove anos, ainda como Cara (Des)conhecida do futebol português, ou do Standard Liége, aos trinta e quatro, enquanto internacional de créditos firmados. Uma figura inimitável, portanto, e que, pesem embora algumas controvérsias, se afirmou como exemplo de muitas das características que se pedem a um jogador de futebol de topo.

20.12.21

NOTA: Este post é correspondente a Domingo, 19 de Dezembro de 2021.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Em dezanove de cada vinte épocas, o futebol português pauta-se pela previsibilidade. Longe de uma Premiership, onde as lutas se desenrolam, a maioria das vezes, a cinco ou a seis, no campeonato nacional da Primeira Divisão os tres primeiros lugares da tabela classificativa são, normalmente, cativos, restando apenas a dúvida sobre a ordem em que são ocupados, e mesmo os três seguintes acabam, regra geral, por ir para as mesmas duas ou três equipas, sendo que neste caso, apenas a identidade das mesmas muda consoante a década.

Por vezes, no entanto, dá-se uma surpresa que causa um pequeno 'abanão' no paradigma futebolístico nacional. O mais lembrado destes é, claro, o campeonato ganho pelo 'outsider' Boavista, mas existem pelo menos mais duas ocasiões de desfecho inesperado só na década de 90, curiosamente ambas relacionadas com participações de emblemas historicamente 'pequenos' na prova então conhecida como Taça UEFA; da vitória do Beira-Mar na Taça de Portugal, ao cair do pano  da década, já aqui falámos, pelo que chega a altura de falar da outra surpresa, perpetrada no extremo oposto da década por outro 'histórico' de meio da tabela, um nome tão ou mais surpreendente do que o do próprio Beira-Mar.

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A equipa que (quase) fez história na Taça UEFA.

Corria o Verão de 1991 quando, no final da primeiríssima época completa da nova década, um concorrente inesperado conquistava o quinto lugar da prova-mor do futebol nacional, carimbando assim o acesso à pré-eliminatória da Taça UEFA; tratava-se do Sport Comércio e Salgueiros, clássico das cadernetas de cromos da Panini que, em anos futuros, viria a albergar pelo menos uma estrela em ascensão, na pessoa de Deco. Em 1991, no entanto, o desaparecido clube portuense não era, ainda, mais do que uma daquelas equipas de futebol 'físico' e campo em modo 'batatal' que apareciam na televisão três vezes por época - quando recebiam os grandes - e passavam o resto do ano em confrontos campais com os seus semelhantes - uma situação que se viria, pelo menos temporariamente, a alterar aquando do feito historico a que este post alude.

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19 de Setembro de 1991 é a data que terá, indubitavelmente, ficado na memória de uma geração de adeptos salgueiristas, por ter marcado a estreia do seu clube nos grandes palcos europeus, num 'playoff' que os opunha aos franceses do AS Cannes; e a verdade é que a estreia não podia ter corrido melhor, sendo que o Salgueiros se viria a sagrar vencedor desse encontro, embora apenas pela margem mínima (1-0, golo de Jorge Plácido.) Sorte oposta esperaria, no entanto, os portuenses no encontro da segunda mão, em que sairiam derrotados pelo mesmo resultado (golo do suplente Omam-Biyik, já depois da expulsão do médio Pedrosa) atirando a decisão da eliminatória para as grandes penalidades, onde o sonho terminaria após um parcial de 4-2 a favor dos franceses. Uma passagem digna, mas previsivelmente fugaz pelos palcos europeus, que acabaria mesmo por se consolidar como um dos maiores momentos na História centenária do clube, senão mesmo o maior.

E a verdade é que, para quem entrava na competição como 'underdog' exacerbado, o Salgueiros não se vergou; antes pelo contrário, a equipa do não menos mítico Filipovic apresentou-se num 2-5-3, táctica hoje em dia impensável, especialmente numa prova europeia, e frente a uma equipa que contava com o internacional croata Alijosa Asanovic, e com um promissor médio-centro esquerdino de 19 anos chamado Zinedine Zidane...

Hoje, mais de trinta anos após a recepção aos franceses no 'emprestado' estádio do Bessa, o Salgueiros - tal como existiu naquela noite europeia - já não existe, e o clube que nasceu das suas cinzas não está nem perto das divisões de topo do futebol português, e muito menos europeu; ainda assim, aqueles vinte e poucos atletas que conquistaram um lugar histórico na Primeira Divisão portuguesa da virada dos anos 90, e quase faziam uma gracinha europeia na época subsequente, não têm senão motivos para se orgulhar - afinal, constam como um dos poucos clubes portugueses fora dos 'três grandes' - e, mais recentemente, do Sporting de Braga - a conseguir visibilidade (ainda que fugaz) na cena futebolística internacional...

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