Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

07.10.24

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Na passada edição desta rubrica, falámos de 'Zás Trás', uma das muitas produções portuguesas da década de 90 a procurar emular o sucesso da icónica 'Rua Sésamo' com recurso a uma fórmula muito semelhante, centrada no 'edutenimento' veiculado através de segmentos que combinavam fantoches e marionetas com acção real. No entanto, de todas as referidas séries (e foram várias) apenas uma logrou aproximar-se da popularidade e notabilidade da original, ainda que ficando mesmo assim a uma certa distância: o 'Jardim da Celeste'.

download.jpeg

Surgida pela primeira vez nos ecrãs portugueses algures em 1997, no bloco infantil da RTP1, a série produzida, tal como a antecessora, pela RTP centrava-se na titular Celeste, interpretada por Ana Brito e Cunha, uma educadora que viajava por todo o País numa carrinha mágica (embora não a da série homónima) acompanhada pelo seu cão, Sócrates, e interagia tanto com os fantoches seus 'alunos' como com crianças reais, exactamente como sucedia com as personagens humanas de 'Rua Sésamo'. A demografia-alvo era, também, claramente a mesma – crianças em idade pré-escolar – embora esta série não tivesse o 'apelo universal' da antecessora, sendo pouco provável que tenha conquistado muitos fãs fora desse espectro etário. Por comparação com a antecessora, 'Jardim da Celeste' tão pouco deu origem ao mesmo volume de 'merchandising' e produtos relacionados ou complementares (não chegaria, por exemplo, a haver uma revista alusiva a esta série) embora tenha chegado a ser editada em vídeo ainda durante a sua transmissão original.

Ainda assim, para quem foi criança no momento certo para dela desfrutar, tratou-se de uma série de qualidade e que terá, sem dúvida, deixado tão boas memórias quanto 'Rua Sésamo' criara aos (ligeiramente) mais velhos, enquanto a sua frequente repetição nos diversos canais da RTP a terá, sem dúvida, ajudado a encontrar novos fãs desde então. Razões mais que suficientes para lhe dedicarmos um espaço próprio neste nosso 'blog' dedicado a tudo o que de melhor teve a década de 90.

23.09.24

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Uma análise, mesmo que superficial, à televisão infanto-juvenil portuguesa de inícios dos anos 90 revela uma 'era de ouro' não só no tocante à importação de materiais estrangeiros de grande qualidade (vários dos quais já aqui abordámos) mas mesmo à própria produção nacional, a qual se 'aventurava' com enorme sucesso por uma série de formatos, que iam de programas como 'A Hora do Lecas', 'Os Segredos do Mimix', 'Clube Disney' ou 'Oh! Hanna-Barbera' a concursos como 'Arca de Noé', 'Tal Pai, Tal Filho' e 'Vitaminas', vídeos musicais como os do Vitinho e, claro, séries, com a icónica 'Rua Sésamo' à cabeça. Poupas, Ferrão e companhia não eram, no entanto, os únicos personagens cem por cento nacionais a procurar conquistar o coração das crianças da época – a RTP da era pré-concorrência privada (ou seja, monopolista do tempo de antena) abria também espaço para conteúdos como 'A Maravilhosa Viagem Às Ilhas Encantadas', 'Histórias de Corpo Inteiro', ou a série que abordamos nesta Segunda, 'Zás Trás'.

download.jpeg

Da autoria de Isabel Cerqueira e Teresa Messias, e realizada por Alexandre Montenegro (nome bastante requisitado à época) 'Zás Trás' estreava na televisão estatal há quase exactos trinta e três anos (em Setembro de 1991) e desde logo se posicionava como 'alternativa' à hegemonia da incontornável 'Rua Sésamo', apresentando um formato muito semelhante - centrado em 'sketches' protagonizados por um núcleo central de personagens representados por marionetes em cenários reais – e até um tema de abertura capaz de rivalizar com o da referida série, e que é, sem dúvida, o seu elemento mais destacado e memorável.

No entanto, tal como a série sobre higiene oral acima referida (com a qual chegou a partilhar tempo de antena em finais de 1991), 'Zás Trás' nem sequer chegaria a fazer 'cócegas' aos habitantes da Rua mais famosa da televisão portuguesa, tendo a sua passagem pela RTP sido discreta, e – ao contrário da 'concorrente' - deixado poucas memórias ao público-alvo da época, com excepção do 'contagioso' tema título e de um personagem com papel proeminente que, embora aceitável na altura como caricatura animada, seria hoje considerado problemático e até ofensivo para a população asiática. Tal como os 'designs' algo 'uncanny' de 'Histórias de Corpo Inteiro', este aspecto talvez tenha tido influência no desempenho da série a longo-prazo – ou, talvez, 'Zás Trás' apenas não fosse tão memorável como 'Rua Sésamo', com ou sem caricaturas obsoletas entre o seu núcleo central.

Zas-Tras-09.webp

Um dos personagens centrais é...digamos, problemático.

Apesar de hoje algo Esquecido Pela Net (e por aquele que foi o seu público) 'Zás Trás', e o respectivo Especial de Natal (realizado em 1992) não deixaram de ser, já no Novo Milénio, 'repescados' para a grelha programática primeiro da RTP2 e, mais tarde, também para a da RTP Memória. As alterações na cultura popular e estrutura social do Mundo ocidental desde então fazem, no entanto, prever que essa tenha sido a última aparição de 'Zás Trás' nos écrãs portugueses, estando a série destinada a ser votada ao esquecimento a breve trecho. Quem quiser ajudar a evitar esse fado (ou simplesmente deseje recordar a série mais de três décadas depois) pode, no entanto, assistir a todos os episódios no Arquivo RTP. Para quem optar por o fazer, no entanto, fica a ressalva – o tema-título continua tão cativante como sempre, e capaz de ficar no cérebro durante semanas após uma única audição...

 

30.07.24

NOTA: Este 'post' é respeitante a Segunda-feira, 29 de Julho de 2024.

NOTA: Este 'post' não teria sido possível sem o André Alonso, que não só recordou o nome da série abordada como providenciou 'links' para a única fonte onde a mesma surge mencionada. Obrigado, André!

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

HistCorpo-Inteiro-00-1.webp

O elenco de personagens da série. (Crédito da foto: RTP)

Já aqui por várias vezes mencionámos produtos ou criações mediáticas das décadas de 80, 90 e até 2000 que, por uma razão ou por outra, têm pouca ou nenhuma presença nos supostamente omniscientes motores de pesquisa da Internet actual. No entanto, enquanto que as BD's da Hanna-Barbera ou a revista Ultra Som possuem pelo menos uma imagem ou menção no Google, outros tópicos que abordámos aqui no 'blog', como o sumo do Astérix da Libby'sa bebida B Cool da Danone ou a pasta de dentes do Super Mario, encontram-se totalmente esquecidos e dependentes da memória de quem com eles conviveu. O tema desta Segunda de Séries situa-se precisamente a meio caminho entre estes dois paradigmas, encontrando-se todos os seus episódios disponíveis para visualização (mas apenas em uma única fonte, e sabendo como os procurar) mas sendo funcionalmente impossível precisar criadores ou quaisquer outros dados técnicos. É, pois, com naturalidade que 'Histórias de Corpo Inteiro' integra o crescente grupo de tópicos Esquecidos Pela Net do Portugal anos 90 – o que não deixa de ser uma pena, dado tratar-se de uma série bem conseguida e de produção cem por cento nacional, o que torna ainda mais curioso o facto de nenhuma das várias fontes nostálgicas produzidas em solo português se lembrar dela.

De facto, à parte o aspecto perturbador de algumas das marionetas usadas para dar vida aos personagens – sobretudo as hiper-realistas, que lembravam uma versão demoníaca dos 'Thunderbirds' – a série estreada na RTP1 em Novembro de 1991 e exibida diariamente até ao final do referido ano mostrava aspectos técnicos cuidados (alguns até inovadores, como a fusão de acção real com fantoches) e tirava o máximo proveito do seu presumivelmente reduzido orçamento, apostando numa apresentação ao estilo peça de teatro, com cenários de fundo estáticos sobre os quais os personagens se moviam e levavam a cabo a trama de cada episódio. Uma abordagem talvez muito distante de produções contemporâneas como 'Rua Sésamo', mas que resultava em pleno no contexto da série em causa, dando-lhe um aspecto e características distintas, que a deveriam ter tornado consideravelmente mais memorável para a geração 'millennial', à época a demografia-alvo destas 'Histórias' passadas no interior de uma cavidade bucal humana, e destinadas a educar o público-alvo sobre a higiene oral, um dos temas mais em voga naquele início dos anos 90.

Outro elemento que deveria ter ficado indelevelmente gravado na psique de toda uma geração, mas que em vez disso se viu vetado ao esquecimento, era o inesquecível genérico da série, uma 'malha' que, sem qualquer hipérbole, pode e deve ser posta ao mesmo nível das que iniciavam a supramencionada 'Rua Sésamo' ou o concurso 'Arca de Noé', e que (por experiência própria) tinha potencial para se 'colar' ao cérebro durante décadas. Infelizmente, conforme acima mencionado, o total desaparecimento da série da memória colectiva levou consigo o referido tema – o que ajuda a justificar ainda mais o esforço de recuperação da mesma que pretendemos levar a cabo com este 'post'. Infelizmente, não nos é possível colocar qualquer destas 'Histórias' directamente nesta publicação, já que os episódios apenas se encontram disponíveis nos Arquivos RTP, que não permitem ligações externas; assim, temos de nos contentar em partilhar o 'link' para a página da série no 'site' da emissora estatal, e confiar que os nossos leitores tenham suficiente interesse para irem reviver mais esta memória esquecida da infância remota e – quem sabe – trazer a série de volta à consciência popular da geração 'millennial' nacional...

02.07.24

NOTA: Este 'post' é respeitante a Segunda-feira, 01 de Julho de 2024.

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Já aqui anteriormente referenciámos a década de 90 como talvez o auge da produção de humor em Portugal, com nomes tão icónicos como Nicolau Breyner, Herman José e Camilo de Oliveira a encabeçarem um sem-número de produções especiais, programas de 'sketches' e, claro, séries. E embora a maioria destas últimas surgisse num formato mais do que típico, com apenas o guião e interpretações a denotar a sua natureza humorística, uma delas, estreada na SIC algures em 1999, tentava uma abordagem ligeiramente diferente, e que vinha rendendo frutos em países como os Estados Unidos desde há já várias décadas – a gravação 'ao vivo em estúdio', frente a uma plateia, numa estratégia que permitia uma reacção orgãnica aos elementos supracitados, mais próxima da verificada numa peça de teatro ou espectáculo de revista do que da típica produção televisiva.

322812-1.jpg

Falamos de 'Residencial Tejo', cuja premissa – pai e filha saloios 'aterrados' na capital e a braços com a gestão de uma pensão – reunía vários elementos muito apreciados do público português, aliando um foco na ainda hoje extensa classe popular provinciana, com personagens perfeitamente balanceadas entre os toques caricaturais e a verosimilhança, a um estilo de humor fácil, ligeiro e de 'escola' tipicamente portuguesa, que havia já assegurado o sucesso de várias outras séries no decurso da mesma década, e haveria ainda de impulsionar muitas mais. Junte-se a isso um elenco perfeitamente capaz de dar vida às respectivas personagens - encabeçado por Anna Paula, Canto e Castro (ele que acumularia ainda, durante mais alguns meses, o papel de professor de Tonecas na icónica adaptação televisiva dos textos de Oliveira Cosme) António Vitorino D'Almeida (numa rara incursão pelo universo dramático) e Maria do Céu Guerra, naquele que se tornaria o seu papel mais icónico, o da campónia protagonista Seição – e estava dado o mote para três temporadas de relativo sucesso, embora não tão longevo ou memorável como o de séries semi-contemporâneas como 'Camilo & Filho, Lda.' 'Major Alvega' ou as próprias 'Lições do Tonecas'.

residencial-tejo.jpg

Maria do Céu Guerra, no seu papel mais marcante como Seição, responsável pela residencial homónima da série.

Ainda assim, e apesar das críticas de que foi alvo por parte do eminente analista de televisão Eduardo Cintra Torres – que considerou a premissa pouco realista por sugerir uma miscigenação pouco conflituosa entre classes sociais muito distintas – 'Residencial Tejo' teve, obviamente, suficiente aceitação por parte do público nacional da viragem do Milénio para se manter no ar durante vários anos, o que – embora hoje se encontre algo esquecida no vasto 'baú' de séries de humor suas contemporâneas – não deixa de lhe outorgar um merecido lugar entre as páginas deste nosso 'blog'.

01.01.24

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

O início dos anos 90 assistiu a uma segunda vaga de programas de comédia totalmente produzidos em Portugal e, muitas vezes, criados também a partir de um conceito original português. Os mais famosos de entre estes - nomeadamente 'Herman Enciclopédia' e 'Os Malucos do Riso' - adoptavam um formato baseado em 'sketches' individuais e sem conexão entre si, à maneira do que faziam, no estrangeiro, 'Os Trapalhões' ou o elenco de 'Saturday Night Live'; outros tantos, no entanto, adoptavam um formato episódico, semelhante aos das 'sitcoms' britânicas e norte-americanas que tanto sucesso faziam em finais do século XX. É nesta última leva, ao lado de programas como 'Camilo e Filho' ou 'A Mulher do Senhor Ministro', que se insere a série que abordaremos nesta primeira Segunda-feira de 2024.

casa.webp

Estreada em Novembro de 1993, e transmitida durante quase exactamente um ano, 'Sozinhos em Casa' - não confundir com a popular série de filmes do mesmo nome, ainda que a parecença nos nomes pudesse não ser, de todo, acidental - tinha por base a série americana 'The Odd Couple', transmitida cerca de duas décadas antes no seu país natal. Ainda assim, apesar da discrepância temporal entre o material original e a adaptação portuguesa, o conceito-base da série era mais ou menos intemporal, prestando-se tão bem a situações humorísticas naqueles inícios dos 90 como o havia feito vinte anos antes, e como o faria, já no Novo Milénio, no mega-sucesso 'Dois Homens e Meio', com Charlie Sheen. Isto porque a premissa da série segue dois melhores amigos de personalidades marcadamente diferentes - um jornalista desportivo desmazelado e 'desenrasca', e um fotógrafo hipocondríaco e maníaco das limpezas - que são forçados a viver juntos após serem expulsos de casa pelas respectivas mulheres, dando azo a todas as situações que tal convivência não podia deixar de despertar.

É precisamente, o humor inerente aos estilos de vida díspares dos dois homens que serve de âncora a toda a série, num estilo de comédia que, conforme acima referido, estava, ainda, longe de se esgotar - e que, no caso da série em análise, beneficiava muito tanto do talento cómico da dupla Miguel Guilherme e Henrique Viana, como das capacidades literárias e conhecimento do meio televisivo dos argumentistas Virgílio Castelo (à época conhecido, sobretudo, como o apresentador de 'Isto Só Vídeo!') Mário Zambujal (esse mesmo, o escritor da 'Crónica dos Bons Malandros', entre outros clássicos da literatura portuguesa) e Carlos Cruz, já então uma 'lenda viva' da televisão portuguesa, ligada a programas tão icónicos como 'Um, Dois, Três' ou 'O Preço Certo'. Uma equipa de consumados profissionais que conseguiram fazer da série um bom exemplo da comédia portuguesa da época, mas que, infelizmente, não lograram prolongar o seu tempo de vida para além daquela primeira temporada de cinquenta e dois episódios, tornando 'Sozinhos em Casa' uma daquelas 'pérolas esquecidas' da televisão lusa do período em causa, bem merecedora de ser revisitada por fãs de programas similares estreados em anos subsequentes, e que gozariam de bastante mais sucesso.

 

 

 

10.04.23

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Apesar de as suas origens se encontrarem na banda desenhada britânica (é, aliás, piloto da Royal Air Force) o herói de guerra conhecido em Portugal como Major Alvega (de seu nome original Battler Britton, o que torna a sua nacionalidade ainda mais evidente) sempre gozou de enorme sucesso no nosso país, muito graças à sua publicação em revistas tão icónicas como 'Cavaleiro Andante' e 'O Falcão', além do seu título próprio; e apesar de a maioria das suas aventuras ter surgido no nosso país durante as décadas de 60 e 70, a última surgiu apenas em 1987, pelo que, uma década depois, o herói continuava a gozar de suficiente popularidade e memorabilidade entre a geração de jovens mais velhos para justificar a transição das páginas desenhadas para o grande ecrã, agora numa produção declaradamente nacional, sem qualquer envolvimento do seu suposto país de origem.

13715_51186_65408.webp

Estreada há quase exactamente vinte e cinco anos (a 4 de Abril de 1998), 'Major Alvega' - a série - trazia Ricardo Carriço no papel do titular piloto da RAF, de seu nome completo Jaime Eduardo de Cook e Alvega, e contava no elenco secundário com alguns dos mais populares nomes da televisão, dos quais se destacavam Henrique Canto e Castro (conhecido dos jovens da época como a voz do Bocas) no papel do superior de Alvega, Sir Hugh Dowding, e nada mais nada menos do que o ícone jornalístico Fernando Pessa, no papel do narrador! Estes e outros nomes surgiam combinados com cenários animados, numa inovação técnica até então única na televisão portuguesa (àparte alguns usos muito simples e primitivos em 'sketches' humorísticos de Herman José, entre outros) e que ficou para a posteridade como principal ponto distintivo da série, que ficou, de outro modo, algo esquecida pela nostalgia dos portugueses da época.

Major Alvega RTP.jpg

Exemplo da inusitada combinação de técnicas da série.

Ainda assim, por altura da sua exibição, o programa fez relativo sucesso - suficiente, pelo menos, para justificar uma segunda temporada, exibida já nos primeiros meses do Novo Milénio. E a verdade é que, apesar de não se tratar, de forma alguma, de um título de primeira linha no cômputo geral das séries televisivas de finais do século XX, esta adaptação televisiva de um idolatrado herói de décadas passadas merece, mesmo assim, a distinção de algumas linhas por alturas do seu vigésimo-quinto aniversário.

Montagem de cenas da primeira temporada da série.

27.02.23

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Em meados dos anos 90, Portugal não era, ainda, conhecido pela sua ficção televisiva; pouco mais de meia década depois, a TVI viria a alterar completamente o paradigma com as suas famosas telenovelas, mas – nos anos antes de 'Anjo Selvagem' ou 'Morangos com Açúcar' – o nosso País era, sobretudo, produtor de programas humorísticos e infantis, ficando bastante aquém da vizinha Espanha e de países como a França ou a Alemanha no que tocava à produção de ficção mais 'séria'. À medida que a década se aproximava do fim, no entanto, começaram a surgir, paulatinamente, tentativas de criar uma série dramática viável totalmente 'made in Portugal': 'Riscos', da RTP, deu o mote, em 1997, e no ano seguinte, seria a vez de a SIC 'arriscar a mão' em conteúdo deste tipo, através da adaptação de um formato espanhol.

MV5BYzA2ZmVmYTAtODc0Mi00YWE1LTliZDgtM2NlYWJjMTM4ZW

Nascia assim, há pouco mais de vinte e cinco anos (a 27 de Janeiro de 1998) a versão portuguesa de 'Médico de Família', três anos após a estreia do original espanhol, no qual se inspirava directamente. Produzida pela Endemol, nome maior de muitas das produções da estação de Queluz durante este período, a série (que se manteria no ar por cerca de dois anos e meio, até Agosto de 2000, e repetiria mais tarde na SIC Mulher) trazia Fernando Luís no papel do profissional de saúde em causa, Diogo, que se vê obrigado a balançar a vida profissional e pessoal – que, no caso, consiste dos habituais 'dramas' infanto-juvenis e adolescentes, motivados pelos filhos de Diogo, um dos quais vivido por Sara Norte, filha de Vítor, o André da 'Rua Sésamo'.

No entanto, a série almejava a ser mais do que apenas um 'dramalhão' com cenário médico, ao estilo 'Grey's Anatomy', focando também alguns aspectos ligados à medicina e aos problemas de saúde, de forma realista e sem condescendências nem exageros; de facto, talvez residisse aqui a sua maior virtude, aproximando o resultado final mais de um 'ER' dos primórdios (série, aliás, então em alta) do que do referido 'Grey's'. Tal como sucedia com 'Riscos', no entanto, a 'escola de telenovela' da maioria dos actores faz-se sentir em diversos momentos, sendo que, apesar do altíssimo nivel de representação por parte de actores entre o bom e o lendário, as actuações não deixam ainda assim de ser extremamente 'portuguesas' – um termo que terá, decerto, deixado uma imagem específica na mente dos nossos leitores.

Um excerto exemplificativo das actuações da série

Ainda assim, apesar dos defeitos, 'Médico de Família' não deixa de ser uma tentativa corajosa de fazer algo, até então, muito pouco tentado, e de resultados bastante díspares – merecendo, por isso, ser celebrada quando se completa um quarto de século sobre a sua estreia...

O genérico bem ao estilo 'sitcom dos anos 80' da série, que destoa um pouco do conteúdo sério da mesma.

 

13.02.23

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Hoje em dia, a chamada 'ficção nacional' é parte integrante da grelha televisiva dos canais portugueses, seja sob a forma das famosas telenovelas ou no registo mais sério e dramático de séries como 'Conta-me Como Foi'; até inícios do Novo Milénio, no entanto, a situação era diametralmente oposta, centrando-se a maioria da ficção televisiva portuguesa no géneros do humor em 'sketch', com digressões infrequentes para os campos da reconstituição histórica ou para conteúdos infanto-juvenis. Há pouco mais de vinte e cinco anos (em Outubro de 1997) a RTP quis, no entanto, mudar esse paradigma, através de uma série que, ainda que pouco lembrada hoje em dia, acabou por dar o mote para várias tendências durante as mais de duas décadas de televisão nacional que se seguiram.

R-8359521-1460067596-9922.jpg

Falamos de 'Riscos', um programa que, à época, se destacou por ser pioneira no ramo da ficção serializada nacional dirigida especificamente a um público jovem – um 'nicho' que, nos Estados Unidos, era já uma forma de arte, e que já havia rendido um mega-sucesso 'falado em português', no caso a telenovela brasileira 'Malhação'. A 'versão portuguesa' deste conceito inseria-se, precisamente, entre as da América do Norte e do Sul, apresentando uma espécie de cruzamento entre a referida 'Malhação' e algo como 'Beverly Hills 90210', com as devidas adaptações à realidade portuguesa.

De facto, o conceito-base da série era praticamente idêntico ao dos exemplos supracitados - bem como de outras séries internacionais, como a britãnica 'Grange Hill' - propondo ao espectador 'entrar' na vida quotidiana de um grupo de estudantes do ensino secundário, no caso de um colégio privado, e acompanhar em 'tempo real' os seus variados dramas, que iam das habituais complicações amorosas (aqui, do casal Bruno e Mariana) a temas mais sérios, como as drogas. E se este parece um conceito familiar, é porque o é: a proposta de 'Riscos' é exactamente a mesma que, poucos anos mais tarde, granjearia mais de uma década de sucesso a uma aposta da 'concorrente' TVI – uma pequena produção independente, de que talvez já tenham ouvido falar, chamada 'Morangos com Açúcar'...

(Sim, quando dissemos no início deste 'post' que 'Riscos' abrira um precedente importante na produção televisiva nacional, tratava-se de mais do que uma força de expressão...)

A diferença entre a série da RTP e a perene telenovela juvenil da TVI (esta, sim, uma localização directa de 'Malhação') é, sobretudo, o menor enfoque no dramatismo barato, em favor de uma abordagem mais séria a assuntos relevantes para a vida dos jovens, não só do Portugal daquela época, mas da sociedade ocidental em geral, os quais eram tratados de forma directa, frontal e sem grandes 'mariquices', com a preciosa ajuda de um elenco que misturava 'veteranos' como Alexandra Lencastre e Diogo Infante com jovens actores da idade dos seus personagens, entre os quais se destacava Paula Neves, também ela a poucos anos de atingir a imortalidade 'noveleira' do 'outro lado da estrada', em Queluz.

Assim, e embora não tenha passado de uma única temporada (ao contrário do que sucedeu com os seus sucessores directos) é fácil perceber porque é que 'Riscos' é, hoje em dia, considerado um marco na História da televisão portuguesa, e da ficção nacional em particular – e porque era premente que corrigíssemos a nossa desatenção de Outubro passado, e celebrássemos devidamente os vinte e cinco anos da sua estreia.

Genérico e excerto da série.

17.01.22

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Grande parte do humor é intemporal. Apesar de a definição do que tem ou não piada tender a divergir de geração para geração e de cultura para cultura, há coisas que nunca deixam de ter graça – um jovem dos dias de hoje pode, por exemplo, derivar tanto prazer de um episódio de Mr. Bean ou Tom e Jerry como os seus pais ou avós quando eram da mesma idade. Assim, não é de estranhar que, de quando em vez, alguém decida recuperar um destes conceitos perpetuamente divertidos e apresentá-lo a todo um novo público, na esperança de que o legado desse material se perpetue ainda por mais uma geração.

Foi precisamente isso que a RTP fez quando, há pouco mais de um quarto de século, no Verão de 1996, decidiu recuperar a obra humorística de José de Oliveira Cosme, criada e transmitida na rádio sessenta anos antes, e adaptá-la para a televisão estatal de meados da década de 90. O resultado foi uma série que ainda hoje faz sorrir quem era da idade certa para lhe achar piada na altura, e que merece certamente ombrear com a obra de Herman José no panteão de séries humorísticas nacionais de finais do século XX.

As-Lições-do-Tonecas-logo.jpg

De facto, e apesar de expandir consideravelmente sobre o conceito original, a versão 'anos 90' de 'As Lições do Tonecas' não perde a sua essência, continuando a centrar-se na relação entre um aluno da instrução primária cábula, gozão e de 'inteligência saloia', embora de bom coração – o titular Tonecas – e o seu agastado professor, a quem a simples missão de leccionar uma aula com Tonecas na sala deixa sempre à beira de um ataque de nervos. Uma premissa simples, mas que já rendeu dividendos em obras como 'O Menino Nicolau', de Sempé e Goscinny, e que o torna a fazer aqui – mesmo que, na adaptação para televisão, o aluno tenha uma idade algo avançada (em várias décadas...) para ainda andar na instrução primária (se bem que, tratando-se de Tonecas, é perfeitamente possível que tenha simplesmente reprovado uma quantidade infinita de vezes...)

E por falar no aluno, é na interpretação de Luís Aleluia – e, diga-se de passagem, do seu coadjuvante, o 'professor' Morais e Castro – que está um dos grandes trunfos do 'Tonecas' televisivo. O comediante está em grande forma, soltando com gosto as suas piadas de humor brejeiro e, por vees, físico (muitas delas tiradas dos textos originais de Cosme, embora obviamente não todas), e exibindo grande química com o seu parceiro 'straight-man', que leva a muitos momentos divertidos; e, quanto mais não seja, Aleluia tem mérito por conseguir que o seu Tonecas obviamente adulto (mas sempre vestido como um típico 'puto' da escola) não seja, em nenhum momento, estranho ou perturbante – como o Chaves sul-americano, este era um 'miúdo graúdo' que a própria faixa etária alvo aceitava sem reservas, facto que ajuda, em parte, a explicar o enorme sucesso do programa.

marcos-borga-671x377_c.jpg

As interacções entre o Tonecas de Luís Aleluia e o professor de Morais e Castro estavam na base do sucesso da série

É claro que, sendo uma produção da RTP na década áurea da publicidade e 'marketing', o 'Tonecas' moderno não se mostra averso à expansão para lá do material original, nomeadamente no que toca a conceitos como os convidados especiais. De facto, embora a maioria dos episódios se desenrolassem apenas com os personagens principais e alguns alunos coadjuvantes (estes, verdadeiramente com idade para ainda andarem no ensino básico) surgiam de vez em quando algumas presenças externas para perturbar ainda mais as aulas; alguns destes eram apenas novos personagens representados por actores convidados (como a 'tia' Pureza Bucelas, de Ana Bola), mas outros apareciam a interpretar-se a si mesmos, como naquele episódio em que, sem razão aparente e sem qualquer pré-aviso ou antecipação, os Excesso entram pela sala de Tonecas adentro e se preparam para assistir à aula!

Um daqueles segmentos que definem a expressão 'ver para crer'

É claro que estes 'crossovers' se destinavam, pura e simplesmente, a publicitar os artistas e convidados em causa – não fossem os Excesso a sensação do momento da música portuguesa em 1997-98 – mas o facto é que a ousadia em arriscar este tipo de manobras, numa série que se pretendia fiel à obra de humor clássico que lhe estava na base, pode também ter tido um papel importante na longevidade de 'Tonecas', que se manteria no ar até praticamente ao fim do milénio, tornando-se presença assídua e constante nos televisores das crianças e jovens portuguesas da época.

Todos os truques publicitários do Mundo são em vão, no entanto, se o produto que tentam promover não tiver qualidade; felizmente, mesmo sem estas 'artimanhas', 'Tonecas' revelava-se uma série bem escrita – dentro dos seus parâmetros de humor simples e directo – magnificamente interpretada, e que, no cômputo geral, ainda se aguenta bem nos dias de hoje, mesmo depois das significativas mudanças sociais e culturais que um período de um quarto de século inevitavelmente acarreta. Um bom exemplo, pois, do tal humor intemporal de que se falava no início deste texto, e que tende a ser tão difícil de executar...

15.11.21

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

No que toca à animação, Portugal é um país com pouca tradição; como acontece em quase todos os outros sectores do meio audio-visual, os lusitanos são, sobretudo, consumidores de animação importada do estrangeiro, com particular ênfase nos Estados Unidos (claro), Inglaterra e Canadá.

No entanto, de tempos a tempos, um animador ou empresa de animação nacional consegue não só levar o seu produto adiante como expô-lo a um público mais alargado – e, nos anos 90, foi exactamente isso que aconteceu com a lisboeta Animanostra, responsável por não uma, mas duas das principais produções animadas nacionais durante aquela década e a seguinte. Do momento de maior fama da companhia, falaremos noutra ocasião – hoje, cabe recordar a série que lançou a Animanostra enquanto grande nome do meio dentro de portas, e se tornou uma das mais memoráveis produções animadas nacionais de sempre.

14080_43179_60190.jpg

'A Maravilhosa Expedição Às Ilhas Encantadas' pode não ter tido um título por aí além de apelativo, mas a sua combinação do ambiente directamente ligado à História e tradições portuguesas com um cuidado trabalho técnico (dentro das limitações vigentes) permitiram-lhe ultrapassar essa pecha, e conseguir sucesso suficiente entre o público-alvo para justificar a criação e exibição de uma segunda temporada, mesmo que desfasada no tempo em relação à primeira. Até porque desfasamentos temporais não eram, de todo, um conceito estranho para a equipa da Animanostra, que havia criado a série em 1992, mas só a veria ir ao ar quatro longos anos depois, no Natal de 1996.

Uma vez chegada à RTP, no entanto, 'A Maravilhosa Expedição...' conseguiria 'segurar' o seu lugar na grelha de programação da mesma durante praticamente um ano, tempo que a emissora estatal demorou a transmitir os oitenta episódios (cada um com cerca de cinco minutos) da série original. Findo esse período, a série facilmente encontraria outra casa, desta vez num canal privado, tendo a SIC sido a responsável tanto pela repetição da primeira temporada como pela exibição de vinte episódios inéditos, relativos à segunda - e tudo isto num ano (1998) em que a realização da Expo '98 havia colocado novamente em voga o tema dos Descobrimentos, sohre o qual o desenho animado versa. As aventuras de Simão, Oliveirinha, Libório, Dom Fuas e os restantes tripulantes do 'Destemido' chegavam assim, através do popular Buereré, a todo um novo contigente de crianças – além daquelas que já haviam acompanhado a primeira temporada, dois anos antes, e que teriam assim a oportunidade de acompanhar a continuação das referidas aventuras.

E a verdade é que valia mesmo a pena assistir às viagens da fictícia caravela portuguesa e dos seus carismáticos tripulantes; além da curta duração dos episódios, que fazia com que nunca chegasse a cansar, 'A Maravilhosa Expedição...' era uma série bem escrita, bem animada e bem sonorizada (o genérico era do melhor que por cá se fez durante aquela época), com um estilo muito próprio, e que pouco ficava a dever a muitas das séries produzidas no resto da Europa durante a mesma época - só faltava, mesmo, o orçamento e a publicidade de que dispunham as criações inglesas e norte-americanas. Esta afirma-se, pois, como uma série bem merecedora de ser revisitada ou descoberta, por quem não conhece e nunca viu – especialmente por ser um produto nacional num país onde estes não primavam (nem primam) pela abundância...

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub