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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

26.02.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

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De entre os muitos estilos que floresceram no ambiente musical dos anos 90, o rap e o hip-hop foram alguns dos mais destacados. Ainda que a génese do estilo remetesse à década transacta – que já havia dado ao movimento alguns dos seus mais clássicos artistas, como os super-grupos Sugarhill Gang, Run-DMC, Public Enemy e N.W.A., entre outros - foi nos últimos anos do século XX que o género verdadeiramente floresceu, substituindo as batidas algo primárias daqueles e outros artistas oitentistas por produções mais ricas, e conseguindo mesmo transcender o seu nicho e tornar-se conhecido a nível do 'mainstream'. No espaço de alguns anos, nomes como Dr. Dre, Snoop Dogg, Puff Daddy, DMX, Tupac Shakur, Cypress Hill ou o grupo de 'alucinados mentais' conhecido como Wu-Tang Clan tornavam-se conhecidos do melómano comum, e conseguiam mesmo que algumas das suas músicas 'caíssem no gosto' de um público mais alternativo, que se revia na indignação e frontalidade dos cantores do movimento, pesasse embora a falta de guitarras eléctricas como pano de fundo.

Escusado será dizer que não tardou até que novos artistas explorassem esta conjuntura favorável, sendo alguns deles mesmo 'protegidos' dos pioneiros do movimento; e embora nem todos estes nomes tenham tido carreiras exactamente memoráveis, há, sem dúvida, um deles que se destaca acima de todos os outros – o de um jovem caucasiano franzino, de cabelo loiro oxigenado, que, nos últimos anos do Segundo Milénio, logrou desafiar a hegemonia afro-americana do género, e lançar uma carreira que perdura até aos dias de hoje, e que não se pode considerar nada menos do que icónica. Falamos, claro está, de Marshall Bruce Mathers III, mais conhecido nos círculos do hip-hop pelo seu 'nome de guerra', Eminem.

Já conhecido nos meandros do 'underground' há mais de uma década, graças às habituais 'mixtapes' e colaborações, bem como por formar parte do grupo Dirty Dozen, ou D12, seria, no entanto, apenas nos últimos meses do Segundo Milénio que Eminem verdadeiramente atingiria a fama, através do seu segundo registo de originais, um disco que levava o nome do 'alter-ego' do 'rapper, e que muitos melómanos mais distraídos até hoje crêem ser o seu disco de estreia. Não era – essa honra pertencia a 'Infinite', lançado três anos antes, e sucedido por uma 'demo' auto-intitulada, em 1997 – mas era, sem dúvida, o disco que o catapultava para a consciência colectiva da juventude de finais do século XX, para quem se tornou quase imediatamente um ídolo, pela sua tendência para a imagética profana e deliberadamente chocante, inspirada em parte por filmes de terror. Um 'rapper' totalmente adequado para a época em que surgiu, portanto, e que não hesitou em usar esse oportunismo para demonstrar todo o seu talento, e se tornar um ícone do 'hip-hop' moderno.

Não era, de facto, apenas a 'curiosidade' de ser caucasiano, ou a quantidade de 'asneiras' e piadas 'porcas' que dizia, que tornava Eminem interessante para os jovens daquele final dos anos 90; o próprio estilo vocal e musical do 'rapper' era único e inconfundível. Numa era em que todos tentavam ser mais 'graves' do que o 'vizinho' – com alguns artistas a beirarem o 'grunhido' ininteligível – Mathers apresentava uma voz deliberadamente aguda e nasalada, de 'cana rachada', que condizia na perfeição com a letra sardónica e cómica e batidas algo 'estranha', minimalista e até 'cartoonescas«' do 'single' com que se apresentaria ao Mundo, o adequadamente intitulado 'My Name Is...'. Este diferencial distinguia-o, desde logo, da maioria dos outros artistas do género, o que, quando aliado às letras sarcásticas e provocatórias e ao seu tom de pele, colocava sobre ele um holofote muitas vezes 'iluminado' à base de controvérsias, mas que também ajudava a dar luz ao seu talento – talento esse que fica bem espelhado no álbum em análise neste 'post'.

O 'single' 'My Name Is...' assinalaria a primeira vez que grande parte do Mundo ouviria falar de Eminem.

De facto, sem ser um álbum geracional e transcendente como seria o seu sucessor directo – não há nenhuma 'Stan' em 'The Slim Shady LP' – detém ainda assim, merecidamente, o estatuto de clássico moderno do rap e hip-hop, graças a músicas como a referida 'My Name Is...', 'Guilty Conscience', 'Role Model' ou 'Just Don't Give a Fuck', esta com a participação do amigo Kid Rock, também ele, à época, um artista em ascensão.

E apesar de as restantes faixas serem menos memoráveis ou históricas – ao contrário do que aconteceria no álbum seguinte – e de o álbum ter entrado para a História sobretudo por aquilo a que deu azo nas duas décadas e meia seguintes (ao contrário, mais uma vez, do que sucede com o seu sucessor) esta quase exacta hora de música não deixa, ainda assim, de constituir um marco na música moderna, nem de ser de 'audição obrigatória' para qualquer fã do género, e merece bem ser celebrada, poucos dias depois de se ter assinalado um quarto de século sobre o seu lançamento, a 23 de Fevereiro de 1999. Parabéns, e que continue a constituir uma referência do estilo durante ainda muitos mais anos.

28.08.23

NOTA: Este 'post' é correspondente a Sábado, 26 de Agosto de 2023.

As saídas de fim-de-semana eram um dos aspetos mais excitantes da vida de uma criança nos anos 90, que via aparecerem com alguma regularidade novos e excitantes locais para visitar. Em Sábados alternados (e, ocasionalmente, consecutivos), o Portugal Anos 90 recorda alguns dos melhores e mais marcantes de entre esses locais e momentos.

Os festivais de música ao ar livre vêm-se, desde há três décadas, afirmando como um dos principais elementos do Verão português, a ponto de quase fazerem falta quando não se realizam, como durante a época de pandemia em 2020-21. Mas se cada ano parece adicionar mais e mais eventos deste tipo ao já preenchido calendário estival, continua a haver apenas um certo e determinado número de festivais verdadeiramente icónicos e sinónimos com esta época do ano, alguns dos quais entretanto desaparecidos (como o saudoso Ermal) e outros que celebram por esta altura aniversários históricos. O Festival do Sudoeste, por exemplo, comemorou o ano passado os seus vinte e cinco anos, e, este ano, é a vez de outro nome sonante da cena 'ao vivo' estival lusitana ter atingido um marco 'de respeito', ao assinalarem-se os trinta anos sobre a primeira edição do lendário Festival Paredes de Coura.

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Celebrado anualmente, em Julho e Agosto, na região com o mesmo nome, no Alto Minho, o coloquialmente chamado 'Couraíso' perfila-se, a par do não menos icónico Vilar de Mouros, como o mais destacado festival de música da região Norte de Portugal, tendo, ao longo das suas três décadas, atraído um sem-número de artistas de renome aos seus palcos, e tornado-se local de 'romaria' quase obrigatória para os fãs de pop-rock e rock alternativo portugueses. O que poucos dos que anualmente rumam à Praia Fluvial do Tabuão saberão, no entanto, é que as origens do seu 'paraíso' musical anual remontam a uma era em que muitos deles ainda nem sequer eram nascidos - nomeadamente, ao ano de 1993, quando um grupo de amigos do município decide, de forma independente, organizar um festival de música. Para esse efeito, criam panfletos feitos à mão e impressos de forma não menos artesanal e, aproveitando algum apoio monetário da Câmara Municipal, começam a contactar bandas, com o objectivo de formar um cartaz. Após vários altos e baixos - todos contados com enorme humor por um dos organizadores no podcast do Expresso dedicado à História do festival - acabam por conseguir confirmar cinco nomes, todos nacionais: Ecos da Cave, Gangrena, Cosmic City Blues, Boubacaba e Purple Lips actuam num palco improvisado a 20 de Agosto de 1993, configurando aquele que foi, efectivamente, o primeiro cartaz de Paredes de Coura.

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Cartazes da primeira e segunda edições do certame.

E a verdade é que a perserverança dos organizadores rendeu dividendos: aquele primeiro festival foi bem-sucedido o suficiente para, no ano seguinte, atrair uma banda tão conhecida e respeitada na cena nacional como os Ena Pá 2000, que se juntavam aos históricos Tédio Boys e a mais quatro bandas (incluindo duas repetentes da primeira edição) num cartaz bastante mais atractivo que o do ano anterior. E se 1994 já representou um considerável avanço em relação ao primeiro ano, 1995 elevou o festival a ainda outro nível, podendo considerar-se o ano em que Paredes de Coura verdadeiramente 'explodiu'. Blind Zero, Braindead, Pop Dell'Arte, More República Masónica e Primitive Reason formavam parte de um cartaz ainda cem por cento nacional, mas nem por isso menos atractivo - antes pelo contrário. O ano intermédio da década de 1990 é, ainda, histórico por ser o primeiro (e único) em que o festival foi dividido entre dois dias, no caso 19 e 20 de Agosto.

A partir daí, foi sempre a somar: logo no ano seguinte, o festival passa a ter três dias de duração, durante os quais actuam nomes de monta do panorama nacional, como Da Weasel, e, há exactos vinte e cinco anos, acolhe os primeiros artistas internacionais a pisar os seus palcos, com Red House Painters, Atari Teenage Riot, Anne Clark, The Divine Comedy e Tindersticks a juntarem-se a ídolos nacionais como Moonspell, Clã, Zen, Blind Zero, Belle Chase Hotel e os então 'enormes' Silence 4. A edição seguinte, última do século XX - que trazia nomes como The Gift, Lamb, Gomez, dEUS, Suede, Mogwai, Sneaker Pimps e uns Guano Apes então em estreita relação com o nosso país, é considerada pelo próprio organizador João Carvalho como a apoteose do festival, e a garantia de que o mesmo perduraria ainda durante muitos anos. E a verdade é que, desde então, já lá vão vinte e três, sem que o festival perca a força, relevância ou fama entre os fãs de boa música independente em Portugal e no estrangeiro - antes pelo contrário, como o comprova a sua colocação entre os melhores festivais de música da Europa por parte da prestigiada revista Rolling Stone, em 2005. Parabéns, Paredes de Coura - e que continues a ser uma referência na cena 'ao vivo' nacional durante ainda mais trinta anos.

02.05.22

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Como já aqui referimos numa edição passada desta rubrica, os anos 90 viram nascer e florescer o movimento rap e hip-hop português, que viria verdadeiramente a atingir o auge na década seguinte. Nessa segunda fase, os principais desenvolvimentos dar-se-iam a Norte do País, sobretudo no eixo Porto-Braga; no entanto, a primeira leva de artistas do estilo a verdadeiramente atingir fama nacional era oriunda,quase exclusivamente, da zona de Lisboa, de cujos subúrbios emergiam, à época, artistas como Boss AC, os pioneiros Black Company, e o nome de maior sucesso no género em Portugal, os incontornáveis Da Weasel.

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A formação clássica da banda

Formados na zona de Almada em 1993, e centrados em torno do MCs Pacman (hoje conhecido como Carlão), as 'doninhas' rapidamente se notabilizaram e destacaram dentro do movimento hip-hop nacional por, ao contrário da maioria dos seus pares, recorrerem a instrumentos reais, ao invés das habituais batidas programadas e 'samples'; de facto, apesar de contarem no seu alinhamento com um DJ de serviço, o grupo almadense incluía também um guitarrista, baixista e baterista, que ajudavam a criar um som bem distinto, mais próximo de bandas híbridas de rap e rock, como Cypress Hill, Public Enemy ou Body Count, do que do hip-hop tradicional. Aliado às letras realistas e socialmente engajadas de Pacman, este estilo único e diferenciado permitiu ao colectivo atingir um sucesso comercial quase imediato, com o primeiro álbum, 'Dou-lhe Com a Alma', de 1995, a conseguir uma boa recepção junto de um público particularmente receptivo ao rap e hip-hop, na sequência do êxito da pioneira compilação 'Rapública'. E não era caso para menos, visto tratar-se de um excelente registo, apoiado em temas tão fortes como a faixa-título ou a muito 'Public Enemy à portuguesa' 'Adivinha Quem Voltou'.

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O bem-sucedido álbum de estreia do grupo

Por muito auspiciosa que essa estreia tenha sido, no entanto, nada fazia prever o volume de vendas atingido pelo seu sucessor, '3º Capítulo', lançado dois anos depois (tendo o 'primeiro capítulo', nesta instância, sido o EP 'More Than 30 Motherf***ers', primeiro registo do grupo, lançado em 1994, e o único a contar com letras em inglês.)

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O segundo e mais conhecido álbum do grupo, lançado em 1997

O disco de 1997 via sair do grupo a vocalista de apoio Yen Sung, cujo lugar era preenchido por um segundo MC, Virgul – uma mudança que se viria a provar extremamente frutífera, vindo esse alinhamento a cimentar-se como a formação clássica da banda. O som, esse, aprimorava, refinava e aperfeiçoava a mistura entre as letras realistas e críticas de Pac e o som funk-jazz-rock criado pelos instrumentistas. Os singles 'Duia' – uma balada funk-jazz feita 'à medida' para a rádio – e 'Todagente' (uma faixa mais tipicamente Da Weasel) serviam de desculpa para a primeira digressão de sempre por parte do grupo, e ajudavam a impulsionar as vendas do álbum, que estabelecia definitivamente os Da Weasel como nome maior do hip-hop 'mainstream' português – estatuto, aliás, que o grupo manteria mesmo depois da chegada dos 'concorrentes' nortenhos, já em finais da década. Um álbum acústico gravado para a emissora Antena 3 e a participação de Pacman na compilação de Natal Espanta-Espíritos (cuja colaboração com Sérgio Godinho resultaria num dos temas mais 'fortes' do álbum, em todos os sentidos) apenas contribuiria para transformar as 'doninhas', ainda mais, na banda 'hip-hop' para as 'massas', num processo que alguns poderiam apelidar de 'sell-out'

Com o seu 'stock' ainda em alta tanto junto dos fãs de 'hip-hop' como do público 'radiofónico' (uma raridade em qualquer estilo musical) os Da Weasel lançavam, ainda antes do fim do milénio, o seu terceiro longa-duração, 'Iniciação a Uma Vida Banal – O Manual', um registo menos bem-sucedido comercialmente que o seu antecessor, mas ainda assim constituído por uma forte colecção de 'malhas', no estilo típico do grupo.

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O último álbum da fase 'imperial' do grupo saiu em 1999

A década seguinte trouxe ainda mais sucesso, mesmo depois da saída do membro-chave Armando Teixeira, em 2001; de facto, o álbum 'Re-Definições', de 2004 (primeiro sem o instrumentista e produtor) via a Doninha atingir o seu maior grau de sucesso e reconhecimento desde os tempos áureos de '3º Capítulo'. O anúncio de um hiato (em 2010, já depois do lançamento de um último álbum, em 2007) foi, por isso, surpreendente, podendo ter por base os conhecidos problemas de Pacman/Carlão com o abuso de substâncias.

Apesar de findo, no entanto, o grupo não foi, de todo, esquecido, como o comprovou a entusiástica reacção causada pelo anúncio de um concerto de reunião exclusivo, para o festival NOS Alive de 2020. O concerto, planeado para 11 de Julho daquele ano, acabou por ter que ser adiado devido à pandemia de COVID, mas a forte adesão ao mesmo por parte do público luso ajudou, pelo menos, a provar uma coisa – que quando, mais uma vez, a doninha decidir arrancar, pronta a estourar em 2025, com muita pinta e muito afinco, os seus velhos fãs de há duas décadas atrás lá estarão para os acolher de volta...

07.12.21

NOTA: Este post diz respeito a Segunda-feira, 06 de Dezembro de 2021.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

O Natal não é, exactamente, um tema comum no que toca a colectâneas de música alternativa; normalmente, as compilações deste tipo centram-se sobretudo nos clássicos intemporais (e de domínio público) que a maioria dos comuns mortais transforma em banda-sonora para esta época do ano,

Em 1995, no entanto, a editora independente portuguesa Dínamo Discos resolveu explorar precisamente esse conceito, juntando num mesmo disco alguns dos maiores e mais conhecidos artistas da música portuguesa e fomentando uma série de colaborações, as quais viriam mais tarde a fazer parte do disco. E o mínimo que se pode dizer é que, apesar do sucesso comercial não ter sido por aí além significativo, em termos qualitativos, a empreitada valeu bem a pena.

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Intitulado 'Espanta-Espìritos' e lançado em Novembro (com uma capa que remete mais ao Halloween do que propriamente ao Natal), o disco apresenta doze músicas bem eclécticas e diversificadas, com as sonoridades alternativas e a temática natalícia como únicos denominadores comuns – uma característica proposital, e que assegura que a colectânea oferece algo para os fãs de todos os géneros da música alternativa, com a notória excepção do hard rock e metal, talvez por serem géneros demasiado 'de nicho' ou pouco agradáveis ao ouvido do melómano médio português.

De resto, há para todos os gostos, do pop-rock de 'Final do Ano (Zero a Zero)' (interpretado por Xana dos Rádio Macau ao lado de Jorge Palma) ao fado de 'Minha Alma de Amor Sedenta', de Alcindo Carvalho, passando pelo funk Jamiroquai-esco de '+ 1 Comboio' (novamente com Jorge Palma em dueto com um elemento dos Rádio Macau, no caso o guitarrista Flak), o rock sarcástico-cómico de 'Família Virtual' (uma inesperada colaboração entre o fadista Carvalho e os anarco-ska-punks Despe & Siga) e 'Natal dos Pequeninos' - dueto de João Aguardela, dos Sitiados, com duas crianças - ou mesmo o hip-hop de 'Apenas Um Irmão', faixa que consegue a proeza dupla de inserir, à sorrelfa, uma palavra menos própria na letra (por sinal, bem rebelde e contestatária, como era apanágio do hip-hop português da época) e de pôr Sérgio Godinho a fazer rap ao lado dos mestres Pacman (hoje Carlão) e Boss AC – e quem nunca ouviu Sérgio Godinho numa música de rap, não sabe o que anda a perder...

Ouçam por vocês mesmos...

As restantes músicas são mais tradicionais deste tipo de empreitada, e desenvolvem-se num ritmo mais calmo e baladesco – o que não significa que tenham menos qualidade. 'A Rocha Negra', em particular, é um tema assombroso, em todos os sentidos, alicerçado numa grande prestação vocal, quase 'a capella' de Tim (ainda em fase de estado de graça com os seus Xutos) e Andreia (dos desconhecidos Valium Electric), enquanto 'São Nicolau' é um bonito tema em toada pop-rock, cantado por Viviane, dos Entre Aspas. Em suma, são poucos os temas mais fracos deste registo, e mesmo esses nunca passam o limiar do aceitável-para-bom.

Não deixa, pois, de ser surpreendente que o principal contributo de 'Espanta Espíritos' para a mùsica portuguesa tenha sido a inclusão de alguns dos seus temas em álbuns 'verdadeiros' de alguns dos participantes; como colectânea, e apesar de ter sido considerado um dos vinte melhores discos de Natal lançados em Portugal pela Time Out (uma daquelas distinções tão de nicho, que acaba por fazer pouco ou nenhum sentido) o álbum esteve longe de ser um sucesso, e encontra-se largamente esquecido nos dias que correm. Uma pena, visto que – como qualquer pessoa que tenha o álbum certamente afirmará – este se trata de um projecto que merecia bastante melhor do que apenas um estatuto de culto...

07.06.21

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

E depois de já termos, em semanas anteriores, falado de movimentos como a música pimba, o Europop, o rock alternativo e o pop-rock, chega hoje a vez de abordarmos um género cuja génese em Portugal se deu, precisamente, nos anos 90 – o chamado ‘Hip-Hop Tuga’.

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Alguns dos principais ícones do movimento

Popularizado e expandido na década seguinte por uma série de excelentes colectivos e artistas nortenhos, o movimento rap/hip-hop português deu os seus primeiros, e tímidos, passos em meados dos anos 90, tendo tido a sua primeira expressão gravada na colectânea ‘RAPública’, lançada em 1994.

Reunindo a nata do então incipiente movimento, a compilação trazia nomes como Boss AC (ironicamente, um dos poucos artistas presents nesse disco a conseguir algum tipo de notoriedade a longo prazo), Zona Dread e Líderes da Nova Mensagem. Em meio a todo este inconformismo, no entanto, a posição de verdadeiros porta-estandartes do movimento coube, inesperadamente, a quatro jovens da Margem Sul do Tejo, cuja submissão meio ‘parva’ para a colectânea explodiu um pouco por todo o país, tornando-se um dos ‘hits’ do Verão nacional naquele ano.

De facto, o grau de popularidade atingido por ‘Nadar’ foi tal que, para além de ser rapidamente adoptado como ‘insulto’ meio a brincar nos pátios de escolas de Norte a Sul do país, o emblemático refrão da música foi referenciado por ninguém menos do que o Presidente da República de então, Mário Soares (!!!)

No entanto, o verdadeiro impacto do sucesso ‘crossover/mainstream’ desta música – com que, com certeza, nenhum dos quatro Black Company contaria à partida para a sua primeira aventura editorial – só se faria sentir a longo prazo, sendo que ‘Nadar’ acabou por abrir o mercado português a um estilo, até então, exclusivamente reservado a artistas estrangeiros. De repente, o rap e hip-hop deixavam de estar confinados a festivais ‘underground’ e passavam a aparecer na televisão e em publicações de referência no meio musical, como o então jornal (hoje revista) Blitz.

General D em modo 'freestyle' no programa Popoff, da RTP2 (1994)

Esta receptividade por parte do público e dos ‘media’ encorajou vários artistas a seguirem as pisadas dos Black Company, entre os quais se contavam o referido Boss AC, General D e um jovem colectivo lisboeta, que lançava o seu primeiro EP no mesmo ano em que saía ‘RAPùblica’, de seu nome Da Weasel. Mais a Norte, os Mind da Gap – que haviam recusado o convite para fazer parte da compilação - assinavam pela recém-criada NorteSul, e plantavam as sementes daquele que seria o principal movimento rap/hip-hop da história da música nacional.

O resto, como se costuma dizer, é História, com ‘H’ maiúsculo. Enquanto muitos dos colectivos que haviam disparado a salva inaugural não sobreviveriam ao passar dos anos (entre eles os pioneiros Black Company), outros viriam a gozar carreiras de alta relevância no panorama musical português, não só na década de 90, como no novo milénio. De entre esses, os dois nomes incontornáveis são os referidos Da Weasel – o mais próximo que o movimento Hip-Hop Tuga teve de um grupo ‘comercial’ – e os inabaláveis Mind da Gap, que influenciaram um sem-número de artistas que viriam, eles próprios, a conseguir algum sucesso, como é o caso dos Deallema. Entretanto, as Djamal asseguravam representação feminina para o movimento, enquanto o ‘import’ brasileiro Gabriel, o Pensador aproveitava a ‘carona’ para obter, também, alguma notoriedade.

Daí para a frente, foi sempre a subir, e dez anos volvidos, já a maioria dos jovens sabia nomear pelo menos dois ou três artistas de hip-hop cantado em português; e embora hoje em dia o estilo atravesse as habituais mutações inerentes a qualquer género musical longevo, a sua presença no panorama nacional continua bem vincada, fazendo prever uma evolução na continuidade para um movimento que não dá sinais de abrandar…

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