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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

06.03.24

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

No passar do dia-a-dia pode, por vezes, ser difícil discernir o quanto tomamos por garantido na sociedade actual. De facto, é frequentemente necessário 'retroceder' no tempo para reparar na quantidade de pequenos elementos do quotidiano que caíram, quase sem se dar por isso, no desuso ou obsolescência, e que se foram, aos poucos, 'extinguindo' da vida do cidadão urbano ou suburbano comum. Dos cartões de impulsos, cabines e listas telefónicas aos calendários, catálogos (de Natal e não só) e até 'guias oficiais' e livros de 'truques e dicas' para jogos de computador, são inúmeros os objectos e serviços em tempos considerados indispensáveis que, hoje, mal se vislumbram no quotidiano ocidental. Desse grupo faz, também, parte o conceito que abordamos esta Quarta-feira, e que apenas constituirá memória para a faixa de leitores deste blog de maior idade: o cheque.

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(Crédito da foto: OLX)

Numa era em que basta segurar o telemóvel em frente a um terminal de pagamento, ou pressionar meia dúzia de vezes o ecrã, para pagar quase todas as despesas diárias, a ideia de ter de preencher meticulosamente um pedaço de papel, escrevendo por extenso (!) a quantia pretendida, apenas para poder obter dinheiro ou efectuar uma transacção pode parecer absurdamente obsoleta; e, no entanto, quem alguma vez acompanhou os 'mais velhos' ao banco terá bem presente todos os elementos do processo: o 'molho' de folhas unidas, quase como se fossem rifas, a bonita carteira ou estojo onde as mesmas eram, invariavelmente, guardadas, as diferentes secções preenchidas com 'letra bonita', para que fossem perceptíveis, e o fascínio de ver uma dessas folhinhas transformar-se em notas e moedas, ou numa forma de pagamento. Terá mesmo havido, certamente, quem pedisse aos referidos adultos que os deixassem ajudar a preencher o referido documento, embora este fosse um risco que a maioria das pessoas responsáveis não estavam dispostos a correr...

Tal como muitos dos elementos acima mencionados – e outros de que vimos falando nestas páginas – o uso de cheques é uma experiência com que a Geração Z jamais terá contacto, e que poderá até ter dificuldade em perceber; para quem com eles conviveu, no entanto, a ideia de que aqueles 'papelinhos' com o logotipo e timbre do banco puderam, em tempos, ser utilizados como moeda-corrente não pode deixar de constituir um exemplo 'acabado' do quanto a sociedade ocidental evoluiu nos últimos trinta anos.

07.02.24

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Já aqui em ocasiões passadas abordámos a popularidade da BD franco-belga no Portugal de finais do século XX, onde os álbuns editados (sobretudo) pela Meribérica-Liber perdiam apenas para os 'quadradinhos' da Disney e Turma da Mônica no coração das crianças e jovens; e, de todos os heróis francófonos a marcar presença nas livrarias do nosso País, o mais popular talvez fosse Astérix, o intrépido e corajoso herói gaulês que, com a ajuda da poção mágica do seu druida, assume a linha da frente na defesa da sua aldeia contra a ameaça de invasão romana. De facto, mesmo em finais da década de 90, o 'baixinho' de bigode de Goscinny e Uderzo continuava a justificar não só a criação de novos álbuns, filmes e videojogos alusivos às suas aventuras, como também de um parque temático (no seu Norte de França natal) de produtos licenciados mais insólitos, como o jogo de tabuleiro lançado pela Majora, a colecção de figuras em cartão disponibilizada numa promoção da Longa Vida, o sumo da Libby's ou o livro de culinária que serve como tema do 'post' 'quase duplo' desta Quarta-feira.

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Capa e contra-capa do livro.

Não, não nos enganámos – Astérix viu mesmo ser lançado sob o seu nome, no ano de 1991, um livro de culinária para crianças, com o próprio e os seus conterrâneos da irredutível aldeia gaulesa presentes e em grande destaque não só na capa como em todas as páginas, prontos a servir de chamariz às crianças e jovens que avistassem o volume na prateleira da livraria do bairro. E a verdade é que, ao contrário de muitos produtos da época, o uso da licença é, neste caso, mais do que apenas superficial: 'A Cozinha Com Astérix' não se limita a utilizar os desenhos de Goscinny e Uderzo para se vender, havendo um claro esforço para capturar a atmosfera dos álbuns de Astérix nas suas páginas – cada uma das quais contém não só a receita (com o nome devidamente tematizado ao universo dos irredutíveis gauleses) como também cenas exclusivas com os personagens, e até painéis de banda desenhada que poderiam ter sido retirados directamente dos álbuns! O resultado é um livro visualmente espectacular, que até quem não tenha qualquer interesse em aprender a cozinhar quererá sem dúvida desfolhar.

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Exemplos das receitas e grafismo do livro (Crédito das fotos: Mercado Livre)

Infelizmente, e apesar de todo este esforço, 'A Cozinha Com Astérix' não utiliza todo o potencial de uma licença com cariz (pseudo)-histórico. Isto porque, apesar de os seus nomes e modos de apresentação evocarem o universo do personagem titular, as receitas contidas no livro são apenas pratos normais, fáceis de confeccionar e adequados à faixa etária alvo, mas sem qualquer relevância quer para o mundo em que Astérix habita, quer para a França de finais do século XX. Fica, assim, por aproveitar a oportunidade de apresentar aos jovens leitores pratos tradicionais da zona de França onde supostamente fica a aldeia gaulesa, juntando assim uma vertente histórica ao aspecto lúdico proporcionado pelo guerreiro loiro e seus amigos.

Ainda assim, e apesar desta 'falha', 'A Cozinha Com Astérix' é um volume bem merecedor de ser lido, que transcende o rótulo de simples curiosidade e apresenta conteúdos cuidados, com receitas que qualquer criança ou jovem com apetência para a cozinha se divertirá, sem dúvida, a fazer, e painéis de banda desenhada que o manterão interessado em meio às instruções de confecção; só é pena que o aspecto acima mencionado tenha sido negligenciado (ou, simplesmente, esquecido) ou poderíamos estar diante de um candidato ainda mais sério ao rótulo de melhor livro de receitas dos anos 90...

24.01.24

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Na última Quarta de Quase Tudo, recordámos a colecção de livros do Jovem Indiana Jones publicada pela Europa-América algures nos anos 90. A associação da editora ao herói criado por Steven Spielberg e George Lucas não se ficou, no entanto, apenas por essa colecção, antes pelo contrário; além da série de histórias com 'Indy' como aventureiro, o catálogo da Europa-América incluía também uma trilogia de livros em que o protagonista aparecia já adulto, tal como os fãs o conheciam da 'outra' trilogia que ancorava, a cinematográfica. Nada mais justo, portanto, do que utilizarmos a rubrica desta semana para nos debruçarmos sobre esse trio de tomos, e concluirmos assim a nossa exploração da bibliografia de Indiana Jones em Portugal.

Presença assídua nas prateleiras de livros das lojas dos 'trezentos', tal como a sua série-irmã – ou não fosse a editora de ambos sinónima com o abastecimento literário de tais estabelecimentos – a referida trilogia de aventuras, assinada por Rob MacGregor e editada em Portugal entre 1989 e 1992, tem, desde logo, a particularidade de não coincidir com a sua congénere cinematográfica. Isto porque, apesar de os dois primeiros tomos serem novelizações dos dois primeiros filmes da saga, o terceiro desvia-se desse padrão, apresentando uma aventura original, 'Indiana Jones e os Perigos em Delfos', no lugar do que deveria ter sido a adaptação em livro de 'Indiana Jones e o Templo Perdido'.

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O terceiro volume da série apresentava uma aventura original, ambientada em Delfos, na Grécia.

As razões para esta escolha são, infelizmente, muito pouco claras, sendo ainda hoje incerto se a referida novelização alguma vez existiu, não tendo simplesmente sido traduzida para Português, ou se existem outras aventuras inéditas nas mesmas condições – até mesmo o 'site' da Livraria Bertrand lista só e apenas estes três volumes como parte da colecção. Assim, iremos tomar a liberdade de considerar esta colecção uma trilogia, com uma inexplicável mudança de rumo no último volume.

Em termos do conteúdo em si, qualquer dos três volumes assinados por MacGregor oferece precisamente aquilo que se poderia esperar de uma publicação da Europa-América deste período: literatura fácil, destinada a um público jovem, e tornada mais difícil e morosa de absorver pelo tipo de tradução quase propositadamente complexa que pautava os títulos de ficção científica e aventura da editora na época em causa. Quem conseguir ultrapassar esse factor, e tiver os dois filmes adaptados como parte da colecção, irá, certamente, apreciar a forma como os seus enredos e cenas-chave foram transpostos para a página, e ainda mais a existência de uma aventura original na qual se embrenhar; no entanto, esta pecha – comum à maioria dos títulos 'menores' da editora – poderá mesmo ser difícil de ultrapassar para leitores cujo grau de exigência é mais alto, mesmo para com títulos 'fáceis' como estes.

Ainda assim, e apesar desta 'pecha' em comum com tantos outros títulos da editora, é de crer que os três livros de Indiana Jones da Europa-América terão chegado a um número suficiente de crianças e jovens portugueses de finais do século XX e inícios do seguinte para justificarem um lugar nas memórias nostálgicas preservadas por este blog, e das quais o aventureiro de Spielberg e Lucas já faz, definitivamente, parte integrante...

10.01.24

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

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(Crédito da foto: CustoJusto)

A chegada a Portugal das chamadas 'lojas dos trezentos', em inícios dos anos 90, levaram, por sua vez, a um significativo influxo de títulos literários de cariz popular e qualidade mediana, invariavelmente encontrados nos icónicos 'escaparates' das sobreditas lojas, e inevitavelmente editados pela Europa-América. De facto, embora fosse já um nome bem reconhecido dentro do panorama editorial português (e responsável pela edição em solo nacional de excelentes títulos policiais e de ficção científica) a editora lisboeta encontrou uma autêntica 'segunda vida' como perpétua fornecedora de literatura barata para lojas deste tipo, grande parte da qual dirigida a um público infanto-juvenil.

De facto, entre colecções de fantasia como 'Dragonlance' ou 'Dungeons and Dragons' (esta última, a precursora menos conhecida das lendárias 'Aventuras Fantásticas'), séries como 'Enciclopédia Brown', novelizações de filmes 'da moda' e um ror aparentemente infindável de 'westerns' 'de cordel', uma percentagem significativa do escaparate de livros de qualquer 'loja dos trezentos' tendia a ser formada por obras que tinham em comum a qualidade 'duvidosa' das traduções (e, muitas vezes, da escrita em si) e o facto de serem expressamente dirigidos a leitores ainda sem a maturidade suficiente para desfrutarem dos clássicos de Robert Heinlein ou Phillip K. Dick com os quais estes livros partilhavam espaço. Era também esse o caso com a colecção de que falamos neste 'post', a qual aproveitou o 'embalo' de uma série mais ou menos bem-sucedida para 'regurgitar' para as prateleiras de livros baratos mais de duas dezenas de títulos com pretensões a expandir o 'universo' do programa, à semelhança do que acontecia na mesma época, com 'O Caminho das Estrelas' e, particularmente, 'Guerra nas Estrelas'.

Tratou-se de 'O Jovem Indiana Jones', colecção baseada na série do mesmo nome produzida por Steven Spielberg e George Lucas, e que chegou também a ver ser editada em Portugal a série de banda desenhada oficial, num esforço de 'marketing' inusitado, considerando a reduzida 'pegada' que a série deixou em Portugal; de facto, é perfeitamente credível que a principal referência e memória da mesma para a maioria dos jovens da época venha através destes livros, quase tão prolíficos como 'Dragonlance' nas 'lojas dos trezentos' de meados da década de 90.

Assinados por um sem-número de autores anónimos (dos quais se destaca Megan Stine, quiçá familiar do R. L. Stine de 'Arrepios') os diferentes volumes desta série oferecem precisamente aquilo que se poderia esperar de um título deste tipo: aventuras infanto-juvenis centradas em torno dos personagens criados por Spielberg e Lucas, e obedecendo à premissa temporal e conceptual da série. Assim, ao longo dos vinte e dois números que compõem a colecção, vemos 'Indy' e o pai a braços com fantasmas, labirintos, fenómenos naturais, e até eventos históricos como o naufrágio do Titanic (anos antes de o filme do mesmo nome o trazer de volta à cultura popular), em enredos invariavelmente descritos em linguagem simples e sem grandes 'floreados', como era apanágio, à época dos títulos infanto-juvenis de 'segunda linha' ou baseados em propriedades mediáticas – sendo que 'Jovem Indiana Jones' se insere confortavelmente em ambas as categorias.

Apesar desta relativa 'falta de carácter' (e também de ambição) estes livros não deixam, no entanto, de constituir uma opção de leitura razoável para uma criança ou adolescente com interesse em tramas de aventura e muita acção, ou que já seja fã do arqueólogo aventureiro de Steven Spielberg – especialmente por continuarem amplamente disponíveis, não só em sites como o CustoJusto (de onde foi tirada a foto que ilustra este 'post') mas também em livrarias propriamente ditas, como a Bertrand. Uma boa oportunidade, portanto, para os ex-jovens das gerações 'X' e 'millennial' recuperarem mais esta 'pérola' da sua infância, e a apresentarem aos seus descendentes directos; quem sabe, o 'Jovem Indiana Jones' possa ainda vir a ser tema de um qualquer vídeo no TikTok ou Instagram...

 

29.11.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Qualquer criança ou jovem (e mesmo muitos adultos) deseja ser, senão herói ou heroína de uma fascinante aventura, pelo menos protagonista da mesma; e se, hoje em dia, as redes sociais proporcionam, até certo ponto, a possibilidade de viver esse sonho, na era pré-Internet de massas, quem quisesse sentir-se como o 'personagem principal' de uma história que todos queriam ouvir tinha que arranjar outros meios de o fazer. Algures nos anos 90, uma série de companhias aperceberam-se do potencial lucrativo deste tipo de desejo, e dedicaram-se à criação de cópias físicas daquele tipo de narrativa que as crianças contam a si mesmas ao dar azo às suas fantasias; nasciam, assim, os livros personalizados.

livro-personalizado-salvando-o-natal_small.webp25af742506e2cbe16da208707ddcb61b.webpExemplo moderno do produto em causa, antes e depois da personalização

Para um adulto, tanto da época como dos dias de hoje, este tipo de produto (que, aliás, continua a ser disponibilizado, embora o seu interesse para a geração dos 'diários online' seja questionável) mais não passava do que uma forma de 'sacar' dinheiro a pais e educadores com um mínimo de esforço. Isto porque bastava aos criadores destes livros escrever uma única narrativa e ir inserindo o nome e fotografia de cada remetente, conforme necessário – aproximadamente o equivalente a contar uma história a uma criança pequena inserindo o seu nome no lugar do da personagem principal, mas transposto para um formato físico e vendido a 'peso de ouro'. Para o público-alvo, no entanto, a premissa dava asas à imaginação, abrindo na mesma uma série de possibilidades, qual delas mais entusiasmante – a ponto de, acredita-se, o produto final parecer mesmo algo desapontante, numa daquelas situações em que a antecipação se revela, inevitavelmente, mais ambiciosa do que o produto final.

Este apelo à imaginação era, aliás, o principal motivo pelo qual tantas crianças dos 'noventas' queriam um destes livros, quanto mais não fosse para se poderem gabar aos amigos e conhecidos de terem tido um livro escrito 'para eles' - uma afirmação, conforme vimos, incorrecta, mas sobre a qual apenas os adultos sabiam toda a verdade. E apesar de, nos dias que correm, o TikTok e Instagram permitirem moldar qualquer narrativa conforme se deseje, é de crer que haja ainda, por esse Portugal afora, crianças e jovens (sobretudo pré-adolescentes) que se deixem entusiasmar pela ideia de ser protagonista do seu próprio conto; afinal, por muito diferente que as gerações actuais sejam dos 'millennials' e 'X', há coisas que nunca mudam – e o desejo de uma criança de ser o herói ou heroína da sua própria narrativa é, sem dúvida, uma delas...

15.11.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Apesar de se irem gradualmente perdendo nos dias que correm, as lendas e tradições orais portuguesas estavam, ainda, bem presentes na sociedade de finais do século XX e, por conseguinte, no imaginário de muitas das crianças que a habitavam. De facto, a maioria dos jovens portugueses da época era capaz de descrever, mesmo por alto, pelo menos uma das histórias populares portuguesas, sendo uma das mais conhecidas aquela que explicava a razão para ser feriado, se saltarem fogueiras e se comerem castanhas no início da segunda semana de Novembro, e para o tempo ficar, invariavelmente, mais solarengo e outonal durante esse período.

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A figura que deu origem à lenda.

Falamos, claro está, da lenda do S. Martinho, um personagem – como tantos outros de tantas outras lendas – baseado numa figura real, a de um cavaleiro gaulês do mesmo nome, que, no século IV (concretamente no ano de 337) pregava a fé cristã no Sul da Europa. A lenda em si reza que, ao viajar por uma qualquer estrada portuguesa durante uma tempestade, o mesmo terá encontrado um mendigo, a quem deixou a única coisa que tinha para dar: a capa que levava às costas, e que sabia poder ajudar o homem a proteger-se da tormenta – uma boa acção que, em conjunto com outras praticadas numa fase posterior da vida, lhe valeria o título de Santo por toda a Europa, e que faria do suposto dia do encontro (11 de Novembro) feriado nacional nos países Ibéricos, bem como em França, em Itália e na Alemanha (onde as celebrações não envolvem castanhas, mas sim fogueiras e procissões.)

E por falar em castanhas, as mesmas surgem aliadas à celebração, sobretudo, por o feriado calhar na época da sua apanha, não havendo qualquer significado simbólico para o ritual que, para muitas crianças dos anos 90 e 2000, era praticamente sinónimo com esse período do ano. Ainda assim, mesmo sem qualquer ligação esotérica à lenda, os frutos do castanheiro não tardaram a adquirir o estatuto de tradição, e ainda hoje se celebra o S. Martinho com os elementos de que fala o ditado popular, “castanhas e vinho” - uma combinação que, aliás, retém a popularidade pelo menos até ao Natal. Quanto à lenda em si, cabe à geração que a decorou, juntamente com tantas outras, assegurar que a mesma não se perde em meio aos ecrãs digitais da Geração Z, e que o dia 11 de Novembro constitui, para os mesmos, mais do que apenas mais um dia 'sem escola'...

01.11.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Os anos 90 viram surgir nas bancas muitas e boas revistas, não só dirigidas ao público jovem como também generalistas, mas de interesse para o mesmo. Nesta rubrica, recordamos alguns dos títulos mais marcantes dentro desse espectro.

O cinema de terror foi, a par do de acção, um dos que mais cedo cativou, e mais fortemente marcou, a geração nascida e crescida entre os anos 80 e o Novo Milénio, muito graças à quantidade e qualidade de filmes com que os dois géneros contribuíram para o panorama cinematográfico daquelas décadas. No caso do cinema de terror, além do factor 'cool' que partilhava com os heróis de acção, havia ainda o atractivo adicional do 'fruto proibido', que fazia muitas crianças e jovens (em Portugal e não só) ficar acordado até tarde, ou programar o VHS, para acompanhar os actos de vingança de Jason Voorhees, Michael Myers e Freddie Krueger, as 'brincadeiras' de Chucky, o Boneco Diabólico, ou simplesmente uma das muitas histórias de fantasmas, fenómenos paranormais e casas assombradas que potenciavam, na mesma época, o retumbante sucesso da série 'Ficheiros Secretos'.

Não foi, assim, de surpreender que este interesse dos jovens pelos filmes de 'meter medo' principiasse, rapidamente, a ser explorado para fins comerciais, com vários produtos dirigidos a crianças a contarem com a imagem de um dos ícones oitentistas do género, ou ainda dos mais clássicos monstros da Universal, que serviam inclusivamente de inspiração para uma popular linha de mini-figuras, que contava mesmo com um desenho animado e jogo de computador próprios. Em meio a tudo isto, um autor infanto-juvenil norte-americano viu no paradigma vigente a oportunidade perfeita de explanar a sua ideia de escrever uma série de contos de terror explicitamente dirigidos a um público mais jovem, no caso em idade primária ou secundária; o resultado foi uma colecção que, em meados dos anos 90, colocaria até os leitores mais relutantes de nariz colado às páginas, marcando assim toda uma geração.

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O icónico primeiro volume da colecção, oferecido em conjunto com a revista 'Super Jovem',

Falamos da colecção 'Arrepios', de R. L. Stine, cujo aparecimento em solo lusitano se insere confortavelmente em duas categorias do nosso blog; isto porque, apesar de se tratar de uma colecção de livros (que entraria normalmente nas Quartas de Quase Tudo), os volumes eram vendidos, sobretudo, em bancas de jornais e papelarias, tornando-os também candidatos às Quintas no Quiosque. A icónica série de Stine consegue, assim, o feito de ser tema do primeiro 'post' híbrido de dois dias diferentes da História do Portugal Anos 90, valendo o presente texto pelos dias 1 e 2 de Novembro de 2023 – uma altura, aliás, bastante apropriada para falar de livros centrados no sobrenatural, espíritos e monstros, e que, muito antes de o Halloween ser oficialmente importado e adoptado como festa em Portugal, já causava calafrios (ou, bem, 'Arrepios') nas então crianças nacionais.

Isto porque, apesar de algo básicos pelos padrões de uma demografia que já 'devorava' 'Uma Aventura', 'Viagens no Tempo', 'O Clube das Chaves' ou as obras de Alice Vieira, estes livros conseguiam, dentro da sua 'fórmula', criar uma atmosfera bastante eficaz para as suas histórias, a maioria das quais se baseava em medos primários do público-alvo, como monstros, mutantes, bonecos assassinos, casas assombradas, predadores terrestres ou aquáticos, ou ainda os inevitáveis 'zombies'. E se é certo que nem todos os livros acertavam no 'alvo' ('O Feitiço do Relógio de Cuco' tem mais de comédia involuntária do que de arrepiante experiência de terror) os que atingiam este fim prestavam-se a releituras sucessivas, e tornavam-se assunto de discussão no recreio da escola, algo a que muito poucas colecções além das supracitadas conseguiam almejar.

Grande parte do sucesso dos primeiros vinte volumes da colecção em Portugal pode, no entanto, ser também atribuído ao modelo de venda escolhido pela Abril/Controljornal, que aproveitava a sua hegemonia no campo dos periódicos infantis para lançar 'Arrepios' nas bancas, e a um preço bastante convidativo para as carteiras dos jovens da altura, custando cada livro pouco mais do que uma banda desenhada das mais 'grossas'. A oferta do primeiros volume da colecção na compra da revista 'Super Jovem' (também da editora) ajudou a difundir ainda mais a nova colecção junto do público-alvo, havendo decerto muito poucas crianças daquela época que não tenham tido, pelo menos, este livro na sua estante. As 'letras grandes', linguagem simples e histórias apelativas (apesar dos finais estilo 'Scooby-Doo' e invariavelmente desapontantes) encarregavam-se do resto, tornando 'Arrepios' numa das mais bem sucedidas séries de livros entre quem não gostava de ler.

Infelizmente, a Abril cometeu o erro de saturar o mercado com cada vez mais livros da colecção, além da série-irmã que oferecia uma experiência estilo 'Aventuras Fantásticas' e de outra série de R. L. Stine, 'A Babysitter', sobre uma azarada adolescente que vê todos os seus trabalhos de ama-seca transformarem-se numa perseguição por parte de um tarado ou psicopata. Apesar da relação com 'Arrepios', nenhuma destas colecções (ou até mesmo os livros subsequentes da própria série) conseguiram o mesmo sucesso dos primeiros volumes, não conseguindo crescer com o público-alvo nem tão-pouco competir com o baluarte da literatura infanto-juvenil em Portugal que era (e é) 'Uma Aventura'. Assim, foi sem surpresas que a colecção 'saiu de fininho' de 'cena' ainda antes do Novo Milénio, deixando como legado os volumes arrumados nas estantes do quarto de muitas crianças e uma série televisiva relativamente bem-sucedida, exibida no espaço 'Buereré' da SIC, nas manhãs de fim-de-semana; é possível, no entanto, que esta situação mude, e que o recente (e bem-sucedido) filme com Jack Black venha a suscitar o interesse da Geração Z pelos livros que adornavam a estante dos pais quando estes tinham pouco mais ou menos a mesma idade. Enquanto não assistimos a um ressurgir de 'Arrepios', no entanto, fica a recordação de uma série de livros que acabou por marcar época, e que, apesar dos evidentes defeitos e falhas, merece bem um lugar (duplo!) nestas nossas páginas nostálgicas.

18.10.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

De entre todos os elementos passíveis de causar nostalgia, um documento de identidade não parece, à partida, ser um forte candidato; no entanto, como comprova a reacção dos britânicos ao regresso dos 'passaportes azuis', também algo tão inócuo quanto uma identificação estatal é capaz de despoletar memórias positivas sobre um tempo passado, e deixar a vontade de a ele regressar. No caso dos portugueses e portuguesas das gerações nascidas até ao início do século XXI, esse documento é o tradicional BI plastificado e de fundo bege, substituído há já quinze anos pelo algo mais 'anónimo' Cartão do Cidadão (passe o trocadilho) mas que continua a viver na memória colectiva de quem alguma vez chegou a ver um ser emitido em seu nome.

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Frente e verso do antigo documento.

Isto porque o ritual de 'tirar' o primeiro BI – algo que, ao contrário do que sucede com o Cartão do Cidadão, acontecia apenas já nos anos da pré-adolescência, após completa a primeira década de vida. Como tal – e, novamente, em contraste com o que sucede com o documento actual – a obtenção do tradicional rectângulo plastificado (completo com a tradicional impressão digital, de longe a parte mais entusiasmante do processo) assumia dimensões de ritual de passagem para, neste caso, a adolescência, ombreando com o carimbo azul no cartão da escola, a primeira chávena de café, a primeira cerveja e o primeiro tratamento por 'senhor' ou 'senhora' num estabelecimento na lista de momentos transicionais definitivos para os jovens portugueses do século XX, daqueles que permitiam alardear já 'ser crescido' junto dos contemporâneos.

Infelizmente, tal como os outros momentos acima referidos, também este ritual de amadurecimento se perdeu totalmente na época moderna, em que um Cartão do Cidadão pode (e deve) ser adquirido antes de completo um mês de idade para qualquer bebé nascido em Portugal, perdendo-se assim mais um importante marco formativo das gerações actualmente acima dos vinte e cinco a trinta anos de idade – as quais, certamente, terão ainda os seus antigos BI's guardados algures numa qualquer gaveta de sua casa, ou da casa onde cresceram...

04.10.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

As duas últimas semanas do mês de Setembro assinalavam, para os alunos portugueses das gerações 'X' e 'millennial', o regresso às aulas, com todos os trâmites e rituais nele implicados, das matrículas à compra de material e livros e, claro, a sempre importante decisão sobre a côr do carimbo a estampar no cartão da escola, e subsequente nível de liberdade e autonomia. Em meio a tudo isto, havia ainda outro componente, menos trabalhoso e consequente, mas nem por isso menos importante: a obtenção e preenchimento de um horário escolar.

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Exemplo de um horário promocional, no caso alusivo aos sumos Joi.

De facto, numa era em que a maioria dos processos eram, ainda, analógicos, aquelas folhinhas de papel ou plástico com uma grelha dividida em dias da semana e número de períodos típico de um dia de aulas constituíam a principal forma de um aluno recordar as datas, horas, ordem e até salas em que teriam lugar cada uma das suas aulas, tornando-os um auxiliar essencial para as primeiras semanas de aulas, antes de essas mesmas informações serem interiorizadas e o processo se tornar 'mecanizado' na mente do aluno.

Efectivamente, a importância dos horários era tal que, mesmo servindo apenas e só uma função utilitária, os mesmos estavam sujeitos às mesmas regras estéticas que qualquer outro elemento do 'kit' escolar; embora houvesse quem preferisse simplesmente anotar essas informações no verso do cartão da escola – que oferecia uma grelha para o efeito – a maioria das crianças e jovens procurava um horário de aspecto diferenciado, muitas vezes obtido gratuitamente como brinde numa qualquer revista juvenil, ou numa loja de material escolar, e orgulhosamente exibido no verso do 'dossier' ou na parede do quarto.

Escusado será dizer que, em plena era digital, os horários perderam toda e qualquer relevância que alguma vez pudessem ter tido; para os alunos de finais do século XX e inícios do seguinte, no entanto, esta aparentemente singela parte do processo de 'rentrée´ escolar revestia-se de uma importância que a torna, ainda hoje, memorável ao recordar os inícios de ano lectivo daquela época.

20.09.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Naquela que teria sido a primeira semana de regresso às aulas para a maioria dos 'putos' dos anos 90, vêm inevitavelmente à memória certas particularidades da vida escolar daquela época. Mas entre as memórias sobre ir comprar mochilas, cadernos, tabuadas e outros materiais, as recordações relativas ao processo de matrícula e as imagens mentais das infindáveis e icónicas circulares, surge também um aspecto algo mais esquecido por essa (agora adulta) geração, mas que, a dada altura do seu desenvolvimento, constituiu um ritual de passagem tão importante quanto o primeiro café ou a passagem de 'menino/a' a 'senhor/a' nas lojas: a obtenção do 'carimbo azul' no cartão escolar.

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Traseira de um cartão escolar português da época; o tão importante carimbo encontrava-se no verso, ou seja, na parte da frente, junto à fotografia.

De facto, numa altura em que os cartões de aluno eram, ainda, impressos em cartão, e isentos de quaisquer funcionalidades digitais, o tradicional processo de carimbagem assumia contornos cruciais para o futuro imediato de qualquer criança ou jovem daqueles finais do século XX. Isto porque a maioria das escolas, sobretudo as dirigidas ao segundo e terceiro ciclos do ensino básico, tendiam a adoptar um sistema dualitário para controlar as entradas e saídas dos alunos, quer após, quer durante as aulas; assim, apenas os alunos cujo cartão estivesse carimbado a azul eram autorizados a transpôr os portões da escola sem a presença de um adulto, sendo os portadores de cartões com carimbo vermelho obrigados a esperar pela chegada de um maior de idade, preferencialmente um dos encarregados de educação.

Não é difícil, mesmo para quem não tenha vivido aqueles tempos, perceber a importância de ser autorizado a ter no cartão o selo azul: não só o mesmo tornava possível acompanhar os amigos à saída da escola (e, quiçá, até regressar a casa totalmente sozinho!) como também sair durante os intervalos ou aquando dos famosos 'furos' – algo que, no caso do autor deste 'blog', permitia ir à drogaria da esquina comprar uma bola para o intervalo seguinte, à papelaria comprar chupa-chupas ou cromos, ou ao café comer um bolo não disponível no bar da escola. Além destas considerações mais práticas, o carimbo azul era, ainda, um sinal de confiança por parte dos pais, com fortes implicações de maturidade – um dos objectivos principais de qualquer criança ou jovem, sobretudo durante os anos da pré-adolescência.

Não é, pois, de admirar que a questão do carimbo no cartão da escola assumisse, durante a presente época do ano, tal importância para os 'putos' da geração 'millennial' portuguesa, sobretudo os residentes em ambientes citadinos, onde havia uma maior preocupação com a segurança por parte das escolas. E apesar de o advento dos cartões magnéticos e electrónicos ter vindo a extinguir por completo a prática em causa, é de acreditar que exista, presentemente, um sistema alternativo, que se revista de tanta ou mais importância para a 'geração Z' quanto um simples círculo estampado teve para a dos seus pais...

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