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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

12.02.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Já aqui por várias vezes aludimos à fase áurea atravessada pelo 'pop-rock' nacional durante a década de 90. De facto, o referido movimento visivelmente 'transpirava' saúde, representada tanto por lançamentos marcantes por parte de artistas já veteranos, como Rui Veloso, GNR, Delfins, Resistência, Entre Aspas ou Xutos & Pontapés, como de novas e promissoras adições à cena, como Sitiados, Quinta do Bill, Silence 4, Ornatos Violeta, Pedro Abrunhosa, Hands on Approach ou a banda de que falaremos no 'post' de hoje, e que foi uma das muitas revelações apontadas como a 'próxima grande sensação' durante a referida década: os Pólo Norte.

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A formação clássica do grupo.

Formados em Belas, na região de Sintra, em 1992, das cinzas dos Honoris Causae, seria, no entanto, há coisa de trinta anos que a banda em causa verdadeiramente penetraria no imaginário popular, com o lançamento do seu primeiro disco, 'Expedição', e subsequente sucesso da faixa 'Lisboa', uma das músicas-estandarte do colectivo liderado pelo vocalista Miguel Gameiro. Também incluído neste registo de estreia está 'Grito', outro tema emblemático para o grupo e muito querido pelos seus fãs.

O primeiro sucesso do grupo...

Por muito auspiciosa que tivesse sido a estreia dos Pólo Norte, no entanto, nada fazia prever o que se seguiria com o seu segundo disco. 'Aprender a Ser Feliz', de 1996, dava ao mundo da música portuguesa o tema-título – que se tornaria ainda mais sinónimo com a banda do que 'Lisboa' - e ajudava a aumentar a base de fãs dos Pólo Norte de uma ponta à outra do País, muito por conta da grande rotação radiofónica da referida faixa homónima. Antes, a banda havia já conseguido destacar-se dos seus contemporâneos através de 'Amor É', uma versão musicada de um poema de Luís Vaz de Camões incluída na histórica colectânea 'Portugal ao Vivo II', veiculada com o jornal Blitz em 1995.

...e o seu verdadeiro tema-estandarte

Com a frequência e número dos concertos a aumentar, não é de estranhar que o terceiro álbum tenha demorado três anos a ser editado, por oposição aos menos de dois que mediaram entre 'Expedição' e 'Aprender a Ser Feliz'. Ainda assim, e apesar da demora, 'Longe' voltou a gozar de relativo sucesso, servindo mesmo de mote ao primeiro registo ao vivo do grupo, singelamente intitulado 'Pólo Norte ao Vivo' e lançado no dealbar do Novo Milénio. Em 2002, saía um novo registo de originais, 'Jogo da Vida', o quarto de uma carreira cada vez mais consolidada dentro do movimento 'pop-rock' nacional. Tudo parecia indicar a continuação de uma boa fase do grupo...não fora o hiato imposto por Miguel Gameiro, que procurava concentrar-se no projecto paralelo Portugal a Cantar.

Assim, passar-se-iam longos cinco anos até ser editado novo registo sob a denominação Pólo Norte – mas, como diz o ditado, 'mais vale tarde que nunca', já que 'Deixa o Mundo Girar', produzido pelo britânico Steve Lyons e de sonoridade mais 'rock' do que os seus antecessores, devolveu ao grupo o nível de fama e exposição dos tempos de 'Aprender a Ser Feliz', com diversos temas do álbum a figurarem em telenovelas e outras produções nacionais. Apesar deste sucesso, no entanto, o referido lançamento (reeditado dois anos depois com um segundo CD de bónus, composto por músicas ao vivo) saldar-se-ia, mesmo, como o último de originais do grupo, cujos registos subsequentes tomariam a forma de colectâneas, a primeira editada aquando da celebração de quinze anos de carreira do grupo, em 2008, e a segunda – intitulada 'Miguel Gameiro e Pólo Norte', lançada em 2014. De salientar que '15 Anos' trazia dois temas inéditos, até hoje os últimos alguma vez gravados pelos Pólo Norte.

Apesar de se assinalar nesse ponto o fim do grupo, no entanto, não era ainda a despedida de Miguel Gameiro, que lançaria um último CD a solo, 'A Porta Ao Lado' - que chegou a ser Top 10 de vendas em Portugal em 2010 – antes de se dedicar à sua outra paixão, a culinária. A carreira de 'chef' em estabelecimentos como o Casino Estoril e Quinta da Beloura foi, no entanto, mais uma vez posta em hiato em 2021, quando a banda se reuniu para uma celebração dos vinte e cinco anos de carreira, a qual, por sua vez, motivaria planos para uma 'turnê' completa, sob a designação Miguel Gameiro & Pólo Norte, a ter início no ano transacto. E apesar de tal desiderato ainda não se ter materializado, é bem possível que estejamos perante o início de uma 'segunda vida' para mais uma banda emblemática do 'pop-rock' nacional de finais do século XX. Resta aguardar para ver...

30.10.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

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Apesar de não ser especialmente comum, o caso de um artista obter mais sucesso num país estrangeiro do que no seu de origem não é, de todo, inaudito; antes pelo contrário, o Portugal dos anos 90 assistiu a pelo menos três ocorrências deste fenómeno, com Iran Costa, em 1995, e Netinho, em 1998, a 'desbravarem caminho' para aquele que viria a ser o exemplo definitivo deste paradigma, tomando de assalto os 'tops' portugueses durante grande parte deste último ano, e batendo recordes de vendas para um único disco ainda hoje vigentes. Falamos, é claro, de Daniela Mercury, a cantora pop brasileira cujo quarto disco, 'Feijão com Arroz', atingiu em Portugal a marca de sêxtupla platina (correspondente à venda de quase 250 mil unidades) e inscreveu o seu nome no livro de recordes nacional como o álbum mais vendido de sempre no nosso País, além de dar às rádios nacionais um 'hit' perene para as suas 'playlists', na forma do single 'Nobre Vagabundo'.


À primeira vista, todo este sucesso pouco tem de invulgar; a surpresa chega quando se percebe que, apesar de ser já o quarto lançamento da cantora, este é o álbum de revelação de Daniela Mercury no mercado português. De facto, apesar de gozar já de enorme sucesso no seu país natal (onde 'Feijão com Arroz' é apenas o segundo álbum mais vendido da sua carreira, ficando atrás do anterior 'O Canto da Cidade') a cantora tinha, até então, sido incapaz de expandir o seu raio de acção a mercados internacionais, uma situação que mudou da forma mais drástica possível quando 'Nobre Vagabundo' pôs meio mundo a perguntar quanto tempo tinha para matar essa saudade, e um em quatro lares portugueses a investir na compra do disco – prova do poder que um single forte continua(va) a ter sobre o melómano casual.

Surpreendente é, também, o facto de – ao contrário da conterrânea Ivete Sangalo, alguns anos depois – o apelo de Mercury junto do público português não ter sido sustentado, não havendo registo de qualquer outro álbum na carreira da cantora cujos números sequer se aproximassem dos de 'Feijão com Arroz'. Assim, à semelhança do supracitado Netinho, Daniela veria o seu legado por terras lusitanas ficar-se por um single 'arrasa-quarteirões' e um disco recordista de vendas, não tendo qualquer destes dois factores almejado o seguimento que naturalmente se lhes previa; de facto, a cantora brasileira escapa por muito pouco ao rótulo de 'one-hit wonder' no contexto do mercado fonográfico em Portugal.

A carreira da cantora em si esteve longe de declinar após este marco, entenda-se – pelo contrário, Mercury viria a cantar com Alejandro Sanz e Paul McCartney (este último na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz) e tocar em conceituados festivais de jazz; em Portugal, no entanto, a natural da Bahia continua a ser conhecida, sobretudo, como a artista que, com apenas um único disco, conseguiu tornar-se o terceiro nome musical mais vendido de sempre no nosso País, apenas atrás de Julio Iglesias e do conterrâneo Roberto Carlos; no total, foram mais de um milhão de discos vendidos no último quarto de século – uma marca impressionante por parte de uma artista que dominou por completo os 'tops' de vendas em 1998, mas que continua a ser, sobretudo, conhecida por essa já decana façanha...

04.09.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Numa altura em que Lisboa (e Portugal como um todo) se encontra, ainda, na ressaca da actuação dos Blur no festival MEO Kalorama 2023, a parcela de espectadores desse concerto acima dos trinta e cinco anos estará, provavelmente, a recordar a época em que, pela primeira vez, se ouvia falar desta banda, juntamente com uma outra, supostamente arqui-rival, de seu nome Oasis. Corria o ano de 1995, eclodia no Reino Unido um movimento conhecido como 'Britpop', e as equipas de 'marketing' de ambos os grupos – com uma ajudinha da sempre hiperbólica comunicação social especializada – engendravam um plano infalível para introduzir dois dos principais grupos do movimento às audiências internacionais; nascia, assim, a 'guerra' Blur-Oasis, que ainda chegaria a dividir muitas opiniões durante aquele ano e o seguinte.

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A narrativa desta suposta batalha era muito simples: os Blur, criadores de 'malhas' orelhudas e abertamente radiofónicas, e liderados pelo excêntrico Damon Albarn, eram posicionados como os 'meninos-bonitos' levemente irreverentes, enquanto os Oasis (co-liderados pelos voláteis, desbocados e 'gadelhudos' irmãos Gallagher) eram os 'roqueiros' 'feios, porcos e maus', sempre prontos a disparar mais uma asneira na direcção de um jornalista em dias de pior humor. Uma espécie de repetição da suposta rivalidade entre os Beatles e os Rolling Stones, embora agora, curiosamente, com os papéis invertidos, já que a banda abertamente inspirada por Lennon e McCartney era colocada no papel de 'vilã'.

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Capa do 'NME' da época que 'atiçava' a 'fogueira'.

A razão para esta estratégia era simples: ambos os grupos promoviam excelentes duologias musicais, com os Blur a atingirem a fama com a 'dose dupla' de 'Parklife' (de 1994) e 'The Great Escape' (do ano seguinte), enquanto os Oasis respondiam com 'Definitely Maybe' (também de 1994) e o mega-sucesso '(What's the Story) Morning Glory' (de 1996). E apesar de os dois grupos nem sequer se aproximarem por aí além sonicamente – os Blur tocavam pop-rock com sopros, enquanto os Oasis faziam um rock alternativo movido a guitarradas – os 'singles' que ambos lançavam precisamente no mesmo dia 14 de Agosto de 1995 ('Country House' e 'Roll With It') foram, imediatamente, posicionados numa espécie de 'duelo dos tops', que acabou por ser apenas mais uma 'acha' para uma 'fogueira' já 'ateada' em pleno; durante um par de Verões, simplesmente não foi possível a qualquer fã de música 'mainstream' com guitarras ficar indiferente a esta suposta rivalidade, com a maioria dos jovens (portugueses e não só) a escolherem e defenderem acirradamente um ou outro dos dois grupos (por aqui, éramos da 'equipa Oasis').

Escusado será dizer que, como todas as estratégias de marketing, também esta acabou, eventualmente, por perder a eficácia, e quando os dois grupos voltaram a lançar álbuns, em 1997, já ninguém alimentava o suposto duelo entre ambos; cada um tinha a sua base de fãs e, embora as duas ainda pouco ou nada se interceptassem, a 'coisa' não passava muito daí. Ainda assim, para quem viveu aqueles anos de 1995 e 1996 como fã de música electrificada – e recordou a sua juventude frente ao palco do Kalorama – esta 'guerra' terá sido, pelo menos, tão vital quanto os eternos duelos entre Sega e Nintendo, ou entre a Pepsi e a Coca-Cola. A questão que se põe é, portanto, se cada um terá mantido o seu 'alinhamento' até aos dias de hoje, ou eventualmente 'desertado' para o 'outro lado'...

 

Quem ganha? Tirem as vossas próprias conclusões.

28.08.23

NOTA: Este 'post' é correspondente a Sábado, 26 de Agosto de 2023.

As saídas de fim-de-semana eram um dos aspetos mais excitantes da vida de uma criança nos anos 90, que via aparecerem com alguma regularidade novos e excitantes locais para visitar. Em Sábados alternados (e, ocasionalmente, consecutivos), o Portugal Anos 90 recorda alguns dos melhores e mais marcantes de entre esses locais e momentos.

Os festivais de música ao ar livre vêm-se, desde há três décadas, afirmando como um dos principais elementos do Verão português, a ponto de quase fazerem falta quando não se realizam, como durante a época de pandemia em 2020-21. Mas se cada ano parece adicionar mais e mais eventos deste tipo ao já preenchido calendário estival, continua a haver apenas um certo e determinado número de festivais verdadeiramente icónicos e sinónimos com esta época do ano, alguns dos quais entretanto desaparecidos (como o saudoso Ermal) e outros que celebram por esta altura aniversários históricos. O Festival do Sudoeste, por exemplo, comemorou o ano passado os seus vinte e cinco anos, e, este ano, é a vez de outro nome sonante da cena 'ao vivo' estival lusitana ter atingido um marco 'de respeito', ao assinalarem-se os trinta anos sobre a primeira edição do lendário Festival Paredes de Coura.

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Celebrado anualmente, em Julho e Agosto, na região com o mesmo nome, no Alto Minho, o coloquialmente chamado 'Couraíso' perfila-se, a par do não menos icónico Vilar de Mouros, como o mais destacado festival de música da região Norte de Portugal, tendo, ao longo das suas três décadas, atraído um sem-número de artistas de renome aos seus palcos, e tornado-se local de 'romaria' quase obrigatória para os fãs de pop-rock e rock alternativo portugueses. O que poucos dos que anualmente rumam à Praia Fluvial do Tabuão saberão, no entanto, é que as origens do seu 'paraíso' musical anual remontam a uma era em que muitos deles ainda nem sequer eram nascidos - nomeadamente, ao ano de 1993, quando um grupo de amigos do município decide, de forma independente, organizar um festival de música. Para esse efeito, criam panfletos feitos à mão e impressos de forma não menos artesanal e, aproveitando algum apoio monetário da Câmara Municipal, começam a contactar bandas, com o objectivo de formar um cartaz. Após vários altos e baixos - todos contados com enorme humor por um dos organizadores no podcast do Expresso dedicado à História do festival - acabam por conseguir confirmar cinco nomes, todos nacionais: Ecos da Cave, Gangrena, Cosmic City Blues, Boubacaba e Purple Lips actuam num palco improvisado a 20 de Agosto de 1993, configurando aquele que foi, efectivamente, o primeiro cartaz de Paredes de Coura.

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Cartazes da primeira e segunda edições do certame.

E a verdade é que a perserverança dos organizadores rendeu dividendos: aquele primeiro festival foi bem-sucedido o suficiente para, no ano seguinte, atrair uma banda tão conhecida e respeitada na cena nacional como os Ena Pá 2000, que se juntavam aos históricos Tédio Boys e a mais quatro bandas (incluindo duas repetentes da primeira edição) num cartaz bastante mais atractivo que o do ano anterior. E se 1994 já representou um considerável avanço em relação ao primeiro ano, 1995 elevou o festival a ainda outro nível, podendo considerar-se o ano em que Paredes de Coura verdadeiramente 'explodiu'. Blind Zero, Braindead, Pop Dell'Arte, More República Masónica e Primitive Reason formavam parte de um cartaz ainda cem por cento nacional, mas nem por isso menos atractivo - antes pelo contrário. O ano intermédio da década de 1990 é, ainda, histórico por ser o primeiro (e único) em que o festival foi dividido entre dois dias, no caso 19 e 20 de Agosto.

A partir daí, foi sempre a somar: logo no ano seguinte, o festival passa a ter três dias de duração, durante os quais actuam nomes de monta do panorama nacional, como Da Weasel, e, há exactos vinte e cinco anos, acolhe os primeiros artistas internacionais a pisar os seus palcos, com Red House Painters, Atari Teenage Riot, Anne Clark, The Divine Comedy e Tindersticks a juntarem-se a ídolos nacionais como Moonspell, Clã, Zen, Blind Zero, Belle Chase Hotel e os então 'enormes' Silence 4. A edição seguinte, última do século XX - que trazia nomes como The Gift, Lamb, Gomez, dEUS, Suede, Mogwai, Sneaker Pimps e uns Guano Apes então em estreita relação com o nosso país, é considerada pelo próprio organizador João Carvalho como a apoteose do festival, e a garantia de que o mesmo perduraria ainda durante muitos anos. E a verdade é que, desde então, já lá vão vinte e três, sem que o festival perca a força, relevância ou fama entre os fãs de boa música independente em Portugal e no estrangeiro - antes pelo contrário, como o comprova a sua colocação entre os melhores festivais de música da Europa por parte da prestigiada revista Rolling Stone, em 2005. Parabéns, Paredes de Coura - e que continues a ser uma referência na cena 'ao vivo' nacional durante ainda mais trinta anos.

10.07.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Todo e qualquer período temporal contemporâneo é definido – entre outros factores – por um número mais ou menos restrito de composições musicais, cuja audição é, a qualquer momento, suficiente para transportar o ouvinte para determinada altura da História, seja da sua pessoal, seja da mais vasta e global; e, para grande parte das gerações 'X' e 'Millennial' portuguesas, uma dessas músicas envolve uma vocalista de voz rouca a perguntar repetidamente o que se passa.

Sim, essa mesmo – 'What's Up?', das 4 Non Blondes, um grupo de três 'senhoras' e um 'cavalheiro' (nenhum dos quais, como o nome indicava, de cabelo sequer remotamente loiro) praticante de pop-rock 'com guitarras' e levemente alternativo, e que, na transição do ano de 1992 para 1993, produziria uma das músicas mais icónicas, reconhecíveis e bem-sucedidas de toda a década, que ajudaria a catapultar as vendas do seu único álbum, lançado na Primavera anterior. E ainda que rotular a banda de 'one-hit wonder' seja algo injusto – o outro 'single' do álbum, 'Spaceman', conheceu também, à época, algum sucesso – é inegável que a balada em causa constitui mesmo o principal legado de um colectivo que, em termos discográficos, não resistiria à passagem para a segunda metade da década de 90.

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A formação clássica do grupo.

Ainda assim, nos dois anos em que brilhou intensamente nos 'tops' mundiais, a banda comandada pela carismática Linda Perry – e que contava ainda com Christa Hillhouse, Shaunna Hall, e com o baterista luso-descendente Roger Rocha, único representante masculino no grupo, que substituiu Dawn Richardson já depois de terminadas as gravações – conseguiu conquistar o apoio do público LGBT, passar mais de um ano ininterrupto no mais famoso 'top' musical do Mundo (a tabela da Billboard norte-americana) e vender mais de um milhão e meio de cópias do seu único álbum de estúdio.

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O único álbum do grupo, de onde saíram os sucessos 'What's Up?' e 'Spaceman'.

À entrada para o ano de 1994, tudo parecia correr de feição ao grupo californiano, que lançava um álbum ao vivo, gravado em Itália, e contribuía com faixas para bandas-sonoras de filmes de grande orçamento (a segunda parte de 'Quanto Mais Idiota Melhor' e o muito semelhante 'Cabeças de Vento', com Adam Sandler, Brendan Fraser e Steve Buscemi) e para tributos aos Carpenters e aos Led Zeppelin – dois grupos que ilustravam bem a panóplia de influências da banda.

Mas como tudo o que é bom chega, inevitavelmente, ao fim, ainda nesse mesmo ano, dá-se o choque: Linda Perry deixa o grupo de que se tornara imagem de marca. Sem qualquer desejo (nem hipótese) de substituir tão carismática figura, e tão inimitável voz, resta apenas ao grupo separar-se, pondo final a uma trajectória que nem chegaria a durar meia década, mas que deixaria pelo menos um marco incontornável na História do pop-rock radiofónico de finais do século XX – isto, claro, como grupo, já que Perry contribuiria, na qualidade de co-autora e produtora, para colocar muitas mais faixas históricas e memoráveis nos 'tops' mundiais, interpretadas por nomes como Pink, Christina Aguilera, Alicia Keys, Gwen Stefani, Courtney Love ou Kelly Osbourne.

Ao contrário do que sucede com tantas outras bandas, as 4 Non Blondes não se voltariam a reunir, excepção feita a um concerto de beneficência em prol do centro de acolhimento para jovens LGBT, em Maio de 2014, e à participação de Hillhouse e Hall na 'tournée' a solo de Linda Perry. Assim, o quarteto de 'não-loiros' acaba, voluntariamente, por se afirmar como um grupo 'do seu tempo', e que provavelmente teria tido menos espaço e impacto após o 'boom' do pop-rock alternativo e melancólico, na segunda metade dos anos 90. Ainda assim, para um colectivo com tão curto tempo de vida, as 4 Non Blondes conseguiram assegurar que o seu nome fosse lembrado por pelo menos duas gerações de melómanos ao redor do Mundo, Portugal incluído – e fizeram-no através de uma frase tão simples quanto 'I said hey, what's going on?'

12.06.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Os anos finais do Segundo Milénio foram um período notoriamente inclemente para Portugal no que ao Festival da Eurovisão diz respeito, com o País a ser, inevitavelmente, eliminado da meia-final ou – na melhor das hipóteses – 'corrido' nos últimos lugares da tabela classificativa, com os já famosos 'null points'. No entanto, conforme recordámos aquando da nossa retrospectiva por alturas do Festival no ano transacto, houve, durante essa fase menos boa, duas excepções à regra (curiosamente, em anos consecutivos) que não só conseguiram boas classificações na Eurovisão, mas também tornar-se sucessos de vendas após o fim do mesmo. Um deles foi 'Chamar a Música', grande êxito da vencedora do 'Chuva de Estrelas', Sara Tavares; o outro, um ano antes, foi 'A Cidade Até Ser Dia', música-título e de apresentação do terceiro álbum de Anabela Vaz Pires, normalmente conhecida apenas pelo seu primeiro nome. E porque, aquando da Eurovisão deste ano, deixámos passar a oportunidade de falar deste 'megahit' que então completava trinta anos, vimos agora – cerca de um mês depois – falar daquele que foi um dos maiores êxitos do Verão de 1993, e da carreira da cantora ainda adolescente, mas já veterana, que o levou aos palcos internacionais.

De facto, o que muitos dos que trautearam e parodiaram esta música durante o seu momento de fama talvez nunca tenham sabido é que o tema em causa estava longe de representar a revelação daquela 'miúda' de dezasseis anos e 'carinha laroca'; pelo contrário, antes da exposição mediática granjeada pelo concurso europeu de música, a faixa era apenas mais um 'single' numa carreira que começara oito anos antes, e cujo primeiro registo, um LP-single intitulado 'Rock do Amor', havia sido lançado ainda antes de Anabela atingir a puberdade. Tão-pouco era esta a primeira aventura de Anabela pelos palcos internacionais, já que, quatro anos antes do festival em causa, já a menina de então apenas doze anos se havia sagrado vice-campeã no Festival de Música da UNICEF, do qual também traria um prémio especial relativo à melhor interpretação. Dois anos depois – em 1991, mesmo ano em que sai o disco de estreia – Anabela tem nova aventura internacional, ao participar, com apenas catorze anos, no Festival Internacional da Canção de Sopot, na Polónia.

Torna-se, pois, aparente que, apesar da tenra idade, a Anabela que traria honra a Portugal na Eurovisão pela primeira vez em várias décadas era tudo menos uma iniciante, tendo já passado, literalmente, metade da sua vida a cantar, ou em palco. Ainda assim, para muita gente, aquela omnipresente faixa 'europeia' foi mesmo o primeiro (e último) contacto com a jovem artista, que continua até hoje a ser um dos mais famosos 'one-hit wonders' da música portuguesa.

De facto, e curiosamente, seria noutro campo completamente distinto que Anabela se viria a consagrar – nomeadamente, no teatro de revista, onde se tornou uma das 'musas' do monopolista Filipe La Féria. A restante carreira da cantora seria, assim, passada a alternar entre estas duas paixões, tendo mesmo a música passado, a dada altura, para segundo plano – Anabela lançaria apenas mais dois álbuns nos anos noventa, antes de embarcar num hiato discográfico de cerca de uma década, tendo todo o seu foco passado a centrar-se no teatro.

Mesmo quando decide regressar às edições musicais, em 2005, a cantora deixa bem claro que não pretende seguir no mesmo registo dos seus anos de adolescência, optando por uma veia mais experimental em 'Aether', cujas faixas consistem de poemas da autoria de alguns dos maiores poetas portugueses. O álbum seguinte, lançado cinco anos depois, optaria por uma abordagem exactamente inversa, apresentado versões de músicas do chamado 'nacional-cançonetismo', num registo mais leve e popular; novo disco de originais, no entanto, só em 2015, já depois de Anabela ter sido uma das 'Vozes do Coração' na colecção homónima de discos lançada pelo Correio da Manhã dois anos antes. 'Casa Alegre' é, aliás, o último registo da cantora até à data, sendo que o foco de Anabela se encontra, presentemente, na família, tendo a mesma sido mãe pela primeira vez em 2017.

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Anabela na actualidade

Para a maioria da população portuguesa, no entanto – pelo menos para quem não aprecia 'revistas' – Anabela será, para sempre, aquela jovem de vestido branco-creme, cujo tema de participação na Eurovisão serviu de base, durante aquele ano, para um sem-número de paródias, anedotas, e outras criações do tipo hoje conhecido como 'meme'; a música, essa, continua a 'alojar-se' de imediato no cérebro de quem sequer ouse pensar nela, e, trinta anos após o seu lançamento e período de maior sucesso, continua a merecer o estatuto que granjeou como parte da cultura popular portuguesa moderna. 'Quaaando caaaaai a noooooite naaaa cidaaaaadeeee...'

01.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Já aqui anteriormente falámos de algumas das principais bandas do 'boom' de pop-rock nacional vivido entre inícios da década de 80 e finais da seguinte, e que daria ao movimento musical 'mainstream' nacional uma panóplia de nomes que vai dos inevitáveis Xutos & Pontapés, UHF. Delfins e GNR a bandas como Resistência, Rio Grande, Rádio Macau, Clã, Santos & Pecadores, Ornatos Violeta, Blind Zero, Quinta do Bill, Sitiados, Três Tristes Tigres, Fúria do Açúcar, Silence 4 ou a banda de que falamos esta semana, e que celebra este ano o trigésimo aniversário do lançamento do seu álbum de estreia - os Entre Aspas.

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Formados logo no início da década como um duo constituído pela vocalista Viviane (grande 'cartão de visita' do grupo) e pelo seu marido, o guitarrista Tó Viegas, o projecto foi inicialmente concebido apenas com o intuito de preencher um convite para tocar no bar Morbidus, em Faro, tendo a própria designação da banda surgido da forma como assinalaram a data do concerto na sua agenda pessoal, com um sinal de 'aspas'. No entanto, esse primeiro espectáculo rapidamente se desdobrou numa carreira a tempo inteiro, tendo o casal preenchido o alinhamento com uma secção rítmica – constituída pelo baixista Luís Fialho e pelo baterista João Vieira – a tempo de conquistar o terceiro lugar no primeiro Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa, realizado em 1991. Um início honroso para um percurso que teria o seu verdadeiro início no ano seguinte, quando a banda assina contracto com a multi-nacional BMG e inicia o processo de composição do seu primeiro álbum, já com Nuno Filhó no lugar do demissionário Luís Fialho.

O referido álbum, intitulado 'Entre SFF', veria a luz no ano seguinte (há quase exactos trinta anos) e contaria com a produção de Manuel Faria, ex-Trovante, que voltaria a colaborar com o grupo na versão de 'Traz Outro Amigo Também' incluída num álbum de tributo a Zeca Afonso, no ano seguinte. A par de temas próprios como 'Criaturas da Noite' e 'Voltas', este tema ajudou a cimentar a reputação da banda como um dos grandes nomes da nova vaga de pop-rock português.

A releitura de um dos mais famosos temas de Zeca Afonso feita pelo grupo em 1994.

Reputação essa, aliás, que seria cimentada pelo segundo álbum do grupo, 'Lollipop', lançado em 1995 e que contou com a produção daquele que era, à época, o nome de referência para trabalhos de pop-rock nacionais, Marsten Bailey, bem como com o contributo de dois novos integrantes, ambos de créditos firmados na cena – Filipe Valentim, ex-Rádio Macau, e Luís San Payo, ex-Pop Dell'Arte; antes da gravação do terceiro álbum ('Edelweiss', de 1997) verificar-se-ia ainda mais uma mudança, com a entrada do baterista Rui Freire a compôr aquele que seria o alinhamento dos Entre Aspas até ao final da carreira.

O dito final estava, no entanto, ainda a largos anos de distância, sendo que o grupo seguia de vento em popa, participando com dois temas na icónica colectânea 'Ao Vivo na Antena 3', em 1998 (mesmo ano em que Viviane é escolhida para dar voz a um dos temas do mega-projecto natalício 'Espanta Espíritos') e com uma versão de 'Doçuras' no não menos icónico tributo aos vinte anos de carreira dos lendários Xutos e Pontapés, lançado em 1999. Também nesse mesmo ano, é lançado o quarto álbum do grupo, 'Loja de Sonhos' produzido com a ajuda de Flak e com mistura de Joe Fossard.

A contribuição do grupo para a colectânea 'XX Anos, XX Bandas', dedicada aos vinte anos de carreira dos Xutos & Pontapés.

Infelizmente, o 'impulso' vivido pela carreira dos Entre Aspas durante a última década do século XX não sobreviveria aos primeiros anos do Novo Milénio, sendo o álbum ao vivo 'www.entreaspasaovivo.com' (lançado há quase exactos vinte e dois anos, em finais de Abril de 2001, e homónimo do hoje defunto 'site' do grupo) o último registo da banda antes da dissolução em 2005, e subsequente início da carreira a solo de Viviane. Os fãs do grupo teriam, no entanto, uma grata surpresa nove anos depois, quando, a pretexto daqueles que seriam os vinte anos de carreira do grupo, a BMG lança uma colectânea de êxitos – esta, sim, o último registo oficial de uma banda que, sem ter quaisquer daqueles 'hits' instantaneamente reconhecíveis tão típicos do pop-rock nacional de finais do século passado, conseguiu ainda assim estabelecer-se como um dos nomes na 'linha da frente' do movimento durante mais de uma década.

Mesmo após o término do grupo, no entanto, a carreira de Tó Viegas e Viviane seguiu tão firme como o seu casamento, tendo a dupla sido responsável, entre outros projectos, pelo tema 'Com Um Abraço', semi-finalista do Festival da Canção 2021 na voz de Ana Teresa – apenas uma das muitas provas de que o fim da banda que os notabilizou não correspondeu, de todo, à extinção da criatividade musical do casal, que continua a ter papel de destaque na cena 'pop' nacional moderna, mesmo que agora a partir dos 'bastidores'. Quanto aos Entre Aspas, o ano em que completariam trinta anos de carreira serviu mesmo de pretexto para uma reunião dos membros da formação clássica, e subsequente regravação do tema-estandarte do grupo, 'Criaturas da Noite'; resta esperar para ver se se trata de um regresso esporádico, ou se a carreira da banda virá, mesmo, a ganhar um 'segundo fôlego'...

A nova versão de 'Criaturas da Noite', gravada já este ano.

23.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

No dealbar do ano de 1998, um álbum dominava os tops nacionais de música – um álbum que se viria a tornar um dos mais bem-sucedidos de sempre, atingindo uma impressionante quádrupla platina. Tratava-se de 'Saber A Mar', sexto trabalho de originais de um dos grupos favoritos dos adolescentes portugueses das décadas de 80 e 90: os icónicos Delfins.

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De facto, apesar de o referido trabalho os ter catapultado para todo um novo nível de sucesso, os Delfins contavam já com mais de uma década 'na ribalta' aquando do seu lançamento em 1996, sendo um dos nomes mais sonantes da vaga de 'pop-rock' surgida no nosso País durante essas duas décadas ao lado de nomes como Xutos & Pontapés, GNR e Rádio Macau, com os quais partilhavam características como as letras em português e o registo distinto do seu vocalista, o 'bonitão' Miguel Ângelo, também integrante do projecto Resistência. 'Hits' como 'Nasce Selvagem' e 'Um Lugar ao Sol' garantiam ao grupo presença assídua nas principais estações de rádio da época, e ajudavam a manter o colectivo no 'radar' cultural nacional.

O sucesso da banda não se cingia, aliás, aos territórios nacionais, sendo que, por alturas do lançamento do trabalho em causa, o grupo português havia já realizado espectáculos na Expo '92, em Espanha, na sala Zénith, em Paris, e na prestigiada Brixton Academy, de Londres; já dentro de portas, o grupo esgotava concertos por onde passava, fosse a abrir para Tina Turner em Alvalade,, a inaugurar 'de surpresa' o icónico Johnny Guitar ou a 'aquecer' literalmente a plateia no tradicional espectáculo de Ano Novo no Terreiro do Paço, todos em 1990. O Pavilhão Carlos Lopes, a Festa do Avante e o Coliseu dos Recreios de Lisboa foram alguns dos outros icónicos certames a presenciar a ascensão do grupo ao panteão do 'pop-rock' nacional durante aquela que foi a sua época de afirmação definitiva – e que, como já foi referido, acabaria em apoteose, com Miguel Ângelo e companhia a bater recordes de vendas com o seu sexto álbum, a tocarem na Expo '98 e a consumarem a tentativa de internacionalização com um álbum de temas adaptados para o Espanhol ('Azul', de 1998), já depois de o seu líder ter participado, como juiz, no mega-sucesso da SIC, 'Chuva de Estrelas', e dado a voz ao cowboy Woody na excelente dobragem nacional de 'Toy Story - Os Rivais', em 1995.

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Capa do grande êxito do grupo.

Infelizmente, esta tendência não se manteria no Novo Milénjo – apesar dos lançamentos regulares e consistentes (entre álbuns de originais, ao vivo, colectâneas e DVDs, foram onze registos) e da manutenção de um público fiel que 'crescera' com eles, a banda não mais veria os níveis de sucesso atingidos por volta de 1997, inserindo-se antes na categoria de 'instituição nacional', ao lado da maioria dos grupos da mesma vaga. Ainda assim, o estatuto do grupo ainda lhes permite viajar até ao Canadá e a Macau, tocar num cruzeiro em Marrocos, participar na segunda edição do concurso 'Operação Triunfo', e actuar em locais tão icónicos da Grande Lisboa como o Casino Estoril e o Centro Cultural de Belém, bem como no Rivoli do Porto.

Mesmo com toda esta projecção – ou talvez por causa dela – o grupo surpreendia a cena musical portuguesa ao anunciar um hiato, em 2009 – o qual acabaria por durar uma década, tendo a banda cascalense voltado a reunir-se em 2019 para um concerto nas Festas do Mar de Cascais, e celebrado no ano seguinte os quarenta anos de carreira; e embora, a este ponto, o futuro dos Delfins permaneça incerto, a sua trajectória já mais que justificou o seu estatuto de 'lendas' da música portuguesa – para o qual o álbum mais vendido em Portugal no ano de 1997 contribuiu de forma definitiva...

09.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Depois de na passada edição desta rubrica termos verificado a prevalência de um disco sobre todos os outros no que toca a volumes de vendas durante o ano de 1992, nada melhor do que dedicarmos algumas linhas ao grupo que os lançou, e que constituiu talvez o primeiro 'supergrupo' cem por cento português, anos antes dos Rio Grande: o projecto Resistência.

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Centrado em torno de Pedro Ayres de Magalhães, guitarrista dos Madredeus, este projecto reuniu músicos de várias das maiores bandas do cenário musical português, com ênfase no pop-rock, mas aberto também a outros estilos. A formação inicial, por exemplo – a que participou numa sessão experimental durante a Feira do Livro de Lisboa de 1989 – contava com a colega do fundador nos Madredeus, Teresa Salgueiro, ao lado de Anabela Duarte, dos Mler Ife Dada, e Filipa Pais, então dos Lua Extravagante.

As 'senhoras' acabariam, no entanto, por não colaborar com o músico além dessa sessão (se descontarmos, claro, a carreira dos próprios Madredeus), sendo substituídas por um elenco de luxo: Tim (dos eternos Xutos), Miguel Ângelo (dos então super-populares Delfins) e um ainda desconhecido Olavo Bilac, ainda a um par de anos de explodir com os Santos & Pecadores, bem apoiados por uma banda onde se destacavam Fernando Cunha (também dos Delfins) José Salgueiro (dos Trovante) e o veterano guitarrista-acompanhante Fernando Júdice (mais tarde também dos Madredeus).

Seria com este alinhamento que a banda viria a lançar o álbum que dominou as vendas fonográficas em Portugal em 1992, mas que na verdade foi composto e lançado no ano anterior – a estreia 'Palavras ao Vento', cujo alinhamento é um verdadeiro desfilar de êxitos dos músicos envolvidos, de 'Nasce Selvagem' e 'Não Sou o Único' (estrondosa duologia de abertura) ao final com 'Circo de Feras'. O denominador comum em todas estas regravações era uma maior ênfase na voz por oposição à tradicional estrutura pop-rock, uma proposta que acabava por diferenciar o grupo das bandas originais dos seus integrantes, e que contribuiu para o seu considerável, ainda que breve, sucesso.

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A estrondosamente bem-sucedida estreia do grupo.

O êxito de 'Palavras' motivou o grupo à gravação, ainda em 1992, de um segundo álbum, o também excelente 'Mano A Mano', que contava com novas versões de músicas como 'Um Lugar ao Sol', 'Amanhã É Sempre Longe Demais', 'Traz Outro Amigo Também' (de Zeca Afonso) e a pré-memética 'Timor', que qualquer 'puto' da época cantava no tom mais gozão possível para divertir os amigos no recreio.

600x600bf-60.jpgO segundo álbum do grupo.

Mais uma vez, o sucesso foi considerável, e no ano seguinte (há pouco menos de trinta anos) era lançado um disco ao vivo do grupo, 'Ao Vivo no Armazém 22', que incluía algum material original em meio às versões. Ainda em 1993, o grupo é convidado a participar no primeiro espectáculo 'Portugal Ao Vivo', com lugar no Estádio José Alvalade, em Lisboa.

ed169702341bb7ca4b0e2bda4a863eed.1000x1000x1.jpgO registo ao vivo de 1993

Com tanto sucesso e procura, nada fazia prever o fim dos Resistência – e, no entanto, foi precisamente isso que sucedeu. O grupo ainda participaria em discos de tributo a Zeca Afonso e António Variações (ambos de 1994), mas o contratualizado quarto álbum para a BMG nunca se chegaria a materializar, sendo que o grupo se viria a dissolver em 1995, quando os músicos decidiram prioritizar os seus projectos de origem.

Mas como na música – tal como na banda desenhada – ninguém nunca 'desaparece' de vez, também os Resistência se viriam, eventualmente, a reunir, ainda que tal efeméride viesse a demorar nada menos do que dezassete anos. Foi em 2012 que o lançamento de uma colectânea e um par de concertos de celebração de vinte anos, em Lisboa e Guimarães, dariam azo a uma mini-turnê, com passagem por mais uma edição do Portugal ao Vivo, desta vez no Estádio do Restelo, também em Lisboa. Dois anos volvidos, aquilo por que já ninguém esperava viria mesmo a acontecer: saía o quarto álbum dos Resistência, intitulado 'Horizonte' e lançado na editora de sempre, a BMG. A premissa, essa, era exactamente a mesma que fizera o sucesso do grupo duas décadas antes: novas versões de músicas de grupos como Madredeus, Rádio Macau, Delfins e Xutos.

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O álbum de regresso do grupo.

Estava dado o mote para um ressurgimento de carreira que – até à data – inclui mais dois álbuns de estúdio (em 2018 e 2019) e dois ao vivo (em 2016 e 2020), provando que a 'primeira vaga' de pop-rock nacional, e respectivos intérpretes, continuam a ter um mercado bem definido, o qual, por comparação aos próprios músicos que compõem esse movimento, nada fica a dever em Resistência...

26.12.22

NOTA: As informações contidas neste 'post' têm por base dados recolhidos do 'blog' Topdisco.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

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Numa altura em que a época natalícia está oficialmente encerrada (ou quase) e em que se caminha a passos largos para o final de mais um ano, achámos por bem embarcar na habitual maré de estimativas, listas e somatórios totais de tudo e mais alguma coisa, ainda que, naturalmente, com o nosso próprio traço distintivo - no caso, o facto de estarmos a analisar os 'tops' musicais nacionais não do ano que ora finda, mas de há, respectivamente, três décadas e um quarto de século (1992 e 1997).

Como se poderá decerto imaginar (sobretudo se se viveu a respectiva era temporal) ambas estas listas são significativamente diferentes, não só das actuais, mas até mesmo entre si; numa época em que a passagem de meia dúzia de anos implicava tendências por vezes diametralmente opostas, não é, de todo, de admirar que as mesmas se reflictam no tipo e volume de discos vendidos nos dois anos em análise. O que, sim, surpreende, são certas outras 'nuances' que se percebem ao analisar os 'tops' lusos de finais do século XX, e que talvez se afirmem como inesperados para os membros mais novos ou distraídos da geração daquele tempo.

O top de 1992, por exemplo, revela a força e influência que a música portuguesa tinha naquela que era uma das suas épocas áureas - suficientes, neste caso, para fazer com que o colosso 'Nevermind', dos Nirvana, fosse destronado não por um, mas por DOIS lançamentos nacionais, que tomavam para si os dois primeiros lugares da parada daquele ano: por um lado, 'Palavras ao Vento', do supergrupo Resistência, e por outro, o histórico 'Rock In Rio Douro', dos GNR cuja popularidade fora cimentada pelo bombástico e memorável concerto dado pelo grupo no antigo Estádio de Alvalade, em Abril daquele ano (ambos, aliás, lançamentos a que, paulatinamente, daremos atenção neste mesmo espaço.)

Atrás destes dois marcos do pop-rock nacional (e do ainda mais marcante documento histórico de Cobain e companhia) perfilavam-se discos de alguns dos 'suspeitos do costume' da época, dos Scorpions, Simply Red e Guns'n'Roses (todos então ainda em alta) aos 'recuperados' ABBA e Queen (que surgiam em dose dupla, com o excelente 'Greatest Hits II', uma das melhores colectâneas de rock de sempre, e o não menos clássico 'Live at Wembley '86'); e apesar de nenhum dos outros oito representantes da lista ser oriundo de Portugal, nada pode retirar aos dois grupos do topo a sensação de triunfo e 'conquista' do seu próprio país, bem como de 'dever cumprido' na prossecução de um marco histórico para a música portuguesa.

O triunfo da língua portuguesa sobre propostas internacionais cantadas em inglês é, aliás, uma característica em comum entre as duas tabelas em análise, já que também o 'top' de 1997 apresenta o padrão de dois discos lusos situados acima de um 'colosso' de vendas oriundo do estrangeiro. Neste caso, os dois 'conquistadores' são 'Quase Tudo' de Paulo Gonzo - cujo sucesso foi, em grande parte, movido pelo sucesso retumbante da regravação do mega-êxito 'Jardins Proibidos', ao lado de Olavo Bilac, dos também mega-populares Santos e Pecadores - e 'Saber A Mar', dos perenes Delfins, ambos os quais se superiorizaram, em território luso, ao fenómeno Spice Girls, cujo histórico álbum de estreia não logrou ir além do terceiro lugar.

Já as restantes posições reflectiam um domínio ainda maior da música portuguesa em relação a cinco anos antes, já que - além dos dois artistas de topo - também o super-projecto Rio Grande e o malogrado António Variações se lograram 'imiscuir' no top, onde a língua portuguesa era, ainda, representada pela brasileira Daniela Mercury, cujo clássico 'Feijão com Arroz' continuava, um ano depois, a mover unidades no mercado nacional. Do contingente internacional, além do 'girl group' britânico, marcavam presença na tabela Andrea Bocelli (uma daquelas 'anomalias' que por vezes acontecem no mercado 'pop'), os rapidamente esquecidos Kelly Family, e a 'resposta' masculina às Spice Girls, os Backstreets Boys, que davam então os primeiros passos daquilo que seria uma célere e bem-sucedida caminhada rumo ao mega-sucesso internacional.

Duas listas muito diferentes, portanto, mas que continham, ainda assim, um ponto em comum - a presença de (boa) música portuguesa entre os maiores sucessos de vendas, uma tendência que se viria a verificar progressivamente menos com o passar dos anos e das décadas. Também por isso, os dois tops servem como uma interessante 'cápsula temporal' das sociedades portuguesas de inícios e finais dos anos 90, tão diferentes entre si como o são da actual - e não apenas no mundo da música...

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