07.03.22
Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.
A ideia de apropriar uma obra musical a uma determinada demografia não é, de todo, nova, sendo incontáveis os 'hits' pop que, através dos tempos, foram alvo de versões em outros estilos ou até outras línguas, de forma a penetrarem num mercado até então inacessível.
No Portugal dos anos 90, esta tendência adquiriu, ainda, outra variante, nomeadamente, a adaptação desses mesmos 'hits' pop a um contexto infanto-juvenil, transmitido por artistas pertencentes à mesma faixa etária e demográfica do seu público-alvo. Sim, uma década antes de os americanos terem a ideia para a série 'Kidz Bop', já o nosso cantinho à beira-mar plantado via surgirem e entrarem em competição directa nos escaparates infanto-juvenis, não um, mas DOIS conjuntos de cantores em idade escolar, ambos com o mesmo conceito-base de adaptar músicas populares entre os adultos para permitir às crianças perceber e identificarem-se com o que estavam a ouvir (caso ainda não se tenham apercebido, os anos 90 foram uma MUITO boa época para se ser criança.)
Escusado será dizer que, mal conseguiram estabelecer-se no mercado fonográfico português (o que não deixa, só por si, de ser uma façanha) estes dois grupos iniciaram, de imediato, carreiras em tudo paralelas, estabelecendo uma rivalidade que, durante um período de cerca de dez anos, os veria avançar sempre 'taco-a-taco', tanto em termos de produção como de popularidade. O resultado, quase inevitável, saldou-se numa tal proximidade entre estes dois grupos na mente do seu público-alvo que, quando hoje se recorda o movimento de infantilização de 'hits' pop dos anos 90, é impossível mencionar o nome de um destes dois grupos sem, imediatamente a seguir, nomear o segundo - quem se lembra dos Onda Choc também se lembra dos Ministars, e vice-versa (já dos Starkids, Arte 9, Babyrock, Popeline ou Ultimatum, já não se pode dizer o mesmo...)
Destes dois grupos, o primeiro a ser concebido foram mesmo os Onda Choc, uma criação de Ana Faria e Heduíno Gomes, um casal de produtores e compositores que já haviam conseguido um sucesso considerável ao gravar músicas na companhia dos seus filhos, sob a denominação Queijinhos Frescos. Nestes, Ana Faria ainda tomava conta das vozes: já nos Onda Choc, essa tarefa era deixada totalmente à responsabilidade dos jovens vocalistas, entre os quais se contavam os três ex-Queijinhos Frescos, filhos do casal. A experiência durou mesmo quase até ao final do milénio, e rendeu vários discos de enorme sucesso, e ainda hoje saudosamente recordados por toda uma geração.
Já os rivais Ministars nasciam no seio do Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras (conhecidos por 'A Todos Um Bom Natal', A canção de Natal portuguesa por excelência) pela mão do maestro César Batalha, autor de outra música inescapável no contexto infantil da época, o 'Eu Vi Um Sapo' de Maria Armanda. Formados em 1986, o grupo passaria, tal como os rivais, por diversas permutações de alinhamento à medida que diferentes membros iam envelhecendo. Em 1994, após terem visto vários dos seus discos ser sucessos de vendas - tendo o de estreia atingido a marca da platina – mudaram de nome para Starkids e, sem as facilidades de divulgação existentes na sociedade actual, os jovens fãs perderam-lhes rapidamente o rasto, tendo o grupo desaparecido de cena pouco depois.
Os 'hits', esses, foram mais que muitos para ambos os grupos, alguns ainda hoje recordados por quem os ouviu à época – caso de 'Ele É O Rei', (versão da então mega-popular 'What's Up?', das 4 Non Blondes, outro grupo que paulatinamente surgirá nestas páginas) 'Ela Só Quer, Só Pensa em Namorar' ou o mítico 'Biquini Pequenino às Bolinhas Amarelas', que muitos dos que cresceram naquela geração potencialmente não saberão tratar-se de uma música real, lançada nos anos 60! O conceito dos dois grupos provou ser extremamente apelativo entre o público mais jovem, e o sucesso de que ambos gozaram permitiu a alguns dos seus mais talentosos elementos evoluir para carreiras na música 'adulta', em estilos tão díspares quanto o pop-rock (uma das integrantes dos Onda Choc liderou mais tarde os Amor Electro, enquanto que outra, Suzy, representou Portugal no Festival Eurovisão de 2014) ou a música 'pimba' (outra das meninas vocalistas do grupo de Faria e Gomes era uma tal de Micaela...)
Tal foi o sucesso destes grupos que, inevitavelmente, vários outros tentaram surgir na sua senda, por vezes provenientes, precisamente, dos mesmos criadores, como os Popeline - uma espécie de 'equipa de reservas' dos Onda Choc - ou os Ultimatum, que adaptavam músicas mais 'roqueiras' e com instrumentos reais. Algumas destas bandas propunham uma variação sobre o conceito-base de adaptação de músicas (os Arte 9, por exemplo, faziam 'covers' directas, sem quaisquer alterações, apenas cantadas por crianças) e houve mesmo quem chegasse a ver o seu disco produzido por um nome sonante da música popular portuguesa, como foi o caso dos Babyrock com Emanuel; no entanto, apesar do potencial que exibiam, todas estas ideias acabaram por 'cair em saco roto', parecendo o público infantil contentar-se com apenas dois grupos dedicados a este conceito.
Os Starkids, uma continuação falhada dos Ministars
O próximo caso de sucesso para um grupo composto exclusivamente por jovens em idade escolar pertenceria, portanto, aos Milénio, já no fim do dito-cujo, e numa vertente e cena musical significativamente diferentes; quanto aos Onda Choc e Ministars, o seu legado viveria para sempre nas memórias de toda uma geração, para quem as capas dos discos dos dois grupos são indissociáveis de uma certa janela temporal na sua infância, em que a vida em geral parecia muito mais feliz e fácil, e em que muitas vezes apetecia cantar versões em português, e com letras adaptadas, das músicas famosas que passavam na rádio...