12.10.22
A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.
Numa semana que temos vindo a dedicar exclusivamente ao mais popular herói de BD franco-belga em Portugal, Astérix, seria quase insultuoso deixarmos de analisar as adições feitas durante a 'nossa' década ao meio que o tornou conhecido; como tal, e porque a popularidade do pequeno gaulês durante a referida década não foi apenas retroactiva, dedicaremos as próximas linhas a uma breve visão geral dos dois álbuns alusivos ao mesmo lançados durante a última década do século XX.
Da autoria exclusiva de Albert Uderzo (que havia acumulado funções desde a morte do seu parceiro de criação, René Goscinny, uma década antes) qualquer destes álbuns constitui uma adição honrosa à colecção de aventuras do guerreiro gaulês e do seu rechonchudo melhor amigo, Obélix – ainda que o segundo dos dois volumes assinale, também, os primeiros vestígios do ligeiro decréscimo de qualidade que se faria sentir nos últimos dois álbuns assinados pelo ilustrador.
Antes, porém, havia ainda tempo para um último clássico, sob a forma de 'A Rosa e o Gládio', de 1991, que vê Astérix a braços com uma admiradora furiosamente feminista, e a ter que rever os seus conceitos sobre o lugar da mulher na sociedade, enquanto procura adaptar a sua linguagem e personalidade para não ofender ninguém. Uma premissa, ao mesmo tempo, divertida e relevante, que antecipa o movimento 'woke' com cerca de três décadas de antecedência, e cuja mensagem é transmitida de forma suficientemente caricatural para nunca parecer forçada ou piegas, tornando o álbum digno de figurar ao lado de outros clássicos da era pós-Goscinny, como o também excelente 'O Filho de Astérix', de 1983.
O mesmo não se pode, infelizmente, dizer de 'O Pesadelo de Obélix', lançado cinco anos depois e que, longe de ser mau, é no entanto menos memorável do que os seus antecessores directos. A trama não deixa de ser interessante, permitindo descobrir quão nefastos podem ser os efeitos da poção mágica de Panoramix sobre o perpetuamente 'super-poderoso 'Obélix, mas não chega, infelizmente, para elevar o álbum além daquele contingente de títulos de Astérix que tendem a ficar esquecidos por entre os clássicos absolutos, a exemplo de 'Astérix e o Caldeirão', 'Astérix e os Godos' ou 'O Grande Fosso'. Ainda assim, uma aventura bem divertida (embora se sinta a falta do sarcástico e inocente Obélix) e que vale a pena ter na colecção, quanto mais não seja em nome do completismo.
Infelizmente, e como já acima indicámos, estes dois álbuns representam o fim da 'época áurea' de Astérix; os dois primeiros livros do novo milénio (e últimos dois da 'era Uderzo', antes de a série ser 'cedida' a dois perfeitos desconhecidos), embora ainda de qualidade acima de qualquer suspeita, já revelam alguma falta de inspiração e ideias, ficando bem abaixo do que o universo cinematográfico do herói gaulês vinha produzindo ('Astérix e Obélix: Missão Cleópatra' é tão bom ou melhor do que qualquer álbum da fase clássica, e altamente recomendado a qualquer fã dos personagens de Goscinny e Uderzo). Quem deixou de ler a série nos anos 90, no entanto (fosse por decréscimo de interesse ou simplesmente pela entrada na idade adulta) teve a sorte de ainda se conseguir 'despedir' da série com a mesma em alta, através de dois bons livros que, ainda hoje, vale bem a pena tentar adicionar à colecção.