17.09.23
Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.
Se houve posição em que o futebol português foi prolífico, essa posição foi a de avançado-centro; afinal, esta foi a década que revelou nomes como Mário Jardel, Alberto Acosta, Nuno Gomes, Claudio Canniggia, Domingos Paciência ou Marius Niculae, entre muitos outros. Mesmo fora do 'eixo' dos 'três grandes', iam paulatinamente surgindo nomes que não deixavam de entusiasmar mesmo os adeptos de outros clubes, como foi o caso, por exemplo, com Karoglan, Fary, Elpídio Silva, ou o jogador de que falamos este Domingo, que chegou a Portugal pela porta insular, há exactos trinta anos, e se viria a revelar, em épocas vindouras, parte importante das campanhas vitoriosas de dois dos três maiores clubes nacionais.
Falamos de Edmilson Gonçalves Pimenta, talvez o mais conhecido dos vários jogadores (curiosamente, todos avançados) que partilhavam o seu nome durante aquela mesma época do futebol nacional, e um dos dois cuja carreira teve início no arquipélago da Madeira. Mas enquanto o seu homónimo do Marítimo (que antes jogara também pelo Nacional) nunca viria a dar o 'salto' (embora tivsse sido herói nos Barreiros durante a referida década), 'este' Edmilson conseguiria fazer chegar a sua carreira a um patamar superior, tornando-se assim uma adição ideal à nossa rubrica Caras (Des)conhecidas, precisamente no dia em que completa cinquenta e dois anos de idade.
O jogador com a camisola que o notabilizou.
Nascido no remoto estado brasileiro do Espírito Santo, em 1971, Edmilson iniciou a carreira sénior na local Associação Académica Colatina, aos dezoito anos, fazendo uma única época no clube antes de se transferir para o Esporte Clube Democrata, do estado de Minas Gerais; mais uma vez, a sua presença no clube mineiro duraria não mais do que uma época, após a qual a sua vida e carreira se veriam para sempre alteradas.
De facto, o defeso de Verão da época 1993/94 veria o brasileiro rumar a Portugal, para representar o Nacional da Madeira, então na Segunda Divisão de Honra. Ao contrário de tantos outros conterrâneos que até hoje rumam anualmente ao nosso País, no entanto, o avançado rapidamente se viria a destacar, afirmando-se como parte fulcral da campanha do Nacional naquela temporada, pesem embora os apenas quatro golos com que contribuiu para a mesma, ao longo de trinta jogos. Assim, não foi de surpreender que a época seguinte visse o brasileiro transitar para o principal escalão do futebol português, para representar outro histórico do mesmo, o Sport Comércio e Salgueiros, então a atravessar talvez a melhor fase da sua História. O novo desafio não intimidou, no entanto, o brasileiro, que viria a explanar a sua veia goleadora e a deixar a sua marca na época 1994/95 da equipa, atingindo os quinze golos em trinta e quatro partidas, e despertando o interesse do ''grande' local, o Futebol Clube do Porto – também, à época, em fase hegemónica - com o qual assinaria no final da temporada.
O cromo do jogador na caderneta da Panini relativa à época 1994/95, quando representou o Salgueiros.
E se este é o patamar que fez 'tropeçar' tantos e tantos jogadores ao longo dos anos, tal não se verificou com o brasileiro; antes pelo contrário, Edmilson 'somaria e seguiria' com a camisola listrada de azul e branco, sendo peça fulcral na conquista do bi- e tri-campeonatos por parte do Porto, numa série que apenas seria interrompida pelo futuro clube do avançado, já no final do Milénio, e que veria os 'Dragões' conquistar o penta-campeonato. Nas duas épocas que passaria nas Antas, o brasileiro afirmar-se-ia como titular quase indiscutível ao lado de nomes como Aloísio, Jorge Costa, Carlos Secretário, Paulinho Santos, Sergei Yuran ou Zahovic, e conseguiria uma média de quinze golos por temporada, confirmando as indicações que havia deixado ainda ao serviço do 'vizinho' mais modesto.
Tendo em conta a preponderância do brasileiro no esquema táctico e forma de jogar dos 'Dragões', também não é de admirar que o mesmo tenha despertado a cobiça de clubes estrangeiros, tendo o início da temporada 1997/98 visto o avançado rumar ao único país não lusófono em que jogaria em toda a carreira, a França, para assinar pelo Paris Saint-Germain. Se o salto para um 'grande' não havia feito abrandar a carreira de Edmilson, no entanto, este outro 'obstáculo' típico para futebolistas profissionais viria mesmo a conseguir esse desiderato, tendo o brasileiro passado pouco mais de meia época em Paris, e almejado apenas dezoito presenças pelo seu novo clube, sem golos, antes de rumar novamente a Portugal.
Foto de plantel do avançado durante a curta estadia no Paris Saint-Germain.
Mas se, nesta fase, o passo mais fácil e lógico seria o do regresso à 'casa' onde fora feliz, as Antas, Edmilson viria a surpreender tudo e todos ao assinar, não pelo Porto, mas por um dos rivais lisboetas, no caso o Sporting, aonde ainda chegou a tempo de realizar onze partidas e marcar três golos até final da temporada 1997/98. Estava dado o mote para mais duas épocas completas nos 'leões' de Alvalade, em que, sem ser titular indiscutível – dada a riqueza e qualidade dos seus concorrentes para a linha da frente – ainda almejou umas honrosas vinte e cinco presenças por temporada, contribuindo com um total de doze golos (dez deles na campanha de 1998/99) e juntando mais um título de Campeão Nacional ao seu palmarés, aquando da quebra do 'jejum' de quase duas décadas por parte dos verdes e brancos. Curiosamente, durante a sua estadia no clube, o avançado alinhou com a camisola 10, que se tornaria mais tarde sinónima, em Alvalade, de um outro avançado raçudo, sisudo e de farta 'melena' de cabelo, e que, ainda mais curiosamente, deixara o Salgueiros imediatamente antes da chegada do brasileiro ao clube: Ricardo Sá Pinto.
Edmilson no Sporting.
A época seguinte parecia iniciar-se da mesma forma auspiciosa que as anteriores, tendo Edmilson participado em quinze jogos e conseguido quatro golos na primeira metade da campanha; o mercado de Inverno, no entanto, veria o jogador regressar ao seu Brasil natal, agora para representar um dos 'grandes' históricos do Brasileirão, o Palmeiras, de São Paulo. Seriam apenas sete as partidas com a nova camisola verde e branca, no entanto, antes de o avançado 'regressar ás origens' e assinar pelo mesmo Colatina que o vira iniciar formalmente a sua carreira. Ali permaneceria duas épocas antes de lhe ser oferecida nova oportunidade de regressar a Portugal, novamente para jogar na Segunda Divisão, agora ao serviço do Portimonense.
Nos tempos do Portimonense.
No Algarve, o avançado conseguiria mais uma boa época, com nove golos em cerca de vinte e cinco partidas, que suscitariam o interesse dos noruegueses do Lyn; mais uma vez, no entanto, ficariam patentes as dificuldades de Edmilson em jogar em países fora do eixo Brasil-Portugal, e o avançado viria a realizar apenas oito partidas pelos nórdicos, sem golos, antes de 'regressar a casa' e assinar novamente pelo Colatina para a ponta final da época 2004/2005. Na temporada seguinte, nova tentativa de se 'aventurar' pela Europa, agora como parte do plantel do Visé, da Bélgica, que desmentiu o velho ditado que diz que 'não há duas sem três', tendo o avançado participado numas míseras três partidas naquela que foi a sua última aventura fora de um país lusófono.
O início da época de 2007 via Edmilson, então já com trinta e quatro anos e no ocaso da carreira, surgir vinculado ao mais insólito de todos os clubes da sua carreira, e quiçá o mais insólito de qualquer jogador a ter figurado nesta rubrica: a desconhecida Associação Desportiva Cultural Recreativa e Social de Guilhabreu, dos campeonatos distritais portugueses! Duraria pouco, no entanto, a estadia de Edmilson no modestíssimo emblema vila-condense, vindo o avançado a rumar ao Brasil, ainda nessa mesma temporada, para terminar a carreira no mesmo local onde a iniciara: a AA Colatina, do seu estado natal, que também chegaria a treinar.
Em 2016, com a camisola do ES Espírito Santo, de que era então presidente.
Ao avaliar uma carreira que se expandiu ainda a cargos técnicos no Nazarenos (director desportivo), Espírito Santo e Guarda Desportivo (dos quais foi presidente), fica a imagem de um avançado rápido, móvel e com algum faro de golo, daqueles que davam 'dores de cabeça' aos defesas adversários, cujo percurso conta com vários merecidos troféus a nível nacional, e a quem só faltou mesmo mais um pouco de adaptabilidade aquando das várias 'aventuras' fora do seu país de acolhimento; tanto assim que, exactos trinta anos após a sua chegada a terras lusitanas, o seu nome continua a ser, merecidamente, incluído em qualquer lista de grandes avançados dos campeonatos portugueses de finais do século XX. Parabéns, Edmilson, e que conte muitos.