07.10.21
NOTA: Este post é relativo a Quarta-feira, 6 de Outubro de 2021.
A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.
Nas últimas edições desta rubrica, temos vindo a recordar alguns dos mais famosos exemplos do formato ‘tirinha de jornal’ dos anos 90, a começar pelos ‘príncipes’ Calvin and Hobbes. No entanto, ainda antes do ‘puto reguila’ e o seu tigre de peluche / amigo imaginário capturarem a imaginação e o coração das crianças e jovens portugueses, já uma outra menina, de cabelo escorrido, vestido e lacinho, o vinha fazendo há mais de uma década, fazendo assim por merecer o seu espaço nesta retrospectiva do formato ‘comic’ daquelas décadas clássicas.
Falamos, claro, de Mafalda, criada nos anos 80 mas que, nos primeiros anos da década seguinte, ainda fazia ‘mexer’ uma quantidade considerável de produtos licenciados dirigidos ao público mais jovem, desde cadernos escolares a figurinhas em vinil (os clássicos ‘bonequinhos’) e até alguns artigos menos óbvios, como aventais (um dos quais ‘morava’ lá em casa). O que não seria nada de particularmente estranho ou digno de nota…não fosse o facto de Mafalda não ser, de forma alguma, uma tira para crianças.
De facto, a menina reivindicativa criada por Quino foi – pelo menos em Portugal – alvo daquela ideia errónea, ainda hoje tida como verdadeira por grande parte da sociedade, de que toda e qualquer propriedade intelectual com personagens infantis é, forçosamente, dirigida a crianças. No caso das tiras de Quino, não só tal não é verdade (a grande maioria das piadas e situações de ‘Mafalda’ será de difícil compreensão para uma criança comum) como a apreciação das tiras requer conhecimento de um contexto muito específico – nomeadamente, aquele em que Mafalda, a sua família e os seus amigos vivem, isto é, a Argentina ditatorial dos anos 80. Efectivamente, só quem tiver algum contexto, ainda que de base, sobre o que então se passava no país natal do ‘cartoonista’ será capaz de apreciar inteiramente os comentários mordazes da pequena Mafalda sobre aquilo que a rodeia, quer a um nível mais imediato, quer mais global e social.
Como se pode ver, portanto, uma obra que passava muito longe das histórias da Turma da Mônica, por exemplo, e cujo único atractivo para a demografia infanto-juvenil residia mesmo nas personagens de Mafalda, Manelito, Miguelito e Filipito, crianças aparentemente perfeitamente normais, mas que – como Calvin alguns anos mais tarde, e em certa medida os Peanuts de Schulz antes deles – eram dados a acessos de filosofia e contestação da ordem social vigente, em meio às suas inocentes brincadeiras.
Ainda assim, e pese embora o conteúdo pouco acessível de muitas das tiras, este trio demonstrou ter carisma suficiente para conseguir duas décadas de sucesso continuado entre o público infantil e juvenil um pouco por todo o Mundo - incluindo em Portugal, onde chegou pela mão da editora Dom Quixote.
Capa da edição original de 'Toda a Mafalda' lançada pelas Edições Dom Quixote
E ainda que, hoje em dia, a ‘estrela’ de ‘Mafalda’ esteja um pouco mais apagada, na época que nos concerne, a menina da bandolete de lacinho fez - conforme já mencionamos no início deste texto - mais do que o suficiente para justificar a sua presença nesta nossa rubrica…