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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

17.09.24

NOTA: Este 'post' é respeitante a Segunda-feira, 17 de Setembro de 2024.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Já aqui anteriormente abordámos a forte influência brasileira na música portuguesa de cariz mais popular, vulgo música 'pimba', fosse através de simples influência rítmica (com bases adaptadas, ou mesmo directamente 'roubadas', a estilos como o forró e o axé) ou da presença de artistas naturais de além-mar entre o lote de nomes associados ao género, bastando neste último caso lembrar Roberto Leal, Iran Costa ou mesmo Netinho. A esta lista há, também, que juntar uma dupla de cantores cómicos que qualquer jovem português de finais dos anos 90 se lembra de ver figurar nos interlúdios musicais do 'Super Buereré', e que conseguiram fazer com que uma das suas músicas entrasse na 'rotação' musical dos recreios nacionais da época.

 

Falamos de Salsicha e Mário Jorge, duo surpreendentemente Esquecido Pela Net, sendo quase impossível encontrar informações pessoais ou biográficas sobre qualquer dos dois elementos. Resta, pois, analisar a discografia do par, que consiste de apenas dois discos, lançados com nada menos do que duas décadas (!) entre si, e dos quais o primeiro é, evidentemente, aquele que mais directamente concerne a este blog. Isto porque foi de 'Dá Dá Dá', lançado algures em 1997, que saiu o grande 'hit' da dupla nas escolas portuguesas, o qual, ao contrário do que muitos imaginavam na época, não é homónimo do disco, tendo o título oficial de 'Dá Coração'.

Tal como as restantes nove músicas do disco – que acaba por ser mais EP do que LP, com os seus escassos vinte e sete minutos de duração – trata-se de um tema de cariz abertamente 'azeiteiro', baseado no ritmo e melodia do clássico 'La Bamba', com vastas doses de humor à mistura (patentes sobretudo nas interpretações caricaturais dos dois vocalistas) e uma daquelas letras que nunca deveriam ter sido ouvidas, e ainda menos repetidas, por crianças em idade pré-adolescente - as quais, verdade seja dita, mal tinham noção do que estavam a cantar, à semelhança do que acontecera com as letras dos Mamonas Assassinas um par de anos antes.

Salsicha e Mário Jorge podiam, aliás, quase ser vistos como uns 'Mamonas Assassinas do 'pimba'', já que apresentavam igual pendor para indumentárias multi-coloridas e chamativas (mais parecidas com fatos de circo ou roupas de personagens animados do que com vestuário real) e para uma pose entre o brejeiro, o irreverente e o teatral, bem evidenciada pelas letras e interpretações. De distinto do grupo paulista, o duo tinha a imagem andrógina, bem explícita na peruca feminina envergada por um dos membros e na versão de 'O Vira', êxito dos Secos & Molhados, grupo liderado pelo maior artista andrógino da História da música brasileira, o incomparável Ney Matogrosso. Para o público infantil, no entanto, nada disto interessava, ficando a referida demografia perfeitamente satisfeita só com a oportunidade de cantar e dançar ao som de 'Dá Coração', fosse durante os 'bonecos' de Domingo de manhã, no contexto de uma festa ou evento, ou simplesmente no pátio da escola.

Tal como tantos outros artistas 'da moda' entre as crianças, no entanto, também Salsicha e Mário Jorge rapidamente caíram no esquecimento, substituídos pela próxima 'sensação de recreio' oriunda do movimento 'pimba' ou 'europop'. É, portanto, com surpresa que se regista o regresso do duo com um segundo disco, mais de vinte anos após o primeiro! 'O Melhor Amigo do Homem', de 2018, segue as passadas do seu antecessor, e aproxima ainda mais o duo do legado dos Mamonas, com títulos como 'Revolution Gay' e uma versão de 'Sabão Crá-Crá' logo a abrir. Ao contrário do primeiro, no entanto, este álbum passou despercebido em Portugal, onde o panorama musical estava já muito, muito distante do contexto vivido em meados dos anos 90, e não tinha espaço para uma 'importação' do género 'pimba-cómico' de que as crianças haviam gostado durante cerca de um ano, três décadas antes. Quem viveu aqueles momentos musicais do Super Buereré por volta de 1997 já estará, certamente, a trautear aquele que era um dos grandes 'hinos' infantis da época, e que constituirá para sempre o legado deste duo brasileiro em terras lusitanas.

03.09.24

NOTA: Este 'post' é respeitante a Segunda-feira, 2 de Setembro de 2024.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Embora pareça obsoleto em plena era do 'streaming', o conceito de colectânea musical alimentou, durante décadas, o mercado fonográfico, com um número incontável de lançamentos anuais a caírem numa das suas duas sub-vertentes: por um lado, a compilação de 'artista único', que possibilitava a um fã mais casual ou simples 'curioso' ter um apanhado de toda uma carreira em duas dezenas de músicas, e, por outro, a reunião mais 'pura e dura' de temas de diversas bandas e artistas em um ou mais LPs, cassettes ou CDs.

Destas últimas, uma percentagem surpreendentemente significativa centrava-se sobre a música electrónica e de dança, um género que vivia, à época, uma época áurea, graças ao rápido crescimento e popularização, um pouco por todo o Mundo, da profissão de DJ. A Península Ibérica não era, de todo, excepção a esta regra, tendo a última década do século XX assistido ao lançamento de colectâneas electrónicas tanto no molde de compilação de canções no formato original (como a famosa série 'Electricidade', apadrinhada pela Rádio Cidade) como no de 'remixes' revistas, re-trabalhadas e alargadas para melhor se adaptarem às pistas de dança, como no caso da série anual espanhola 'Supermix' ou da 'resposta' lusitana à mesma, que analisamos neste 'post'.

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Capa do primeiro volume da série, lançado em 1990.

Surgida logo nos primeiros meses da década de 90, a série 'Top Star' lograria manter-se relevante através tanto da era do LP como do CD, vindo a extinguir-se apenas já no dealbar da era do mp3, quando as músicas passaram a estar disponíveis em formato digital e os próprios DJ's a ter acesso a novos recursos tecnológicos, tornando este tipo de lançamento redundante e até algo obsoleto. A premissa, essa, manteve-se coerente ao longo da quase década e meia que durou o ciclo de vida da série, propondo uma saudável mistura entre os temas de maior sucesso nas pistas de dança nacionais durante o ano em questão e remisturas dos mais populares temas radiofónicos do mesmo período, que ajudavam a atrair melómanos mais 'casuais' e menos versados nas lides da música electrónica. Ainda assim, o público-alvo destas colectâneas (elas próprias concebidas por DJ's de vulto da cena nacional) ficava bem evidente pelo foco dado, na capa, a nomes desconhecidos para a grande maioria dos fãs de música da época.

Uma premissa, pois, em tudo semelhante à da referida 'Supermix', com apenas uma diferença significativa, nomeadamente o facto de os temas serem apresentados, não numa 'super mistura' de várias dezenas de minutos, mas antes a título individual, com inícios e fins bem definidos – escolha que, curiosamente, aproximava a série dos volumes mais 'tardios' da concorrente. Recaísse a preferência em que série caísse, no entanto, o certo é que não faltavam aos aficionados nacionais de música electrónica opções de entre as quais escolher na hora de adicionar mais um disco à sua colecção.

06.08.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Na era pré-MP3 e 'streaming', proliferavam no mercado as compilações em CD e LP, visando a larga fatia de público melómano que apenas conhecia (e queria conhecer) uma ou duas músicas de cada artista, ou possuir uma colecção de 'malhas' da qual desfrutar sem grandes compromissos. E ainda que este tipo de lançamento fosse transversal a todos os estilos musicais, o mesmo era particularmente popular e ubíquo no contexto da música popular portuguesa, sobretudo a vulgarmente chamada 'música pimba'. Isto porque a Vidisco, principal editora musical portuguesa, era também 'casa' da maioria dos artistas deste género, e não tinha quaisquer pruridos em lançar números incontáveis de CD's com as músicas dos mesmos, os quais acabavam, invariavelmente, a 'povoar' os tradicionais escaparates de discos e 'cassettes' frequentemente encontrados em tabacarias ou bombas de gasolina daquele Portugal da viragem do Milénio. Muitos destes lançamentos tinham carácter anual, de forma a actualizar o alinhamento com os mais recentes sucessos de cada artista; no entanto, há cerca de um quarto de século, a editora tentou algo declaradamente diferente, lançando para o mercado, em simultâneo, nada menos do que dezasseis (!) volumes de música, cada um subordinado a um tema geral e que, juntos, formavam uma colecção, a que a editora chamou 'Top Portugal'.

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Os dezasseis volumes da colecção, lançados no mercado em simultâneo.

Compostos exclusivamente por artistas nacionais de vertente popular (embora nem todos se inserissem no estilo 'pimba') os discos da referida colecção procuravam reflectir temáticas de índole romântica, nacionalista e saudosista, apelando àqueles sentimentos que todos os portugueses nutrem tanto pelo seu País como uns pelos outros. 'Melodias de Portugal', 'Creio Em Ti', 'Vale A Pena', 'Vamos Dançar' ou 'Bailarico No Arraial' eram apenas alguns dos títulos em torno dos quais se reuníam músicas de artistas de todo o espectro popular, de Marante, Cândida Branca Flor, Diapasão ou Nucha a Ágata, Emanuel, José Malhoa, Romana ou Saul, sendo o 'peso' de cada uma destas vertentes ditado pelo tema escolhido para o disco, tendo os volumes de dança maior preponderância de artistas 'pimba', e os restantes maior ênfase em cantores românticos. Esta estratégia permitia, idealmente, apelar a toda a demografia de fãs de música popular e de baile portuguesa, maximizando assim o potencial de vendas da colecção. E a verdade é que, apesar de não ser hoje tão conhecido ou lembrado como as séries 'Número 1', 'Electricidade', 'Caribe Mix' ou outras semelhantes, 'Top Portugal' constitui uma excelente cápsula temporal da música popular portuguesa de finais do Segundo Milénio, e será ainda capaz de despertar nostalgia em todo um sector da sociedade que terá crescido a ouvir estas músicas em 'repetição' no leitor de CD lá de casa...

22.07.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

De entre todos os estilos de música moderna, talvez o mais imediatamente associado à época estival seja a música de dança, ou pelo menos, dançável – seja na sua vertente Europop, 'pimba', ou de electrónica mais 'pura e dura'. Assim, não é de estranhar que, a cada Verão, continuem a sair colectâneas (ou, nos dias que correm, 'playlists') compostas especificamente por músicas feitas para tocar num qualquer estabelecimento nocturno à beira da praia. E se, hoje em dia, a escolha dentro desta vertente é praticamente ilimitada, em finais do século XX, as colectâneas de electrónica e música de dança eram, grosso modo, sinónimas com dois nomes: por um lado, as compilações 'Electricidade', da Rádio Cidade e, por outro, a série anual 'Supermix'.

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'Supermix 5', de 1990, o primeiro volume da série misturado por um DJ português

Criada no país vizinho em meados dos anos 80, como forma de replicar 'dentro de portas' o sucesso de que o fenómeno das 'megamixes' vinha gozando a nível global, a referida série de colectâneas lograria manter-se relevante (e bem-sucedida) durante quase duas décadas, sempre fiel ao mesmo formato (excepção feita ao penúltimo lançamento, lançado já no Novo Milénio, em 2004, e que privilegiava os temas individuais em detrimento do formato homónimo da série.) No total, foram dezoito lançamentos (embora o último seja já 'póstumo') misturados por alguns dos nomes mais sonantes da electrónica espanhola e, mais tarde, também portuguesa.

De facto, embora os volumes lançados ainda nos anos oitenta tivessem ficado a cargo de DJ's espanhóis, o criador e ideólogo da série, Miquel Casas, não tardaria a tirar proveito da sua boa relação com executivos da Vidisco para dar também destaque a nomes portugueses, os quais 'entrariam em cena' a partir do quinto volume da série, e primeiro lançado na década de 90. De entre os vários nomes envolvidos, destacava-se o do DJ Jorginho, responsável pela mixagem de sete volumes consecutivos entre 1990 e 1997, ano em que 'passaria o testemunho' ao outro grande nome ligado ao Supermix, DJ Jash Hook ('nome de guerra' de Nélson Horta) que misturaria os últimos dois volumes lançados no século XX, e os dois primeiros da década, século e Milénio seguintes. O volume seguinte, Supermix 17, seria a 'excepção da regra' acima mencionada, enquanto o décimo-oitavo, lançado após um hiato de oito anos, traria misturas a cargo de Ricardo Jorge Pires, conhecido no meio como Massivedrum.

Por essa altura (2012) o meio musical, tanto em Portugal como um pouco por todo o Mundo, rumava já numa direcção mais centrada em músicas individuais e 'singles', que viria a tornar obsoleto o formato de colectânea em álbum, substituído gradual mas indelevelmente pelas 'playlists' gratuitas disponibilizadas em 'sites' como o YouTube. E embora o processo de transição para esta nova conjuntura fosse tudo menos imediato, o mesmo não deixou, ainda assim, de fazer vítimas, entre elas conceitos como o 'Super Mix', agora possíveis de forma independente, personalizada e gratuita. Ainda assim, é inegável que esta colectânea marcou época no seio do movimento da música de dança em Portugal, tanto entre os entusiastas do género como junto dos profissionais, justificando assim plenamente a sua presença nas páginas do nosso 'blog', numa altura em que começa, precisamente, a estação do ano em que desfrutaria de maior rotação em festas, bares, discotecas e praias de Norte a Sul do nosso País.

24.06.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

No contexto certo, um tema musical pode ter tanto impacto, e fazer tanta diferença na percepção de um todo, quanto um logotipo ou qualquer outro elemento gráfico ou de apresentação; o do desporto não é excepção a esta regra, bastando relembrar a mais que icónica sequência de introdução dos jogos da Liga dos Campeões para comprovar esse facto. Assim, não é de surpreender que as entidades reguladoras de certos desportos, entre eles o futebol, procurem associar os seus principais eventos a um determinado tema ou canção, normalmente composto propositadamente para o certame, na esperança que o mesmo se imortalize entre o público adepto e faça perdurar na memória o evento que representa; e apesar de nem todas estas tentativas serem particularmente bem sucedidas, algumas chegam a almejar um determinado nível de tracção cultural, sendo um dos melhores exemplos a faixa sobre a qual versa o 'post' de hoje.

Falamos de 'Campione', 'malha' eurodance puramente noventista (culturalmente, ainda se estava nos anos 90 em meados de 2000) composta e interpretada pelo DJ sueco E-Type, e cujo motivo musical remete a uma canção popular holandesa de cariz patriótico, intitulada 'Oranje Boven'; para quem não é oriundo dos Países Baixos, no entanto, a melodia será 'apenas' a daquela canção do Euro 2000, ficando mais ligada àquele Verão de futebol do que a qualquer fervor patriótico. E a verdade é que, fosse qual fosse a fonte de inspiração, E-Type fez um trabalho magnífico no tocante à composição da faixa, transformando-a num daqueles 'hinos' de que basta ver o título para imediatamente evocar o refrão e batida mais do que pegajosos, e colocar até o mais empedernido dos roqueiros a trautear o pseudo-cântico de estádio que serve de base aos mesmos. Não é, pois, de admirar que o próprio cântico em si tenha, posteriormente, sido adoptado para esse mesmo propósito na 'vida real', extravasando assim os limites da música em que se insere – o que não pode deixar de ser considerado um sinal de sucesso compositivo.

É, pois, por demais evidente que 'Campione' constitui um exemplo claro de sucesso no campo das sinergias entre eventos desportivos e o mundo da música, ainda que não atingindo o nível da referida música da Champions ou ainda de 'Força', o hino do Euro 2004 da autoria de Nelly Furtado. Ainda assim, uma composição mais que merecedora de menção nestas nossas páginas, numa altura em que se celebram vinte e quatro anos não só sobre o seu lançamento, mas sobre o evento a que serviu de banda-sonora oficial.

10.06.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Em Junho de 1985 – há exactos trinta e nove anos – celebrava-se a adesão de Portugal à então chamada Comunidade Económica Europeia, ou CEE, o organismo regulador multi-nacional hoje designado por União Europeia, ou UE. À época, um grupo emergente da cena pop-rock portuguesa assinalava a efeméride através de um tema intitulado 'Portugal na CEE', cuja letra sarcástica (em bom Português) e melodia acessível lhes granjeavam a oportunidade de se lançarem para a ribalta – uma chance que o grupo não deixou de aproveitar, iniciando aí um percurso que os veria tornarem-se num dos artistas nacionais mais vendidos da década seguinte, e autores de uma série de sucessos intemporais do rock lusitano. Nove anos depois – e há quase exactos trinta – após um dos álbuns mais bem sucedidos da História do movimento e de um concerto igualmente memorável na capital, a banda chegava ao seu quarto álbum com uma mentalidade algo mais paranóica, e com a sensação de estar 'Sob Escuta'. E que melhor momento do que o rescaldo de mais umas eleições europeias (concluídas menos de vinte e quatro horas antes da publicação deste 'post') para recordar um dos discos mais vendidos do ano de 1994?

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Para quem ainda não tenha adivinhado, falamos dos portuenses GNR, que lançavam em Maio de 1994 o sucessor do icónico e imortal 'Rock In Rio Douro'. Gravado em Fevereiro desse mesmo ano no estúdio móvel da Valentim de Carvalho, e produzido pela própria banda, o disco trazia dez temas do típico pop-rock sarcástico e vagamente experimental da banda, alicerçado na voz inconfundível de Rui Reininho, secundado, pela última vez, pelos seus três 'asseclas' originais, já que o guitarrista Zezé Garcia viria a abandonar o grupo após este lançamento. Tal como no álbum anterior, verificava-se aqui, também, uma aproximação declarada aos sons e à cena musical do país vizinho, neste caso através da participação do guitarrista de flamenco Vicente Amigo nos temas 'Las Vagas' e 'Lovenita'. Nada de novo, portanto, mas ainda assim uma 'evolução na continuidade' de uma fórmula que vinha resultando em cheio para a banda – e lá diz o ditado que no que resulta, não se mexe...

E a verdade é que essa 'receita' voltou mesmo a resultar para a banda, cuja posição próxima do topo da hierarquia do pop-rock nacional lhes garantiu as vendas necessárias para inscrever 'Sob Escuta' no pódio dos álbuns mais vendidos do seu ano de lançamento. De igual modo, embora não haja nestes quarenta e dois minutos nada tão directo ou imediatamente apelativo como 'Sangue Oculto', do álbum anterior (ou outros 'hits' do grupo) este quarto lançamento contribuiu, ainda assim, com três faixas para a compilação 'Best Of' lançada dois anos depois - a supracitada 'Las Vagas', '+ Vale Nunca' e 'Dominó'. Mais um sucesso, portanto, a juntar à crescente lista que o grupo vinha construindo à época, e que, três décadas depois de ter sido editado, ainda soa tão bem, e tão actual, como à época do seu lançamento – a marca de qualquer bom disco. E, sem chegar a ser 'Rock In Rio Douro', 'Sob Escuta' é, inegavelmente, um muito bom disco, bem merecedor de ser revisitado poucas semanas após ter celebrado o seu trigésimo aniversário. Para esse fim, fica abaixo o 'link' de YouTube com o álbum completo, para ajudar a reavivar (e reviver) memórias...

20.05.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Na última edição desta rubrica, falámos dos três volumes de 'Canções da Rua Sésamo', os quais se juntam às 'Canções do Lecas' aos LP's da Arca de Noé, ao disco dos Patinhos e aos dois álbuns do Batatoon no panteão de lançamentos infantis ligados a programas de televisão que se revelaram sucessos por direito próprio. Tal lista não estaria completa, no entanto, sem um outro álbum, que aproveitou em pleno a presença de um nome ligado à música para conseguir alguma tracção para além dos confins das composições para crianças, e penetrar na consciência popular portuguesa durante vários anos após o seu lançamento.

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Falamos, é claro, de 'Super Buereré', também frequentemente conhecido como 'Ana Malhoa e Hadrianno', o álbum 'oficial' do icónico programa infantil de Ediberto Lima, lançado em pleno auge do mesmo, em 1996, e que pôs todo um país a recitar as cinco vogais do alfabeto latino juntamente com a 'versão portuguesa' da musa infantil brasileira Xuxa, e com um homem vestido de gorila. E se, descrito assim, o disco pode parecer um grotesco sonho febril causado pelo abuso de substâncias psicotrópicas, a verdade é que, no contexto português de meados dos anos 90, o conceito por detrás do mesmo fazia todo o sentido, juntando duas das estrelas favoritas das crianças da época – e duas das principais figuras da SIC de Ediberto Lima – numa alegada colaboração que, de facto, se ficava pelo aspecto plástico, já que o macaco Hadrianno se limitava a dançar e posar para as fotos com Ana Malhoa, a quem cabia todo o trabalho de interpretação.

Assim, mais do que uma colaboração alusiva ao programa que lhe dá título, este acabava por ser, sobretudo, mais um álbum de Ana Malhoa, então prolífica no 'universo paralelo' da música 'pimba', com a principal diferença a residir no grau de visibilidade da cantora, que abria estas doze canções a um público bem mais vasto do que o habitual. E a verdade é que o 'esquema' de Ediberto Lima resultou em cheio, não havendo criança ou jovem da época que – de forma irónica ou sincera – não soubesse entoar a 'Canção do Hadrianno' e, sobretudo, 'Começar no A', um dos 'hinos' da primeira vaga de 'millennials' lusitanos, que decerto ainda conseguem recitar de cor a letra da autoria de Toy (outro ícone da música 'pimba'), e talvez até recriar a saltitante coreografia; já das outras dez faixas, pouco reza a História, apesar de terem, decerto, servido de forma perfeitamente aceitável a sua função de 'enchimento' em torno dos dois 'singles', perfazendo um álbum que grande parte das crianças daquele ano de 1996 terá, decerto, 'implorado' aos pais para ter.

De facto, tal foi a procura pelo CD que, meses depois, o mesmo era reeditado, com capa e grafismo diferentes, a ordem das faixas alterada, e menos quatro canções (entre elas os dois 'singles', aqui presentes apenas em formato 'karaoke') sob o nome 'Super Buereré Vol. 2' – embora, ao contrário do que acontecia com os supracitados LP's da Rua Sésamo e Arca de Noé, de 'segundo' só tivesse mesmo o nome. Uma jogada de 'marketing' perfeitamente descarada, mas que terá, ainda assim, chegado para satisfazer os desejos das crianças que não tinham posses para comprar um disco inteiro, e que conseguiam, graças a este lançamento, desfrutar ainda assim de um mini-álbum, ainda que sem os dois principais 'chamarizes' do disco original.

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A capa alternativa que disfarçava o disco original de 'Vol. 2.'...

Fosse qual fosse o formato, no entanto, é inegável que 'Ana Malhoa e Hadrianno – Super Buereré' merece lugar de destaque na discografia infanto-juvenil dos anos 90, tanto pelo sucesso de que o seu programa-base gozava como pelo impacto que teve entre a sua demografia-alvo no período de doze meses imediatamente após o seu lançamento. E se dúvidas restarem, não há senão que pedir a um português nascido na segunda metade dos anos 80 para entoar a canção do alfabeto do programa, e observar o que imediatamente acontece...

Os dois mega-sucessos retirados do álbum, e inesquecíveis para qualquer ex-criança dos anos 90.

 

22.04.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

O conceito de grupos formados por familiares musicalmente inclinados não é, de todo, nova; de facto, desde o dealbar da música moderna que, de uma forma ou de outra, irmãos, irmãs, primos ou até pais e filhos se têm juntado para gravar, ou simplesmente interpretar ao vivo, temas do seu estilo favorito. Dos grupos vocais dos primórdios à sua evolução natural nas décadas de 70 e 80 – quando Jackson 5 e The Osmonds adaptavam o mesmo som de base a demografias diametralmente distintas – este tipo de banda tem sido uma das pedras basilares do mercado 'pop', tendo mesmo acabado por influenciar estilos mais enérgicos ou agressivos.

Assim, não é de surpreender que também os anos 90 tenham tido os seus diversos representantes deste estilo de grupo, na sua maioria constituídos por adolescentes do chamado 'Midwest' norte-americano – aquela longa faixa de vários estados no 'coração' do território onde pouco ou nada acontece de particularmente entusiasmante, e a vida se desdobra entre casa, a escola, a igreja e um ou outro ponto de encontro para os jovens da terra. Num ambiente como este, a música acaba por ser um dos poucos meios de 'agitar' um pouco o quotidiano, e, dada a importância da família na cultura maioritariamente cristã daquela parte do Mundo, é natural que dali saiam inúmeros grupos musicais de e para jovens, e que muitos deles sejam constituídos por familiares directos. Foi o caso, na última década do século XX, de colectivos como The Moffats, Kelly Family, e o grupo que lhes 'abriu as portas' à fama – um trio de 'meninos-bonitos' loiros, de cabelo comprido e vozes angelicais, mas capazes de compôr e interpretar os seus próprios temas, que, no Verão de 1997, gozaram de um insólito e até inesperado momento de fama, e conseguiram pôr boa parte do Mundo ocidental a entoar um refrão perfeitamente 'nonsense'.

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A banda, tal como era à época.

Filhos de um músico de Tulsa, Oklahoma, no Sul dos Estados Unidos, Isaac, Taylor e Zac Hanson iniciaram-se nas lides musicais ainda em idade de instrução primária, interpretando temas 'a capella' e versões de temas clássicos de rock'n'roll. Nessa primeira fase, todos os três rapazes tocavam piano, mas a evolução musical dos irmãos rapidamente viu Isaac encarregar-se da guitarra e o pequeno Zac, então com pouco mais de seis anos, gravitar para a bateria. Surgem então as primeiras gravações oficiais, dois álbuns independentes lançados localmente em 1994 e 1996, o segundo dos quais continha uma versão embriónica daquele que viria a ser o maior sucesso do trio, do qual tirava também o nome. Os seus contactos dentro da indústria musical permitiam também aos 'manos' tocar no festival South by Southwest, um conceituado evento de música alternativa, onde acabariam por ser descobertos por um agente, que rapidamente os começa a apresentar a editoras discográficas. Após várias 'negas' da parte de executivos que os viam como pouco mais do que uma curiosidade, a Mercury decide apostar no grupo, lançando, em 1997, o seu primeiro álbum distribuído a nível global, 'Middle of Nowhere'.

HansonMON.jpgA capa do álbum que catapultaria a banda para o estrelato.

E se a capa amarelo-canário do disco e a tenra idade dos intérpretes poderiam levar a pensar numa literal 'boy-band' ou grupo declaradamente infantil, os irmãos Hanson surpreendiam com um álbum de sonoridade adulta, alicerçado num 'pop-rock' com toques e 'tiques' 'country' - ou não fossem os rapazes do sul dos EUA – pronto para a rotação nas rádios alternativas norte-americanas. Ou melhor, era esta a sonoridade de onze das doze músicas do disco (treze, na versão em CD); a outra era uma 'cançoneta' pop-rock que escondia uma temática surpreendentemente adulta (o fluxo de relações interpessoais efémeras vivido por qualquer ser humano) por detrás de um refrão feito de sons desconexos e improvisos vocais, que deixava a nu a tenra idade dos integrantes. Uma candidata improvável a 'single' e mega-sucesso, talvez – mas seria precisamente nisso que se viria a tornar aquando do seu lançamento mundial, sobre o qual se celebraram na semana transacta (concretamente a 15 de Abril) exactos vinte e sete anos.

De facto, contra todas as probabilidades, 'MMMBop' 'cairia no gosto' da geração contemporânea dos três irmãos – então com dezasseis, catorze e onze anos – e 'tomaria de assalto' as ondas radiofónicas mundiais no Verão de 1997, durante o qual eram poucos os jovens que não conhecessem (e cantarolassem) aquela sequência de sons incrivelmente 'viciante' que compunha o refrão da música. Esperassem-no ou não, os 'manos' Hanson eram agora mega-estrelas em 'miniatura' ao nível do que tinha sido, anos antes, um Macaulay Culkin, com direito a presenças em programas de televisão como 'The Weird Al Show', 'Melrose Place' e 'Space Ghost: Coast to Coast', da Hanna-Barbera, e a turnês mundiais repletas de jovens da sua idade prontos a entoar com eles o famoso estribilho.

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O 'single' de 'MMMBop'.

A 'sede' por novo material por parte desta mesma base de fãs viria também a justificar a reedição de um dos álbuns independentes do grupo, agora renomeado 'Three Car Garage', e do inevitável disco de Natal, 'Snowed In', no espaço de poucos meses! Esse mesmo espaço de um ano (entre 1997 e 1998) veria, também, os irmãos figurarem entre os artistas mais novos de sempre a serem nomeados para um Grammy, e lançarem no mercado a sua biografia oficial – de jovens que, recorde-se, ainda não haviam saído da adolescência - ou, num dos casos, sequer ENTRADO na mesma! A popularidade do grupo assumia, assim, contornos de 'febre' – e, como qualquer febre (física ou social), também esta não demoraria a passar.

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O segundo álbum do grupo já não almejaria o mesmo sucesso da estreia.

De facto, no espaço que mediou entre o sucesso vindo do 'meio do nada' e o disco seguinte do grupo, 'This Time Around', de 2000, Isaac, Taylor e Zac amadureceram, assumiram um visual mais roqueiro – a condizer com a nova sonoridade em que apostavam – e perdiam o 'factor fofura' que os fizera dar nas vistas três anos antes. Em conjunção com a absorção da Mercury pela Def Jam – da qual resultava um menor orçamento promocional – esta mudança precipitou o declínio de popularidade do trio, que se viu obrigado a financiar a turnê desse segundo álbum por conta própria, e teve de se contentar com audiências bem mais modestas.

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Os Hanson nos dias de hoje.

Este típico ciclo de 'ascensão e queda' não desmotivou, no entanto, o grupo, que – entre a organização de acções filantrópicas e retiros para músicos - prosseguiu a carreira nessa vertente mais discreta, lançando um novo álbum imperetrivelmente a cada três anos durante toda a primeira década do Novo Milénio, até 2013, data em que se verificou um maior hiato, que seria quebrado em 2017, com uma turnê orquestrada comemorativa dos vinte anos de 'Middle of Nowhere' e novo disco de Natal. Quatro anos depois, surge o sétimo disco de originais, rapidamente precedido do oitavo (e, até agora último) lançado em 2022, já depois de os irmãos se terem visto envolvidos em controvérsias derivadas das suas posições conservadoras, sobretudo no tocante às vacinas e restrições aplicadas aquando da pandemia de COVID-19. O típico final algo 'deprimente' para artistas que, na mente de toda uma geração, serão para sempre aqueles adolescentes loiros e de cabelos compridos a divertirem-se à grande no lendário videoclip de um dos maiores sucessos do pop-rock noventista, capaz de fazer qualquer 'millennial' regredir à infância ou adolescência durante três minutos e meio...

08.04.24

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Nos dias que correm, expressões como 'ícone' e 'icónico' são utilizadas de forma algo gratuita, levando a que o seu significado original se dilua, tornando-se assim necessário fazer uso do pensamento crítico para discernir quem, de facto, merece esse epíteto, por oposição às inúmeras 'sensações da semana' a quem o mesmo é recorrentemente atribuído. No entanto, mesmo nesta época de uso excessivo de tais termos, continuam a existir figuras incontornáveis, que reúnem o consenso de várias gerações quanto ao seu estatuto como verdadeiras 'lendas' da cultura popular ocidental – e, destas, uma das maiores continua a ser um eterno jovem de cabelo loiro, comprido e desgrenhado, barbicha, roupas coçadas, voz rouca e olhos claros e penetrantes, cuja aparência quase fazia lembrar uma versão moderna da tradicional representação de Jesus Cristo, e que, apesar de nunca ter querido ser profeta, conheceu, á semelhança deste, um fim trágico e tragicamente prematuro, embora, ao contrário do filho de Deus, pela sua própria mão. Falamos, claro, de Kurt Donald Cobain, o ícone da cena grunge e membro do infame 'clube dos vinte e sete', sobre cuja morte auto-inflingida se contaram, na passada Sexta-feira, exactos trinta anos.

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A história de vida de Cobain é bem conhecida: oriundo de uma família modesta dos subúrbios de Washington, nos EUA, o futuro músico viveu, na infãncia e adolescência, uma série de problemas familiares, escolares e sociais, que transformaram a criança tímida e introvertida num jovem rebelde, que encontrava na música agressiva, confrontatória e 'barulhenta' o seu escape dos problemas do dia-a-dia. Da paixão partilhada com outro 'desajustado' da sua escola – um adolescente alto, magro e sorumbático, de ascendência balcânica, que dava os primeiros passos no baixo – surge a ideia de formar uma banda, que viria a adoptar vários nomes para os primeiros concertos, até se fixar naquele que lhe outorgaria, em apenas alguns anos, um lugar indelével na cultura pop contemporânea: Nirvana.

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A formação clássica dos Nirvana: Krist Novoselic, Kurt Cobain e o baterista Dave Grohl, hoje líder dos Foo Fighters.

Daí em diante, o percurso da banda dispensa apresentações: em menos de meia década, Cobain e o eterno parceiro Krist Novoselic conseguiriam levar o seu grupo das garagens de Seattle ao estrelato mundial, criando um dos maiores clássicos da história da música rock, o sublime 'Nevermind', de 1991, e inspirando milhões de jovens inadaptados um pouco por todo o Mundo a pegarem em instrumentos e fazerem, eles próprios, barulho na sua garagem, num efeito semelhante ao gerado pelo movimento 'punk' britânico, cerca de década e meia antes.

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O segundo disco do grupo, 'Nevermind', é ainda hoje um álbum obrigatório para qualquer fã de rock.

Curiosamente, no entanto, o sucesso da banda não caía bem ao seu líder, que nunca procurara a ribalta, e que se via, de um momento para o outro, apelidado de 'voz de uma geração', entre outros epítetos que nunca esperara ou quisera. Tal como sucedia (e continua, infelizmente, a suceder) com tantos outros artistas da sua índole, a solução encontrada por Cobain para lidar com esta pressão foi refugiar-se nas drogas, hábito que não foi, de todo, desencorajado pela namorada e futura esposa do músico, Courtney Love – um nome que rivaliza apenas com Yoko Ono no panteão de influências tóxicas em músicos geniais. Nem o nascimento da filha Frances Bean – baptizada em homenagem a uma heroína local, passe o trocadilho involuntário – ajudava a animar Cobain, que sofria de depressão e se degladiara toda a vida com problemas de saúde.

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Com a mulher, Courtney Love, e a filha, Frances Bean Cobain, pouco depois do nascimento desta última.

Não foi, no entanto, a bronquite crónica, nem mesmo o vício em heroína, que acabou com a vida de Cobain, mas sim o próprio músico, que, nos primeiros dias de Abril de 1994, se terá alvejado a si próprio com uma caçadeira, deixando junto a si aquela que talvez seja o mais famoso e icónico 'adeus' de sempre: 'it's better to burn out than to fade away', algo como 'é melhor arder do que desaparecer aos poucos', uma frase que reflectia na perfeição a filosofia e modo de vida de Kurt.

Apesar de aparentemente claro, o suicídio do músico foi, ao longo das três décadas subsequentes, tema de inúmeros documentários (bem como de uma dramatização, 'Last Days - Últimos Dias', realizada por Gus Van Sant em 2005) e suscitou debates e teorias da conspiração que, trinta anos volvidos, não dão sinais de abrandar. Destas, a mais famosa é a que propões que terá sido a mulher, Courtney Love, a realizar o infame acto – à qual não ajuda a espinhosa relação de Love com os colegas de banda de Kurt, nem a sua recusa em deixar que seja publicado material inédito e de arquivo do grupo.

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'Last Days - Últimos Dias', talvez a mais conhecida obra cinematográfica sobre Kurt, apesar de não utilizar o nome do mesmo.

Seja qual fôr a verdade sobre a sua morte, no entanto, o facto inegável é que o falecimento de Cobain privou o Mundo de uma das mais interessantes bandas de rock 'mainstream' da sua época, e de várias décadas de novas e inspiradas canções por parte daquele que foi um dos mais geniais compositores da música popular de finais do século XX (e não só). Talvez ainda mais significativo seja o facto de que, trinta anos volvidos, a saudade daquele 'Jesus moderno' que nunca quis ser profeta continua a ser fortemente sentida pelos seus milhões de fãs, tendo-se as suas atraentes feições tornado tão omnipresentes e imediatamente identificáveis na cultura popular moderna como as dos também prematuramente malogrados Che Guevara e Bob Marley, com os quais partilha o estatuto de personalidade verdadeiramente icónica da História contemporânea. Que continue a descansar em paz.

13.03.24

NOTA: Este post é respeitante a Segunda-feira, 11 de Março de 2024.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Em inícios dos anos 90, o movimento 'metálico' que timidamente despontara em Portugal em finais da década anterior começava, finalmente, a conseguir ultrapassar a 'décalage' cultural que afectou o nosso País até ao último par de anos do século XX, potenciando não só a formação de mais grupos, mas também o surgimento de 'versões nacionais' do que ia fazendo sucesso 'lá por fora' – em particular, do 'hard rock' melódico que fizera as delícias de toda uma geração de jovens americanos na década anterior, sob as denominações 'hard FM', 'hard rock melódico' ou, mais comummente, 'glam metal' ou 'hair metal'. Não tardou, pois, para que se começassem a destacar na cena nacional alguns grupos deste estilo, com dois em particular a conseguirem algum sucesso naquele início de década: os Joker, a quem já aqui dedicámos algumas linhas, e a banda que focamos no post de hoje, os Hot Stuff.

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A formação que gravou o primeiro álbum.

Formados no início da década por um grupo de brasileiros radicados na zona de Lisboa, o grupo tinha como principal ponto de destaque a presença do baterista Rodrigo Leal, filho de Roberto Leal – esse mesmo, o 'crooner' romântico-pimba que, à época, marcava presença assídua nos rádios e leitores de 'cassettes' de muitas donas de casa portuguesas. Ao lado de Rodrigo na empreitada estavam, inicialmente, o vocalista Marcelo Lários, o exoticamente denominado Solly Hazan na guitarra, e o baixista português Mário Peniche, mais tarde substituído por Márcio Zaganin, naquela que se tornava assim uma formação cem por cento brasileira. Foi este o alinhamento responsável pelo primeiro disco, 'Kind of Crime', lançado em 1993, mas que o ouvinte mais incauto poderia acreditar ser oriundo dos Estados Unidos e editado três a cinco anos antes.

Isto porque o grupo investia numa sonoridade tipicamente 'glam metal', na vertente mais melódica e 'melosa' (ao estilo Bon Jovi) ao qual acrescentavam um 'funk-rock' a fazer lembrar Extreme, numa mistura que estava ainda a alguns meses de decair totalmente de popularidade. Prova disso é que o grupo conseguiu não só assinar contrato com a ubíqua Vidisco, talvez a maior editora de música popular em Portugal durante esse período, mas também rodar não um, mas dois vídeos no 'Top +' (o tema homónimo da banda e ainda a versão 'rockalhada' para 'Informer', único hit do 'Vanilla Ice canadiano' Snow), um marco com que muitas bandas nacionais da altura apenas sonhavam.

Os dois 'clips' da banda em destaque no 'Top +'

Encorajados por esse bom começo, o grupo partia para a gravação do sempre difícil segundo disco logo no ano seguinte, agora com Mauro Coelho a cargo das vozes, mas com o quarteto 'musical' e cerne da banda ainda intacto. E dado o ano de lançamento, e o 'estado' da cena hard rock melódica nesse período, não é de surpreender que 'Things Like That' traga ainda mais acentuado o lado funk-rock do grupo, que deixava de lado as 'poses' à Bon Jovi para investir descaradamente na sonoridade que, à época, ia ainda garantindo algum sucesso a grupos como Extreme ou Aerosmith, estes últimos em plena 'segunda vida' após o sucesso de 'Pump' alguns anos antes.

Os resultados, esses, foram bem menos encorajadores que os do álbum de estreia, o que também não é de todo surpreendente, se considerarmos que o álbum em causa foi lançado já depois da ascensão e ocaso de Kurt Cobain e da restante cena 'grunge', normalmente tida como responsável pela 'morte' comercial deste tipo de rock e ascensão do rock alternativo que dominaria os 'tops' na segunda metade da década. Para os Hot Stuff, era sem dúvida o fim da linha, tendo-se o grupo dissolvido poucos meses após o lançamento do segundo registo.

Mas porque, no Mundo do rock, nada é definitivo, eis que os Hot Stuff surgiam de novo na cena 'rock' nacional em finais dos anos 2010, agora bastante menos 'estilosos' e mais grisalhos, para uma série de concertos em eventos como o Cascais RockFest e a tradicional Concentração Motard de Faro. Já no início da presente década, por alturas da comemoração do quarto de século de actividade da banda, eram lançados um registo ao vivo e uma compilação 'Best Of', que reunía dezassete temas retirados dos dois LP's do grupo, ajudando assim a apresentá-los a um público demasiado novo para ter presenciado ou tido interesse activo no grupo durante o seu breve tempo em actividade.

Actualmente, no entanto, os Hot Stuff parecem ter voltado para o 'buraco' de onde haviam saído há dez anos atrás, sendo o últimos registo de actividade do grupo, precisamente, o concerto no Cascais RockFest a 24 de Janeiro de 2020, quase exactamente dois meses antes de ser declarada a pandemia de COVID-19. Antes de ditar a 'sentença de morte' do colectivo luso-brasileiro, no entanto, há que recordar a década e meia decorrida entre a sua formação e o seu regresso; por outras palavras, quem sabe, talvez, num ano em que se assinalam três décadas sobre o lançamento de 'Things Like That' e subsequente extinção do grupo, e quando o 'rock' melódico de cariz nostálgico ganha novamente força comercial, surja, sem se 'dar por ela', um novo registo de Hot Stuff nos escaparates nacionais, pronto a conquistar toda uma nova geração de 'rockers' com gosto por sons de décadas passadas, e a fazer voltar 'material quente' aos 'tops' musicais nacionais...

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