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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

27.06.23

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Tinha início o último fim-de-semana do mês de Julho de 2023 quando alastrava a notícia: o mundo do espectáculo português, e do humor em particular, ficava órfão de mais um nome, e logo de um actor bem mais jovem do que alguns dos 'históricos' lusitanos ainda em actividade. Tratava-se de Luís Aleluia, actor com extensa e reconhecida carreira no teatro e televisão mas que, para uma certa geração de portugueses, ficará para sempre eternizado como a versão televisiva, de 'carne e osso', do Menino Tonecas de José de Oliveira Cosme, protagonista de quatro temporadas de enorme sucesso na RTP1, em finais da década de 90.

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O actor no papel que o celebrizou junto de toda uma geração.

Nascido em Setúbal a 23 de Fevereiro de 1960, Luís Filipe Aleluia da Costa desde sempre esteve ligado à representação, na qual se estreou aos dez anos, numa récita da filial local da Casa do Gaiato, instituição caridosa à qual esteve ligado até aos dezasseis anos; a primeira experiência mais 'a sério', no entanto, surgiria já no final da adolescência, quando se junta a um grupo de teatro amador e ajuda a fundar outro na Escola Comercial de Setúbal, onde era aluno de Humanísticas.

O início da década de 80 vê o jovem actor entrar, pela mão de Vasco Morgado, no mundo do teatro de revista, onde ganharia fama, chegando mesmo a ganhar o prémio de Revelação do Teatro Musicado atribuído pela revista Nova Gente, no caso referente ao ano de 1984. Simultaneamente, vai acumulando também experiência em companhias de teatro itinerantes, onde adquire conhecimentos que põe, posteriormente, a uso no contexto da sua própria empresa de produção, a Cartaz, fundada em 1991.

É, também, por volta dessa altura que surge a oportunidade de trabalhar em televisão, primeiro como actor convidado na série 'Os Homens da Segurança', e posteriormente como membro fixo de 'Sétimo Direito', com Henrique Santana, Lia Gama e Cláudia Cadima. Torna-se, em seguida, membro da companhia de Nicolau Breyner, com quem leva a palco uma série de espectáculos teatrais, além de participar da novela 'Na Paz dos Anjos'. De volta ao teatro de revista, participa como convidado no 'Cabaret' televisionado de Filipe La Féria, e acumula participações especiais nos mais populares programas de humor da época, d''Os Malucos do Riso' da SIC (que aqui terá, paulatinamente, o seu espaço) à 'Companhia do Riso' da RTP.

É em 1996, no entanto, que se dá o grande momento de mudança para Luís Aleluia, quando, ao lado de Morais e Castro, ajuda a dar vida aos textos escritos no início do século por José de Oliveira Cosme, sobre um aluno pouco inteligente e muito atrevido, e respectivo professor 'sofredor'. Caracterizado como uma criança em idade de instrução primária estereotipada, de boné às riscas e calções com suspensórios, mas com rugas que não enganavam, dizia numa voz propositalmente esganiçada piadas brejeiras, muitas escritas por Cosme, outras tantas originais, num formato semelhante ao de programas como 'Escolinha do Professor Raimundo' ou 'El Chavo del Ocho' ('Chaves', na sua icónica dobragem brasileira).

Tinha tudo para dar errado, mas deu muito, muito certo, considerada a série de maior impacto na televisão portuguesa em toda a década de 90, 'As Lições do Tonecas' ficaria no ar de 1996 a 2000, e levaria mesmo à criação de um 'spin-off', 'O Recreio do Tonecas', que não conseguiu o mesmo sucesso. De súbito, a cara daquele actor até então restrito a papéis convidados ou de apoio tornava-se, para uma geração de crianças e jovens lusos, tão sinónima com o humor como a de Herman José ou Camilo de Oliveira. A própria indústria reconheceria o excelente trabalho de Aleluia, que voltaria a ganhar um troféu Nova Gente em 1997, agora na categoria de Melhor Actor de Televisão.

O problema de um papel de tal sucesso – especialmente ao tratar-se do primeiro, ao qual se ficará para sempre associado – reside, normalmente, na dificuldade em lhe dar seguimento, acabando muitos actores por nunca conseguir o mesmo nível de expressividade; tal não foi, no entanto, o caso com Aleluia, que continuou a 'somar e seguir' na televisão portuguesa, com papéis em diversas séries tanto humorísticas como mais 'sérias', além de posto fixo como argumentista e actor nos popularíssimos 'talk-shows' matinais da RTP, 'Praça da Alegria' e 'Portugal no Coração'. A carreira do actor continuaria, assim, a par e passo até ao fatídico dia 23 de Junho, quando foi encontrado sem vida na sua própria garagem, no que se veio mais tarde a revelar ter sido um suicídio. O mundo do teatro e da televisão portuguesas ficam mais pobres, e uma geração de ex-jovens chora o personagem (e actor) que tantas alegrias e risos lhes proporcionou durante quatro dos seus anos formativos, na recta final do século e Milénio passados. Descansa em paz, Tonecas.

17.01.22

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Grande parte do humor é intemporal. Apesar de a definição do que tem ou não piada tender a divergir de geração para geração e de cultura para cultura, há coisas que nunca deixam de ter graça – um jovem dos dias de hoje pode, por exemplo, derivar tanto prazer de um episódio de Mr. Bean ou Tom e Jerry como os seus pais ou avós quando eram da mesma idade. Assim, não é de estranhar que, de quando em vez, alguém decida recuperar um destes conceitos perpetuamente divertidos e apresentá-lo a todo um novo público, na esperança de que o legado desse material se perpetue ainda por mais uma geração.

Foi precisamente isso que a RTP fez quando, há pouco mais de um quarto de século, no Verão de 1996, decidiu recuperar a obra humorística de José de Oliveira Cosme, criada e transmitida na rádio sessenta anos antes, e adaptá-la para a televisão estatal de meados da década de 90. O resultado foi uma série que ainda hoje faz sorrir quem era da idade certa para lhe achar piada na altura, e que merece certamente ombrear com a obra de Herman José no panteão de séries humorísticas nacionais de finais do século XX.

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De facto, e apesar de expandir consideravelmente sobre o conceito original, a versão 'anos 90' de 'As Lições do Tonecas' não perde a sua essência, continuando a centrar-se na relação entre um aluno da instrução primária cábula, gozão e de 'inteligência saloia', embora de bom coração – o titular Tonecas – e o seu agastado professor, a quem a simples missão de leccionar uma aula com Tonecas na sala deixa sempre à beira de um ataque de nervos. Uma premissa simples, mas que já rendeu dividendos em obras como 'O Menino Nicolau', de Sempé e Goscinny, e que o torna a fazer aqui – mesmo que, na adaptação para televisão, o aluno tenha uma idade algo avançada (em várias décadas...) para ainda andar na instrução primária (se bem que, tratando-se de Tonecas, é perfeitamente possível que tenha simplesmente reprovado uma quantidade infinita de vezes...)

E por falar no aluno, é na interpretação de Luís Aleluia – e, diga-se de passagem, do seu coadjuvante, o 'professor' Morais e Castro – que está um dos grandes trunfos do 'Tonecas' televisivo. O comediante está em grande forma, soltando com gosto as suas piadas de humor brejeiro e, por vees, físico (muitas delas tiradas dos textos originais de Cosme, embora obviamente não todas), e exibindo grande química com o seu parceiro 'straight-man', que leva a muitos momentos divertidos; e, quanto mais não seja, Aleluia tem mérito por conseguir que o seu Tonecas obviamente adulto (mas sempre vestido como um típico 'puto' da escola) não seja, em nenhum momento, estranho ou perturbante – como o Chaves sul-americano, este era um 'miúdo graúdo' que a própria faixa etária alvo aceitava sem reservas, facto que ajuda, em parte, a explicar o enorme sucesso do programa.

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As interacções entre o Tonecas de Luís Aleluia e o professor de Morais e Castro estavam na base do sucesso da série

É claro que, sendo uma produção da RTP na década áurea da publicidade e 'marketing', o 'Tonecas' moderno não se mostra averso à expansão para lá do material original, nomeadamente no que toca a conceitos como os convidados especiais. De facto, embora a maioria dos episódios se desenrolassem apenas com os personagens principais e alguns alunos coadjuvantes (estes, verdadeiramente com idade para ainda andarem no ensino básico) surgiam de vez em quando algumas presenças externas para perturbar ainda mais as aulas; alguns destes eram apenas novos personagens representados por actores convidados (como a 'tia' Pureza Bucelas, de Ana Bola), mas outros apareciam a interpretar-se a si mesmos, como naquele episódio em que, sem razão aparente e sem qualquer pré-aviso ou antecipação, os Excesso entram pela sala de Tonecas adentro e se preparam para assistir à aula!

Um daqueles segmentos que definem a expressão 'ver para crer'

É claro que estes 'crossovers' se destinavam, pura e simplesmente, a publicitar os artistas e convidados em causa – não fossem os Excesso a sensação do momento da música portuguesa em 1997-98 – mas o facto é que a ousadia em arriscar este tipo de manobras, numa série que se pretendia fiel à obra de humor clássico que lhe estava na base, pode também ter tido um papel importante na longevidade de 'Tonecas', que se manteria no ar até praticamente ao fim do milénio, tornando-se presença assídua e constante nos televisores das crianças e jovens portuguesas da época.

Todos os truques publicitários do Mundo são em vão, no entanto, se o produto que tentam promover não tiver qualidade; felizmente, mesmo sem estas 'artimanhas', 'Tonecas' revelava-se uma série bem escrita – dentro dos seus parâmetros de humor simples e directo – magnificamente interpretada, e que, no cômputo geral, ainda se aguenta bem nos dias de hoje, mesmo depois das significativas mudanças sociais e culturais que um período de um quarto de século inevitavelmente acarreta. Um bom exemplo, pois, do tal humor intemporal de que se falava no início deste texto, e que tende a ser tão difícil de executar...

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