01.10.23
Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.
Apesar de pouco comum – e invariavelmente vista com desagrado por adeptos do clube 'lesado' – a transição directa jogadores entre 'grandes' portugueses não deixa, ainda assim, de ser uma realidade. Mesmo deixando de parte aqueles que regressam após uma aventura falhada no estrangeiro (como Simão Sabrosa, Quaresma ou Jardel, entre outros) não é difícil nomear jogadores que passam de um dos três principais emblemas portugueses para outro, por vezes apenas 'atravessando a estrada', outras enfrentando as três horas de viagem que ligam Lisboa ao Porto. Desse lote, já abordámos, nesta mesma rubrica, nomes como Zahovic, João Pinto ou Sergei Yuran; agora, e no rescaldo de mais um 'derby' entre Benfica e Porto, chega a altura de juntar mais um nome a essa lista, pertencente a um futebolista que representou, precisamente, esses dois clubes, durante as suas respectivas fases hegemónicas nos anos 90. Falamos de Vasili Sergeyevitch Kulkov, o 'tampão' russo que, ao lado dos conterrâneos Mostovoi e Yuran, foi figura maior do Benfica de inícios daquela década, antes de se juntar a este último na viagem para Norte, para se tornar mais um dos muitos defesas 'feios, porcos e maus' daquela fase do Futebol Clube do Porto.
O jogador com as duas camisolas com que se notabilizou em Portugal.
Chegado a Portugal com vinte e cinco anos, durante o defeso de Verão da época 1991-92, ao mesmo tempo do que o supra-mencionado Yuran e um ano antes de Mostovoi, Kulkov contava já com créditos firmados em vários clubes da sua terra natal (entre eles o 'gigante' Spartak de Moscovo) Kulkov viria a passar as quatro temporadas seguintes em Portugal, primeiro como parte importante da equipa do Benfica – que ajudaria a passar às meias-finais da Taça dos Vencedores das Taças de 1994, com dois golos memoráveis frente ao Bayer Leverkusen, num mirabolante e histórico resultado final de 4-4 – e depois ao serviço do Porto, onde passaria apenas uma época, mas celebraria o título de campeão nacional que lhe escapara durante a estadia em Lisboa. No total, seriam cerca de cento e quinze jogos (quase oitenta dos quais ao serviço do Benfica), e quinze golos, que ajudariam a tornar o polivalente defensivo (tanto jogava a 'seis' como a central) num dos mais memoráveis nomes a jogar em Portugal na altura.
Após a bem-sucedida 'traição', semelhante à do conterrâneo Yuran, Kulkov voltaria a 'casa', para alinhar no 'seu' Spartak, onde ficaria até 1997, após uma tentativa falhada de empréstimo ao Millwall, de Inglaterra, onde passaria apenas seis meses sem nunca se conseguir adaptar. Seguir-se-iam duas épocas como parte importante do plantel do Zenit de S. Petersburgo e uma passagem perfeitamente anónima pelo Krilja Sovetov, antes de o ex-internacional russo (que somou um total de 42 presenças entre URSS, CIS e Rússia propriamente dita) decidir regressar ao seu 'outro' lar, rumando novamente a paragens lusitanas para alinhar num dos satélites do seu antigo clube, o Alverca, onde 'passa' o Milénio e consegue ainda honrosas vinte presenças. Em 2001, um breve regresso ao seu país natal, para representar o desconhecido Shatura, salda-se como a última aventura de Kulkov enquanto jogador profissional, tendo o russo pendurado as botas ainda nessa mesma época.
Tal como em tantos outros casos, no entanto, a reforma não significava o fim da ligação do russo ao desporto-rei, antes pelo contrário; apenas duas épocas depois, Kulkov regressaria a Portugal como adjunto da ex-lenda do Dínamo de Kiev Anatoliy Byshovets no Marítimo, vindo depois a desempenhar a mesma função em quatro outros clubes da sua terra natal: FC Khimki, Tom Tomsk, o histórico Lokomotiv de Moscovo e, claro, o 'seu' Spartak, aqui como adjunto da equipa B. Em 2013, surge a reforma definitiva, e Kulkov 'desaparece' do Mundo do futebol até 2020, quando a notícia do seu falecimento em consequência da pandemia de COVID-19 vem entristecer adeptos do Benfica, Porto e Spartak, os três clubes em que o russo mais fez história, numa carreira repleta de 'vaivéns' entre dois países completamente díspares, mas unidos pelo facto de terem acolhido o polivalente de farta 'melena' loura e tido oportunidade de o ver explanar as suas qualidades defensivas; e, caso ainda fosse vivo, poder-se-ia mesmo ponderar se Kulkov não teria estado, este fim-de-semana, 'colado' a uma qualquer transmissão internacional, a seguir atentamente o histórico confronto entre dois dos seus três principais clubes. Que descanse em paz.