29.08.23
A década de 90 viu surgirem e popularizarem-se algumas das mais mirabolantes inovações tecnológicas da segunda metade do século XX, muitas das quais foram aplicadas a jogos e brinquedos. Às terças, o Portugal Anos 90 recorda algumas das mais memoráveis a aterrar em terras lusitanas.
Uma das principais características do mercado informático e de 'software' nos anos 90 foi a inovação. De facto, para cada jogo ou programa de fórmula bem estabelecida e 'destinado' a virar franquia interminável, surgiam um ou mais que procuravam, verdadeiramente, trazer para a mesa ideias inovadoras, e que lhes permitissem destacar-se da concorrência, muitas vezes dando azo a géneros inteiramente novos. Um bom exemplo deste fenómeno são os chamados 'jogos de plataformas com puzzle', que pegavam na já bem 'batida' fórmula do jogo de plataformas 3D e lhe adicionavam uma componente estratégica, que obrigava a pensar para conseguir ultrapassar cada obstáculo. E se a série 'Abe' (que, paulatinamente, aqui terá o seu espaço) foi o pináculo máximo deste tipo de jogo, logo a seguir, há que referir os títulos criados por Éric Chahi, dos quais o mais icónico para a juventude lusitana noventista celebrou há quase exactamente um mês o seu vigésimo-quinto aniversário de lançamento.
Falamos de 'Heart of Darkness', um daqueles jogos que 'tinham de se ter' aquando do seu aparecimento para PC CD-ROM, em finais de Julho de 1998 – curiosamente, quase um mês depois do lançamento da versão para PlayStation, a qual, apesar de ter surgido primeiro, esteve longe de ter o mesmo impacto entre o público-alvo. De facto, apesar da popularidade da consola da Sony e da maioria dos seus títulos, neste caso, era mesmo sobre a versão PC que se centravam todas as atenções, com quem tinha a emprestar a quem não tinha, para que os mesmos não ficassem privados da experiência cinematográfica proposta por Chahi.
Os gráficos eram, e continuam a ser, um dos pontos altos do jogo
E a verdade é que a demanda de Andy (um protagonista que não podia ser mais 'de época') para resgatar o seu cão Whisky quase parecia um desenho animado interactivo, tal a fluidez de movimentos e riqueza gráfica dos cenários; certo, falamos de gráficos de 1998, mas a opção por traços mais estilizados torna o jogo mais ou menos intemporal, ainda que inevitavelmente datado pelos padrões actuais. Também inevitável era a exigência do mesmo sobre os PCs da altura, sendo que requeria um aparelho Pentium com uma boa placa gráfica para correr devidamente.
No entanto, por muito que ajudassem a 'vender' o jogo, os gráficos não são o que mais interessa em 'Heart of Darkness'; pelo contrário, é pela jogabilidade que o título da Infogrames mais se destaca. Isto porque, durante grande parte do jogo, Andy não conta com qualquer ataque ou poder contra as forças das trevas que levaram o seu melhor amigo, devendo derrotá-las sómente com recurso à perícia, inteligência e habilidade de salto. Escusado será dizer que isto faz com que os referidos poderes, quando surgem, pareçam ainda mais 'fabulásticos' – algo que talvez não se passasse se os mesmos estivessem sempre presentes e 'Heart of Darkness' fosse um jogo de plataformas mais vulgar.
Exemplo da jogabilidade com um dos poderes disponíveis.
Em suma, Chahi e a Infogrames conseguiram um produto ímpar em todos os aspectos, cuja fama entre os 'putos' da época era bem justificada – algo que se torna ainda mais impressionante quando se pensa que 'Heart of Darkness' passou nada menos do que seis anos no temido 'development hell', tendo sido anunciado pela primeira vez em 1992 e visto serem canceladas ou abandonadas versões para 3DO (!), Amiga CD32 (!!), Atari Jaguar (!!!), Panasonic M2 (!!!!) e Sega Saturn, todas as quais haviam concluído o seu ciclo de vida quando o jogo foi finalmente lançado (é, também, de espantar que esta associação a consolas famosamente 'malditas' da década não tenha acabado com o projecto...) Por essa altura, já 'Heart of Darkness' era, há muito, um 'projecto passional', sem financiamento de qualquer grande companhia, e que quase acabou com a paixão pelo desenvolvimento informático de Chahi, que tiraria uma licença sabática de mais de uma década após a conclusão do projecto.
Em última instância, no entanto, tudo acabou em bem, com a Infogrames a acreditar na visão de Chahi (bem como a Interplay, nos EUA) e a dar aos jovens adeptos de plataformas nos anos 90 um título de enorme qualidade, pronto a adquirir estatuto de culto, para juntar à sua colecção. O facto de, um quarto de século após o seu lançamento, 'Heart of Darkness' ainda parecer relativamente original é um testamento à visão criativa do seu autor, que justifica bem esta homenagem, como forma de assinalar, ainda que já com algum atraso, esse significativo marco – uma desculpa perfeita, aliás, para apresentar o jogo às novas gerações...