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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

11.06.23

NOTA: Por motivos de relevância temporal, este Domingo vai ser Desportivo, e não Divertido.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

O estigma da transferência entre clubes arqui-rivais – ainda bem presente no meio futebolístico de hoje em dia – não impediu (nem impede) que, ao longo dos anos, tenha havido um sem-número de jogadores a tornarem-se voluntariamente 'vira-casacas', juntando-se a um dos 'Grandes' após terem servido qualquer dos outros dois. Os nomes são bem conhecidos, e continuam a causar alguma 'comichão' aos adeptos dos clubes 'traídos': Luís Figo (em Espanha), Simão Sabrosa, João Moutinho, João Pereira, Mário Jardel, João Vieira Pinto, Ricardo Quaresma, Silvestre Varela, Yannick Djaló, Lazar Markovic e, mais recentemente, João Mário Eduardo são apenas algumas das 'caras' mais marcantes deste fenómeno. E ainda que este percurso seja, normalmente, feito por via indirecta, geralmente após uma experiência internacional falhada, por vezes, este tipo de troca é mesmo levada a cabo 'à descarada', como no caso do jogador cuja carreira celebramos neste post, por ocasião do seu quinquagésimo-quarto aniversário: o soviético Sergey Yuran, figura maior e mítica do Benfica de inícios da década de 90 mas que, na temporada de 1994/95, foi protagonista de uma controversa transferência para o então hegemónico Futebol Clube do Porto.

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O jogador com as duas camisolas que envergou em Portugal.

Nascido na cidade ucraniana de Lugansk – então parte do bloco soviético – Yuran começou a sua carreira em clubes locais: primeiro o Zorya, pelo qual se estreia com apenas dezasseis anos e onde passa duas épocas e meia (sendo a de 1987/88 a da consagração como elemento-chave da equipa) e depois no Dínamo de Minsk, para o qual se transfere ainda a meio da época supramencionada, e onde consegue marcas impressionantes ao nível dos golos marcados em relação à média de jogos, que desde logo dava indícios das características 'matadoras' do soviético. As boas prestações, fulcrais para a conquista do último Campeonato Soviético por parte do Minsk, foram, aliás, premiadas com a distinção como jogador ucraniano do ano em 1990.

Talvez tenha, aliás, sido esse 'faro' para golo acima da média que motivou o Sport Lisboa e Benfica a ir buscar o jogador à sua terra-natal e trazê-lo para Lisboa, logo no início da época de 1991/92. Pelos encarnados, Yuran faria três épocas que, apesar de menos impressionantes ao nível dos tentos obtidos, o veriam afirmar-se como parte importante da equipa, tendo o avançado alinhado em todos ou quase todos os jogos do clube ao longo do período em causa, sido o melhor marcador da então chamada Taça dos Campeões Europeus na primeira época completa ao serviço do clube, sido presença assídua nas selecções da União Soviética e da efémera Comunidade dos Estados Independentes, e conquistado o carinho dos adeptos com as suas contribuições – além de um Campeonato Nacional, referente à época que se desenrolava há exactos trinta anos.

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Ao serviço da Selecção soviética.

O papel fundamental do avançado na forma de jogar do Benfica, o respeito que obtivera por parte dos adeptos e, especialmente, a conquista do referido campeonato fizeram com que a mudança de Yuran para o FC Porto, logo no início da época seguinte, fosse um 'soco no estômago' ainda maior para os adeptos benfiquistas, já que nada faria esperar que o soviético se decidisse desvincular de um clube onde aparentava ser feliz. Ainda assim, a perda dos adeptos do Benfica foi o ganho dos do Porto, já que a única época de Yuran ao serviço dos nortenhos o veria afirmar-se, também, como peça importante da equipa, pesem embora os apenas cinco golos obtidos.

Essas mesmas boas prestações suscitariam, aliás, o interesse do Spartak de Moscovo, que conseguiria mesmo aliciar o avançado a regressar ao Leste europeu, ainda que apenas por uma época, já que o ano de 1996 o veria rumar a Inglaterra para jogar no Millwall, naquele que seria o primeiro 'passo atrás' da sua carreira. Uma decisão, aliás, de que Yuran demoraria a recuperar, já que os anos seguintes o viram 'deambular' por clubes (então) menores do campeonato alemão – Fortuna Dusseldorf e VfL Bochum – antes de regressar ao Spartak, para uma segunda época algo mais bem sucedida que a primeira. Ainda assim, e apesar destes anos menos bem conseguidos, o avançado continuou a ser opção frequente na Selecção Nacional russa, que representaria até 1999.

O dealbar do Novo Milénio parecia trazer consigo nova esperança para Yuran, que recuperava a estabilidade longe dos holofotes mediáticos, no campeonato austríaco, ao serviço do Sturm Graz. No decurso da segunda época ao serviço do clube, no entanto, o soviético sofreria uma lesão grave na cabeça, que acabaria por ditar o afastamento prematuro dos relvados, aos trinta e dois anos.

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Yuran no papel de treinador.

Daí, o próximo passo era comum e previsível: Yuran tornou-se treinador, iniciando a sua carreira em 2003, ao serviço da equipa de reservas do Spartak, e sendo mais tarde promovido a adjunto dentro do mesmo clube. A primeira experiência como treinador principal, essa, deu-se ao serviço do modesto Dinamo Stavropol, tendo a restante carreira sido feita exclusivamente em clubes de Leste, com destaque para o campeonato russo. Hoje, o outrora prolífico avançado é treinador do Pari NN, clube recém-fundado mas que actua já na Primeira Liga russa – uma posição estranhamente modesta, para quem, em tempos, se contou entre os melhores jogadores não de um, mas de dois dos principais clubes de um campeonato como o português. Ainda assim, aqui ficam os votos de parabéns, e de continuação de uma carreira honrosa como técnico.

07.05.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Apesar de todas as gerações terem as suas excepções à regra (basta ver o percurso de Figo ou Cristiano Ronaldo) a primeira fase da carreira de qualquer jovem futebolista fica, inevitavelmente, marcada pelos empréstimos destinados a dar 'rodagem' e experiência de futebol sénior a jogadores considerados como jovens talentos de futuro, a fim de avaliar se os mesmos estão prontos para a integração na equipa principal. Até mesmo nomes de monta no panorama futebolístico nacional, como Deco, Rui Costa ou Pedro Emanuel, foram, em tempos, Caras (Des)conhecidas, a jogar em clubes de menor expressão – situação também vivida pelo futebolista de que falamos hoje, uma 'lenda' do Sporting Clube de Portugal durante os anos 90, e ainda hoje ligado à estrutura do clube.

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O jogador com a camisola com que se notabilizou.

Nascido há quase exactamente quarenta e sete anos, a 4 de Maio de 1976, Roberto Luís Gaspar Deus Severo, mais conhecido pela sua alcunha, Beto, iniciou a carreira no CAC Pontinha, com apenas onze anos, mas foi verdadeiramente produto das escolas do clube lisboeta, onde ingressaria logo no ano seguinte e faria o resto da formação, ao lado de nomes como Nuno Valente; ao contrário deste, no entanto, Beto não chegaria a ter a sua oportunidade na equipa principal, sendo enviado directamente da equipa de juniores para o União de Lamas, onde realizaria a sua primeira época como sénior, em 1993/94. Escusado será dizer que o jogador 'pegou de estaca' no centro da defesa, tendo realizado vinte e oito partidas, durante as quais contribuiu com oito golos e explanou o talento que mais tarde se lhe viria a reconhecer. Ainda assim, tal não foi suficiente para prevenir novo empréstimo na época seguinte, desta feita ao histórico Campomaiorense, onde volta a ser peça importante, jogando vinte e duas partidas e marcando dois golos.

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Um jovem Beto ao serviço do Campomaiorense.

Este segundo empréstimo, e a prestação consistentemente positiva do central ao longo dessa época e da anterior, pareceram finalmente convencer o Sporting, que integra Beto na equipa principal no início da época 1996-97, para não mais de lá sair ao longo da década seguinte. No total, foram mais de 240 os jogos de Beto de leão ao peito, grande parte deles como titular, e mais de vinte os golos apontados por aquele que era um dos proverbiais 'defesas goleadores' do futebol português. Uma preponderância, aliás, que se estendeu ao espectro internacional, com Beto a conseguir mais de trinta internacionalizações AA, a juntar ás treze que conquistara ao nível dos sub-21, e a afirmar-se como peça importante daquela selecção portuguesa movida a 'Geração de Ouro'.

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Beto na Selecção.

Curiosamente, seria já mais perto do fim de carreira do que do seu início que o estrangeiro chamaria por Beto, que, em 2006, aos trinta anos, ruma a França para assinar pelo Bordéus; não corre bem ao central esta primeira experiência, no entanto, e o mesmo rapidamente se vê emprestado ao Recreativo, de Espanha, após apenas quatro presenças oficiais pelos gauleses. Em Espanha, a situação é algo distinta, sendo que, das três épocas que passa no país vizinho, Beto se afirma como peça importante da equipa em duas – a segunda ao lado dos também ex-sportinguistas Carlos Martins e Silvestre Varela – nas quais alinha em praticamente todas as partidas e marca quatro golos, dois em cada temporada.

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O central fez as suas últimas épocas em bom nível no Huelva, de Espanha.

Na sua terceira e última época em Huelva, no entanto, o central é assolado por problemas físicos, que o fazem perder preponderância no seio da equipa, pela qual realiza apenas mais três exibições antes de regressar a Portugal para – numa decisão a fazer lembrar os inícios de carreira – alinhar pelo histórico Belenenses. Mais uma vez, no entanto, os problemas físicos impedem que o já veterano central se imponha nos azuis do Restelo, pelos quais realiza apenas dez partidas antes de regressar a Espanha para representar o modestíssimo Alzira, da terceira divisão, onde se reúne a mais um ex-colega de equipa, Luís Lourenço, mas pelo qual nunca chega a alinhar - um final escandalosamente modesto para a carreira daquele que foi um dos mais icónicos centrais dos campeonatos portugueses de finais do século XX.

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O jogador não foi feliz na passagem pelo Belenenses.

Felizmente, a carreira de Beto ganharia novo fôlego nos bastidores do 'Leão', onde desempenhou já várias funções, retribuindo desta forma tudo o que o seu clube do coração lhe proporcionou ao longo de uma carreira nada menos que ilustre, ao ponto de custar a acreditar que o jogador tenha, alguma vez, contado como Cara (Des)conhecida no futebol português: e no entanto, como ficou bem patente neste 'post', até mesmo o eterno central do Sporting noventista e da viragem do Milénio foi, em tempos, apenas mais um jovem a espalhar talento nas divisões secundárias, na esperança de um lugar na equipa principal...

26.02.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Apesar de não constar entre os principais campeonatos mundiais, sendo as suas competições tidas como decididamente de 'segunda linha', o futebol português sempre foi exímio em formar e exportar jogadores, fossem eles jovens com potencial ou (como sucede com o futebolista de hoje) nomes já com créditos firmados 'dentro de portas'. De igual modo, apesar de a esmagadora maioria desta formação se centrar nos chamados 'três grandes' (Benfica, Sporting e Porto) por vezes, surgem em clubes algo mais periféricos jogadores cujo talento não passa despercebido – inclusivamente ao triumvirato atrás mencionado.

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O jogador ao serviço do Porto.

Pedro Miguel da Silva Mendes, médio defensivo internacional pelas Quinas que completa hoje quarenta e quatro anos de idade, foi, na década de 90, um destes raros casos, tendo o seu despontar e afirmação sido feitos ao serviço de um dos 'históricos' do futebol português, e candidatos crónicos a 'quarto grande', no caso o Vitória de Guimarães. Foi ali que, nos primeiros anos da década de 90, um jovem de apenas onze anos vindo do 'vizinho' CD Aves começou a dar nas vistas, paradigma que se manteria durante os sete anos seguintes, com Mendes a ser, inevitavelmente, um dos jogadores de destaque em todas as equipas desde o nível de Infantis até à categoria de juniores.

Ainda assim, e apesar do talento inegável e inato, a entrada do médio na equipa principal do Guimarães não foi imediata, tendo o jogador de então dezanove anos sido enviado para 'rodar' no Felgueiras no início da época 1998/99. Previsivelmente, Mendes afirmou-se como um dos destaques da agremiação felgueirense naquela temporada, um daqueles jogadores 'de outro campeonato' claramente destinados a mais altos vôos. E esses viriam mesmo a chegar, logo na época seguinte, quando o médio defensivo é finalmente integrado no plantel vimaranense, ainda que apenas como apoio ao plantel prinipal; ainda assim, o jovem chegaria a efectuar quinze jogos pelo clube nessa primeira época, contribuindo com um golo.

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Mendes no Guimarães.

Seria apenas após o virar do Milénio, no entanto, que a carreira de Pedro Mendes começaria, verdadeiramente, a despontar, com o jogador a assumir cada vez maior preponderância no seio dos 'Conquistadores', afirmando-se mesmo, eventualmente, como titular indiscutível; no total, foram quatro as épocas e mais de noventa os jogos do médio pelo seu clube do coração, tendo a sua última temporada ficado marcada por um recorde de golos – seis, o dobro dos que havia marcado nas três épocas anteriores combinadas!

Como já seria de prever, o talento e consistência exibicional de Mendes não passaram despercebidos, tendo o médio sido alvo do interesse do FC Porto de Mourinho no início da época 2003/2004 – precisamente aquela em que o emblema portuense almejou o feito mais notável da sua História. Assim, em dez meses e pouco mais de quarenta jogos, a reputação do jogador projectava-se do nível local para um patamar internacional, e aquele que, um ano antes, havia sido 'apenas' um dos médios do Guimarães possuía, agora, honras de Campeão Europeu, bem como de internacional por uma das melhores equipas portuguesas de sempre.

Também previsivelmente, esta nova reputação suscitou interesse internacional pelos serviços do jogador, o qual, apenas um par de meses após vencer a Liga dos Campeões pelo Porto, embarcava em novos desafios em Inglaterra, no caso ao serviço do Tottenham, onde chegaria a fazer uma boa época – com trinta jogos e um golo – mas onde rapidamente perderia preponderância, sendo dispensado para o Portsmouth ainda no mercado de Janeiro da sua segunda época com os 'Spurs'.

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O médio no Portsmouth.

Ali, a vida correr-lhe-ia significativamente melhor, tendo o médio rapidamente assumido um papel preponderante na luta do clube por assegurar a manutenção, e contribuído com dois golos cruciais para esse objectivo, ambos conseguidos numa inesperada vitória por 2-1 frente ao Manchester City. As duas épocas seguintes seguiriam na mesma toada, tendo a estadia de Pedro Mendes sido coroada com a conquista da FA Cup, na época 2007/2008 – um objectivo bem menos sonante do que a Liga dos Campeões conquistada apenas quatro anos antes, mas nem por isso menos meritório.

Apesar da ligação ao Portsmouth – que, inclusivamente, o veria comprar acções do clube e juntar-se a um grupo organizado de adeptos que procuravam adquirir o mesmo de forma conjunta – a carreira de Mendes sofreria nova 'reviravolta' logo na época seguinte, que veria o médio rumar à Escócia para representar um dos seus históricos, o Rangers. Ali, o português teria novo início mais que auspicioso, tendo sido seleccionado como figura do jogo logo na sua partida de estreia, e como Jogador do Mês de Agosto, após apenas algumas semanas ao serviço do clube. Estava dado o mote para mais uma excelente época, com o jogador a afirmar-se como titular dos escoceses, a contribuir com quatro golos e a carimbar o seu regresso às convocatórias da Selecção Nacional, pela qual viria a disputar tanto a fase de qualificação quanto a fase final do Mundial de 2010.

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O jogador no Rangers.

Assim, foi de forma algo surpreendente que o mercado de Janeiro da época seguinte viu o médio regressar a Portugal, agora para representar um Sporting em fase complicada; e ainda que o jogador tenha desempenhado papel importante na segunda metade da campanha dos 'Leões', alinhando em dezasseis partidas e marcando um golo, a época seguinte vê-lo-ia perder preponderância, realizano em uma época inteira o mesmo número de partidas que fizera em seis meses do ano anterior.

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Mendes no Sporting.

Por consequência, o vínculo do médio com o clube lisboeta rescindido no final da época, a fim de possibilitar um regresso do jogador a 'casa'. A última época de Mendes como futebolista profissional seria, pois, passada no mesmo local onde a sua carreira havia começado quase uma década e meia antes: em Guimarães, onde o médio voltou a ser figura de proa, realizando vinte e dois jogos pelo seu clube formador antes de pendurar definitivamente as chuteiras – um ponto final condigno numa carreira repleta de honras e pontos altos, que inscrevia o jogador na lista de expoentes máximos da História do futebol português, e sobre a qual o mesmo quererá, certamente, reflectir no dia em que completa quarenta e quatro anos. Parabéns, Pedro Mendes – que conte muitos mais!

29.01.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Cada época da História contemporânea teve, e continua a ter, os seus desportistas lendários, não tendo os anos 90 sido excepção a esta regra. Pelo contrário, não faltaram às crianças e jovens daquela época nomes para admirar dentro do Mundo do desporto, dos inevitáveis futebolistas a condutores de Fórmula 1 ou exímios praticantes de outras modalidades, como as atletas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro ou os basquetebolistas da NBA (e, dentro de portas, também Carlos Lisboa).

No entanto, apesar desta diversidade, é inegável que o futebol centrava, naquela época como agora, a maioria das atenções, e produzia os mais exaltados ídolos, quer dentro de portas, quer a nível mais global – e, destes últimos, um dos mais destacados durante aquela década foi o homem que hoje completa cinquenta e sete anos de idade, e que muitos adultos hoje na casa dos 'trintas' e 'quarentas' se habituaram a ver 'fuzilar' redes de balizas um pouco por todo o Mundo: Romário de Souza Faria (vulgarmente conhecido apenas pelo seu primeiro nome), um dos mais prolíficos atacantes da História do futebol moderno e que, durante a primeira metade da década, foi esteio de uma das melhores selecções nacionais de sempre.

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Uma imagem que se tornou comum entre os adeptos dos anos 90.

Nascido, como tantos outros seus compatriotas, nos bairros pobres do Rio de Janeiro, Romário destacou-se desde tenra idade pelo seu invulgar talento, tendo sido recrutado pelo Vasco da Gama em 1981, aos catorze anos, após ter brilhado no seu clube local, o Olaria, na época anterior. A estreia profissional, essa, deu-se quatro anos depois, a meio da década de 80, lançando uma carreira que excederia todas e quaisquer expectativas; com uma média de golos por jogo mirabolante, Romário rapidamente se encontrou em trajectória ascendente, não tendo o tão cobiçado 'salto' europeu (objectivo máximo de qualquer futebolista brasileiro) tardado a surgir – apenas três anos após o seu primeiro jogo como sénior, e com já mais de oitenta golos marcados ao serviço do Vasco, Romário seria o escolhido para reforçar o ataque do PSV Eindhoven, do campeonato holandês.

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O jogador no clube que o notabilizou a nível europeu.

E rapidamente se constatou que a veia goleadora do atacante não se limitava ao 'Brasileirão', tendo Romário logrado apontar uma centena de golos nas cinco épocas em que representou os neerlandeses, e sido parte fulcral da conquista de três títulos de campeão nacional durante o mesmo período; uma marca que, naturalmente, conduziu a novo 'salto' na carreira. Desta vez, o destino era Barcelona, em Espanha, onde o brasileiro teria a honra de integrar um dos mais fortes plantéis do futebol mundial da época, ao lado de outro 'enorme' avançado da época, Hristo Stoichkov, e de nomes como Michael Laudrup ou Ronald Koeman. Mesmo em meio a tal 'chuva de estrelas', no entanto, Romário continuou a destacar-se, conseguindo trinta e quatro golos nos quarenta e seis jogos que realizou pelos 'blaugrana' entre 1993 e 1995, trinta dos quais na sua primeira época, incluindo um 'hat-trick' contra os 'eternos rivais' do Real Madrid, e uma 'cueca' ao 'enorme' Peter Schmeichel (mais tarde guardião do Sporting campeão nacional da época 99/2000) em pleno Old Trafford. Actuações como estas, e como as que realiou ao serviço da 'canarinha' no Mundial de 1994, valeram-lhe inclusivamente o merecido prémio FIFA de Jogador do Ano relativo a 1994. Este 'estado de graça' viria, no entanto, a terminar abruptamente logo em Janeiro do ano seguinte, quando um desentendimento com o técnico Johan Cruyff veria Romário abandonar o Barcelona e (numa decisão surpreendente) regressar ao Brasil, agora para representar o Flamengo.

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Romário durante a sua curta e frustrante passagem pelo Valência.

Sessenta golos em outros tantos jogos rapidamente lhe valeram, no entanto, o regresso a Espanha, para vestir a camisola do Valência. No entanto, pela primeira vez na sua carreira, Romário viria a não se afirmar num clube, fazendo apenas onze partidas pelos espanhóis (em que marcaria cinco golos) antes de voltar ao clube de onde recentemente saíra, agora por empréstimo, a fim de jogar com mais regularidade e manter os índices físicos em alta na preparação para o Mundial de França '98 – torneio que, ironicamente, viria a falhar por lesão muscular. Apesar deste relativo 'falhanço' no regresso a Espanha, no entanto, no Brasileirão, os golos continuariam a surgir em catadupa: vinte e dois em vinte e um jogos pelo Flamengo em 1997, e trinta e quatro em sessenta e cinco partidas na época seguinte.

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No Flamengo, o 'Baixinho' voltou a fazer o que melhor sabia.

O novo Milénjo veria Romário voltar à casa que o vira 'nascer' para o futebol, qual filho pródigo, e contribuir com quase oitenta golos para as campanhas de 2000/2001 e 2001/2002 do Vasco da Gama. Seguiu-se novo regresso ao 'Flu' (com passagem breve e pouco memorável pelo Al-Sadd, do Qatar) antes do retorno ao Vasco, ainda a tempo de marcar trinta e cinco tentos em cinquenta jogos na época 2005/2006. Já a nível internacional, a carreira do 'Baixinho' corria menos bem, tendo o mesmo sido deixado de fora do plantel da 'Canarinha' para a Copa América de 2001 e para o Mundial de 2002, por problemas disciplinares.

Apesar destes reveses, no entanto, os anos pareciam não passar pelo avançado o qual, aos quase quarenta anos, continuava a ser o mesmo goleador de classe mundial que se revelara ao mundo três décadas antes; de facto, até ao final de carreira em 2009, aos quarenta e três anos (!!), Romário representaria, ainda, quatro clubes, dois no estrangeiro (o Miami FC, da Major League Soccer norte-americana, e o Adelaide United, da Austrália, por empréstimo deste último) e dois dentro de portas: o seu Vasco do coração, ao qual regressaria pela quarta vez em 2007 (ainda a tempo de marcar treze golos em quinze jogos) e o América do Rio de Janeiro, pelo qual faria uma única partida, a sua última como jogador profissional. Um ponto final estranhamente discreto para um dos nomes 'de monta' do futebol noventista, dono de uma carreira que, em vários pontos, tocara as estrelas.

Penduradas as botas, Romário escolheu seguir, não a carreira de treinador escolhida por tantos dos seus contemporâneos, mas uma bastante mais inesperada: a de político. O 'Baixinho' tornou-se deputado e, mais tarde, Senador do Congresso brasileiro pelo Partido Socialista (de Lula), tendo passado a 'fuzilar' com a língua, em vez de com os pés. O seu alvo mais notável, a este respeito, talvez tenha sido o Mundial de 2014, realizado no seu país natal, e sobre o qual procurou denunciar os problemas de corrupção e lavagem de dinheiro em torno do evento. Mais tarde, o 'Baixinho' viria a trocar de 'lado' político, juntando-se primeiro ao partido Podemos, do qual foi presidente, e mais tarde aos Liberais de Jair Bolsonaro, ao qual chegou a declarar publicamente o seu apoio. Uma mancha, dirão alguns, na carreira de um homem que, apesar de alguns problemas derivados de uma forte personalidade, foi, e mereceu ser, idolo de muitos durante os seus anos áureos nos relvados mundiais. Parabéns, 'Baixinho'!

15.01.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Qualquer adepto de futebol, independentemente da idade ou era em que viveu, terá sempre os seus ídolos e ícones dentro do desporto, seja nos grandes clubes mundiais, seja nas agremiações do seu próprio campeonato. O Portugal dos 'noventas' não foi, de forma alguma, excepção a essa regra, tendo os adeptos nacionais da época tido o privilégio de ver jogar na então Primeira Divisão, não só os maiores nomes da Geração de Ouro, como também alguns jogadores internacionais muito acima da média. Um desses jogadores – um búlgaro de 'pézinhos de lã' que foi ícone de todos os clubes por que passou, e que era igualmente indiscutível na Selecção Nacional do seu país – celebrou há poucos dias os trinta e dois anos da sua estreia no campeonato onde viria a passar quatro inesquecíveis anos, tornando este Domingo o momento ideal para passar em revista a sua ilustre carreira.

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Uma imagem nostálgica para qualquer sportinguista,

Falamos de Krasimir Genchev Balakov, um daqueles 'fantasistas' que já ajudavam a definir o termo 'número dez' muito antes de cada jogador ter número próprio, e que só surgem num campeonato como o português muito de longe a longe. Reforço de Inverno do Sporting na primeira temporada completa da década de 90, o médio ofensivo contratado ao Etar Veliko Tarnovo - clube da sua Bulgária natal onde iniciara a sua carreira como sénior e pelo qual contabilizara quase cento e cinquenta jogos – faria a sua estreia menos de duas semanas após o início do ano de 1991, em jogo contra o Penafiel que o Sporting venceria por 2-0, com dois golos de Gomes.

Sem que ninguém soubesse, e de forma ainda algo discreta, ficava aí dado o mote para quatro épocas de 'magia', como parte de um plantel do Sporting ao qual sobrava em qualidade o que faltava em títulos (durante este período, o clube ganhou, tão-somente, uma Taça de Portugal, em 1994-95), e que contava também com nomes com outras 'lendas da Primeira Divisão' como Luís Figo, Paulo Sousa, Marco Aurélio ou o compatriota de Balakov, Yordanov. E a verdade é que, ao longo da sua estadia em Alvalade, Balakov viria a justificar o (parco) investimento do então presidente Sousa Cintra, tornando-se peça fulcral do 'onze' e fazendo 'mexer' a equipa com a mistura de 'arrebites' técnicos, clarividência e golos (no Veliko haviam sido trinta e cinco em sete épocas, no Sporting foram quarenta e três em quatro, incluindo 'obras de arte' históricas ao Benfica e Setúbal) que o tornaram um dos mais respeitados estrangeiros de sempre, não só do Sporting, como dos campeonatos portugueses em geral.

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O cromo de Balakov na caderneta do Euro '96 da Panini.

Não era, aliás, apenas 'dentro de portas' que Balakov 'dava cartas' e chamava a atenção: também a nível internacional o médio se vinha afirmando como um dos melhores do Mundo na sua posição, tendo inclusivamente sido seleccionado como parte do 'onze' ideal' do Mundial de 1994 – uma distinção que é, ainda hoje, o único jogador búlgaro a alguma vez ter recebido, sendo que nem mesmo compatriotas ilustres como Stoichkov conseguiram, alguma vez, igualar esse feito.

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O jogador em acção no Estugarda.

Melhor ainda é perceber que, após a sua saída do reduto dos 'leões', a carreira de Balakov não se 'perdeu', como a de tantos outros jogadores que partem para 'vôos' internacionais; pelo contrário, o búlgaro não só se conseguiu afirmar no seu novo clube, o Estugarda, como adquiriu o estatuto de 'símbolo' também naquele clube, onde passou sete épocas, sempre como presença regular na equipa, pela qual contabilizou mais de duzentas e cinquenta partidas. A sua parceria com Fredi Bobic e Giovane Élber originou, aliás, um daqueles 'tridentes mágicos' de que qualquer adepto do desporto-rei tanto gosta, por serem garantia de muitos golos – só por conta do búlgaro, foram cinquenta e quatro, um número talvez não tão prolífico quanto a sua marca no Sporting, mas ainda assim de respeito. É, também, como elemento do clube alemão que vê serem-lhe atribuídos os prémios de Melhor Jogador Búlgaro correspondentes aos anos de 1995 e 1997, sendo o troféu de 1996 atribuído a...Ivailo Yordanov, ex-colega de equipa no Sporting!

Tal como tantos outros nomes de que aqui falamos, também a carreira de Balakov transitou do interior dos relvados para a lateral dos mesmos, tendo o búlgaro assumido, logo em 2003, o cargo de adjunto num Estugarda que o idolatrava. Seguiram-se passagens pelo modesto Plauen (onde fez a sua última aparição oficial num relvado, aos trinta e nove anos, na qualidade de treinador-jogador) por vários clubes conhecidos da 'terceira linha' do futebol europeu, como St. Gallen, Grasshoppers, Chernomorets Burgas, Hadjuk Split, Kaiserslautern, Litex e CSKA Sófia, além do clube que o vira 'nascer' para o futebol, o Veliko Tarnovo, e da própria Selecção que tão briosamente representara em várias competições internacionais. E apesar de nunca ter dado o 'salto' para um grande clube na qualidade de treinador, é de crer que Balakov tenha adquirido, pelo menos, tanto respeito nesse seu novo cargo como tinha quando espalhava magia atrás dos avançados, nos relvados de Tarnovo, Alvalade ou Estugarda...

26.06.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidades do desporto da década.

Hoje em dia, é raro encontrar um profissional de futebol que tenha feito toda a sua carreira no mesmo clube; a conjuntura actual, em que o futebol é tanto um negócio como um desporto e os clubes são tanto marcas como agremiações, é pouco propícia a este tipo de situação. Nos anos 90, no entanto, o desporto-rei era, ainda, um mundo algo mais 'puro' e inocente, e jogadores como Puyol e Paul Scholes preferiam tornar-se símbolos do clube onde militavam do que simplesmente ir atrás do próximo contrato milionário.

Não era, no entanto, apenas no escalão mais alto do futebol que tais situações ocorriam, muito pelo contrário; de facto, era longe das luzes da ribalta, num modesto clube de reputação local do campeonato português, que se podia encontrar um dos melhores exemplos de dedicação a um só clube da altura, verdadeiramente merecedor do epíteto de 'Grande dos Pequenos'.

Falamos do guineense Serifo Cassamá, vulgarmente conhecido apenas pelo seu primeiro nome, e que desenvolveu toda a sua carreira profissional numa única agremiação, onde passou umas impressionantes (por qualquer bitola!) DEZASSEIS temporadas, de finais dos anos 80 até meados da primeira década do século XXI, seguindo o clube das divisões distritais até à principal e, em seguida, também no sentido inverso.

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O emblema em causa era o histórico Leça FC, no qual Serifo ingressou no início da época 1987/88, com apenas vinte anos, após ter feito a formação no local Sport Bissau e Benfica. À época, o clube militava, ainda, na então denominada III Divisão (mais tarde II Divisão B), onde permaneceria durante mais cinco temporadas, até conseguir a promoção à então II Divisão de Honra no final da época 1992/93. Daí à promoção à I Divisão, passar-se-iam apenas duas épocas - coincidentemente as duas primeiras em que Serifo, verdadeiramente, se impôs na equipa, realizando 31 jogos e marcando 8 golos em 1993/94, e 15 jogos (um golo) na temporada seguinte.

A preponderância do médio no meio-campo dos leceiros permaneceria, aliás, intacta durante as três temporadas do clube no principal escalão nacional, tendo sempre realizado mais de vinte jogos por temporada (29 na última época do Leça na divisão de topo, 1997/98) e contribuído com três golos na temporada 96/97 e mais três na seguinte.

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Serifo, nos tempos de Primeira Divisão, em duelo com um jogador que conseguiria o triplo da sua fama, com um terço do seu brio profissional

Os esforços do médio não foram, no entanto, suficientes para evitar a descida de divisão, que apenas foi agravada, em épocas subsequentes, por problemas financeiros, que culminaram num escândalo de corrupção e desvio de fundos. Nada, no entanto, que afectasse a lealdade de Serifo ao clube, tendo o guineense permanecido no plantel da agremiação nortenha até à temporada 2003/04 (a sua última como profissional) e sido quase sempre parte importante do plantel da equipa – um verdadeiro exemplo de amor a um clube, que rende (merecidamente) ao ex-médio do Leça a presença nesta rubrica, e o epíteto que a mesma depreende; de facto, a carreira de Serifo ilustra o significado da expressão 'Grande dos Pequenos', devendo o guineense (que, recentemente, chegou a fazer parangonas por ter andado, literalmente, desaparecido!) servir de exemplo de brio profissional a qualquer jovem que dê os seus primeiros passos como profissional num clube pequeno, e pondere as suas opções de carreira.

25.04.22

NOTA: Este post é respeitante a Domingo, 24 de Abril de 2022.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Uma das principais 'verdades' do futebol moderno é que os jogadores que mais se destacam num determinado campeonato irão, quase inevitavelmente, acabar por assinar por um dos maiores clubes desse campeonato ou, alternativamente, por um clube de expressão equivalente num campeonato internacional; o que não falta no desporto-rei (português e não só) são histórias de jovens que, de humildes começos no clube 'da terrinha', chegam a estrelas internacionais de renome, sendo Figo ou Cristiano Ronaldo apenas dois dos muitos jogadores que fizeram essa trajectória.

Por vezes, no entanto, surge um jogador que se insere no contexto do 'quase' da frase acima utilizada; um atleta que, embora indispensável no seu emblema e admirado até mesmo por adeptos de outras agremiações, nunca chega a dar esse 'salto' quantitativo durante a sua permanência no futebol português. A nova rubrica que hoje inauguramos pretende, precisamente, recordar alguns dos principais exemplos desse fenómeno a militar em Portugal durante a década de 90.

E como figura inicial desta nova série, nada mais justo do que dar honras de abertura a um dos nomes que vem imediatamente à memória sempre que se pensa em jogadores influentes no campeonato português da década de 90 que militavam em emblemas 'menores': o lendário William Andem, guarda-redes do histórico Boavista durante a maior parte daquela década.

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Quem seguia o campeonato daquela altura, certamente ainda terá presente a figura imponente daquele guarda-redes que – com 'cara de mau' a condizer com a estatura – defendia com surpreendente agilidade e leveza de reflexos as redes axadrezadas em finais da década; o que muitos não saberão é que o mesmo teve, antes da chegada ao clube que o celebrizaria, um percurso no mínimo insólito para um jogador africano, que o levou ao futebol sul-americano antes de, eventualmente, se celebrizar no português.

Nascido Bassey William Andem em Douala, nos Camarões, a 14 de Junho de 1968, o simplesmente apelidado William iniciou o seu percurso futebolístico em finais da década de 80, ao serviço do seu clube local, o Union, onde militou quatro épocas, tendo numa delas ingressado por empréstimo no desconhecido Olympic Mvolyé, também do campeonato camaronês. O inevitável 'salto' para fora de África, esse, dá-se em 1994, quando Andem ingressa no...Cruzeiro.

A presença de um jogador africano num campeonato célebre por contratar maioritariamente 'dentro de portas' (não fosse o Brasil um dos países, senão mesmo O país, com mais aspirantes a jogadores de futebol em todo o Mundo) parecia – e era – insólita, e a contratação acabou por nunca se justificar, tendo William realizado apenas nove jogos nas duas épocas que passou com o emblema brasileiro. Este início pouco auspicioso não foi, no entanto, suficiente para descoroçoar William, que, em 1996, transitava para um novo emblema, ainda no Brasil – no caso, o Bahia, onde chegou a realizar 19 jogos na sua única época como efectivo.

Então com quase 30 anos, e não tendo conseguido afirmar-se em qualquer dos clubes por onde passara desde a sua saída dos Camarões, William parecia condenado a uma carreira medíocre e anónima; essa situação mudou, no entanto, no defeso de Inverno da época 1997-98, quando o guarda-redes decide viajar para Portugal, para se vincular ao Boavista - uma escolha que lhe viria a permitir, finalmente, lançar a sua carreira.

No total, foram nove épocas e mais de 150 jogos de xadrez ao peito, a esmagadora maioria dos quais como titular; e mesmo quando perdeu o lugar, a mudança pode considerar-se mais como um 'passar do testemunho', já que o seu sucessor era nada mais nada menos do que Ricardo, futuro guarda-redes do Sporting e da Selecção Nacional (mais tarde, perderia novamente a titularidade para o brasileiro Carlos, recuperando-a após a venda deste para o Steaua de Bucareste). Um percurso que - além de o tornar um 'clássico' das cadernetas da Panini - lhe valeu várias chamadas à Selecção camaronesa (onde serviu de apoio ao lendário Jacques Songo'o em várias competições, incluindo o Mundial de França '98), e que justificou plenamente o estatuto de 'lenda viva' que adquiriu entre os adeptos boavisteiros...o que torna ainda mais incompreensível a sua saída do clube, no final da época de 1997-98.

No entanto, fosse qual fosse o motivo, foi mesmo isso que aconteceu, e William acabou por 'pendurar as botas' em outro clube que não aquele que o lançara – no caso, o Feirense, no qual ingressou para a época 2007-2008, mas onde figuraria apenas três vezes ao longo da época, números que não justificam minimamente a saída do emblema onde era ídolo.

Ainda assim, e apesar dos pesares, William bem merece o título de 'grande dos pequenos', tendo conseguido transfigurar-se de eterno suplente do Brasileirão em 'patrão' da defesa de um clube de Primeira Divisão português (que, na altura, lutava por títulos e se afirmava como viveiro de jovens talentos) e internacional pelo seu país – o que, convenhamos, não é mesmo nada mau para um camaronês trintão...

21.11.21

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Para a maioria das pessoas – incluindo os desportistas – a rota para o sucesso é longa e árdua. Embora haja quem pareça já ter nascido ali, no topo da cadeia alimentar da sua respectiva área, a verdade é que, a maior parte das vezes, até as mais distintas carreiras têm início nos locais mais insólitos e inesperados. Nesta nova rubrica aqui no Anos 90, vamos relembrar onde andavam algumas das caras mais icónicas do desporto português, antes de serem famosos.

E começamos, desde logo, com um exemplo perfeito do tipo de percurso acima descrito: a história de Anderson Luís de Sousa, um médio brasileiro que, no decorrer dos anos 2000, se viria a tornar um dos jogadores mais instantaneamente reconhecíveis do mundo do futebol, passeando a sua classe primeiro ao serviço de um FC Porto em transição da fase 'sarrafeira' para a fase de conquista da Europa, e mais tarde do Barcelona, do Chelsea e da Selecção Nacional portuguesa. O que poucos saberão, no entanto, é que antes de viver estes anos de glória, Deco – como era mais comummente conhecido – militou em dois outros 'históricos' do futebol português, ambos entretanto tombados: nada mais, nada menos do que o Alverca (aqui por empréstimo do 'clube-pai' Benfica, juntamente com o colega de equipa e histórico dos ribatejanos, Caju) e Sport Comércio e Salgueiros.

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Deco alinhou pelo Alverca e Salgueiros, nas épocas de 1997-98 e 1998-99, respectivamente

Sim, um dos jogadores mais claramente predestinados da sua geração começou a sua ascensão para o sucesso do mesmo modo que tantos outros: descoberto no seu Brasil natal por um 'grande', mas cedo 'despachado' para um clube satélite, onde acaba por se afirmar. No caso de Deco, no entanto, a excelente época realizada no clube ribatejano - onde foi, ao lado do conterrâneo e colega de equipa Caju, uma das figuras de proa, com 32 jogos e 12 golos - não foi suficiente para conseguir uma segunda oportunidade no Benfica de Souness, demasiado ocupado a arranjar lugares de plantel para os seus 'boys' para reparar na pérola que tina debaixo do seu nariz. No início da época de 98-99, naquele que foi considerado posteriormente como um 'erro histórico', Deco viria a desvincular-se definitivamente do Benfica, clube pelo qual nunca chegara a calçar, e rumaria a Norte, para se juntar ao Salgueiros, seguindo Nandinho (outra aposta falhada do clube da Luz) na direcção inversa. Uma época assolada por lesões levaria a que o hoje luso-brasileiro alinhasse apenas doze vezes pelo histórico clube nortenho, mas mesmo com poucas aparições e muito azar, Deco conseguiu mostrar o seu talento a ponto de despertar o interesse do Porto, que o viria a contratar ainda antes do fim da temporada. O médio estreava-se, assim, na elite do futebol mundial da melhor maneira – com um título de campeão nacional, que quase fazia esquecer a época desafortunada que acabara de viver.

O resto da história é bem conhecido – títulos europeus com o Porto, transferências para o Barcelona e depois Chelsea, participação em algumas das melhores campanhas da selecção nacional portuguesa, e eventual regresso a 'casa' para alinhar pelo Fluminense. Uma carreira verdadeiramente de 'top' mundial, que é difícil de acreditar que começou com a dispensa de uma equipa que ficou na história pelo seu elevado volume de 'mancos', mas que não teve lugar para um dos últimos grandes 'números dez' puros do futebol moderno. No entanto, como se disse no início deste texto, por vezes a vida tem destas coisas – e Deco não será, certamente, o último exemplo que aqui vemos disso mesmo...

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