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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

11.06.23

NOTA: Por motivos de relevância temporal, este Domingo vai ser Desportivo, e não Divertido.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

O estigma da transferência entre clubes arqui-rivais – ainda bem presente no meio futebolístico de hoje em dia – não impediu (nem impede) que, ao longo dos anos, tenha havido um sem-número de jogadores a tornarem-se voluntariamente 'vira-casacas', juntando-se a um dos 'Grandes' após terem servido qualquer dos outros dois. Os nomes são bem conhecidos, e continuam a causar alguma 'comichão' aos adeptos dos clubes 'traídos': Luís Figo (em Espanha), Simão Sabrosa, João Moutinho, João Pereira, Mário Jardel, João Vieira Pinto, Ricardo Quaresma, Silvestre Varela, Yannick Djaló, Lazar Markovic e, mais recentemente, João Mário Eduardo são apenas algumas das 'caras' mais marcantes deste fenómeno. E ainda que este percurso seja, normalmente, feito por via indirecta, geralmente após uma experiência internacional falhada, por vezes, este tipo de troca é mesmo levada a cabo 'à descarada', como no caso do jogador cuja carreira celebramos neste post, por ocasião do seu quinquagésimo-quarto aniversário: o soviético Sergey Yuran, figura maior e mítica do Benfica de inícios da década de 90 mas que, na temporada de 1994/95, foi protagonista de uma controversa transferência para o então hegemónico Futebol Clube do Porto.

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O jogador com as duas camisolas que envergou em Portugal.

Nascido na cidade ucraniana de Lugansk – então parte do bloco soviético – Yuran começou a sua carreira em clubes locais: primeiro o Zorya, pelo qual se estreia com apenas dezasseis anos e onde passa duas épocas e meia (sendo a de 1987/88 a da consagração como elemento-chave da equipa) e depois no Dínamo de Minsk, para o qual se transfere ainda a meio da época supramencionada, e onde consegue marcas impressionantes ao nível dos golos marcados em relação à média de jogos, que desde logo dava indícios das características 'matadoras' do soviético. As boas prestações, fulcrais para a conquista do último Campeonato Soviético por parte do Minsk, foram, aliás, premiadas com a distinção como jogador ucraniano do ano em 1990.

Talvez tenha, aliás, sido esse 'faro' para golo acima da média que motivou o Sport Lisboa e Benfica a ir buscar o jogador à sua terra-natal e trazê-lo para Lisboa, logo no início da época de 1991/92. Pelos encarnados, Yuran faria três épocas que, apesar de menos impressionantes ao nível dos tentos obtidos, o veriam afirmar-se como parte importante da equipa, tendo o avançado alinhado em todos ou quase todos os jogos do clube ao longo do período em causa, sido o melhor marcador da então chamada Taça dos Campeões Europeus na primeira época completa ao serviço do clube, sido presença assídua nas selecções da União Soviética e da efémera Comunidade dos Estados Independentes, e conquistado o carinho dos adeptos com as suas contribuições – além de um Campeonato Nacional, referente à época que se desenrolava há exactos trinta anos.

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Ao serviço da Selecção soviética.

O papel fundamental do avançado na forma de jogar do Benfica, o respeito que obtivera por parte dos adeptos e, especialmente, a conquista do referido campeonato fizeram com que a mudança de Yuran para o FC Porto, logo no início da época seguinte, fosse um 'soco no estômago' ainda maior para os adeptos benfiquistas, já que nada faria esperar que o soviético se decidisse desvincular de um clube onde aparentava ser feliz. Ainda assim, a perda dos adeptos do Benfica foi o ganho dos do Porto, já que a única época de Yuran ao serviço dos nortenhos o veria afirmar-se, também, como peça importante da equipa, pesem embora os apenas cinco golos obtidos.

Essas mesmas boas prestações suscitariam, aliás, o interesse do Spartak de Moscovo, que conseguiria mesmo aliciar o avançado a regressar ao Leste europeu, ainda que apenas por uma época, já que o ano de 1996 o veria rumar a Inglaterra para jogar no Millwall, naquele que seria o primeiro 'passo atrás' da sua carreira. Uma decisão, aliás, de que Yuran demoraria a recuperar, já que os anos seguintes o viram 'deambular' por clubes (então) menores do campeonato alemão – Fortuna Dusseldorf e VfL Bochum – antes de regressar ao Spartak, para uma segunda época algo mais bem sucedida que a primeira. Ainda assim, e apesar destes anos menos bem conseguidos, o avançado continuou a ser opção frequente na Selecção Nacional russa, que representaria até 1999.

O dealbar do Novo Milénio parecia trazer consigo nova esperança para Yuran, que recuperava a estabilidade longe dos holofotes mediáticos, no campeonato austríaco, ao serviço do Sturm Graz. No decurso da segunda época ao serviço do clube, no entanto, o soviético sofreria uma lesão grave na cabeça, que acabaria por ditar o afastamento prematuro dos relvados, aos trinta e dois anos.

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Yuran no papel de treinador.

Daí, o próximo passo era comum e previsível: Yuran tornou-se treinador, iniciando a sua carreira em 2003, ao serviço da equipa de reservas do Spartak, e sendo mais tarde promovido a adjunto dentro do mesmo clube. A primeira experiência como treinador principal, essa, deu-se ao serviço do modesto Dinamo Stavropol, tendo a restante carreira sido feita exclusivamente em clubes de Leste, com destaque para o campeonato russo. Hoje, o outrora prolífico avançado é treinador do Pari NN, clube recém-fundado mas que actua já na Primeira Liga russa – uma posição estranhamente modesta, para quem, em tempos, se contou entre os melhores jogadores não de um, mas de dois dos principais clubes de um campeonato como o português. Ainda assim, aqui ficam os votos de parabéns, e de continuação de uma carreira honrosa como técnico.

07.05.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Apesar de todas as gerações terem as suas excepções à regra (basta ver o percurso de Figo ou Cristiano Ronaldo) a primeira fase da carreira de qualquer jovem futebolista fica, inevitavelmente, marcada pelos empréstimos destinados a dar 'rodagem' e experiência de futebol sénior a jogadores considerados como jovens talentos de futuro, a fim de avaliar se os mesmos estão prontos para a integração na equipa principal. Até mesmo nomes de monta no panorama futebolístico nacional, como Deco, Rui Costa ou Pedro Emanuel, foram, em tempos, Caras (Des)conhecidas, a jogar em clubes de menor expressão – situação também vivida pelo futebolista de que falamos hoje, uma 'lenda' do Sporting Clube de Portugal durante os anos 90, e ainda hoje ligado à estrutura do clube.

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O jogador com a camisola com que se notabilizou.

Nascido há quase exactamente quarenta e sete anos, a 4 de Maio de 1976, Roberto Luís Gaspar Deus Severo, mais conhecido pela sua alcunha, Beto, iniciou a carreira no CAC Pontinha, com apenas onze anos, mas foi verdadeiramente produto das escolas do clube lisboeta, onde ingressaria logo no ano seguinte e faria o resto da formação, ao lado de nomes como Nuno Valente; ao contrário deste, no entanto, Beto não chegaria a ter a sua oportunidade na equipa principal, sendo enviado directamente da equipa de juniores para o União de Lamas, onde realizaria a sua primeira época como sénior, em 1993/94. Escusado será dizer que o jogador 'pegou de estaca' no centro da defesa, tendo realizado vinte e oito partidas, durante as quais contribuiu com oito golos e explanou o talento que mais tarde se lhe viria a reconhecer. Ainda assim, tal não foi suficiente para prevenir novo empréstimo na época seguinte, desta feita ao histórico Campomaiorense, onde volta a ser peça importante, jogando vinte e duas partidas e marcando dois golos.

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Um jovem Beto ao serviço do Campomaiorense.

Este segundo empréstimo, e a prestação consistentemente positiva do central ao longo dessa época e da anterior, pareceram finalmente convencer o Sporting, que integra Beto na equipa principal no início da época 1996-97, para não mais de lá sair ao longo da década seguinte. No total, foram mais de 240 os jogos de Beto de leão ao peito, grande parte deles como titular, e mais de vinte os golos apontados por aquele que era um dos proverbiais 'defesas goleadores' do futebol português. Uma preponderância, aliás, que se estendeu ao espectro internacional, com Beto a conseguir mais de trinta internacionalizações AA, a juntar ás treze que conquistara ao nível dos sub-21, e a afirmar-se como peça importante daquela selecção portuguesa movida a 'Geração de Ouro'.

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Beto na Selecção.

Curiosamente, seria já mais perto do fim de carreira do que do seu início que o estrangeiro chamaria por Beto, que, em 2006, aos trinta anos, ruma a França para assinar pelo Bordéus; não corre bem ao central esta primeira experiência, no entanto, e o mesmo rapidamente se vê emprestado ao Recreativo, de Espanha, após apenas quatro presenças oficiais pelos gauleses. Em Espanha, a situação é algo distinta, sendo que, das três épocas que passa no país vizinho, Beto se afirma como peça importante da equipa em duas – a segunda ao lado dos também ex-sportinguistas Carlos Martins e Silvestre Varela – nas quais alinha em praticamente todas as partidas e marca quatro golos, dois em cada temporada.

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O central fez as suas últimas épocas em bom nível no Huelva, de Espanha.

Na sua terceira e última época em Huelva, no entanto, o central é assolado por problemas físicos, que o fazem perder preponderância no seio da equipa, pela qual realiza apenas mais três exibições antes de regressar a Portugal para – numa decisão a fazer lembrar os inícios de carreira – alinhar pelo histórico Belenenses. Mais uma vez, no entanto, os problemas físicos impedem que o já veterano central se imponha nos azuis do Restelo, pelos quais realiza apenas dez partidas antes de regressar a Espanha para representar o modestíssimo Alzira, da terceira divisão, onde se reúne a mais um ex-colega de equipa, Luís Lourenço, mas pelo qual nunca chega a alinhar - um final escandalosamente modesto para a carreira daquele que foi um dos mais icónicos centrais dos campeonatos portugueses de finais do século XX.

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O jogador não foi feliz na passagem pelo Belenenses.

Felizmente, a carreira de Beto ganharia novo fôlego nos bastidores do 'Leão', onde desempenhou já várias funções, retribuindo desta forma tudo o que o seu clube do coração lhe proporcionou ao longo de uma carreira nada menos que ilustre, ao ponto de custar a acreditar que o jogador tenha, alguma vez, contado como Cara (Des)conhecida no futebol português: e no entanto, como ficou bem patente neste 'post', até mesmo o eterno central do Sporting noventista e da viragem do Milénio foi, em tempos, apenas mais um jovem a espalhar talento nas divisões secundárias, na esperança de um lugar na equipa principal...

29.01.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Cada época da História contemporânea teve, e continua a ter, os seus desportistas lendários, não tendo os anos 90 sido excepção a esta regra. Pelo contrário, não faltaram às crianças e jovens daquela época nomes para admirar dentro do Mundo do desporto, dos inevitáveis futebolistas a condutores de Fórmula 1 ou exímios praticantes de outras modalidades, como as atletas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro ou os basquetebolistas da NBA (e, dentro de portas, também Carlos Lisboa).

No entanto, apesar desta diversidade, é inegável que o futebol centrava, naquela época como agora, a maioria das atenções, e produzia os mais exaltados ídolos, quer dentro de portas, quer a nível mais global – e, destes últimos, um dos mais destacados durante aquela década foi o homem que hoje completa cinquenta e sete anos de idade, e que muitos adultos hoje na casa dos 'trintas' e 'quarentas' se habituaram a ver 'fuzilar' redes de balizas um pouco por todo o Mundo: Romário de Souza Faria (vulgarmente conhecido apenas pelo seu primeiro nome), um dos mais prolíficos atacantes da História do futebol moderno e que, durante a primeira metade da década, foi esteio de uma das melhores selecções nacionais de sempre.

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Uma imagem que se tornou comum entre os adeptos dos anos 90.

Nascido, como tantos outros seus compatriotas, nos bairros pobres do Rio de Janeiro, Romário destacou-se desde tenra idade pelo seu invulgar talento, tendo sido recrutado pelo Vasco da Gama em 1981, aos catorze anos, após ter brilhado no seu clube local, o Olaria, na época anterior. A estreia profissional, essa, deu-se quatro anos depois, a meio da década de 80, lançando uma carreira que excederia todas e quaisquer expectativas; com uma média de golos por jogo mirabolante, Romário rapidamente se encontrou em trajectória ascendente, não tendo o tão cobiçado 'salto' europeu (objectivo máximo de qualquer futebolista brasileiro) tardado a surgir – apenas três anos após o seu primeiro jogo como sénior, e com já mais de oitenta golos marcados ao serviço do Vasco, Romário seria o escolhido para reforçar o ataque do PSV Eindhoven, do campeonato holandês.

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O jogador no clube que o notabilizou a nível europeu.

E rapidamente se constatou que a veia goleadora do atacante não se limitava ao 'Brasileirão', tendo Romário logrado apontar uma centena de golos nas cinco épocas em que representou os neerlandeses, e sido parte fulcral da conquista de três títulos de campeão nacional durante o mesmo período; uma marca que, naturalmente, conduziu a novo 'salto' na carreira. Desta vez, o destino era Barcelona, em Espanha, onde o brasileiro teria a honra de integrar um dos mais fortes plantéis do futebol mundial da época, ao lado de outro 'enorme' avançado da época, Hristo Stoichkov, e de nomes como Michael Laudrup ou Ronald Koeman. Mesmo em meio a tal 'chuva de estrelas', no entanto, Romário continuou a destacar-se, conseguindo trinta e quatro golos nos quarenta e seis jogos que realizou pelos 'blaugrana' entre 1993 e 1995, trinta dos quais na sua primeira época, incluindo um 'hat-trick' contra os 'eternos rivais' do Real Madrid, e uma 'cueca' ao 'enorme' Peter Schmeichel (mais tarde guardião do Sporting campeão nacional da época 99/2000) em pleno Old Trafford. Actuações como estas, e como as que realiou ao serviço da 'canarinha' no Mundial de 1994, valeram-lhe inclusivamente o merecido prémio FIFA de Jogador do Ano relativo a 1994. Este 'estado de graça' viria, no entanto, a terminar abruptamente logo em Janeiro do ano seguinte, quando um desentendimento com o técnico Johan Cruyff veria Romário abandonar o Barcelona e (numa decisão surpreendente) regressar ao Brasil, agora para representar o Flamengo.

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Romário durante a sua curta e frustrante passagem pelo Valência.

Sessenta golos em outros tantos jogos rapidamente lhe valeram, no entanto, o regresso a Espanha, para vestir a camisola do Valência. No entanto, pela primeira vez na sua carreira, Romário viria a não se afirmar num clube, fazendo apenas onze partidas pelos espanhóis (em que marcaria cinco golos) antes de voltar ao clube de onde recentemente saíra, agora por empréstimo, a fim de jogar com mais regularidade e manter os índices físicos em alta na preparação para o Mundial de França '98 – torneio que, ironicamente, viria a falhar por lesão muscular. Apesar deste relativo 'falhanço' no regresso a Espanha, no entanto, no Brasileirão, os golos continuariam a surgir em catadupa: vinte e dois em vinte e um jogos pelo Flamengo em 1997, e trinta e quatro em sessenta e cinco partidas na época seguinte.

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No Flamengo, o 'Baixinho' voltou a fazer o que melhor sabia.

O novo Milénjo veria Romário voltar à casa que o vira 'nascer' para o futebol, qual filho pródigo, e contribuir com quase oitenta golos para as campanhas de 2000/2001 e 2001/2002 do Vasco da Gama. Seguiu-se novo regresso ao 'Flu' (com passagem breve e pouco memorável pelo Al-Sadd, do Qatar) antes do retorno ao Vasco, ainda a tempo de marcar trinta e cinco tentos em cinquenta jogos na época 2005/2006. Já a nível internacional, a carreira do 'Baixinho' corria menos bem, tendo o mesmo sido deixado de fora do plantel da 'Canarinha' para a Copa América de 2001 e para o Mundial de 2002, por problemas disciplinares.

Apesar destes reveses, no entanto, os anos pareciam não passar pelo avançado o qual, aos quase quarenta anos, continuava a ser o mesmo goleador de classe mundial que se revelara ao mundo três décadas antes; de facto, até ao final de carreira em 2009, aos quarenta e três anos (!!), Romário representaria, ainda, quatro clubes, dois no estrangeiro (o Miami FC, da Major League Soccer norte-americana, e o Adelaide United, da Austrália, por empréstimo deste último) e dois dentro de portas: o seu Vasco do coração, ao qual regressaria pela quarta vez em 2007 (ainda a tempo de marcar treze golos em quinze jogos) e o América do Rio de Janeiro, pelo qual faria uma única partida, a sua última como jogador profissional. Um ponto final estranhamente discreto para um dos nomes 'de monta' do futebol noventista, dono de uma carreira que, em vários pontos, tocara as estrelas.

Penduradas as botas, Romário escolheu seguir, não a carreira de treinador escolhida por tantos dos seus contemporâneos, mas uma bastante mais inesperada: a de político. O 'Baixinho' tornou-se deputado e, mais tarde, Senador do Congresso brasileiro pelo Partido Socialista (de Lula), tendo passado a 'fuzilar' com a língua, em vez de com os pés. O seu alvo mais notável, a este respeito, talvez tenha sido o Mundial de 2014, realizado no seu país natal, e sobre o qual procurou denunciar os problemas de corrupção e lavagem de dinheiro em torno do evento. Mais tarde, o 'Baixinho' viria a trocar de 'lado' político, juntando-se primeiro ao partido Podemos, do qual foi presidente, e mais tarde aos Liberais de Jair Bolsonaro, ao qual chegou a declarar publicamente o seu apoio. Uma mancha, dirão alguns, na carreira de um homem que, apesar de alguns problemas derivados de uma forte personalidade, foi, e mereceu ser, idolo de muitos durante os seus anos áureos nos relvados mundiais. Parabéns, 'Baixinho'!

15.01.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Qualquer adepto de futebol, independentemente da idade ou era em que viveu, terá sempre os seus ídolos e ícones dentro do desporto, seja nos grandes clubes mundiais, seja nas agremiações do seu próprio campeonato. O Portugal dos 'noventas' não foi, de forma alguma, excepção a essa regra, tendo os adeptos nacionais da época tido o privilégio de ver jogar na então Primeira Divisão, não só os maiores nomes da Geração de Ouro, como também alguns jogadores internacionais muito acima da média. Um desses jogadores – um búlgaro de 'pézinhos de lã' que foi ícone de todos os clubes por que passou, e que era igualmente indiscutível na Selecção Nacional do seu país – celebrou há poucos dias os trinta e dois anos da sua estreia no campeonato onde viria a passar quatro inesquecíveis anos, tornando este Domingo o momento ideal para passar em revista a sua ilustre carreira.

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Uma imagem nostálgica para qualquer sportinguista,

Falamos de Krasimir Genchev Balakov, um daqueles 'fantasistas' que já ajudavam a definir o termo 'número dez' muito antes de cada jogador ter número próprio, e que só surgem num campeonato como o português muito de longe a longe. Reforço de Inverno do Sporting na primeira temporada completa da década de 90, o médio ofensivo contratado ao Etar Veliko Tarnovo - clube da sua Bulgária natal onde iniciara a sua carreira como sénior e pelo qual contabilizara quase cento e cinquenta jogos – faria a sua estreia menos de duas semanas após o início do ano de 1991, em jogo contra o Penafiel que o Sporting venceria por 2-0, com dois golos de Gomes.

Sem que ninguém soubesse, e de forma ainda algo discreta, ficava aí dado o mote para quatro épocas de 'magia', como parte de um plantel do Sporting ao qual sobrava em qualidade o que faltava em títulos (durante este período, o clube ganhou, tão-somente, uma Taça de Portugal, em 1994-95), e que contava também com nomes com outras 'lendas da Primeira Divisão' como Luís Figo, Paulo Sousa, Marco Aurélio ou o compatriota de Balakov, Yordanov. E a verdade é que, ao longo da sua estadia em Alvalade, Balakov viria a justificar o (parco) investimento do então presidente Sousa Cintra, tornando-se peça fulcral do 'onze' e fazendo 'mexer' a equipa com a mistura de 'arrebites' técnicos, clarividência e golos (no Veliko haviam sido trinta e cinco em sete épocas, no Sporting foram quarenta e três em quatro, incluindo 'obras de arte' históricas ao Benfica e Setúbal) que o tornaram um dos mais respeitados estrangeiros de sempre, não só do Sporting, como dos campeonatos portugueses em geral.

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O cromo de Balakov na caderneta do Euro '96 da Panini.

Não era, aliás, apenas 'dentro de portas' que Balakov 'dava cartas' e chamava a atenção: também a nível internacional o médio se vinha afirmando como um dos melhores do Mundo na sua posição, tendo inclusivamente sido seleccionado como parte do 'onze' ideal' do Mundial de 1994 – uma distinção que é, ainda hoje, o único jogador búlgaro a alguma vez ter recebido, sendo que nem mesmo compatriotas ilustres como Stoichkov conseguiram, alguma vez, igualar esse feito.

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O jogador em acção no Estugarda.

Melhor ainda é perceber que, após a sua saída do reduto dos 'leões', a carreira de Balakov não se 'perdeu', como a de tantos outros jogadores que partem para 'vôos' internacionais; pelo contrário, o búlgaro não só se conseguiu afirmar no seu novo clube, o Estugarda, como adquiriu o estatuto de 'símbolo' também naquele clube, onde passou sete épocas, sempre como presença regular na equipa, pela qual contabilizou mais de duzentas e cinquenta partidas. A sua parceria com Fredi Bobic e Giovane Élber originou, aliás, um daqueles 'tridentes mágicos' de que qualquer adepto do desporto-rei tanto gosta, por serem garantia de muitos golos – só por conta do búlgaro, foram cinquenta e quatro, um número talvez não tão prolífico quanto a sua marca no Sporting, mas ainda assim de respeito. É, também, como elemento do clube alemão que vê serem-lhe atribuídos os prémios de Melhor Jogador Búlgaro correspondentes aos anos de 1995 e 1997, sendo o troféu de 1996 atribuído a...Ivailo Yordanov, ex-colega de equipa no Sporting!

Tal como tantos outros nomes de que aqui falamos, também a carreira de Balakov transitou do interior dos relvados para a lateral dos mesmos, tendo o búlgaro assumido, logo em 2003, o cargo de adjunto num Estugarda que o idolatrava. Seguiram-se passagens pelo modesto Plauen (onde fez a sua última aparição oficial num relvado, aos trinta e nove anos, na qualidade de treinador-jogador) por vários clubes conhecidos da 'terceira linha' do futebol europeu, como St. Gallen, Grasshoppers, Chernomorets Burgas, Hadjuk Split, Kaiserslautern, Litex e CSKA Sófia, além do clube que o vira 'nascer' para o futebol, o Veliko Tarnovo, e da própria Selecção que tão briosamente representara em várias competições internacionais. E apesar de nunca ter dado o 'salto' para um grande clube na qualidade de treinador, é de crer que Balakov tenha adquirido, pelo menos, tanto respeito nesse seu novo cargo como tinha quando espalhava magia atrás dos avançados, nos relvados de Tarnovo, Alvalade ou Estugarda...

04.12.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Numa altura em que um treinador português é notícia no seu país natal por ter batido a selecção do mesmo, num jogo em que esta era favorita, nada melhor do que recordar os anos mais 'obscuros' da sua carreira de futebolista.

Falamos, é claro, de Paulo Jorge Gomes Bento, hoje seleccionador da Coreia do Sul, mas mais conhecido por ter treinado o Sporting Clube de Portugal durante alguns dos seus melhores anos no início do Milénio, altura em que se notabilizou pela sua peculiar cadência ao falar em conferências de imprensa. Muito antes disso, no entanto – uma década antes, para ser mais preciso – já o lisboeta se havia notabilizado dentro dos relvados, como peça importante das estratégias de ambos os rivais de Lisboa durante os anos 90 e inícios de 2000.

O que muitos adeptos menos atentos tendem a esquecer, no entanto, é que, muito antes de envergar a águia benfiquista ou o leão do Sporting, Paulo Bento já se havia destacado numa série de equipas de menor dimensão, entre elas dois históricos das divisões profissionais portuguesas: o Estrela da Amadora, por quem alinhou nas duas primeiras épocas da década de 90, realizando um total de trinta e sete partidas e celebrando a conquista de uma Taça de Portugal, e o Vitória de Guimarães, onde passou três anos (vários deles ao lado do também futuro 'seleccionável' e seu colega nos 'leões', Pedro Barbosa) e onde foi peça fulcral, realizando perto de cem partidas e contribuindo com treze golos – presumivelmente, o tipo de desempenho que terá chamado a atenção do clube da Luz, para onde se transferia no início da época 1994-95 (a tempo de participar 'naquele' derby) e da Selecção Nacional do início da fase Geração de Ouro, pela qual realizaria os primeiros jogos logo em 1992. Para trás ficava, ainda, o Futebol Benfica, outro histórico do futebol luso, onde Bento faria a primeira época como sénior (após passar os anos formativos no extinto Académico de Alvalade e ainda no Palmense) realizando vinte partidas e marcando dois golos.

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O jogador ao serviço de Estrela da Amadora e Guimarães, as duas equipas onde se notabilizou

Apesar do início auspicioso, no entanto, pode dizer-se que foi após a passagem para o Benfica que a carreira de Paulo Bento verdadeiramente 'descolou', tendo o médio defensivo ganho lugar preponderante (embora não cativo) na 'águia' de meados da década, realizando perto de cinquenta jogos e marcando dois golos antes de 'agarrar' a oportunidade internacional oferecida pelo Oviedo. No total, foram quatro épocas no país vizinho, durante as quais o português se afirmou como peça fulcral da equipa espanhola, realizando mais de cento e trinta jogos e marcando quatro golos ao longo da sua estadia na La Liga.

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Bento nos tempos do Benfica e Oviedo, respectivamente

Assim, foi sem surpresas que os adeptos portugueses (e a sua Lisboa natal) acolheram de volta o médio, pouco depois da viragem do Milénio, e agora do outro lado da Segunda Circular lisboeta, onde realizaria quatro épocas de verde e branco, uma das quais veria o clube lisboeta conseguir o seu segundo título em três temporadas, e atingir uma histórica 'dobradinha' sob a alçada do romeno Lazlo Boloni.

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O médio nos 'leões'.

Alvalade continuaria, aliás, a ser a 'casa' do médio mesmo depois de 'penduradas as botas' em 2004, tendo Bento transitado directamente para as funções de treinador da equipa de juniores leonina e, uma época depois, da equipa principal, função que desempenharia durante quatro anos, sempre com resultados extremamente consistentes; assim, e apesar dos atritos que marcaram o final da sua estadia em Alvalade, o treinador continua a ser tido como um dos melhores a passar pelo Sporting nas últimas décadas, a par de Boloni, Augusto Inácio ou Jorge Jesus.

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Bento na transição para treinador, ao serviço do Sporting.

Após a saída do Sporting, a carreira de treinador de Bento daria o 'salto' máximo, vindo o mesmo a ser contratado para o cargo de seleccionador nacional português, que assumiu durante a fase de preparação para o Euro 2012 e que viria a deixar seis anos depois, logo no início da qualificação para o Euro 2016. Após este revés, o português tornar-se-ia um de muitos a explorar as oportunidades oferecidas pelo campeonato brasileiro (o chamado Brasileirão), tomando as rédeas do Cruzeiro – cargo que viria a ocupar apenas por alguns meses, antes de regressar à Europa para treinar o Olimpiacos da época 2016-17. A temporada seguinte vê-lo-ia rumar à China, para treinar o Chongqing Lifang, da liga chinesa (outro destino habitual para treinadores portugueses) antes de ser convidado a treinar a Coreia do Sul, selecção que comanda desde 2018 e com quem agora faz História no Mundial do Qatar. Apenas mais um ponto alto numa carreira recheada deles, e que pode parecer quase inacreditável ter começado num clube como o Futebol Benfica, e que faz do médio uma das mais notáveis Caras (Des)conhecidas do futebol português...

30.10.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

O mercado africano foi, e continua a ser, um dos principais 'filões' de reforços para os clubes de segunda e terceira linha das diferentes divisões nacionais. Nos anos 90, esta tendência não era, de todo, diferente – pelo contrário, os países a Sul do Estreito de Gibraltar forneciam aos emblemas lusitanos jogadores como William AndemFary, Bambo, Serifo ou mesmo Eric Tinkler, entre outros 'históricos' daquela época de quem ainda viremos a falar, como o farense Hassan ou o moçambicano Chiquinho Conde.

A esse rol de nomes há, ainda, que juntar o do futebolista que abordamos neste 'post', um daqueles 'grandes' de um 'pequeno' ao nível dos supramencionados Serifo e Fary, ou ainda de nomes como Camberra, Gama, Martelinho ou Erwin Sánchez. Trata-se de Kabwe Kasongo, lateral congolês que, mesmo sem nunca ter passado por um dos três ou quatro principais emblemas do futebol português, é ainda assim conhecido de qualquer adepto que tenha acompanhado os campeonatos nacionais daquela época.

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O jogador ao serviço do clube pelo qual se notabilizou

Nascido em Kinshasa a 31 de Julho de 1970, Kasongo iniciou a carreira em modestos emblemas do seu país, com destaque para o perfeitamente desconhecido Lubumbashi Sport, por onde teve duas passagens e onde foi 'descoberto' (já com vinte e seis anos, o que o tornou uma revelação algo tardia pelos padrões do desporto-rei) pela 'velha glória' do Vitória de Guimarães, N'Dinga, e convidado a desenvolver uma carreira no continente europeu, especificamente em Portugal.

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O congolês ao serviço do Sporting da Covilhã.

No entanto, as dificuldades em se afirmar no plantel dos vimaraneses levariam o congolês a passar a sua primeira época no estrangeiro, não na Cidade-Berço, mas na Covilhã, onde o congolês foi peça importante do Sporting local durante a época de 1996-97, realizando vinte partidas e – apesar de não ter conseguido evitar a despromoção - dando nas vistas o suficiente para garantir a titularidade nos alvinegros logo na época seguinte, após a transferência do 'concorrente' Quim Berto para o Sporting.

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Kasongo no Guimarães

Durante a época seguinte, no entanto, e apesar de ter sido um dos esteios da defesa menos batida da Primeira Divisão no campeonato transacto, o lateral-esquerdo viu o habitual suplente Tito roubar-lhe a titularidade absoluta, tendo perdido preponderância no seio do plantel vimaranense. Assim, era sem grandes surpresas que, no mercado de Verão seguinte (o último do Segundo Milénio) os adeptos viam o congolês despedir-se do local de nascimento de D. Afonso Henriques para rumar à vizinha Chaves e ingressar no Desportivo local, então ainda nos escalões (muito) inferiores do futebol luso (em sentido contrário seguia o espanhol Carlos Alvarez, por quem o congolês serviria como 'moeda de troca'). Seria, igualmente, sem surpresas que o jogador se viria a tornar um dos 'nomes da casa' para o conjunto flaviense, ao serviço do qual colocou toda a sua experiência de Primeira Divisão, e com quem viria a terminar a carreira, em 2008, após um total de nove épocas (quase sempre com papel preponderante) e quase 230 partidas, ao longo das quais contribuiu com dois golos. Números que tornam o congolês – um daqueles 'tanques' bem típicos das equipas pequenas da época e que, após o término da actividade profissional, se dedicou à carreira de treinador, embora apenas em emblemas sem expressão – um verdadeiro 'grande' do 'pequeno' Chaves, bem como um nome sonante para quem seguia as competições portuguesas daquela era pré-futebol de topo.

26.06.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidades do desporto da década.

Hoje em dia, é raro encontrar um profissional de futebol que tenha feito toda a sua carreira no mesmo clube; a conjuntura actual, em que o futebol é tanto um negócio como um desporto e os clubes são tanto marcas como agremiações, é pouco propícia a este tipo de situação. Nos anos 90, no entanto, o desporto-rei era, ainda, um mundo algo mais 'puro' e inocente, e jogadores como Puyol e Paul Scholes preferiam tornar-se símbolos do clube onde militavam do que simplesmente ir atrás do próximo contrato milionário.

Não era, no entanto, apenas no escalão mais alto do futebol que tais situações ocorriam, muito pelo contrário; de facto, era longe das luzes da ribalta, num modesto clube de reputação local do campeonato português, que se podia encontrar um dos melhores exemplos de dedicação a um só clube da altura, verdadeiramente merecedor do epíteto de 'Grande dos Pequenos'.

Falamos do guineense Serifo Cassamá, vulgarmente conhecido apenas pelo seu primeiro nome, e que desenvolveu toda a sua carreira profissional numa única agremiação, onde passou umas impressionantes (por qualquer bitola!) DEZASSEIS temporadas, de finais dos anos 80 até meados da primeira década do século XXI, seguindo o clube das divisões distritais até à principal e, em seguida, também no sentido inverso.

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O emblema em causa era o histórico Leça FC, no qual Serifo ingressou no início da época 1987/88, com apenas vinte anos, após ter feito a formação no local Sport Bissau e Benfica. À época, o clube militava, ainda, na então denominada III Divisão (mais tarde II Divisão B), onde permaneceria durante mais cinco temporadas, até conseguir a promoção à então II Divisão de Honra no final da época 1992/93. Daí à promoção à I Divisão, passar-se-iam apenas duas épocas - coincidentemente as duas primeiras em que Serifo, verdadeiramente, se impôs na equipa, realizando 31 jogos e marcando 8 golos em 1993/94, e 15 jogos (um golo) na temporada seguinte.

A preponderância do médio no meio-campo dos leceiros permaneceria, aliás, intacta durante as três temporadas do clube no principal escalão nacional, tendo sempre realizado mais de vinte jogos por temporada (29 na última época do Leça na divisão de topo, 1997/98) e contribuído com três golos na temporada 96/97 e mais três na seguinte.

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Serifo, nos tempos de Primeira Divisão, em duelo com um jogador que conseguiria o triplo da sua fama, com um terço do seu brio profissional

Os esforços do médio não foram, no entanto, suficientes para evitar a descida de divisão, que apenas foi agravada, em épocas subsequentes, por problemas financeiros, que culminaram num escândalo de corrupção e desvio de fundos. Nada, no entanto, que afectasse a lealdade de Serifo ao clube, tendo o guineense permanecido no plantel da agremiação nortenha até à temporada 2003/04 (a sua última como profissional) e sido quase sempre parte importante do plantel da equipa – um verdadeiro exemplo de amor a um clube, que rende (merecidamente) ao ex-médio do Leça a presença nesta rubrica, e o epíteto que a mesma depreende; de facto, a carreira de Serifo ilustra o significado da expressão 'Grande dos Pequenos', devendo o guineense (que, recentemente, chegou a fazer parangonas por ter andado, literalmente, desaparecido!) servir de exemplo de brio profissional a qualquer jovem que dê os seus primeiros passos como profissional num clube pequeno, e pondere as suas opções de carreira.

25.04.22

NOTA: Este post é respeitante a Domingo, 24 de Abril de 2022.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Uma das principais 'verdades' do futebol moderno é que os jogadores que mais se destacam num determinado campeonato irão, quase inevitavelmente, acabar por assinar por um dos maiores clubes desse campeonato ou, alternativamente, por um clube de expressão equivalente num campeonato internacional; o que não falta no desporto-rei (português e não só) são histórias de jovens que, de humildes começos no clube 'da terrinha', chegam a estrelas internacionais de renome, sendo Figo ou Cristiano Ronaldo apenas dois dos muitos jogadores que fizeram essa trajectória.

Por vezes, no entanto, surge um jogador que se insere no contexto do 'quase' da frase acima utilizada; um atleta que, embora indispensável no seu emblema e admirado até mesmo por adeptos de outras agremiações, nunca chega a dar esse 'salto' quantitativo durante a sua permanência no futebol português. A nova rubrica que hoje inauguramos pretende, precisamente, recordar alguns dos principais exemplos desse fenómeno a militar em Portugal durante a década de 90.

E como figura inicial desta nova série, nada mais justo do que dar honras de abertura a um dos nomes que vem imediatamente à memória sempre que se pensa em jogadores influentes no campeonato português da década de 90 que militavam em emblemas 'menores': o lendário William Andem, guarda-redes do histórico Boavista durante a maior parte daquela década.

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Quem seguia o campeonato daquela altura, certamente ainda terá presente a figura imponente daquele guarda-redes que – com 'cara de mau' a condizer com a estatura – defendia com surpreendente agilidade e leveza de reflexos as redes axadrezadas em finais da década; o que muitos não saberão é que o mesmo teve, antes da chegada ao clube que o celebrizaria, um percurso no mínimo insólito para um jogador africano, que o levou ao futebol sul-americano antes de, eventualmente, se celebrizar no português.

Nascido Bassey William Andem em Douala, nos Camarões, a 14 de Junho de 1968, o simplesmente apelidado William iniciou o seu percurso futebolístico em finais da década de 80, ao serviço do seu clube local, o Union, onde militou quatro épocas, tendo numa delas ingressado por empréstimo no desconhecido Olympic Mvolyé, também do campeonato camaronês. O inevitável 'salto' para fora de África, esse, dá-se em 1994, quando Andem ingressa no...Cruzeiro.

A presença de um jogador africano num campeonato célebre por contratar maioritariamente 'dentro de portas' (não fosse o Brasil um dos países, senão mesmo O país, com mais aspirantes a jogadores de futebol em todo o Mundo) parecia – e era – insólita, e a contratação acabou por nunca se justificar, tendo William realizado apenas nove jogos nas duas épocas que passou com o emblema brasileiro. Este início pouco auspicioso não foi, no entanto, suficiente para descoroçoar William, que, em 1996, transitava para um novo emblema, ainda no Brasil – no caso, o Bahia, onde chegou a realizar 19 jogos na sua única época como efectivo.

Então com quase 30 anos, e não tendo conseguido afirmar-se em qualquer dos clubes por onde passara desde a sua saída dos Camarões, William parecia condenado a uma carreira medíocre e anónima; essa situação mudou, no entanto, no defeso de Inverno da época 1997-98, quando o guarda-redes decide viajar para Portugal, para se vincular ao Boavista - uma escolha que lhe viria a permitir, finalmente, lançar a sua carreira.

No total, foram nove épocas e mais de 150 jogos de xadrez ao peito, a esmagadora maioria dos quais como titular; e mesmo quando perdeu o lugar, a mudança pode considerar-se mais como um 'passar do testemunho', já que o seu sucessor era nada mais nada menos do que Ricardo, futuro guarda-redes do Sporting e da Selecção Nacional (mais tarde, perderia novamente a titularidade para o brasileiro Carlos, recuperando-a após a venda deste para o Steaua de Bucareste). Um percurso que - além de o tornar um 'clássico' das cadernetas da Panini - lhe valeu várias chamadas à Selecção camaronesa (onde serviu de apoio ao lendário Jacques Songo'o em várias competições, incluindo o Mundial de França '98), e que justificou plenamente o estatuto de 'lenda viva' que adquiriu entre os adeptos boavisteiros...o que torna ainda mais incompreensível a sua saída do clube, no final da época de 1997-98.

No entanto, fosse qual fosse o motivo, foi mesmo isso que aconteceu, e William acabou por 'pendurar as botas' em outro clube que não aquele que o lançara – no caso, o Feirense, no qual ingressou para a época 2007-2008, mas onde figuraria apenas três vezes ao longo da época, números que não justificam minimamente a saída do emblema onde era ídolo.

Ainda assim, e apesar dos pesares, William bem merece o título de 'grande dos pequenos', tendo conseguido transfigurar-se de eterno suplente do Brasileirão em 'patrão' da defesa de um clube de Primeira Divisão português (que, na altura, lutava por títulos e se afirmava como viveiro de jovens talentos) e internacional pelo seu país – o que, convenhamos, não é mesmo nada mau para um camaronês trintão...

21.11.21

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Para a maioria das pessoas – incluindo os desportistas – a rota para o sucesso é longa e árdua. Embora haja quem pareça já ter nascido ali, no topo da cadeia alimentar da sua respectiva área, a verdade é que, a maior parte das vezes, até as mais distintas carreiras têm início nos locais mais insólitos e inesperados. Nesta nova rubrica aqui no Anos 90, vamos relembrar onde andavam algumas das caras mais icónicas do desporto português, antes de serem famosos.

E começamos, desde logo, com um exemplo perfeito do tipo de percurso acima descrito: a história de Anderson Luís de Sousa, um médio brasileiro que, no decorrer dos anos 2000, se viria a tornar um dos jogadores mais instantaneamente reconhecíveis do mundo do futebol, passeando a sua classe primeiro ao serviço de um FC Porto em transição da fase 'sarrafeira' para a fase de conquista da Europa, e mais tarde do Barcelona, do Chelsea e da Selecção Nacional portuguesa. O que poucos saberão, no entanto, é que antes de viver estes anos de glória, Deco – como era mais comummente conhecido – militou em dois outros 'históricos' do futebol português, ambos entretanto tombados: nada mais, nada menos do que o Alverca (aqui por empréstimo do 'clube-pai' Benfica, juntamente com o colega de equipa e histórico dos ribatejanos, Caju) e Sport Comércio e Salgueiros.

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Deco alinhou pelo Alverca e Salgueiros, nas épocas de 1997-98 e 1998-99, respectivamente

Sim, um dos jogadores mais claramente predestinados da sua geração começou a sua ascensão para o sucesso do mesmo modo que tantos outros: descoberto no seu Brasil natal por um 'grande', mas cedo 'despachado' para um clube satélite, onde acaba por se afirmar. No caso de Deco, no entanto, a excelente época realizada no clube ribatejano - onde foi, ao lado do conterrâneo e colega de equipa Caju, uma das figuras de proa, com 32 jogos e 12 golos - não foi suficiente para conseguir uma segunda oportunidade no Benfica de Souness, demasiado ocupado a arranjar lugares de plantel para os seus 'boys' para reparar na pérola que tina debaixo do seu nariz. No início da época de 98-99, naquele que foi considerado posteriormente como um 'erro histórico', Deco viria a desvincular-se definitivamente do Benfica, clube pelo qual nunca chegara a calçar, e rumaria a Norte, para se juntar ao Salgueiros, seguindo Nandinho (outra aposta falhada do clube da Luz) na direcção inversa. Uma época assolada por lesões levaria a que o hoje luso-brasileiro alinhasse apenas doze vezes pelo histórico clube nortenho, mas mesmo com poucas aparições e muito azar, Deco conseguiu mostrar o seu talento a ponto de despertar o interesse do Porto, que o viria a contratar ainda antes do fim da temporada. O médio estreava-se, assim, na elite do futebol mundial da melhor maneira – com um título de campeão nacional, que quase fazia esquecer a época desafortunada que acabara de viver.

O resto da história é bem conhecido – títulos europeus com o Porto, transferências para o Barcelona e depois Chelsea, participação em algumas das melhores campanhas da selecção nacional portuguesa, e eventual regresso a 'casa' para alinhar pelo Fluminense. Uma carreira verdadeiramente de 'top' mundial, que é difícil de acreditar que começou com a dispensa de uma equipa que ficou na história pelo seu elevado volume de 'mancos', mas que não teve lugar para um dos últimos grandes 'números dez' puros do futebol moderno. No entanto, como se disse no início deste texto, por vezes a vida tem destas coisas – e Deco não será, certamente, o último exemplo que aqui vemos disso mesmo...

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