07.03.23
Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.
Apesar de exacerbada na era digital, com a crescente preponderância dos conteúdos curtos e de impacto, o conceito de 'rir da desgraça alheia' (no fundo, rir DE alguém em vez de COM alguém) é um daqueles instintos ancestrais da espécie humana cuja génese se perde no tempo. Há algo de catártico em ver alguém que não o próprio falhar em toda a linha, ser enganado, ou simplesmente fazer algo de pouco avisado e sofrer as inevitáveis consequências – uma sensação hoje lucrativamente explorada por plataformas como o YouTube e o TikTok, mas que já em finais do século XX era aproveitada pelo meio audio-visual então vigente, a televisão. De facto, foram inúmeros os programas dedicados a exibir momentos embaraçosos da espécie humana a fazer furor ao redor do Mundo, fossem eles compilações de vídeos caseiros involuntariamente humorísticos, 'à la' 'Isto Só Vídeo', ou o outro formato extremamente popular neste campo, o dos eternos 'apanhados'.
De facto, ao contrário do que as gerações mais novas possam pensar, a ideia de 'partidas filmadas' levadas a cabo em público não foi inventada pelos 'influencers' do YouTube; antes pelo contrário, várias décadas antes de a plataforma sequer ser fundada, já as emissoras e produtoras televisivas de todo o Mundo desenvolviam esse conceito a nível profissional, criando um sem-número de programas de enorme sucesso, com destaque para o original 'Candid Camera', apresentado por Dom DeLuise (então um nome em alta) e que chegou a ser transmitido no nosso País em versão legendada.
No entanto, a chegada do anafado comediante às televisões lusas não foi, de todo, o primeiro contacto dos espectadores portugueses com o formato em causa; pelo contrário, em meados dos anos 90 haviam já sido quatro as tentativas de criar um 'Candid Camera' português. O primeiro a tentar, ainda em inícios da década de 80, foi Joaquim Letria, que baptizou o programa com o mesmo nome do jornal que então dirigia, o entretanto desaparecido Tal & Qual; nos anos subsequentes, surgiriam (e desapareceriam) mais três programas deste tipo, sempre com Joaquim Letria por detrás, o último dos quais comemora esta semana (a 8 de Março) os exactos trinta anos, não da primeira, mas da ÚLTIMA transmissão da sua série original – altura ideal, portanto, para nos debruçarmos sobre ele.
Trata-se do singelamente intitulado 'Apanhados', estreado na RTP1 a 14 de Setembro de 1992, e que conquistou de imediato o seu público-alvo, com a sua enorme variedade de 'partidas', algumas bastante criativas, e que nunca deixavam de suscitar a quem nelas 'caía' reacções de embaraço, por vezes exagerado, que eram o principal motivo de interesse do programa, e o momento mais esperado por todos os que o viam. Algumas destas partidas tornaram-se mesmo icónicas para uma certa geração de portugueses, como a do manequim vivo que assustava os clientes de uma loja com o seu movimento repentino e inesperado. E apesar de as verdadeiras estrelas serem os incautos e anónimos transeuntes, não pode ainda deixar de ser referido o envolvimento de vários actores futuramente conhecidos, entre ele Guilherme Leite, que rapidamente se tornaria uma das grandes personalidades da televisão em Portugal.
Apesar do enorme sucesso, um desentendimento entre Joaquim Letria e o criador das partidas, Manolo Bello – bem como a irritação do primeiro por ser conotado, só e apenas, com este tipo de conteúdos, e por o mesmo estar a ofuscar a sua carreira como comunicador – ditaria o fim prematuro do mesmo, pelo menos na sua 'encarnação' de 1992-93; isto porque o programa voltaria para mais treze episódios pouco mais de dois anos depois, agora já sem o envolvimento de Letria e da responsabilidade única de Manolo Bello, e novamente com o envolvimento de actores em ascensão, que se tornariam nomes conhecidos em anos vindouros.
Curiosamente, com excepção do referido 'Candid Camera' de Dom DeLuise, a segunda série dos 'Apanhados' foi a última instância de conteúdos deste tipo na televisão portuguesa, que se encontrava, à época, em fase de fluxo. E a verdade é que, se um programa nestes moldes se encaixava perfeitamente na oferta televisiva de 1992, já fazia menos sentido em meados da década, e pareceria quase caricato na programação do virar do Milénio; assim, talvez tenha mesmo sido melhor para o programa sair 'em alta' da mente dos portugueses, permitindo-lhe ser, hoje, recordado com carinho e nostalgia pela mesma geração que, tivesse o mesmo continuado indefinidamente, talvez se tivesse rapidamente cansado dele...
NOTA: As duas séries dos 'Apanhados' estão disponíveis, na íntegra, nos Arquivos RTP. Abaixo fica, também, um dos episódios do programa, partilhado no YouTube em duas partes.