02.11.22
Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.
Quando se fala de literatura infanto-juvenil feita em Portugal – como, aliás, já aqui fizemos – um nome afirma-se como incontornável, tendo já entretido múltiplas gerações de crianças desde a sua criação: o da colecção Uma Aventura.
O logotipo da série é tão icónico quanto os seus restantes elementos.
Para a geração nascida entre as décadas de 70 e 90, em particular, as aventuras dos cinco jovens criados por Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada representaram aquilo que as séries juvenis de Enid Blyton (que, aliás superaram em vendas) tinham sido para os seus pais, e que a saga de Harry Potter viria a ser para a geração seguinte: um dos primeiros, senão mesmo O primeiro, exemplo de literatura 'a sério' a chegar-lhes às mãos, e companhia continuada no processo de crescimento e adolescência. Mesmo quem não gostava de ler, fazia uma excepção para as 'Aventuras', cujos enredos entusiasmantes e vocabulário relativamente simples (embora não tanto quanto o de certas outras séries) serviam como 'chamariz' para estes leitores mais renitentes. E porque a icónica colecção completa, este ano, uns espantosos quarenta anos de publicação ininterrupta – e sem dar sinais de abrandar! - nada melhor do que dedicarmos algumas linhas a uma retrospectiva da mesma, como, aliás, já fizemos para a sua série-irmã, 'Viagens no Tempo.'
De facto, corria o já longínquo e quase 'perdido' ano de 1982 quando o primeiro volume da série idealizada por Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada – duas professoras do segundo ciclo frustradas com a falta de alternativas de leitura para os seus alunos – 'aterrava' nas bancas portuguesas, após aturadas rondas de 'testes' conduzidas entre os próprios alunos das autoras. Tratava-se de 'Uma Aventura na Cidade', tomo que apresentava aos jovens leitores o icónico grupo e alunos do segundo e terceiro ciclo, e respectivas mascotes; as gémeas Teresa e Luísa e o seu caniche 'Caracol', os 'melhores inimigos' Pedro e Chico – o primeiro o típico 'marrão', o segundo um 'bully' em potência – e o 'minorca' João, dono do pastor-alemão 'Faial', todos devidamente representados e identificados na contracapa, nos icónicos traços de Arlindo Fagundes, ainda hoje responsável pelas capas e ilustrações interiores dos livros da série.
O já histórico primeiro volume da série, lançado há quase exactos quarenta anos (em cima) e os icónicos 'retratos' dos protagonistas presentes em todas as contra-capas (em baixo)
A proposta, essa, era simples – uma 'versão portuguesa' das aventuras dos Cinco e dos Sete, com enredos talvez menos rebuscados, mas a mesma premissa de um grupo de jovens com diferentes características que se envolvia na resolução dos mais variados crimes e mistérios, fazendo uso dos seus talentos para capturar os vilões antes que os adultos à sua volta sequer se apercebessem do que se passava. Uma premissa intemporal, e que funcionou tão bem para a dupla portuguesa como já o havia feito para Blyton – senão mesmo melhor, dado nenhuma das icónicas séries da escritora britânica ter alguma vez chegado aos 65 volumes ou quatro décadas de publicação!
De facto, a essa primeira aventura, seguiram-se outras sessenta e quatro, que viram o quinteto viajar de Norte a Sul de Portugal e até para o estrangeiro, vivendo experiências que iam de 'Alarmantes' (num volume legitimamente traumatizante) a 'Petigosas', 'Fantásticas', 'Secretas', 'Musicais' e até 'Voadoras' – grande parte das quais foi, além dos livros, também imortalizada em formato televisivo, já no novo milénio, através de uma também super-popular série transmitida pela SIC, (também responsável pela adaptação em filme de longa-metragem de 'Uma Aventura na Casa Assombrada', de 2009) e que ajudou a apresentar os personagens a todo um novo segmento de potenciais fãs.
Os elencos do filme de 2009 (em cima) e de uma das séries televisivas (em baixo), ambas produções da SIC
Mais espantoso do que a longevidade em si ou do que os sucessos passados, no entanto – ou talvez não – é o facto de, durante esse período que engloba, pelo menos, duas gerações, as 'Aventuras' não terem jamais perdido o seu atractivo nem descido de popularidade entre o público alvo – pelo contrário, a 'geração iPad' continua a gostar tanto destes livros como os seus irmãos mais velhos e pais o haviam feito, justificando a continuada criação de novos imbróglios a serem resolvidos pelos cinco jovens e seus dois cães, agora um pouco mais velhos do que há quarenta anos, mas ainda assim parados naquela 'eterna adolescência' que sempre caracterizou os heróis de séries infanto-juvenis. Numa altura em que tantas das referências das duas gerações anteriores se começam a perder entre jogos casuais, vídeos hiperactivos de YouTube e experiências de realidade virtual, é nada menos do que reconfortante depararmo-nos com uma propriedade intelectual (ainda para mais literária) que não só se mantém 'viva e de saúde', como também continua a ser conhecida, sobretudo, na sua forma original, por oposição a uma qualquer adaptação audio-visual, como é o caso com 'Harry Potter', por exemplo. Parabéns, 'Uma Aventura' – e que contes muitos mais anos como a série favorita da juventude portuguesa!