11.11.22
Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.
As décadas de 80 e 90 foram palco para, provavelmente, a 'era de ouro' da comédia britânica, com programas tão lendários e ainda hoje recordados como 'Fawlty Towers' (que passou em Portugal durante a 'nossa' década com o título 'A Grande Barraca'), 'Alô Alô', 'A Ilustre Casa de Blackadder', ou ainda produções mais recentes, como 'Doido Por Ti', 'Absolutamente Fabulosas' ou a versão britânica de 'Friends' que era 'Couplings'. Em meio a toda esta qualidade, no entanto, uma figura se destacava, não só pela bizarria como também pelo sucesso trans-geracional de que gozava: um homenzinho de figura algo patética, sempre com um 'blazer' de xadrez bastante surrado, que guiava um Mini amarelo-canário e cujas expressões faciais conseguiam, por si só, fazer rir o mais sisudo dos 'rezingões' desta vida.
Falamos, claro, de Mr. Bean, o personagem mais famoso de Rowan Atkinson em todo o Mundo, excepto, curiosamente, no seu Reino Unido natal, onde é, até hoje, conhecido sobretudo como Edmund Blackadder. Tal dever-se-à, talvez, à comédia sobretudo física e estilo 'pastelão' do solteirão atrapalhado Bean (um personagem conhecido, aliás, por ser de MUITO poucas palavras), por contraste ao humor sofisticado e baseado em jogos de palavras de Blackadder e seus comparsas. Seja qual fôr o motivo, a verdade é que Mr. Bean fazia as delícias de muitos espectadores portugueses nos anos 90, entre eles muitas crianças e jovens, para quem o humor de Atkinson e do seu personagem pareciam feitos à medida - tanto assim que a série original, produzida pela BBC na década de 80, teve honras de lançamento em VHS por terras lusitanas na década seguinte, pela mão da Orbis-Fabbri, no então habitual formato periódico e distribuído em bancas de jornal.
O subtítulo nacional não podia ser mais adequado...
Com isto em mente, não é de admirar que Hollywood tenha procurado capitalizar sobre o sucesso do personagem com uma longa-metragem sobre ele centrada: o que surpreende é o facto de os estúdios norte-americanos terem conseguido estragar uma fórmula que praticamente se escreve a si própria – a exemplo, aliás, do que já haviam feito com Tom e Jerry alguns anos antes, num filme de que aqui paulatinamente falaremos. O resultado, o profeticamente intitulado 'Bean - Um Autêntico Desastre' (filme que completou há um par de meses vinte e cinco anos sobre a sua estreia nacional, a 6 de Setembro de 1997) é uma autêntica comédia (involuntária) de erros, que consegue cometer o 'pecado capital' de um filme centrado sobre um personagem como Mr. Bean – nomeadamente, o de não ter graça.
De facto, a primeira longa-metragem de uma das mais carismáticas e cómicas figuras da televisão noventista – algo que apenas precisava de ser um 'episódio alargado' da mega-popular série de 'sketches' humorísticos protagonizada pela personagem – chega ao ponto de RETIRAR O FOCO do seu personagem principal, colocando-o, sobretudo, na típica família americana com quem o mesmo se cruza durante as férias em Hollywood (daquele tipo de personagens usados neste tipo de filmes para 'ancorar' o espectador americano, mas insuportáveis para o resto da população mundial), antes de se ver envolvido em peripécias relacionadas com uma tentativa de roubo do popular quadro 'A Mãe', do pintor James McNeill Whistler. Sim, o filme dá mesmo prioridade ao argumento e personagens secundários do que ao suposto protagonista, aparentemente não compreendendo que -Mr. Bean é uma espécie de versão moderna de Cantinflas, e que – como acontecia com este, ou ainda com nomes como Bucha e Estica - ninguém vai ver uma película sua pela história!
Seria, no entanto, desonesto dizer que não há QUAISQUER bons momentos em 'Bean – Um Autêntico Desastre'; esporadicamente (MUITO esporadicamente) o filme até consegue arrancar algumas gargalhadas, sobretudo (e previsivelmente) quando dá ao seu público-alvo aquilo que o mesmo quer de um filme deste tipo, colocando o seu protagonista em situações comprometedoras que põem em evidência os dotes de comédia física do actor, e os peculiares métodos de resolução de problemas do seu personagem. O melhor destes, centrado sobre um 'acidente' com o referido quadro causado por Bean, quase merecia ser um 'sketch' em si mesmo, em vez de ficar 'esquecido' em meio a um filme que (como 'Tartarugas Ninja III' ou 'Super Mário' alguns anos antes) nem sequer a um público-alvo já 'convertido' (e, como tal, extremamente tolerante) consegue agradar, e que se encontra hoje em dia (algo merecidamente, diga-se) quase votado ao esquecimento.
O 'Filme Bom' de Mr. Bean, que mostra como transpôr a fórmula para o grande ecrã correctamente.
Felizmente, Hollywood aprenderia com o fracasso deste primeiro filme de Bean, e – quase uma década e meia depois – 'emendaria a mão' com o divertidíssimo 'Mr. Bean de Férias', que mostra como é fácil transpôr CORRECTAMENTE a fórmila do personagem de Atkinson para o grande ecrã e mitiga um pouco o 'sabor a amargo' do original, um daqueles incompreensíveis 'casos de estudo' sobre como interpretar o sucesso de uma propriedade intelectual da forma mais errada possível.