27.10.21
Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.
Em plena segunda década do século XXI, numa altura em que é possível ver filmes, comunicar por vídeo, fazer compras, reservar viagens e até actualizar documentos a partir de uma só peça de equipamento, pode tornar-se difícil de acreditar que, há escassas duas décadas e meia, quem quisesse comunicar com família, amigos ou colegas de trabalho a partir de um espaço público tinha de apostar numa combinação de sorte e preparação; sorte, porque os únicos sítios que permitiam levar a cabo tal objectivo (as cabines telefónicas) apenas eram encontradas em localizações estratégicas, quase todas elas de cariz urbanizado, e preparação, porque mesmo que se conseguisse encontrar uma cabine, ou convencer o dono de um qualquer café a ceder temporariamente o seu telefone, era preciso ter no bolso dinheiro suficiente para assegurar que o referido telefone conseguia não só ser activado, mas conectar a chamada durante o tempo necessário.
E no entanto, era precisamente isto que se passava, ainda, em finais dos anos 90, um pouco por todo o país; mesmo depois de os telemóveis serem já um acessório conhecido e em fase de rápido crescimento e globalização, grande parte das chamadas feitas do exterior ainda eram efectuadas das velhinhas cabines, com recurso às boas e velhas moedas de 10, 20, 50 ou 100 escudos.
Terá, pois, sido para pôr cobro – ou, pelo menos, facilitar – a situação dos viajantes frequentes desta era das telecomunicações nacionais que a Portugal Telecom (então ainda conhecida como Telecom Portugal) terá introduzido, na década de 90, o conceito do Credifone, uma espécie de 'cartão de crédito' para chamadas telefònicas públicas, cujo modo de funcionamento antecipava já aquilo que viriam a ser os cartões pré-pagos das redes móveis, cerca de uma década depois.
O modelo inicial de Credifone
O modo de utilização dos Credifones era, por demais, simples; tratavam-se de cartões pré-carregados com um determinado número de impulsos, adquiríveis em qualquer tabacaria ou estabelecimento semelhante, e que podiam ser utilizados em qualquer cabine compatível, isto é, equipada com a ranhura para inserção do referido cartão, de aspecto muito semelhante à de uma caixa Multibanco. Uma vez inserido, cada cartão permitia utilizar livremente o número correspondente de impulsos, findos os quais a chamada era desconectada. Um método bem mais simples do que a anterior busca frenética por 'trocos' para continuar a chamada e que, como tal, rapidamente contou com considerável adesão por parte da população portuguesa.
No entanto, uma das mais interessantes particularidades do Credifone prende-se com o facto de, para um determinado sector da referida população, o seu interesse ir muito além da conveniência no momento de efectuar chamadas em cabines públicas; de facto, para muitas crianças e jovens daqueles anos 90, os cartões telefónicos da PT tornaram-se, antes, objectos de coleccionismo, religiosamente reunidos (depois de vazios, claro) e guardados nas proverbiais caixas ou capinhas, com o intuito de serem, mais tarde, revisitados ou mostrados aos amigos; cada nova edição especial deste tipo de cartões – ou cada espécime diferenciado encontrado numa qualquer cabine por esse país fora – se tornava, portanto, motivo de regozijo para estes mini-coleccionadores, pela oportunidade que apresentava de aumentar, expandir e embelezar as suas colecções. Não é, pois, de estranhar que a maioria das memórias da 'nossa' geração relativamente a estes cartões tenha mais a ver com o coleccionismo do que propriamente com o uso...
Uma das muito cobiçadas edições especiais, que faziam as delícias dos coleccionadores quando encontradas abandonadas numa qualquer cabine...
Qualquer que tenha sido o seu impacto na vida de cada um, no entanto, é inegável que os Credifones marcaram época, afirmando-se como uma solução inovadora para um problema existente – e que, por isso mesmo, encontrou facilmente o seu nicho de mercado – e, ao mesmo tempo, uma pioneira daquilo que viriam a ser as tecnologias da comunicação nos dez a quinze anos seguintes. E embora, hoje em dia, as cabines telefónicas já sejam quase unicamente uma relíquia do passado (pelo menos em Portugal) continua, ainda, a haver no nosso país uma enorme simpatia por aquele cartãozinho que, em inícios da década de 90, veio revolucionar a forma de comunicar em espaços públicos na era pré-telemóveis...