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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

27.06.23

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Tinha início o último fim-de-semana do mês de Julho de 2023 quando alastrava a notícia: o mundo do espectáculo português, e do humor em particular, ficava órfão de mais um nome, e logo de um actor bem mais jovem do que alguns dos 'históricos' lusitanos ainda em actividade. Tratava-se de Luís Aleluia, actor com extensa e reconhecida carreira no teatro e televisão mas que, para uma certa geração de portugueses, ficará para sempre eternizado como a versão televisiva, de 'carne e osso', do Menino Tonecas de José de Oliveira Cosme, protagonista de quatro temporadas de enorme sucesso na RTP1, em finais da década de 90.

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O actor no papel que o celebrizou junto de toda uma geração.

Nascido em Setúbal a 23 de Fevereiro de 1960, Luís Filipe Aleluia da Costa desde sempre esteve ligado à representação, na qual se estreou aos dez anos, numa récita da filial local da Casa do Gaiato, instituição caridosa à qual esteve ligado até aos dezasseis anos; a primeira experiência mais 'a sério', no entanto, surgiria já no final da adolescência, quando se junta a um grupo de teatro amador e ajuda a fundar outro na Escola Comercial de Setúbal, onde era aluno de Humanísticas.

O início da década de 80 vê o jovem actor entrar, pela mão de Vasco Morgado, no mundo do teatro de revista, onde ganharia fama, chegando mesmo a ganhar o prémio de Revelação do Teatro Musicado atribuído pela revista Nova Gente, no caso referente ao ano de 1984. Simultaneamente, vai acumulando também experiência em companhias de teatro itinerantes, onde adquire conhecimentos que põe, posteriormente, a uso no contexto da sua própria empresa de produção, a Cartaz, fundada em 1991.

É, também, por volta dessa altura que surge a oportunidade de trabalhar em televisão, primeiro como actor convidado na série 'Os Homens da Segurança', e posteriormente como membro fixo de 'Sétimo Direito', com Henrique Santana, Lia Gama e Cláudia Cadima. Torna-se, em seguida, membro da companhia de Nicolau Breyner, com quem leva a palco uma série de espectáculos teatrais, além de participar da novela 'Na Paz dos Anjos'. De volta ao teatro de revista, participa como convidado no 'Cabaret' televisionado de Filipe La Féria, e acumula participações especiais nos mais populares programas de humor da época, d''Os Malucos do Riso' da SIC (que aqui terá, paulatinamente, o seu espaço) à 'Companhia do Riso' da RTP.

É em 1996, no entanto, que se dá o grande momento de mudança para Luís Aleluia, quando, ao lado de Morais e Castro, ajuda a dar vida aos textos escritos no início do século por José de Oliveira Cosme, sobre um aluno pouco inteligente e muito atrevido, e respectivo professor 'sofredor'. Caracterizado como uma criança em idade de instrução primária estereotipada, de boné às riscas e calções com suspensórios, mas com rugas que não enganavam, dizia numa voz propositalmente esganiçada piadas brejeiras, muitas escritas por Cosme, outras tantas originais, num formato semelhante ao de programas como 'Escolinha do Professor Raimundo' ou 'El Chavo del Ocho' ('Chaves', na sua icónica dobragem brasileira).

Tinha tudo para dar errado, mas deu muito, muito certo, considerada a série de maior impacto na televisão portuguesa em toda a década de 90, 'As Lições do Tonecas' ficaria no ar de 1996 a 2000, e levaria mesmo à criação de um 'spin-off', 'O Recreio do Tonecas', que não conseguiu o mesmo sucesso. De súbito, a cara daquele actor até então restrito a papéis convidados ou de apoio tornava-se, para uma geração de crianças e jovens lusos, tão sinónima com o humor como a de Herman José ou Camilo de Oliveira. A própria indústria reconheceria o excelente trabalho de Aleluia, que voltaria a ganhar um troféu Nova Gente em 1997, agora na categoria de Melhor Actor de Televisão.

O problema de um papel de tal sucesso – especialmente ao tratar-se do primeiro, ao qual se ficará para sempre associado – reside, normalmente, na dificuldade em lhe dar seguimento, acabando muitos actores por nunca conseguir o mesmo nível de expressividade; tal não foi, no entanto, o caso com Aleluia, que continuou a 'somar e seguir' na televisão portuguesa, com papéis em diversas séries tanto humorísticas como mais 'sérias', além de posto fixo como argumentista e actor nos popularíssimos 'talk-shows' matinais da RTP, 'Praça da Alegria' e 'Portugal no Coração'. A carreira do actor continuaria, assim, a par e passo até ao fatídico dia 23 de Junho, quando foi encontrado sem vida na sua própria garagem, no que se veio mais tarde a revelar ter sido um suicídio. O mundo do teatro e da televisão portuguesas ficam mais pobres, e uma geração de ex-jovens chora o personagem (e actor) que tantas alegrias e risos lhes proporcionou durante quatro dos seus anos formativos, na recta final do século e Milénio passados. Descansa em paz, Tonecas.

28.12.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Numa edição passada desta rubrica, falámos de Mafalda, uma das mais influentes personagens de banda desenhada das décadas de 70, 80 e 90. No entanto, apesar de a contestatária menina ter sido o principal contributo do seu criador, Quino, para a História desta forma de arte, a mesma esteve longe de ser a sua única criação de sucesso, tendo o mercado português sido testemunha de, pelo menos, mais uma: a colecção 'Humor Com Humor Se Paga', cujos últimos volumes completam, neste ano que ora finda, precisamente três décadas sobre a sua edição nacional.

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Os três volumes da série editados nos anos 90

Iniciada ainda nos anos 70, e concluída vinte anos e trinta e seis volumes depois (tendo apenas os três últimos sido editados já nos anos 90), a colecção da Dom Quixote permitiu, aliás, a outros autores que não apenas Quino cimentar a sua marca na indústria portuguesa; Sempé, por exemplo (o co-criador do popular 'O Menino Nicolau' ao lado de René Goscinny, guionista de Astérix) teve direito a vários volumes, além de artistas menos conhecidos, mas dentro do mesmo estilo satírico e 'cartoonesco', como Coco e Palomo. No entanto, a esmagadora maioria dos tomos da colecção trazia, mesmo, autoria de Quino, servindo como uma introdução algo mais 'leve' que Mafalda ao seu inconfundível estilo, através de 'gags' de imagem única, bem ao estilo do que se podia encontrar em muitos jornais mundiais da altura, e declaradamente dirigidas a adultos, afastando assim parcialmente o público infantil que (talvez erroneamente) se afeiçoara e fidelizara à menina da bandolete e aos seus amigos.

Apesar de - por esse mesmo motvo - ser potencialmente menos nostálgico para a juventude portuguesa que a criação principal do desenhador argentino, ou que outros 'ilustres' como Calvin e Hobbes, a série em causa merece, ainda assim, destaque nestas nossas páginas, por alturas do trigésimo aniversário da sua conclusão, por constituir mais um dos inúmeros exemplos da 'era de ouro' dos 'cartoonistas' disponíveis no mercado português.

25.11.22

Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.

De entre os muitos géneros cinematográficos que viveram um 'estado de graça' durante os anos 90, a comédia foi um dos principais; a primeira metade da década, em particular, forneceu uma série de verdadeiros clássicos ao género, muitos deles protagonizados pelo binómio Robin Williams e Jim Carrey, responsáveis por êxitos como 'Doidos À Solta', 'Papá Para Sempre', 'A Máscara', 'A Gaiola das Malucas' ou a duologia 'Ace Ventura', (quase) todos eles tão bem-sucedidos entre o público jovem como entre os mais velhos. Para lá desse eixo, no entanto, existia todo um outro género de filme de comédia, mais declaradamente apontado a um público juvenil, e cujo humor se baseava na falta de inteligência dos seus protagonistas, normalmente adolescentes; era o Mundo das ainda hoje hilariantes duologias 'Bill e Ted' e 'Quanto Mais Idiota Melhor', e é também o 'habitat' natural do filme que hoje abordamos, uma 'cópia' de segunda linha do conceito que conseguiu, ainda assim, afirmar-se como um 'clássico menor' entre os fãs deste tipo de película.

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Falamos de 'O Rapaz da Pedra Lascada' ('Encino Man' no original e 'California Man' em vários pontos da Europa), filme que completa este fim-de-semana trinta anos sobre a sua estreia em Portugal, e que ajudou a revelar ao Mundo aquele que viria a ser outro nome de monta da comédia noventista e dos anos 2000: Brendan Fraser, que surge aqui no seu primeiro papel principal como o cavernícola homónimo, desenterrado de um quintal suburbano (!) e subsequentemente retirado de um bloco de gelo pelo habitual duo de protagonistas desmiolados (no caso Sean Astin, o futuro Sam Gamgee de 'O Senhor dos Anéis', e Pauly Shore, um dos muitos pretendentes falhados ao trono de Mike Myers, Keanu Reeves e Jim Carrey) que prontamente decidem inscrevê-lo na escola secundário que ambos frequentam.

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O trio de protagonistas do filme, dois dos quais se viriam, num futuro próximo, a tornar verdadeiras estrelas de cinema.

É claro que esta decisão rapidamente dá azo ao tipo de peripécias bem típico e esperado neste estilo de filme, e que poderão ou não arrancar uns sorrisos ao espectador, dependendo da sua tolerância para a variante humorística em causa. Isto porque 'O Rapaz da Pedra Lascada' não é mais nem menos do que um filme perfeitamente dentro da média para o estilo em que se insere, e daquilo que a Disney vinha produzindo durante aqueles anos ao nivel dos filmes de acção real - ou seja, longe do nível dos líderes 'Bill e Ted' ou 'Quanto Mais Idiota...' (ou até de 'Jamaica Abaixo de Zero', futuro clássico infanto-juvenil da mesma companhia lançado no ano seguinte) mas passível de proporcionar bons momentos cinematográficos a um espectador menos exigente numa tarde de fim-de-semana de chuva.

Nos dias que correm, no entanto, não há como negar que o principal mérito desta película é o de ter servido de plataforma de impulso para a carreira não só de Fraser (que meia-dúzia de anos depois estaria a combater múmias em CGI e a ser seduzido por uma Elizabeth Hurley em 'fase imperial') e de Astin como também de Robin Tunney, futura protagonista principal feminina de 'Prison Break' e 'O Mentalista' (de entre o restante elenco, destaque ainda para Michael DeLuise, filho do então também hiper-requisitado Dom, e que viria posteriormente a participar em séries como 'Rua Jump, 21' e 'Gilmore Girls'.) Quanto mais não seja pela sua importância enquanto 'trampolim' para estas futuras estrelas do cinema e televisão, 'O Rapaz da Pedra Lascada' merece, no trigésimo aniversário da sua estreia em terras lusas, ser 'desenterrado' (passe a piada) do esquecimento, e 'brindado' com estas breves linhas, à laia de retrospectiva.

13.07.22

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog..

...como é o caso da mudança de atitudes na sociedade.

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Provavelmente, acabam de ofender vários grupos minoritários sem sequer o saberem...

Muito se fala, hoje em dia, do 'politicamente correcto', e do impacto (por vezes excessivo) que o cuidado (por vezes extremo) para não ofender vem tendo na vida quotidiana. Quer se goste ou não, a sociedade ocidental avançou consideravelmente, a nível de mentalidades, nos últimos trinta anos, e para se perceber isso basta lembrar as anedotas que todos contávamos no recreio da escola, ainda antes de a nossa idade atingir os dois dígitos, e que seriam, hoje, suficientes para nos 'cancelar' social e culturalmente.

Mais do que os próprios dichotes – contados, afinal de contas, por crianças – é a atitude indiferente e casual da sociedade de então em relação aos mesmos que verdadeiramente choca hoje em dia; ainda que pais ou professores pudessem repreender ou tentar corrigir quem era apanhado a contar esse tipo de anedotas, o próprio facto de elas existirem era olhado com naturalidade e descontracção pelo mundo 'adulto', não sendo o potencial ofensivo das mesmas tido em conta, excepto em contextos muito específicos (como a presença de um elemento de uma minoria étnica no momento em que a anedota era dita, por exemplo). Uma atitude que é, hoje em dia, diametralmente oposta - e ainda bem, pois fica aí demonstrado o crescimento exponencial da sociedade neste parãmetro específico.

Precisamente por este motivo, dificilmente ouviremos uma criança actual contar aos amigos da mesma idade este tipo de anedota; na verdade, até mesmo os adultos evitam dizê-las hoje em dia, por respeito a quem possa ser ofendido. No entanto, isso está longe de constituir um ponto a desfavor da sociedade do novo milénio – pelo contrário, pode ser considerado um dos casos em que o 'politicamente correcto' não só tem razão de ser, como beneficia activamente o 'clima' social quotidiano.

19.04.22

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Quando se fala de humor feito em Portugal, pelo menos na era pré-Gato Fedorento, um nome se levanta acima de todos os outros: Herman José. Com carreira iniciada ainda no tempo do preto-e-branco, o actor e humorista (cuja carreira não dá, aliás, sinais de abrandar) atingiu o seu auge na década de 80, tendo explanado o seu humor entre o brejeiro e o satírico (e sempre no limiar do politicamente incorrecto) ao longo uma série de programas de enorme sucesso, como 'O Tal Canal' e 'Hermanias'; na década seguinte, no entanto, o luso-alemão sofreu uma inflexão na carreira, que o tornou conhecido, sobretudo, como apresentador de concursos e programas de variedades, entre os quais se destacam 'A Roda da Sorte' e 'Parabéns', dois programas de que paulatinamente aqui falaremos.

Já no final da referida década, no entanto, Herman sentiu o 'bichinho' da comédia (que nunca, verdadeiramente, o abandonara) 'morder' de novo, e não tardou a reunir novamente a sua posse de fiéis seguidores e cúmplices, com vista à criação de um novo programa de 'sketches' humorísticos, semelhante aos que o haviam notabilizado nos 'velhos tempos'; o que nem ele, nem ninguém poderia saber é que o mesmo se tornaria, aos olhos de muitos, não só o seu melhor programa, como um sério concorrente ao título de melhor programa de humor português de sempre.

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Falamos, é claro, da mítica 'Herman Enciclopédia', sobre cuja estreia se celebrararam neste fim-de-semana pascal exactos vinte e cinco anos (foi ao ar pela primeir vez a 15 de Abril de 1997) mas que continua, de uma forma ou de outra, a influenciar o humor criado em território nacional até aos dias de hoje.

Larga porção dessa influência deve-se ao facto de a geração que hoje cria programas de humor ter crescido com Herman, e ter provavelmente passado uma grande parte da sua infância e adolescência a citar ou até imitar cenas da 'Enciclopédia'. De facto, a penetração do programa na cultura popular portuguesa de finais do século XX foi tal que até mesmo quem não via conhecia (e utilizava no dia-a-dia) todos os principais personagens e bordõe; do mítico Diácono Remédios, para quem nunca 'habia nexexidade, ze, ze' (e respectiva mãe, sexóloga liberal) à não menos lendária Super Tia e o seu 'caturreiraaaa!', passando pelos televendedores Mike e Melga, da MELGASHOP, para quem tudo era 'fantáááástico!' ou pelos 'pastiches' de Artur Albarran (vivido por José Pedro Gomes, e conhecido por iniciar cada segmento com as palavras 'a tragédia, o drama, o horror') ou Lauro António (Lauro Dérmio, sinónimo com a sugestão 'let's luque et da treila'), foram inúmeros os 'bonecos' introduzidos pela 'Enciclopédia' no imaginário popular, muitos dos quais ainda nostalgicamente recordados por quem assistiu 'em tempo real' ao seu aparecimento.

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Diácono Remédios, provedor da 'Enciclopédia' e talvez o personagem mais popular de todos os introduzidos pelo programa.

Pode parecer incrível que um programa com este tipo de penetração e impacto cultural apenas tenha tido direito a duas temporadas, mas acredite-se ou não, foi esse o tempo de vida da 'Herman Enciclopédia' na televisão portuguesa; período talvez curto para uma emissão com o sucesso de que esta desfrutou, mas mais que suficiente para que, um quarto de século depois, toda uma geração retenha, ainda, memórias vívidas e nostálgicas das criações de Herman e seus asseclas, fazendo com que haja - ao contrário do que o Diácono Remédios poderia pensar - mesmo muita 'nexexidade' de prestar homenagem, por alturas do seu aniversário, a mais este marco da televisão portuguesa.

17.01.22

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Grande parte do humor é intemporal. Apesar de a definição do que tem ou não piada tender a divergir de geração para geração e de cultura para cultura, há coisas que nunca deixam de ter graça – um jovem dos dias de hoje pode, por exemplo, derivar tanto prazer de um episódio de Mr. Bean ou Tom e Jerry como os seus pais ou avós quando eram da mesma idade. Assim, não é de estranhar que, de quando em vez, alguém decida recuperar um destes conceitos perpetuamente divertidos e apresentá-lo a todo um novo público, na esperança de que o legado desse material se perpetue ainda por mais uma geração.

Foi precisamente isso que a RTP fez quando, há pouco mais de um quarto de século, no Verão de 1996, decidiu recuperar a obra humorística de José de Oliveira Cosme, criada e transmitida na rádio sessenta anos antes, e adaptá-la para a televisão estatal de meados da década de 90. O resultado foi uma série que ainda hoje faz sorrir quem era da idade certa para lhe achar piada na altura, e que merece certamente ombrear com a obra de Herman José no panteão de séries humorísticas nacionais de finais do século XX.

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De facto, e apesar de expandir consideravelmente sobre o conceito original, a versão 'anos 90' de 'As Lições do Tonecas' não perde a sua essência, continuando a centrar-se na relação entre um aluno da instrução primária cábula, gozão e de 'inteligência saloia', embora de bom coração – o titular Tonecas – e o seu agastado professor, a quem a simples missão de leccionar uma aula com Tonecas na sala deixa sempre à beira de um ataque de nervos. Uma premissa simples, mas que já rendeu dividendos em obras como 'O Menino Nicolau', de Sempé e Goscinny, e que o torna a fazer aqui – mesmo que, na adaptação para televisão, o aluno tenha uma idade algo avançada (em várias décadas...) para ainda andar na instrução primária (se bem que, tratando-se de Tonecas, é perfeitamente possível que tenha simplesmente reprovado uma quantidade infinita de vezes...)

E por falar no aluno, é na interpretação de Luís Aleluia – e, diga-se de passagem, do seu coadjuvante, o 'professor' Morais e Castro – que está um dos grandes trunfos do 'Tonecas' televisivo. O comediante está em grande forma, soltando com gosto as suas piadas de humor brejeiro e, por vees, físico (muitas delas tiradas dos textos originais de Cosme, embora obviamente não todas), e exibindo grande química com o seu parceiro 'straight-man', que leva a muitos momentos divertidos; e, quanto mais não seja, Aleluia tem mérito por conseguir que o seu Tonecas obviamente adulto (mas sempre vestido como um típico 'puto' da escola) não seja, em nenhum momento, estranho ou perturbante – como o Chaves sul-americano, este era um 'miúdo graúdo' que a própria faixa etária alvo aceitava sem reservas, facto que ajuda, em parte, a explicar o enorme sucesso do programa.

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As interacções entre o Tonecas de Luís Aleluia e o professor de Morais e Castro estavam na base do sucesso da série

É claro que, sendo uma produção da RTP na década áurea da publicidade e 'marketing', o 'Tonecas' moderno não se mostra averso à expansão para lá do material original, nomeadamente no que toca a conceitos como os convidados especiais. De facto, embora a maioria dos episódios se desenrolassem apenas com os personagens principais e alguns alunos coadjuvantes (estes, verdadeiramente com idade para ainda andarem no ensino básico) surgiam de vez em quando algumas presenças externas para perturbar ainda mais as aulas; alguns destes eram apenas novos personagens representados por actores convidados (como a 'tia' Pureza Bucelas, de Ana Bola), mas outros apareciam a interpretar-se a si mesmos, como naquele episódio em que, sem razão aparente e sem qualquer pré-aviso ou antecipação, os Excesso entram pela sala de Tonecas adentro e se preparam para assistir à aula!

Um daqueles segmentos que definem a expressão 'ver para crer'

É claro que estes 'crossovers' se destinavam, pura e simplesmente, a publicitar os artistas e convidados em causa – não fossem os Excesso a sensação do momento da música portuguesa em 1997-98 – mas o facto é que a ousadia em arriscar este tipo de manobras, numa série que se pretendia fiel à obra de humor clássico que lhe estava na base, pode também ter tido um papel importante na longevidade de 'Tonecas', que se manteria no ar até praticamente ao fim do milénio, tornando-se presença assídua e constante nos televisores das crianças e jovens portuguesas da época.

Todos os truques publicitários do Mundo são em vão, no entanto, se o produto que tentam promover não tiver qualidade; felizmente, mesmo sem estas 'artimanhas', 'Tonecas' revelava-se uma série bem escrita – dentro dos seus parâmetros de humor simples e directo – magnificamente interpretada, e que, no cômputo geral, ainda se aguenta bem nos dias de hoje, mesmo depois das significativas mudanças sociais e culturais que um período de um quarto de século inevitavelmente acarreta. Um bom exemplo, pois, do tal humor intemporal de que se falava no início deste texto, e que tende a ser tão difícil de executar...

28.12.21

NOTA: Devido à relevância temporal específica do tema abordado no post de hoje, iremos excepcionalmente trocar a ordem das Terças Tecnológicas e Terças de TV. Os posts sobre tecnologia regressam no novo ano - para já, desfrutem deste post sobre um dos programas de passagem de ano mais marcantes dos anos 90.

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Quem passou 'reveillons' e noites de passagem de ano em casa durante os anos 90 e 2000 (fosse por escolha ou por motivos de idade ou falta de pecúlio monetário), certamente se habituou a passá-las na companhia de Herman José. O humorista, que à época gozava de estatuto de figura maior no campo do entretenimento televisivo 'made in Portugal', conseguiu que a sua imagem ficasse, também, associada à produção televisiva específica para esta noite especial.

Esta associação,cimentada em anos subsequentes por espectáculos especiais das mais diversas índoles, teve a sua génese logo no início da década, altura em que Herman e a sua 'entourage' habitual (que ainda hoje mantém) lançaram aquele que é talvez a mais memorável de todas as produções de Ano Novo elaboradas pelo grupo: o inesquecível Especial de Ano Novo conhecido como Hermanias.

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Com génese no programa semanal do mesmo nome, exibido em meados dos anos 80 mas já de há muito extinto à época desta transmissão em particular, o Hermanias Especial de Ano Novo (que completa nesta noite de fim de ano exactos 30 anos) reviveu o nome por apenas uma noite, associando-o a um programa de humor ao estilo 'sketch' bem característico do que Herman e companhia vinham apresentado à época, e apresentariam ao longo da década seguinte.

Utilizando um espectáculo de Tony Silva (o famoso personagem de 'entertainer' latino do humorista) como elo de ligação entre os diferentes 'sketches', que não partilham de outro modo qualquer contexto, Hermanias Especial de Ano Novo apresenta todos os personagens mais famosos criados por Herman até à data, como José Severino ou José Estebes, e continha muitos momentos memoráveis, como a rábula da poetisa (com Rosa Lobato de Faria a troçar de si própria de forma magnífica) ou um falso anúncio tão convincente que pôs este que vos escreve, do alto dos seus seis anos, a pedir para ir ver o suposto espectáculo anunciado, aparentemente dirigido a crianças mas na verdade...de strip-tease! Entre todos estes momentos, do calibre a que Herman e companhia haviam habituado os seus espectadores da época, as horas até à passagem de ano 'voaram', e foi quase com pesar que os referidos espectadores viram terminar aquele que foi um dos mais memoráveis espectáculos de fim de ano da década - e, para dizer a verdade, também desde então.

Infelizmente, e apesar de Herman José (conforme referido acima) ter apresentado vários outros espectáculos de 'reveillon' ao longo da época, o momento criado por 'Hermanias' não mais se viria a repetir - pelo contrário, Herman permaneceria afastado da escrita humorística durante grande parte da década, antes de efectuar um dos regressos mais memoráveis e marcantes da televisão portuguesa. Desse, no entanto, falaremos noutra ocasião; para já, fiquem com algumas amostras daquilo de que os espectadores puderam disfrutar na passagem de ano de 1991 para 1992...

27.09.21

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

E se na última edição desta rubrica falámos de um ‘one-hit wonder’ português de meados dos anos 90, com músicas voltadas ao humor e cantadas na nossa própria língua, hoje, falaremos de outro, substancialmente mais conhecido e menos ‘esquecido’, e cujo único sucesso continua, ainda hoje, a marcar presença em certos contextos, seja dentro do espectro das artes criativas, seja como banda sonora de um qualquer evento de ar livre; e porque se vivem precisamente, neste altura, os últimos resquícios da maravilhosa estação estival portuguesa, nada melhor do que deixarmos que essa mesma banda nos recorde das muitas razões para apreciar essa época do ano.

Como já devem ter percebido, estamos a falar d’A Fúria do Açúcar, grupo musical e humorístico imortalizado na consciência colectiva portuguesa pelo hino estival ‘Eu Gosto É do Verão’, mas que pouco mais sucesso conseguiu atingir, apesar de celebrar este ano as suas três décadas (!) de carreira.

Formada em 1991 por três personalidades do circuito humorístico – entre elas o líder João Melo, mais tarde apresentador de um programa televisivo também voltado a este espectro – A Fúria do Açúcar começou por ser um projecto de estética café-concerto, intercalando números musicais com ‘sketches’ humorísticos. Não demorou muito, no entanto, para que este paradigma se alterasse, com o grupo a decidir enveredar por um caminho estritamente musical, cujo primeiro fruto foi o álbum homónimo de estreia, lançado em 1996.

No entanto, seria apenas com o seu segundo registo, ‘O Maravilhoso Mundo do Acrílico, lançado no ano seguinte, que o grupo de João Melo verdadeiramente penetraria na consciência popular – especificamente, através do segundo single retirado do álbum, uma faixa de índole sardónica cuja letra focava a comercialização em torno da época de Verão, e da idealização de que a mesma é alvo por parte da maioria dos seres humanos. No fundo, uma daquelas faixas que apenas aparenta ser ‘parva’, tendo na verdade um significado escondido, à espera de quem o queira encontrar; o problema foi que, em 1997, quase ninguém quis.

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A capa do álbum de consagração do grupo

De facto, a maioria daqueles que cantarolavam alegremente esta música no carro, na escola ou até em casa certamente não terá dedicado muito tempo a esmiuçar o significado da letra, prestando mais atenção à voz pateta-de-propósito de Melo ou à instrumentação bem ao estilo surf-rock, que tornava a música numa ‘malha’ bem pegajosa. O resultado inevitável desta tendência foi a percepção daquilo que se pretendia que fosse uma denúncia social como precisamente aquilo que aparentava (ou fingia) ser – uma música tola e descartável para consumo imediato. Pior, essa é ainda hoje a principal forma como a canção é abordada, tendo a vertente de crítica social vindo a ser cada vez mais ignorada – algo que, certamente, não deixará de frustrar os músicos da banda.

Também certamente frustrante será o facto de – apesar de, como resultado do seu sucesso. se ter tornado banda residente do programa apresentado pelo vocalista – o projecto Fúria do Açúcar nunca ter conseguido replicar o sucesso daquele ‘single’ de 1997. Apesar de contar já com seis discos (um dos quais lançado após um hiato de quase exactamente dez anos), a banda de João Melo continua a ser conhecida e recordada por uma, e apenas uma, música. Música essa que – diga-se em abono da verdade – continua a ser tocada nos mais diversos e variados contextos, o que não deixa de ser um feito para uma faixa cómica lançada há quase um quarto de século; ainda assim, não será descabido pensar que Melo e Cª teriam certamente preferido que essa mesma faixa tivesse feito menos sucesso, se tal significasse que o resto do seu repertório se tornaria mais conhecido…

Seja como for, a verdade é que o ‘one hit’ destes ‘one-hit wonders’ se tornou bem mais icónico e duradouro do que a maioria das músicas deste tipo, sendo ainda hoje um hino nostálgico para toda uma faixa demográfica que viveu os seus melhores anos nas décadas entre 1980 e 2000; candidato ideal, portanto, para inclusão nesta secção do nosso blog…

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