04.07.23
A década de 90 viu surgirem e popularizarem-se algumas das mais mirabolantes inovações tecnológicas da segunda metade do século XX, muitas das quais foram aplicadas a jogos e brinquedos. Às terças, o Portugal Anos 90 recorda algumas das mais memoráveis a aterrar em terras lusitanas.
Hoje em dia, a pesquisa de informação de teor enciclopédico por computador é praticamente sinónima com um nome: Wikipédia. Apesar de nem sempre se provar cem por cento fidedigna, a 'enciclopédia grátis' oferece informação detalhada sobre tantos e tão variados temas que fomenta piadas sobre algo não existir se não tiver uma entrada na Wikipédia. Antes do advento da Internet, no entanto – nos idos dos 90, quando os computadores ainda eram caros e a 'autoestrada da informação' pouco mais do que um conceito futurista – a transmissão de informação por via digital fazia-se, sobretudo, através de enciclopédias interactivas em CD-ROM; e, destas, a mais famosa era a da Microsoft, sobre a génese da qual se celebraram este ano (mais concretamente a 22 de Março último) exactas três décadas.
Denominada 'Encarta', e inicialmente baseada nas enciclopédias físicas da Funk & Wagnall's, esta base de dados virtual permitia aos utilizadores não só lerem informação escrita sobre uma série de temas mais ou menos eruditos, mas também ver imagens e (mais importante) vídeos sobre os temas em causa – algo que as enciclopédias 'em livro' não permitiam, e que alguns anos antes teria sido impensável. Para as crianças e jovens da era pré-digital, residia aqui o grande atractivo da enciclopédia virtual da Microsoft, e não faltava quem passasse largos minutos a procurar artigos com vídeo no menu principal da aplicação, e a olhar 'embasbacado' para aqueles poucos segundos de imagens granuladas e 'pixeladas' que, à época, eram tecnologia 'de ponta' no campo da informática comercial caseira.
O interface inicial da primeira edição da enciclopédia, que permitia verificar quais os artigos complementados com vídeos.
A junção desta componente interactiva com a cuidada e bem estruturada informação escrita (mais tarde acrescida de conteúdos oriundos de enciclopédias da Collier's e MacMillan, tendo a Britannica recusado a parceira) fizeram com que os diversos volumes da 'Encarta' se afirmassem como um sucesso – especialmente depois de o preço de cada edição descer dos absurdos quatrocentos dólares iniciais para cerca de cem, e de CD-ROMs da enciclopédia começarem a ser oferecidos gratuitamente na compra de computadores (como foi o caso lá por casa, em finais de 1994). Dentro em breve, eram poucos os lares que não dispunham de pelo menos um volume da 'Encarta', que era publicada em nada menos do que oito línguas, entre elas o Português, o que a ajudava a ganhar ainda mais tracção entre o público jovem de pendor mais 'intelectual'.
Inevitavelmente, no entanto, o advento da Internet veio tornar obsoleto o conceito da 'Encarta', que ainda sobreviveu à primeira década do Novo Milénio, inaugurando inclusivamente uma versão 'online', disponível mediante assinatura, mas que viria mesmo a ser descontinuada em 2009, quando recursos gratuitos como a Wikipédia se viriam mesmo a revelar demasiado pujantes para que um formato como a 'Encarta' lhes conseguisse fazer frente. Ainda assim, a enciclopédia virtual da Microsoft (sobretudo os seus primeiros volumes) não deixou de gerar memórias nostálgicas à única geração de crianças e jovens a ter acesso generalizado a computadores, mas não à Internet – uma conjuntura sobejamente propícia a um lançamento deste género, e que ajudou a fazer da 'Encarta' parte memorável da experiência informática caseira da década de 90, bem merecedora de homenagem no ano em que se completam trinta anos sobre o seu primeiro volume.