19.05.24
Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.
O objectivo desta rubrica – tal como das restantes que compõem o blog – passa, normalmente, pela 'repescagem' de elementos e experiências positivas que faziam parte do Portugal dos anos 90 e inícios de 2000; no entanto, ocasionalmente, é também necessário recordar efemérides menos agradáveis, mas que deixaram ainda assim marca indelével na década em causa, bem como nas subsequentes, como foram o caso Aquaparque ou a tragédia de cariz desportivo que recordamos este Domingo, escassas vinte e quatro horas volvidas sobre o seu vigésimo-oitavo aniversário. Falamos, claro está, da morte de um adepto do Sporting como consequência da explosão de um artefacto pirotécnico, em pleno Estádio do Jamor, durante o 'derby' a contar para a final da Taça de Portugal entre os 'leões' e os rivais da Segunda Circular, a 18 de Maio de 1996.
O momento da tragédia, captado pelas câmaras televisivas presentes no estádio.
Estavam decorridos apenas dez minutos da partida quando, como forma de celebrar o golo inaugural marcado por Mauro Airez, um membro da claque organizada benfiquista 'No Name Boys' lança um 'very light', um tipo de foguete já então proibido por lei em áreas habitadas. Não contente com essa violação da lei, Hugo Inácio decidiu fazer 'pontaria', não para o ar, mas para a bancada Sul do estádio, onde se encontravam os adeptos do Sporting, num gesto deliberado que terminaria com a morte de Rui Mendes, de trinta e seis anos.Um crime de assassinato que deveria ter feito parar o jogo, mas ao qual não foi dada, no momento, a devida importância, tendo a partida continuado, com eventual resultado de 3-1 a favor do Benfica, e respectiva consagração como vencedor da competição – uma decisão que causou, e continua a causar, polémica, sobretudo entre adeptos dos 'leões' que sentem que a perda da vida de Mendes foi trivializada pelo prosseguimento da partida.
De facto, só mais tarde a FPF viria a mostrar solidariedade para com a família do adepto falecido, doando dez por cento da receita bruta de um jogo da Selecção Nacional para ajudar às despesas da mesma, já depois de o Sporting ter custeado na íntegra o funeral. Já Hugo Inácio viria a ser detido e a cumprir quatro anos de prisão, naquela que foi a primeira de muitas passagens do adepto pela prisão em anos subsequentes – pena que parecia pouca para o crime de homicídio qualificado, num desfecho que, novamente, revoltaria os sportinguistas. Quanto aos adeptos rivais, os mesmos incorporariam, a partir desse dia, um novo som à sua panóplia de cantos e palavras de ordem – um assobio a simular um foguete, ainda hoje ouvido em qualquer partida frente ao Sporting, numa 'picardia' de inequívoco mau gosto, que trivializa ainda mais uma tragédia perfeitamente evitável, e dá a entender que os No Name Boys tiveram orgulho no sucedido – uma ideia quase grotesca de tão revoltante.
Aquele que muitos consideram, justificadamente, o dia mais negro do desporto português acabou, ainda assim, por ter alguns (pequenos) efeitos positivos, nomeadamente a imposição de controlos muito mais restritos sobre a pirotecnia no contexto de jogos dos campeonatos portugueses, por forma a assegurar que tal situação nunca mais se repetisse; há, ainda, que ressalvar o facto de o ataque em causa ter vitimado apenas um adepto, e adulto. numa bancada onde se encontravam inúmeras crianças, podendo a acção deliberada do elemento da claque benfiquista ter tido um desfecho ainda muito pior. No entanto, a verdade é que nenhum destes factos ajudará a trazer de volta à vida Rui Mendes, mártir de uma paixão que, por vezes, assume contornos bem negros. Que continue a descansar em paz, e que nunca seja esquecido.