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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

13.12.23

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Figura central do imaginário natalício ocidental, o Pai Natal tem servido, ao longo das décadas, uma função dupla como, por um lado, o distribuidor dos mais desejados brinquedos e prendas e, por outro, figura de austera autoridade que pode, caso se justifique, trocar os referidos presentes por um bocado de carvão ou algo igualmente desagradável. Esta dualidade de critérios não impede, no entanto, as crianças de, todos os meses de Dezembro, desejarem visitar o bom velhinho no seu 'trono' no hipermercado ou centro comercial mais próximo, e lhe escreverem uma carta em que listam o que mais desejam ver debaixo da árvore na noite de dia 24 para dia 25. Em meados dos anos 80, os CTT aproveitaram esta tradição informal, que lhes 'inundava' os serviços todos os meses de Dezembro, para lançarem uma campanha de 'cartas ao Pai Natal', que permitia às crianças viverem a ilusão no seu expoente máximo, e que perdura até aos dias de hoje.

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O principal diferencial desta campanha em relação à escrita independente de cartas – para além do incentivo extra que oferecia às crianças – era o facto de todas as cartas receberem resposta, por vezes acompanhada de uma pequena lembrança simbólica. Este pequeno-grande detalhe não só permitia alimentar a bonita ilusão em torno do residente do Pólo Norte, mas também oferecia aos remetentes (a maioria ainda muito nova) a sua primeira experiência de recepção de correspondência – algo praticamente insignificante, e até algo obsoleto, nos tempos actuais, mas capaz de entusiasmar qualquer criança da era pré-massificação do email.

A juntar a estes argumentos, havia ainda o facto de muitas escolas primárias terem aderido à campanha nos seus anos iniciais, permitindo aos alunos elaborar as cartas na sala de aula, e mesmo, em certos casos, acompanhando-os ao marco de correio para ali as depositarem, como foi o caso na instituição frequentada pelo autor deste blog. Tal gesto vinha, por sua vez, adicionar a toda a experiência do Natal na sala de aula, juntando-se aos inevitáveis desenhos de sininhos e Pais Natais numa tradição anual por que muitos alunos da faixa etária em causa esperavam.

Conforme acima mencionado, a tradição das cartas ao Pai Natal enviadas através dos CTT perdura até aos dias de hoje, embora seja de crer que muitas das mesmas sejam, hoje, já remetidas por email. Ainda assim, continua a tratar-se de uma iniciativa louvável, que alimenta a fantasia natalícia das crianças ao mesmo tempo que lhes permite treinar a escrita e lhes oferece um primeiro contacto com o processo de envio de correspondência.

04.05.22

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

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Numa época em que o acto de conhecer uma pessoa do outro lado do Mundo se desenrola em alguns cliques, pode parecer caricato que, há menos de um quarto de século, ainda era difícil a muitos jovens portugueses conhecerem pessoas fora da própria turma da escola, e menos ainda conseguirem os seus números de telefone para os contactar à distância (as redes sociais eram, ainda, meros produtos da imaginação de universitários californianos.)

Um dos muitos métodos que instituições frequentadas diariamente por jovens – como escolas, grupos de juventude e colónias de férias – utilizavam para assegurar que esses mesmos jovens se conheciam e comunicavam, mesmo que não em pessoa, era o mítico e sempre divertido jogo do 'Amigo Secreto' – não aquele em que toda a gente do escritório troca prendas no Natal, mas sim a versão que envolve uma 'caixa do correio' e a atribuição aleatória de um correspondente, ao qual cada jovem deve escrever anonimamente, até que o mesmo desvende o mistério da sua identidade.

Uma premissa que dava, invariavelmente, azo a muita diversão, até porque havia sempre quem não fosse cem por cento honesto, optando por incluir nas suas missivas supostas pistas destinadas a desviar a atenção do correspondente, e o fazer pensar que o seu Amigo Secreto era qualquer outra pessoa. Desde a escrita com uma letra diferente à ambiguidade quanto a detalhes pessoais, eram muitos os subterfúgios utilizados pelos correspondentes mais 'espertos' para prolongar mais um pouco o jogo – e a verdade é que a maioria dos mesmos resultava, obrigando muitas vezes o coordenador do jogo (normalmente um professor ou monitor) a revelar ao respectivo jovem de quem eram, afinal, aquelas cartas secretas.

À semelhança de muitos dos assuntos nostálgicos de que aqui falamos, é fácil perceber porque é que o 'Amigo Secreto' saiu de moda; o advento da Internet 2.0 não só veio facilitar as interacções, conforme descrito no início deste texto, mas também viu nascer uma geração para quem certas nuances desse tipo de jogo talvez não fossem aceitáveis - até porque, no mundo cibernético, a anonimidade é normalmente vista como desculpa para testar limites de que, naqueles idos de 1990 e 2000, a geração hoje entre os vinte e os quarenta anos nem sonhava em tentar aproximar-se, naquele que é só mais um exemplo da forma como a sociedade mudou nas últimas duas a três décadas.

Assim, para quem alguma vez participou num jogo de Amigo Secreto, restam hoje apenas as memórias daquelas folhas de papel cuidadosamente dobradas, com o respectivo nome escrito (e, muitas vezes, decorados a preceito) que se recolhiam daquela caixa toscamente forrada com cartolina e se liam, vorazmente, a um canto, tentando esconder a missiva dos amigos, a fim de evitar a galhofa se, porventura, esta fosse de um membro do sexo oposto...

10.11.21

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

Quem vive imerso no actual Mundo digital, em que a comunicação à distância depende apenas de um ou dois cliques numa de muitas aplicações virtuais especialmente concebidas para o efeito, pode não recordar – ou procurar esquecer – um tempo, ainda bastante presente, em que para comunicar com alguém remoto era necessário adquirir uma série de elementos físicos – como papel, caneta, selos e envelopes – e levar a cabo todo um processo que, na melhor das hipóteses, demorava dias a completar, e na pior das hipóteses semanas.

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Sim, nos anos 90 (e ainda um pouco na primeira década do século e milénio seguintes) praticamente a única maneira de contactar familiares e amigos que se encontrassem longe – e de quem não se tivesse o telefone, bem entendido – era através de cartas, as quais tinham depois de ser seladas e postas no marco do correio, onde eram recolhidas pelo carteiro e, ao fim de dois ou três dias (ou mais, dependendo da distância a que o destinatário se encontrava) finalmente entregues. Um processo demorado, algo moroso, e que – numa altura da História em que o envio de cartas está praticamente reservado a encomendas postais e contactos com entidades oficiais - parece absurdamente arcaico e ultrapassado.

Nem sempre foi assim, no entanto. Tempos houve em que as cartas serviam um propósito bem mais nobre entre a juventude, um propósito que foi entretanto adoptado e expandido por recursos como os fóruns e as redes sociais – nomeadamente, a aquisição de novas amizades. Na era pré-Internet, em que para a maioria das crianças 'rede social' significava apenas o conjunto dos familiares, vizinhos, colegas da escola e amigos do treino de karaté ou ballet, as cartas eram um dos meios que permitiam à juventude – portuguesa e não só – encontrar pessoas com interesses e gostos semelhantes, que (com sorte) se poderiam transformar em novos amigos.

Naturalmente, a adesão a este fenómeno por parte das crianças e jovens foi entusiasta, e durante várias décadas (o fenómeno não se restringe, de modo algum, aos anos 90) era rara a publicação dedicada ao público mais jovem que não incluísse uma página dedicada à troca de correspondência, formação de clubes, ou até troca de artigos de colecção, como selos, cromos ou caricas. Numa era bem mais relaxada no que toca à privacidade, os jovens partilhavam livremente nome, idade e morada, na esperança de encontrar alguém de novo com quem falar, e potencialmente construir uma amizade. E a verdade é que resultava, pelo menos que chegasse para manter estas secções vivas até ao fim da primeira década do século XXI.

Outra enorme vantagem da comunicação por carta, e que meios como o telefone ainda não possuíam à época, era a sua versatilidade, a qual permitia escrever a pessoas não só no nosso país, como em outros locais do Mundo; nascia assim a moda dos 'pen friends' internacionais, encorajada por pais e professores que procuravam instigar nas crianças um interesse pelas línguas. No entanto – talvez pelas diferenças linguísticas e culturais, talvez por ser uma actividade fomentada por terceiros, e como tal menos espontânea que a variante nacional – estas interacções acabam sempre por ser um pouco forçadas, e o interesse por parte de ambas as partes rapidamente se esvaía. Ainda assim, a moda dos 'pen friends' pode ser considerada, não só parte do fenómeno em análise neste artigo, mas como uma precursora presciente do fenómeno do email, dos fóruns e, mais tarde, das redes sociais.

Fica, como tal, evidente que as cartas físicas, não obstante a sua obsolescência no novo milénio, foram parte integrante e importante do processo de socialização de muitos jovens em décadas anteriores – incluindo a de 90. E a verdade é que quem alguma vez enviou um postal ou carta física sabe que – demoras e esperas à parte – o processo transmitia uma sensação muito própria, que o imediatismo das redes sociais e plataformas de comunicação jamais conseguirá replicar...

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