Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.
Os anos 90 viram surgir nas bancas muitas e boas revistas, não só dirigidas ao público jovem como também generalistas, mas de interesse para o mesmo. Nesta rubrica, recordamos alguns dos títulos mais marcantes dentro desse espectro.
O cinema de terror foi, a par do de acção, um dos que mais cedo cativou, e mais fortemente marcou, a geração nascida e crescida entre os anos 80 e o Novo Milénio, muito graças à quantidade e qualidade de filmes com que os dois géneros contribuíram para o panorama cinematográfico daquelas décadas. No caso do cinema de terror, além do factor 'cool' que partilhava com os heróis de acção, havia ainda o atractivo adicional do 'fruto proibido', que fazia muitas crianças e jovens (em Portugal e não só) ficar acordado até tarde, ou programar o VHS, para acompanhar os actos de vingança de Jason Voorhees, Michael Myers e Freddie Krueger, as 'brincadeiras' de Chucky, o Boneco Diabólico, ou simplesmente uma das muitas histórias de fantasmas, fenómenos paranormais e casas assombradas que potenciavam, na mesma época, o retumbante sucesso da série 'Ficheiros Secretos'.
Não foi, assim, de surpreender que este interesse dos jovens pelos filmes de 'meter medo' principiasse, rapidamente, a ser explorado para fins comerciais, com vários produtos dirigidos a crianças a contarem com a imagem de um dos ícones oitentistas do género, ou ainda dos mais clássicos monstros da Universal, que serviam inclusivamente de inspiração para uma popular linha de mini-figuras, que contava mesmo com um desenho animado e jogo de computador próprios. Em meio a tudo isto, um autor infanto-juvenil norte-americano viu no paradigma vigente a oportunidade perfeita de explanar a sua ideia de escrever uma série de contos de terror explicitamente dirigidos a um público mais jovem, no caso em idade primária ou secundária; o resultado foi uma colecção que, em meados dos anos 90, colocaria até os leitores mais relutantes de nariz colado às páginas, marcando assim toda uma geração.
O icónico primeiro volume da colecção, oferecido em conjunto com a revista 'Super Jovem',
Falamos da colecção 'Arrepios', de R. L. Stine, cujo aparecimento em solo lusitano se insere confortavelmente em duas categorias do nosso blog; isto porque, apesar de se tratar de uma colecção de livros (que entraria normalmente nas Quartas de Quase Tudo), os volumes eram vendidos, sobretudo, em bancas de jornais e papelarias, tornando-os também candidatos às Quintas no Quiosque. A icónica série de Stine consegue, assim, o feito de ser tema do primeiro 'post' híbrido de dois dias diferentes da História do Portugal Anos 90, valendo o presente texto pelos dias 1 e 2 de Novembro de 2023 – uma altura, aliás, bastante apropriada para falar de livros centrados no sobrenatural, espíritos e monstros, e que, muito antes de o Halloween ser oficialmente importado e adoptado como festa em Portugal, já causava calafrios (ou, bem, 'Arrepios') nas então crianças nacionais.
Isto porque, apesar de algo básicos pelos padrões de uma demografia que já 'devorava' 'Uma Aventura', 'Viagens no Tempo', 'O Clube das Chaves' ou as obras de Alice Vieira, estes livros conseguiam, dentro da sua 'fórmula', criar uma atmosfera bastante eficaz para as suas histórias, a maioria das quais se baseava em medos primários do público-alvo, como monstros, mutantes, bonecos assassinos, casas assombradas, predadores terrestres ou aquáticos, ou ainda os inevitáveis 'zombies'. E se é certo que nem todos os livros acertavam no 'alvo' ('O Feitiço do Relógio de Cuco' tem mais de comédia involuntária do que de arrepiante experiência de terror) os que atingiam este fim prestavam-se a releituras sucessivas, e tornavam-se assunto de discussão no recreio da escola, algo a que muito poucas colecções além das supracitadas conseguiam almejar.
Grande parte do sucesso dos primeiros vinte volumes da colecção em Portugal pode, no entanto, ser também atribuído ao modelo de venda escolhido pela Abril/Controljornal, que aproveitava a sua hegemonia no campo dos periódicos infantis para lançar 'Arrepios' nas bancas, e a um preço bastante convidativo para as carteiras dos jovens da altura, custando cada livro pouco mais do que uma banda desenhada das mais 'grossas'. A oferta do primeiros volume da colecção na compra da revista 'Super Jovem' (também da editora) ajudou a difundir ainda mais a nova colecção junto do público-alvo, havendo decerto muito poucas crianças daquela época que não tenham tido, pelo menos, este livro na sua estante. As 'letras grandes', linguagem simples e histórias apelativas (apesar dos finais estilo 'Scooby-Doo' e invariavelmente desapontantes) encarregavam-se do resto, tornando 'Arrepios' numa das mais bem sucedidas séries de livros entre quem não gostava de ler.
Infelizmente, a Abril cometeu o erro de saturar o mercado com cada vez mais livros da colecção, além da série-irmã que oferecia uma experiência estilo 'Aventuras Fantásticas' e de outra série de R. L. Stine, 'A Babysitter', sobre uma azarada adolescente que vê todos os seus trabalhos de ama-seca transformarem-se numa perseguição por parte de um tarado ou psicopata. Apesar da relação com 'Arrepios', nenhuma destas colecções (ou até mesmo os livros subsequentes da própria série) conseguiram o mesmo sucesso dos primeiros volumes, não conseguindo crescer com o público-alvo nem tão-pouco competir com o baluarte da literatura infanto-juvenil em Portugal que era (e é) 'Uma Aventura'. Assim, foi sem surpresas que a colecção 'saiu de fininho' de 'cena' ainda antes do Novo Milénio, deixando como legado os volumes arrumados nas estantes do quarto de muitas crianças e uma série televisiva relativamente bem-sucedida, exibida no espaço 'Buereré' da SIC, nas manhãs de fim-de-semana; é possível, no entanto, que esta situação mude, e que o recente (e bem-sucedido) filme com Jack Black venha a suscitar o interesse da Geração Z pelos livros que adornavam a estante dos pais quando estes tinham pouco mais ou menos a mesma idade. Enquanto não assistimos a um ressurgir de 'Arrepios', no entanto, fica a recordação de uma série de livros que acabou por marcar época, e que, apesar dos evidentes defeitos e falhas, merece bem um lugar (duplo!) nestas nossas páginas nostálgicas.