16.06.21
A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.
As bandas desenhadas com temática futebolística são tudo menos comuns – e nos anos 90, ainda menos o eram. Se a década de 70 havia tido Sport Billy, a de 80 Pelezinho, e o novo milénio viria a ter Ronaldinho Gaúcho e Neymar (estas três últimas da Mauricio de Sousa Produções, ‘especialista’ neste tipo de história) os anos 90 não viram ser editado qualquer título alusivo a esta temática, pelo menos que chegasse a Portugal. Nem mesmo a BD franco-belga ajudava, estando os heróis da mesma mais virados para aventuras do que para competições desportivas (e quando competiam, era em desportos como a corrida, como era o caso com Michel Vaillant.)
Num post em que se pretende falar de revistas aos quadradinhos dos anos 90 e, ao mesmo tempo, fazer alusão ao Campeonato Europeu que ora se desenrola – ou, pelo menos, a futebol em geral – é, portanto, mesmo preciso puxar pela imaginação; felizmente, imaginação é coisa que não falta por aqui – e, como tal, conseguimos mesmo arranjar maneira de ligar estes dois temas, falando dos dois maiores apaixonados pelo desporto-rei daquela época.
Situados em lados opostos da barreira Disney/Mauricio de Sousa que dividiu e continua a dividir a BD brasileira, estes dois personagens personificam o fanatismo brasileiro por futebol, o qual rivaliza ou até supera o do continente europeu; assim, numa semana em que nos debruçamos sobre o futebol nas suas mais diversas formas, nada mais justo do que prestar-lhes a devida homenagem.
E começamos, desde logo, pelo representante da Disney – nada mais, nada menos do que o personagem mais declaradamente brasileiro do seu elenco, Zé Carioca, o qual, depois de as suas histórias terem sido definitivamente e exclusivamente centralizadas nos estúdios brasileiros da Disney, passou a aparecer frequentemente ‘trajado a rigor’ com o uniforme cor-de-rosa da equipa do seu bairro, o Vila Xurupita F. C., no qual actua como ponta-de-lança e goleador. De igual modo, várias das histórias do personagem passaram a ter como tema central o futebol, e as agruras do ‘time’ amador de Zé, Pedrão, Nestor, Afonsinho e companhia – o qual, apesar de não ser lá grande ‘espingarda’, chegou a ter oportunidade de enfrentar o Flamengo (equipa do coração de Zé) num jogo beneficente, numa história muito bem conseguida.
Uma das edições especiais de Zé Carioca alusivas ao Mundial de Futebol, esta lançada nos anos 90
A paixão de Zé pela ‘bola’ estende-se, no entanto, para lá dos limites do terreno de jogo, sendo que quando não está em campo, o papagaio é muitas vezes visto a ‘sofrer’ em frente à televisão, já que dinheiro para ir ao estádio, raramente existe (sendo as excepções as vezes em que consegue assistir ao vivo a um Campeonato do Mundo, em edições especiais temáticas.) Enfim, um ‘adepto-modelo’, com o qual muitos de nós certamente se identificavam e identificarão.
O mesmo, aliás, pode ser dito do seu congénere do outro lado da ‘barricada’ (e do eixo Rio-São Paulo), o igualmente fanático Cascão. E se Zé Carioca representa o adepto adulto, ainda que irresponsável, Cascão representa a criança que todos fomos, ou pelo menos, contra quem todos jogámos – aquele ‘puto’ que tinha jeito para a ‘bola’, ‘levava tudo à frente’, driblava meia equipa e marcava grandes golaços. É precisamente isto que vemos Cascão fazer na maioria das histórias em que o vemos jogar futebol, e mesmo os amigos não têm qualquer pejo em o considerar a ‘estrela’ das suas ‘peladinhas’ – em contraste directo com o melhor amigo Cebolinha, que é considerado ‘grosso’ (‘tosco’). Este chegou, mesmo, a ser o tema central e único de não uma, mas duas publicações da MSP,, uma ainda nos anos 90 e outra mais recente.
A edição temática sobre futebol lançada nos anos 90, com Cascão como protagonista
Tal como com Zé Carioca, no entanto, a paixão de Cascão extravasa os jogos de rua com os amigos; ‘doente’ pelo Corinthians, por quem sonha um dia jogar, o ‘sujinho’ da MSP é muitas vezes visto com a camisola do ‘Timão’ orgulhosamente envergada, e chega mesmo a acompanhar o pai a jogos do seu clube do coração, durante os quais vibra incessantemente. Mais uma vez, quem não se identificar, que atire a primeira pedra…
Em suma, apesar de não residirem na Europa nem terem sido criados por artistas europeus, estes dois personagens simbolizam de tal forma a paixão global e internacional por futebol, que acabam por se encaixar perfeitamente nesta semana especial europeia; porque se a presente competição fosse um campeonato mundial em que o Brasil participasse, podem crer que os dois estariam lá, na primeira fila, lado a lado, vestidos a rigor, e a fazer a festa…