05.06.22
Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidades do desporto da década.
No mercado futebolístico global de hoje, é prática corrente ver jogadores das mais diversas proveniências alinharem nos principais campeonatos europeus e mundiais; em finais do século XX, no entanto, a situação era um pouco diferente, sendo que cada liga profissional tendia a acolher, sobretudo, jogadores de certas e determinadas proveniências – em Portugal, por exemplo, prevaleciam os futebolistas sul-americanos (sobretudo brasileiros), africanos, e da Europa de Leste.
Ainda assim, aqui e ali, surgia em cena um jogador oriundo de um país menos comum para cada campeonato, não sendo o nosso País excepção nesse campo - de facto, na última edição desta rubrica, abordámos precisamente um desses nomes, o sul-africano Eric Tinkler; esta semana, 'repetimos a dose' para falar de um jogador incomum para a nossa liga, não só pela nacionalidade, mas pela marca que deixou em apenas duas épocas em Portugal, e sem nunca ter alinhado por um 'grande' da modalidade.
Jimmy ao serviço do Boavista
Falamos de Jerrel Floyd Hasselbaink, mais conhecido nos meandros do futebol como Jimmy, um nativo do Suriname (também conhecido como Antilhas Holandesas) que 'aterrou' em Portugal no início da época 1995/96 para representar as cores do Campomaiorense, tendo-se antes destacado como jovem promessa do AZ Alkmaar, por quem realizara 46 jogos (marcando 5 golos) ao longo de quatro épocas. Por alturas da chegada a Portugal, a posição que então ocupava, extremo-direito, havia já sido moldada para o transformar num homem de área, função na qual se notabilizou não só em Portugal, mas durante todo o resto da sua carreira.
O cromo do jogador na caderneta do Campeonato Nacional 95/96, o primeiro dos dois que passou em Portugal
A razão para tal fama e reputação começou, aliás, a ser delineada logo nessa época, em que marcaria doze golos em 31 jogos - uma marca invejável para um avançado de uma equipa da metade inferior da tabela, e que lhe valeu, logo na época seguinte, a transferência para o então 'quarto grande' Boavista, então viveiro de talentos e 'casa' de outro notável 'grande dos pequenos', o guardião William Andem. Ao serviço dos axadrezados, Jimmy continuaria a estabelecer credenciais de goleador, atingindo desta feita a marca dos vinte golos, conseguidos ao longo de apenas vinte e nove exibições – uma média de um golo a cada jogo e meio, ou um golo a cada 120-125 minutos! - e ajudando o emblema do Porto a conquistar a Taça de Portugal relativa à época de 1996-97.
Os golos de Jimmy ao serviço dos axadrezados, que lhe valeram interesse do estrangeiro
Com uma época a este nível – e, recorde-se, em outro clube que não um dos três principais do campeonato – foi com naturalidade que os adeptos do clube do Bessa viram Jimmy abandonar a agremiação portuense, a caminho de mais altos vôos: nada mais, nada menos do que o campeonato inglês (então ainda na sua fase pré-Premiership), para onde se transferiria a troco de dois milhões de libras – cerca de 465 mil escudos – para representar o Leeds United. E se, em Portugal, os números de Jimmy já haviam sido impressionantes, no Reino Unido, o avançado revelou-se um 'matador' ainda mais letal, conseguindo a Bota de Ouro na sua segunda época ao serviço do clube da zona de Yorkshire, quando competia com nomes como Teddy Sheringham e Alan Shearer!
Esse troféu permitiu, por sua vez, ao avançado dar o 'salto' para Espanha, para representar o então 'aflito' Atlético de Madrid, onde passaria apenas uma época, na qual deixou ainda assim a sua marca, com vinte e quatro golos em 34 jogos – uma marca impressionante para um avançado de um clube que acabaria despromovido, apesar do brilharete na Taça do Rei! Seguir-se-ia um regresso a Inglaterra, para ingressar no Chelsea pré-Mourinho e Scolari, pelo qual alinharia durante quatro épocas, fazendo jus à veia goleadora pela qual era conhecido com 69 golos em 136 jogos, atingindo aquele que terá provavelmente sido o auge da sua carreira como futebolista.
Mesmo em fase descendente, no entanto, Jimmy não perderia as suas faculdades, como demonstraria no seu último grande emblema, o Middlesbrough, ao serviço do qual marcaria vinte e dois golos em 58 jogos, ao longo de duas épocas. As passagens subsequentes pelo Charlton e Cardiff City seriam de menos nota, embora o já veterano avançado tenha, ainda assim, exercido papel preponderante nas épocas dos dois emblemas, realizando vinte e cinco jogos pelo primeiro e 36 pelo segundo; os golos, esses, é que já não surgiam como dantes, somando Jimmy apenas nove no cômputo das duas temporadas.
Um fim, ainda assim, honroso para uma carreira que começaria quase imediatamente de novo, desta vez do outro lado das quatro linhas, no papel de treinador – primeiro como assistente no Nottingham Forest, e mais tarde como 'timoneiro' dos destinos de emblemas mais ou menos modestos, como eram o Antuérpia, o Burton Albion (clube pelo qual acaba de iniciar a sua segunda passagem), o Queens Park Rangers e o Northampton Town; e ainda que esta fase da carreira do surinamenho se desenrole a um nível algo inferior ao dos seus tempos de futebolista, a verdade é que Jimmy não deixa ainda assim de demonstrar o seu polivalente talento nas diversas áreas do futebol.
Para muito boa gente, no entanto – sobretudo de nacionalidade portuguesa – Jimmy não será lembrado como treinador das divisões inferiores inglesas, nem como 'artilheiro' do Leeds, Atlético, ou mesmo do Chelsea; para esses adeptos, o 'homem dos três nomes' será, para sempre, o avançado matador que fazia 'mexer' o Campomaiorense e Boavista de meados da década de 90, e que foi 'recrutado' para mais altos vôos antes que qualquer dos três 'grandes' tivesse oportunidade de o contratar, tornando-se assim, por definição, um dos verdadeiros 'grandes dos pequenos' do futebol português daquela época.