12.11.24
Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.
Nunca um canal 'premium' teve tanta audiência e tão pouca aderência; nunca uma emissora com tão pouco conteúdo acessível, ou até perceptível, foi tão icónica e marcante para tão grande parte de uma demografia; e nunca os 'riscos de estática' de um canal codificado geraram tanto entusiasmo em tantos habitantes de um só País. Todos o conheciam, todos o discutiam no pátio da escola, todos tentavam 'decifrá-lo' às escondidas dos pais, mas – talvez por razões óbvias – poucos ou nenhuns lhe tinham acesso, pelo menos a partir de certa hora. 'Camuflado', durante o dia, de inocente e inócuo canal de 'lifestyle', a partir da 'hora de deitar', aquela posição no primeiro terço da lista de canais da TV Cabo adquiria, passe o trocadilho, outra 'frequência', e passava a ser dedicada a, digamos, outros 'modos de vida', algo mais arriscados e controversos. Ao longo dos anos, foram várias as designações e grafismos, mas sem que nunca se alterassem a proposta, a localização na grelha a cabo e o nome por que era coloquialmente conhecido em função da mesma: chamasse-se o que se chamasse, para quem dele falava, era sempre o 'Canal 18'.
Elemento incontornável dos anos formativos da população masculina portuguesa de uma certa idade (e, imagina-se, também de alguma percentagem do público feminino) a lendária emissão erótico-pornográfica da TV Cabo portuguesa dividia o canal com que era sinónimo com um vizinho de 'time-sharing' de características diametralmente opostas – o espanhol Viver/Vivir, que nada possuía de controverso ou censurável. Essa 'face diurna' da posição 18 da grelha pouco interesse retinha para os adolescentes, no entanto; eram os minutos após o fim da transmissão da mesma que viam milhares de jovens de Norte a Sul do País 'esgueirarem-se' para a sala de estar (ou, para os mais sortudos, ligarem a televisão do quarto) para olhar para 'riscos de estática', dos quais emanavam gemidos, grunhidos e palavrões dobrados no mais 'azeiteiro' espanhol. Por vezes, com sorte, era possível ler uma legenda, ou ver metade de uma imagem distorcida, mas na maior parte do tempo, a experiência ficava-se mesmo, em grande parte, pelo domínio do áudio – a menos, claro está, que o canal estivesse num dos seus raros períodos de emissão aberta, caso em que havia que aproveitar ao máximo...
Apesar deste cariz codificado e secretista, o 'canal 18' – que, a partir de certo ponto, veria 'cortada' a sua 'ligação' com o Viver/Vivir, passando a ocupar por si mesmo toda a emissão da referida posição – foi icónico o suficiente entre os 'millennials' portugueses para não só ver o seu nome tornar-se sinónimo de qualquer forma de 'media' erótico lançada no País, como também gerar pelo menos uma frase daquelas que, hoje, seriam taxadas de 'meme': o famoso 'hó sí carinho!', sempre dito com exagerada entoação espanhola, por forma a emular as actrizes responsáveis pelas dobragens do canal.
Com o passar dos anos, no entanto – e o alargamento da grelha da TV Cabo – o canal em causa acabou por ser 'expulso' da sua icónica posição, vindo eventualmente a extinguir-se devido a influências políticas. E ainda que, nesta era de fácil acesso a conteúdos eróticos não-codificados – o interesse e relevância deste tipo de canal seja cada vez mais reduzido, para uma larga maioria de ex-jovens portugueses, hoje na casa dos quarenta anos, o (ex-)'canal 18' representará, para sempre, a sua primeira forma de contacto com aquela vertente algo mal-afamada da existência humana que tanto tem fascinado os adolescentes do sexo masculino ao longo das décadas e gerações...