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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

18.03.25

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

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Um dos fenómenos sociais mais pervasivos das últimas cinco décadas em Portugal – sensivelmente desde a globalização dos televisores caseiros – vem sendo a miscigenação da cultura portuguesa com a brasileira, não só através da imigração, como também da importação de produtos mediáticos daquele País. E se, hoje em dia, esse cruzamento se limita às eternas telenovelas, a um ou outro canal da TV Cabo e às revistas da Turma da Mônica, há trinta anos, o panorama de propriedades intelectuais brasileiras presentes em Portugal era bem mais vasto, com as referidas telenovelas e as bandas desenhadas da Abril e Globo à cabeça. E terá sido, precisamente, através das referidas bandas desenhadas que uma larga parcela da população nacional terá tido o primeiro contacto com um dos mais famosos produtos mediáticos saídos do país-irmão – a 'troupe' de comediantes conhecida como Os Trapalhões.

E se a referida BD da Globo tinha como foco versões infantis do quarteto, não tardaria também a que as crianças e jovens daquela época ficassem a conhecer os 'verdadeiros' Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, quando – há quase exactos trinta e um anos, em Março de 1994 – o seu programa, lendário no Brasil, chegou finalmente aos televisores nacionais, pela mão da SIC. E a verdade é que, previsivelmente, a inspirada colecção de 'sketches' cómicos de índole 'pastelona' (com alguns dichotes brejeiros à mistura) não tardou a conquistar o público-alvo, sempre aberto a tentativas de humor deste tipo – sobretudo quando se afirmavam como bem acima da média, como era o caso. Sem nunca se terem tornado um 'caso de estudo' de popularidade, como o eram no seu país natal, Os Trapalhões encontravam, assim, em Portugal uma audiência suficientemente devota e fiel para justificar a 'aventura' inédita que o quarteto encetaria logo no ano seguinte, e sobre cuja estreia se comemoram por estes dias exactas três décadas.

Falamos de 'Os Trapalhões em Portugal', a produção nacional (da própria SIC) que procurava recuperar o formato de sucesso do programa original, ao mesmo tempo que o ambientava por terras lusitanas, com os Trapalhões ainda restantes – Didi e Dedé – a contracenarem com coadjuvantes com sotaque português, em cenas típicas da vida quotidiana nacional. Uma ideia que poderia ter resultado – e que, sob algumas métricas, resultou mesmo, já que o programa fez tanto sucesso quanto o seu antecessor – mas que perdia consideravelmente pela ausência da 'outra metade' do grupo, a saber, os malogrados Mussum e Zacarias, que muitos consideravam serem as principais fontes da comédia do grupo. Com apenas Didi como verdadeiro Trapalhão (Dedé sempre desempenhou o papel de elemento mais sério do grupo) e com a presença de actores portugueses a ressalvar a diferença de abordagem e desempenho em relação aos brasileiros, o resultado era um produto algo menos fluido, e mais 'bem-comportado', do que o hilariante original da Globo.

Ainda assim, conforme referimos acima, 'Trapalhões em Portugal' chegou a fazer sucesso entre a juventude lusitana da época, e será ainda recordado por parte dela como um dos elementos nostálgicos da sua infância ou adolescência, merecendo assim destaque nestas nossas páginas no mês em que se completam trinta anos sobre a sua primeira emissão.

10.04.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Os anos 70, 80 e 90 viram chegar a Portugal um considerável influxo – quase uma 'inundação' – de títulos de banda desenhada oriundos do Brasil, de qualidade variável, mas quase sempre acima da média. Disponíveis em qualquer quiosque – e havia-os em número quase infindável de Norte a Sul do País – as revistas das editoras Abril e Globo deram a conhecer aos jovens portugueses muitos dos mais populares personagens e grupos entre os seus contemporâneos do outro lado do oceano, dos inúmeros heróis da Marvel, DC ou Disney (companhias que, mais tarde, viriam a ser editadas a nível nacional) a colectivos como a Turma da Mônica ou Os Trapalhões, e popularizaram entre esta demografia nomes como os de Mauricio de Sousa ou do criador a quem dedicamos este 'post', e que faleceu este fim-de-semana, com a provecta idade de 91 anos.

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Falamos de Ziraldo Alves Pinto - mais conhecido apenas pelo seu primeiro nome – à época já um dos mais destacados criadores de banda desenhada do Brasil, tendo sido pioneiro na criação de obras de banda desenhada de 'autor único' por terras de Vera-Cruz, feito que logrou almejar logo em inícios dos anos 60 (mais de uma década antes do 'rival' Mauricio) com a criação da revista 'Turma do Pererê', centrada num grupo de criaturas da mata liderado pelo inconfundível saci, um dos principais personagens do folclore brasileiro. Por essa altura, o estilo inconfundivel do autor – quer a nível de desenhos, quer de diálogos – era já bem conhecido de diversos jornais brasileiros, pelo que o sucesso de que o título imediatamente gozou entre o seu público-alvo não foi, de todo, surpreendente; ainda mais do que os referidos trabalhos, no entanto, foi 'Turma do Pererê' (revista que teve duas fases distintas, uma antes e outra depois da ditadura militar ter sido instaurada no Brasil) a responsável por popularizar o nome do desenhista entre as crianças da época.

Não se ficaria por esses anos, no entanto, a fama de Ziraldo – antes pelo contrário, o personagem mais icónico e sinónimo com o desenhista ainda estava para ser criado, surgindo apenas no início da década de 80, já depois de outras duas tentativas menos bem sucedidas por parte do autor. Tratava-se d''O Menino Maluquinho', uma típica criança da época, de imaginação delirante e sempre pronta a criar brincadeiras, planos e esquemas mirabolantes, nos quais não tardava a envolver os restantes jovens do seu prédio: o melhor amigo Bocão, a namoradinha Julieta, a melhor amiga desta, Carolina, o intelectual e sensato Lúcio, o pequeno, tímido e ansioso Junim, e até, por vezes, o 'valentão' Herman e a namorada deste, a bonita e vaidosa Shirley Valéria. O resultado eram histórias e aventuras tão 'mirabolantes' quanto ancoradas na realidade, quase como uma 'Turma da Mônica' mais urbana e contemporânea, ou não vivesse Maluqinho num prédio de apartamentos.

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A revista que popularizaria Ziraldo entre o público infanto-juvenil português.

Mais uma vez, o sucesso desta publicação foi imediato, com a revista de Maluqinho (editada como resultado da boa recepção que o seu álbum de tirinhas havia recebido aquando da sua edição em 1980) a competir com os 'mega-sucessos' de Mauricio ou dos estúdios Disney pelas semanadas do seu público-alvo, e a lograr permanecer nas bancas durante um período inicial de oito anos, de 1988 a 1996. Foi, também, durante esta fase que os leitores portugueses ficaram a conhecer Maluquinho, e que Ziraldo conseguiria maior penetração no mercado nacional – além do periódico de banda desenhada, o autor veria também chegar a solo luso os livros das séries ilustradas 'Corpim', dedicada às diferentes partes do corpo, e 'O Bichinho da Maçã', talvez o seu trabalho mais conhecido a seguir a 'Maluquinho'.

Infelizmente, tal como a maioria dos autores de BD brasileiros à excepção de Mauricio, também Ziraldo não resistiria ao 'colapso' do mercado de banda desenhada periódica português, posteriormente reduzido a meia-dúzia de títulos da Turma da Mônica, Disney, Marvel e DC, por oposição à 'bonança' desfrutada pela geração 'millennial'. Assim, enquanto no seu Brasil natal as suas franquias seguiam de 'vento em popa' (com Maluquinho a ficar nas bancas até inícios da presente década, e a ter inclusivamente direito a títulos de 'crossover' com Mônica e Cebolinha e adaptações cinematográficas) a sua popularidade em Portugal não resistiu à chegada à idade adulta da geração nascida nos anos 80 e 90. Para esses, no entanto, a notícia da morte do autor – pacífica, no seu apartamento – não deixará de gerar uma 'pontada' de dor, saudade e nostalgia por mais um elemento da sua infância que desaparece para sempre, sem retorno... Que descanse em paz.

30.10.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

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Apesar de não ser especialmente comum, o caso de um artista obter mais sucesso num país estrangeiro do que no seu de origem não é, de todo, inaudito; antes pelo contrário, o Portugal dos anos 90 assistiu a pelo menos três ocorrências deste fenómeno, com Iran Costa, em 1995, e Netinho, em 1998, a 'desbravarem caminho' para aquele que viria a ser o exemplo definitivo deste paradigma, tomando de assalto os 'tops' portugueses durante grande parte deste último ano, e batendo recordes de vendas para um único disco ainda hoje vigentes. Falamos, é claro, de Daniela Mercury, a cantora pop brasileira cujo quarto disco, 'Feijão com Arroz', atingiu em Portugal a marca de sêxtupla platina (correspondente à venda de quase 250 mil unidades) e inscreveu o seu nome no livro de recordes nacional como o álbum mais vendido de sempre no nosso País, além de dar às rádios nacionais um 'hit' perene para as suas 'playlists', na forma do single 'Nobre Vagabundo'.


À primeira vista, todo este sucesso pouco tem de invulgar; a surpresa chega quando se percebe que, apesar de ser já o quarto lançamento da cantora, este é o álbum de revelação de Daniela Mercury no mercado português. De facto, apesar de gozar já de enorme sucesso no seu país natal (onde 'Feijão com Arroz' é apenas o segundo álbum mais vendido da sua carreira, ficando atrás do anterior 'O Canto da Cidade') a cantora tinha, até então, sido incapaz de expandir o seu raio de acção a mercados internacionais, uma situação que mudou da forma mais drástica possível quando 'Nobre Vagabundo' pôs meio mundo a perguntar quanto tempo tinha para matar essa saudade, e um em quatro lares portugueses a investir na compra do disco – prova do poder que um single forte continua(va) a ter sobre o melómano casual.

Surpreendente é, também, o facto de – ao contrário da conterrânea Ivete Sangalo, alguns anos depois – o apelo de Mercury junto do público português não ter sido sustentado, não havendo registo de qualquer outro álbum na carreira da cantora cujos números sequer se aproximassem dos de 'Feijão com Arroz'. Assim, à semelhança do supracitado Netinho, Daniela veria o seu legado por terras lusitanas ficar-se por um single 'arrasa-quarteirões' e um disco recordista de vendas, não tendo qualquer destes dois factores almejado o seguimento que naturalmente se lhes previa; de facto, a cantora brasileira escapa por muito pouco ao rótulo de 'one-hit wonder' no contexto do mercado fonográfico em Portugal.

A carreira da cantora em si esteve longe de declinar após este marco, entenda-se – pelo contrário, Mercury viria a cantar com Alejandro Sanz e Paul McCartney (este último na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz) e tocar em conceituados festivais de jazz; em Portugal, no entanto, a natural da Bahia continua a ser conhecida, sobretudo, como a artista que, com apenas um único disco, conseguiu tornar-se o terceiro nome musical mais vendido de sempre no nosso País, apenas atrás de Julio Iglesias e do conterrâneo Roberto Carlos; no total, foram mais de um milhão de discos vendidos no último quarto de século – uma marca impressionante por parte de uma artista que dominou por completo os 'tops' de vendas em 1998, mas que continua a ser, sobretudo, conhecida por essa já decana façanha...

23.11.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser tão ou mais popular em Portugal quanto no resto da Europa ou na América do Sul e Latina, o futebol só recentemente se tornou tema viável para obras de banda desenhada criadas em território luso, sendo os seus principais representantes a série de humor 'Os Campeões' e a também cómica (ainda que de forma não intencional) 'Cristiano Ronaldo Strike Force'; antes destes exemplos – todos criados já do lado de 'cá' do Novo Milénio – o único exemplo de BD expressamente dedicada a este tema era o álbum de cariz didáctico e informativo sobre a 'História dos Campeonatos do Mundo', lançado pelas Edições ASA em meados da década de 80.

Esta escassez de títulos dedicados ao desporto rei 'made in Portugal' obrigava, por sua vez, os jovens bedéfilos lusos a recorrer a fontes do país irmão, o Brasil, para satisfazerem a sua vontade de ler 'histórias aos quadradinhos' ambientadas em torno de jogos de 'bola'. Mesmo do outro lado do Atlântico, no entanto, a oferta não era tão abundante quanto se pudesse pensar – além do personagem Pelezinho, criado por Mauricio de Sousa (também criador da Turma da Mônica) e que apareceria apenas esporadicamente durante os anos 90, sendo mais tarde 'sucedido' por Ronaldinho, apenas um título dedicava verdadeiramente a sua atenção ao futebol, muito por conta da paixão assolapada do seu protagonista pelo desporto – a qual, por sua vez, levaria à publicação de uma memorável série de quatro revistas na Primavera de 1994.

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Três das quatro capas da série.

Falamos de 'Zé Carioca na Copa', o título alternativo dado aos números 1997 a 2000 da edição normal da revista 'Zé Carioca', e justificado pela presença de uma história principal em que o simpático papagaio procura (e consegue) viajar para os EUA, a fim de assistir ao vivo ao Mundial que ali se desenrolava naquele ano. Escusado será dizer que, pelo caminho, o nosso herói vivia uma série de peripécias e vissicitudes – muitas delas ligadas à dificuldade em sair do próprio Brasil, derivada da sua perpétua falta de fundos monetários – que requeriam o uso de toda a sua 'malandrice' para ultrapassar, na prossecução do objectivo-mor delineado.

Editada durante uma das fases áureas da edição brasileira da revista (pouco depois de uma das poucas mudanças de 'visual' que não foram acompanhadas de um decréscimo de qualidade) esta história em quatro partes apresenta, evidentemente, um altíssimo nível técnico, como era apanágio da publicação na altura (o qual, aliás, fica bem patente logo nos cuidados desenhos das capas acima reproduzidas) prometendo muitas e boas gargalhadas aos fãs de futebol, do personagem, ou simplesmente das revistas de BD da Disney publicadas pelo ramo brasileiro da Abril à época.

De referir que, além destes quatro números, houve ainda um outro, especial, também intitulado 'Zé na Copa' e lançado em 1998, como brinde na compra de outras revistas Disney, como forma de assinalar a competição realizada nesse ano; no entanto, a informação sobre esta BD disponível na Internet não vai muito além da capa, pelo que nos é impossível analisá-la mais a fundo.

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Capa da edição especial alusiva ao Mundial de França '98

No cômputo geral, e apesar do exemplo existente ser de alto nível, a ausência de mais publicações alusivas aos Campeonatos Mundiais é desapontante, sendo que nem o outro grande fã do desporto-rei da banda desenhada da época, o Cascão da Turma da Mônica,teve direito a qualquer história ou número especial na sua revista. Ainda assim, como diz o ditado, o que existiu foi 'melhor que nada', especialmente dado que 'Zé Carioca na Copa' é tão bom que ainda se 'aguenta bem' nos dias de hoje, quase trinta anos após a sua publicação – um feito que, convenhamos, não está ao alcance de qualquer um...

18.02.22

NOTA: Este post corresponde a Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2022.

Os anos 90 viram surgir nas bancas muitas e boas revistas, não só dirigidas ao público jovem como também generalistas, mas de interesse para o mesmo. Nesta rubrica, recordamos alguns dos títulos mais marcantes dentro desse espectro.

NOTA: Este post não pretende promover qualquer ideologia religiosa, destinando-se, tão-somente, a recordar uma publicação que, coincidentalmente, tem ligações a determinada fé. 

Embora as escolas públicas sejam (ou devam ser) um espaço onde as crianças são livres de desenvolver as suas próprias ideologias sociais e religiosas, tal não impediu que, nos anos 90, houvesse uma tentativa de fazer com que as crianças portuguesas compreendessem, especificamente, a religião católica, nomeadamente através das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, que muitas escolas primárias incluíam no seu horário lectivo semanal; verdade seja dita, no entanto, aquelas horas semanais tendiam, muitas vezes, a focar assuntos que se podiam considerar do foro laico – como era o caso da cidadania, do respeito ao próximo ou da problemática da liberdade 'versus' libertinagem, por exemplo – e que era importante incutir nas crianças logo a partir de tenra idade, seguissem elas ou não a religião cristã e católica.

Era precisamente este princípio – ensinar princípios, não só cristãos como de sociabilidade geral, de forma descomprometida e divertida – que informava, na mesma época, uma publicação oriunda do Brasil, e disponível em Portugal exclusivamente através de assinatura, normalmente contraída, precisamente, em ambiente escolar: a famosa revista Nosso Amiguinho.

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Edição de  Novembro de 1986 da revista, distribuído numa escola primária de Lisboa cerca de meia década depois, como 'amostra grátis' durante uma campanha de angariação de assinaturas

Concebida em 1952 pelo editor Miguel J. Malty, a revista vem, desde então, sendo ininterruptamente publicada pela Casa Publicadora Brasileira, uma editora ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma das fés mais populares naquele país. No total, são já setenta anos em que (à parte as habituais adaptações ao correr dos tempos, como a passagem de uma para várias cores) a revista manteve, grosso modo, o mesmo formato – uma mistura de banda desenhada, passatempos, receitas, curiosidades e, claro, transmissão de valores morais, éticos e comportamentais associados à religião em causa,. No papel de anfitriões (e, muitas vezes, receptores) neste processo de aprendizagem encontrava-se a Turma do Noguinho, um conjunto de personagens infantis criados em 1972 pelo então editor Ivn Schimidt e pelo desenhador uruguaio Heber Pintos que pretendia ser a resposta religiosa a outras 'turmas' super-populares da banda desenhada secular brasileira da época, como a da Mônica, dos Trapalhões ou do Menino Maluquinho. E apesar de os conteúdos da Nosso Amiguinho não terem (obviamente) o elemento humorístico e politicamente incorrecto que fazia com que esses trabalhos fossem tão apreciados pelo público-alvo, a verdade é que os mesmos conseguiram suficiente popularidade junto do mesmo para manter a revista no mercado durante as referidas sete décadas.

Na verdade, mesmo para quem não é Adventista de Sétimo Dia, a revista lê-se (ou, pelo menos, lia-se, nos anos 90) extremamente bem, embora os seus conteúdos não escapem – nem queiram escapar – àquele tom levemente moralista demais, que pode (e poderá) ter levado alguns a torcer o nariz à revista, tanto à época como nos dias de hoje. O preço da assinatura (que chegava a ser mais cara do que a de algumas revistas equivalentes do mercado secular) terá sido o outro principal entrave à expansão da revista no mercado português, onde penetrou em 1986, e onde permanece firme (ainda que apenas num pequeno nicho, conforme descrito acima) até aos dias de hoje.

De facto, a Nosso Amiguinho continua, hoje, a seguir 'de vento em popa', tendo actualmente o atractivo adicional de poder ser assinada directamente online, sem recurso ao mediador escolar, e continuando a oferecer a pais afectos à religião em causa (e a outros a quem a declarada afiliação religiosa não incomode) um meio de transmitir aos seus filhos em idade escolar básica mensagens e conceitos importantes, de uma forma divertida – isto, claro, se tiverem dinheiro para a assinatura...

22.11.21

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

O povo português vem tendo, ao longo dos tempos, uma relação estreita com a música brasileira, talvez pelo idioma partilhado entre os dois países, e que transforma Portugal num dos principais mercados para os diversos géneros e estilos saídos do país-irmão. Não só os discos e músicas de artistas brasileiros vendem bem no nosso país, como a própria música popular portuguesa (vulgo 'música pimba') se apropria livremente de estruturas, letras e até melodias de estilos como o forró e o sertanejo, demonstrando assim cabalmente a influência que o produto musical de terras de Vera Cruz tem no lusitano.

Nos anos 90 e 2000 não era, no entanto, preciso ir tão longe para demonstrar este argumento – bastava olhar para as tabelas de vendas e 'playlists' radiofónicas para perceber o impacto que os artistas populares brasileiros tinham entre o público consumidor português. De Roberto Leal aos Mamonas Assassinas, e de Iran Costa a (mais tarde) Ivete Sangalo, passando por Salsicha e Mário Jorge, eram inúmeros os nomes que conseguiam atravessar o oceano e fazer tanto (ou mais!) sucesso do lado 'de cá' do que no seu próprio país de origem. 

A esta lista há que acrescentar, ainda, um cantor que tomou de assalto as tabelas de 'hits' nacionais nos anos finais da década, com uma música gravada ao vivo, e pôs toda a gente – e particularmente as crianças e jovens – a exortar os amigos para 'tirar o pé do chão'.

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O cantor, já numa fase posterior da carreira

Falamos de Ernesto de Souza Andrade Júnior, habitualmente conhecido como Netinho, cantor popular de longa e respeitada carreira no seu país-natal – as suas músicas são presença habitual em bandas-sonoras de novelas, e chegou a participar num tributo a Caetano Veloso – mas que em Portugal é conhecido, sobretudo por duas coisas: ser o autor de 'Milla', um dos maiores 'hits' pop-brega dos anos 90, e ter posto oitenta mil pessoas (!) a saltar em pleno Parque das Nações, aquando do seu concerto durante as comemorações dos quinhentos anos do Brasil, já após o virar do milénio, vários anos depois de o momento de 'Milla' ter passado. Prova cabal de que o seu maior sucesso tinha 'pernas', embora também indicativa de que, pelo menos em Portugal, essa obra de Netinho ofusca totalmente o próprio autor.

As razões para o estrondoso sucesso de 'Milla' não são difíceis de explicar. Não só Netinho era presença assídua nos famosos expositores de CD's e cassettes tipicamente encontrados em tabacarias e estações de serviço, como a própria música em si é irresistivelmente viciante, com um daqueles refrões (aliás, uma daquelas LETRAS) que se alojam na memória para toda a eternidade, e tornada ainda mais eficaz pela energia electrizante da 'performance' e do público, que extravasa as colunas e convida, inapelavelmente, a dar um 'passinho de dança', onde quer que se esteja. É 'foleira'? Claro que sim. Mas é também divertida, enérgica, e de uma sinceridade desarmante, que impede a existência de má-vontade e a ajudour a tornar um dos principais hinos 'pop-pimba' da década de 90.

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O CD de onde a música é tirada marcava presença assidua nos expositores de 'cassettes' e CD's daquele tempo

Quanto ao seu autor, merecia mais? Claro. Ao contrário de muitos dos seus colegas de movimento, Netinho era um músico 'à séria', com raízes na MPB e bossa nova; e a verdade é que, no seu país natal, o cantor conseguiu fazer valer essas credenciais. Em Portugal, no entanto. Ernesto de Souza Andrade Júnior terá, para sempre, de se contentar com o estatuto de 'one-hit wonder' – que, convenhamos, também não é a pior coisa do Mundo para se ser, especialmente se o nosso 'one hit' for uma 'malha' tão enérgica e irresistível como 'Milla'.

11.10.21

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

A música bem-humorada e de índole cómica teve no Portugal das décadas entre 80 e 2000 um mercado que, embora talvez não particularmente significativo em termos numéricos, se apresentava ainda assim receptivo, sobretudo no que toca ao produto local. O caminho desbravado pelos pioneiros Ena Pá 2000 e Mata-Ratos, ainda nos 80s, viria a ser repetidamente trilhado ao longo das duas décadas seguintes, por nomes como Mercurioucromos, Fúria do Açúcar, Irmãos Catita (do mesmo mentor dos Ena Pá 2000) ou Adiafa, entre outros.

Em meio a toda esta produção ‘Made in Portugal’, cinco jovens brasileiros tentaram – e conseguiram – ter uma palavra a dizer, procurando replicar em Portugal o sucesso astronómico e meteórico que haviam conseguido entre o público jovem do seu país natal. E a verdade é que, não fora a intervenção completamente inesperada do destino, Dinho, Júlio Rasec, Bento Hiroshi e os irmãos Samuel e Sérgio Reoli teriam muito provavelmente conseguido mesmo cumprir esse objectivo.

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Colectivamente conhecidos como Mamonas Assassinas, os cinco músicos conseguiram, entre o Verão de 1995 e o abrupto desfecho da sua história, pouco mais de um ano depois, pôr a juventude portuguesa a cantar com deleite e a plenos pulmões letras que mal compreendiam, com temas tão edificantes como as orgias sexuais frustradas (no ‘single’ e sucesso máximo ‘Vira-Vira’, uma sátira à música ‘pimba’ e de baile apreciada pelos emigrantes portugueses no Brasil) e o bom tratamento dos pelos genitais (na genial ‘Sabão Crá-Crá’, trinta segundos de canto ‘a capella’ com esquema rimático infantil, que talvez tivesse mesmo como intuito cativar e confundir, em partes iguais, a criançada.) Pelo meio, o quinteto ainda arranjava tempo para roubar instrumentais inteiros aos Clash (‘Chópis Centis’ mais não é do que o hino ‘Should I Stay Or Should I Go’, do grupo britânico, com letra diferente) e mostrar o seu lado mais sentimental, na balada ‘Pelados em Santos’. Em suma, um conjunto de músicas que mais se assemelhava a uma lista de sucessos, e que – para desprazer da maioria dos pais - não deixou de cativar o público infanto-juvenil português, como aliás já acontecera com o brasileiro.

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Uma das capas de álbum mais famosas e icónicas da década de 90 em Portugal

As razões para este sucesso são evidentes: do visual multi-colorido e extravagante à voz anasalada e caricatural de Dinho, passando pelas letras que vagamente se compreendiam ser ‘marotas’, os Mamonas pareciam feitos à medida para agradar a uma certa demografia. Não é, pois, de surpreender que tenha sido precisamente esse o caso, com o disco homónimo de estreia a ‘explodir’ no nosso país como já acontecera no Brasil, e os vários ‘singles’ do quinteto a dominarem as ondas de rádio durante todo um Verão. E, dado todo este sucesso, também não foi nenhum choque – antes pelo contrário – ver o grupo anunciar que a sua próxima digressão de promoção ao álbum os traria ao nosso país, em Março de 1996. O destino, no entanto, tinha outros planos…

A história é, já, por demais conhecida – os Mamonas viajavam para Portugal, a 2 de Março (precisamente para cumprir as datas acima mencionadas) quando problemas com o avião em que se encontravam o fizeram despenhar-se contra uma cordilheira de montanhas, matando instantaneamente todos quantos se encontravam a bordo da aeronave. Uma tragédia que abalou os dois países em que o grupo se havia estabelecido, resultando na perda de vidas jovens, talentosas, e ainda com muito para dar ao mundo da música, por muito (intencionalmente) parvas que essas contribuições pudessem ser…

A realidade dos factos, no entanto, faz com que o legado dos Mamonas (tanto em Portugal como no Brasil) se traduza tão-sómente num punhado de canções ainda hoje lembradas com carinho por quem as ouviu na idade certa, e na lembrança viva de um pico de sucesso tão intenso como curto. Mais uma prova (como se ainda fossem precisas mais) de que muitas vezes, o estilo de vida ‘rock’n’roll’ pode ser muito, mas mesmo muito ingrato…

 

16.06.21

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

As bandas desenhadas com temática futebolística são tudo menos comuns – e nos anos 90, ainda menos o eram. Se a década de 70 havia tido Sport Billy, a de 80 Pelezinho, e o novo milénio viria a ter Ronaldinho Gaúcho e Neymar (estas três últimas da Mauricio de Sousa Produções, ‘especialista’ neste tipo de história) os anos 90 não viram ser editado qualquer título alusivo a esta temática, pelo menos que chegasse a Portugal. Nem mesmo a BD franco-belga ajudava, estando os heróis da mesma mais virados para aventuras do que para competições desportivas (e quando competiam, era em desportos como a corrida, como era o caso com Michel Vaillant.)

Num post em que se pretende falar de revistas aos quadradinhos dos anos 90 e, ao mesmo tempo, fazer alusão ao Campeonato Europeu que ora se desenrola – ou, pelo menos, a futebol em geral – é, portanto, mesmo preciso puxar pela imaginação; felizmente, imaginação é coisa que não falta por aqui – e, como tal, conseguimos mesmo arranjar maneira de ligar estes dois temas, falando dos dois maiores apaixonados pelo desporto-rei daquela época.

Situados em lados opostos da barreira Disney/Mauricio de Sousa que dividiu e continua a dividir a BD brasileira, estes dois personagens personificam o fanatismo brasileiro por futebol, o qual rivaliza ou até supera o do continente europeu; assim, numa semana em que nos debruçamos sobre o futebol nas suas mais diversas formas, nada mais justo do que prestar-lhes a devida homenagem.

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E começamos, desde logo, pelo representante da Disney – nada mais, nada menos do que o personagem mais declaradamente brasileiro do seu elenco, Zé Carioca, o qual, depois de as suas histórias terem sido definitivamente e exclusivamente centralizadas nos estúdios brasileiros da Disney, passou a aparecer frequentemente ‘trajado a rigor’ com o uniforme cor-de-rosa da equipa do seu bairro, o Vila Xurupita F. C., no qual actua como ponta-de-lança e goleador. De igual modo, várias das histórias do personagem passaram a ter como tema central o futebol, e as agruras do ‘time’ amador de Zé, Pedrão, Nestor, Afonsinho e companhia – o qual, apesar de não ser lá grande ‘espingarda’, chegou a ter oportunidade de enfrentar o Flamengo (equipa do coração de Zé) num jogo beneficente, numa história muito bem conseguida.

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Uma das edições especiais de Zé Carioca alusivas ao Mundial de Futebol, esta lançada nos anos 90

A paixão de Zé pela ‘bola’ estende-se, no entanto, para lá dos limites do terreno de jogo, sendo que quando não está em campo, o papagaio é muitas vezes visto a ‘sofrer’ em frente à televisão, já que dinheiro para ir ao estádio, raramente existe (sendo as excepções as vezes em que consegue assistir ao vivo a um Campeonato do Mundo, em edições especiais temáticas.)  Enfim, um ‘adepto-modelo’, com o qual muitos de nós certamente se identificavam e identificarão.

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O mesmo, aliás, pode ser dito do seu congénere do outro lado da ‘barricada’ (e do eixo Rio-São Paulo), o igualmente fanático Cascão. E se Zé Carioca representa o adepto adulto, ainda que irresponsável, Cascão representa a criança que todos fomos, ou pelo menos, contra quem todos jogámos – aquele ‘puto’ que tinha jeito para a ‘bola’, ‘levava tudo à frente’, driblava meia equipa e marcava grandes golaços. É precisamente isto que vemos Cascão fazer na maioria das histórias em que o vemos jogar futebol, e mesmo os amigos não têm qualquer pejo em o considerar a ‘estrela’ das suas ‘peladinhas’ – em contraste directo com o melhor amigo Cebolinha, que é considerado ‘grosso’ (‘tosco’). Este chegou, mesmo, a ser o tema central e único de não uma, mas duas publicações da MSP,, uma ainda nos anos 90 e outra mais recente.

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A edição temática sobre futebol lançada nos anos 90, com Cascão como protagonista

Tal como com Zé Carioca, no entanto, a paixão de Cascão extravasa os jogos de rua com os amigos; ‘doente’ pelo Corinthians, por quem sonha um dia jogar, o ‘sujinho’ da MSP é muitas vezes visto com a camisola do ‘Timão’ orgulhosamente envergada, e chega mesmo a acompanhar o pai a jogos do seu clube do coração, durante os quais vibra incessantemente. Mais uma vez, quem não se identificar, que atire a primeira pedra…

Em suma, apesar de não residirem na Europa nem terem sido criados por artistas europeus, estes dois personagens simbolizam de tal forma a paixão global e internacional por futebol, que acabam por se encaixar perfeitamente nesta semana especial europeia; porque se a presente competição fosse um campeonato mundial em que o Brasil participasse, podem crer que os dois estariam lá, na primeira fila, lado a lado, vestidos a rigor, e a fazer a festa…

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