Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

04.08.24

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

1024.jfif

Nos últimos meses da década de 70, o futebol português via nascer mais uma competição, a juntar aos campeonatos nacionais e à Taça de Portugal: a Supertaça Cândido de Oliveira, troféu designado em homenagem ao lendário jogador e treinador que põe frente a frente os vencedores das duas outras competições. E embora as características do panorama futebolístico nacional não permitam grandes surpresas, tornando algo previsível quais as duas equipas que se irão defrontar, a História do troféu reservou, ainda assim, lugar a surpresas, embora a hegemonia de Sporting, Benfica e FC Porto apenas por três vezes tenha sido quebrada nos já quarenta e cinco anos de vida da competição. Agora, no rescaldo de mais uma Supertaça (ganha de forma tão impressionante quanto mirabolante pelo FC Porto) nada melhor do que recordar esses 'intrusos' que, embora apenas por uma época, lograram 'roubar' uma Taça aos três 'grandes' nacionais.

A primeira dessas três 'intromissões' deu-se ainda na década de 1980, quando o Vitória de Guimarães, capitaneado por Nando e com Neno na baliza, levou para casa o troféu da época 1987-88, após bater por um agregado de 2-0 o Porto de Quinito, que contava com nomes como João Pinto, Augusto Inácio, António André, Jaime Pacheco, Domingos ou Rui Águas, e que havia, nesse ano, feito a 'dobradinha', derrotando precisamente a equipa de Geninho na final da Taça de Portugal. Os vimaranenses tornavam-se assim, ainda que sem o saberem, a única equipa fora do eixo Lisboa-Porto a vencer a competição, e realizavam um feito e que apenas mais uma equipa conseguiria igualar em toda a História da competição – curiosamente, outra agremiação alvinegra, embora neste caso as cores surgissem em padrão axadrezado.

Falamos, claro, do Boavista, que, por duas vezes na década de 90, 'bateu o pé' a um 'grande' – primeiro em 1992 e em seguida cinco anos depois, em 1997, ambas contra o FC Porto. O primeiro destes dois triunfos viu a equipa então treinada por Manuel José, e que tinha como capitão o histórico Paulo Sousa, eliminar a equipa de Carlos Alberto Silva, após dois 'derbies da Invicta' repletos de golos, o primeiro dos quais veria os axadrezados vencer por 3-4 em plenas Antas, para depois segurar (e assegurar) um empate a duas bolas em casa, no Bessa. De ressalvar que, dessa equipa do Boavista, faziam parte, além de Paulo Sousa, nomes como Lemajic, Rui Bento, Caetano, Litos ou o 'Grande dos Pequenos' axadrezado, Bobó, que faziam frente ao Porto de Baía, Fernando Couto, Aloísio, Paulinho Santos, Timofte, Kostadinov, Domingos, Jorge Costa e Jorge Couto.

Já a segunda vitória, obtida em Agosto de 1997, veria os homens de Mário Reis, ainda com Paulo Sousa como capitão e agora com o bem conhecido Ricardo na baliza (além do também 'famoso' matador Ayew na frente) levar de vencida a turma de António Oliveira por um resultado agregado de 2-1, tendo a equipa axadrezada vencido em casa por 2-0 antes de ir perder às Antas por margem mínima, a qual não foi suficiente para lhe retirar o troféu. A equipa de Ricardo, Paulo Sousa, Rui Bento, Isaías, Martelinho, Delfim e do 'matador' Ayew Kwame (muitos com passagem passada ou futura pelos 'grandes') lograva assim conquistar um dos poucos troféus perdidos pelo Porto da fase hegemónica, que, na época em causa, contava com nomes tão conhecidos dos adeptos da altura como Rui Jorge, Sérgio Conceição, Drulovic, Zahovic, Chippo, Folha, Capucho e, claro, Mário Jardel, além do 'perene' Paulinho Santos.

Assinalar-se-ia assim a última vez que uma equipa fora do 'triumvirato' de Sporting, Benfica e Porto levaria para casa a Supertaça, pelo menos até à data de publicação deste 'post'. Numa era em que o desnível entre equipas se tende cada vez mais a reduzir, não é, no entanto, impossível ou impensável que outra agremiação consiga repetir tal façanha – sendo que, por exemplo, o Sporting de Braga deu muito trabalho ao seu homónimo lisboeta ainda há poucos anos, sucumbindo já perto do fim do jogo; e se o formato de 'jogo único' torna impossível uma vitória por agregado, como as conseguidas pelos clubes acima descritos, a verdade é que a remontada do Porto na edição 2024 do certame prova que tal desiderato pode perfeitamente ser atingido num jogo de 90 ou 120 minutos. Têm a palavra as restantes quinze equipas actualmente no escalão principal nacional...

25.02.24

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Um dos elementos mais importantes em qualquer agremiação desportiva é a chamada 'mística' – o conjunto de valores que definem a ética profissional e desportiva da colectividade, e que se espera que os atletas da mesma sigam sempre que a representam. É, precisamente, este factor que torna tão crucial, em qualquer plantel de qualquer desporto, a presença de atletas que vejam no clube que representam a sua 'casa', ou o tenham como emblema de coração desde muito jovens, já que é, normalmente, sobre eles que recai a responsabilidade de transmitir a 'essência' do clube aos recém-chegados. O jogador de que falamos este Domingo, e que completa no dia da publicação deste 'post' cinquenta anos de idade, insere-se nessa mesma categoria, ao lado de nomes como Serifo, Kasongo, Aloísio ou o colega de equipa Martelinho, tendo sido uma das grandes figuras de um 'histórico' português da década de 90. Um verdadeiro 'Grande dos Pequenos', portanto, que muitos adeptos da época reconhecerão das páginas das icónicas cadernetas da Panini – ou, caso sejam adeptos do clube em casa, de o ver jogar em 'carne e osso'.

887_20210522164515_litos.png

O central com a camisola que o notabilizou.

Falamos de Carlos Manuel de Oliveira Magalhães, mais conhecido pelo seu 'apelido' futebolístico, Litos, defesa-central que foi lenda do Boavista e, mais tarde, representou os espanhóis do Málaga, à época 'casa' para muitos nomes bem conhecidos dos meandros futebolísticos da viragem de Milénio, com destaque para os também ídolos Edgar e Duda. Natural do Porto e formado no clube ao serviço do qual se notabilizaria anos depois, seria, no entanto, no Campomaiorense que o central faria a sua estreia como sénior, por empréstimo do emblema axadrezado, na época de 1992/93. E a verdade é que, apesar da tenra idade (atributo que tende a jogar contra atletas defensivos, sobretudo numa posição-chave como a de central) Litos não demorou a estabelecer-se como figura importante do clube alentejano, pelo qual realizou cerca de três dezenas de partidas durante a temporada em causa.

Este início auspicioso não foi, no entanto, suficiente para convencer os responsáveis boavisteiros, e a época seguinte reservava novo empréstimo a Litos, desta feita para a zona da Grande Lisboa, para representar o Estoril-Praia. Infelizmente, este segundo empréstimo foi diametralmente oposto ao primeiro, com o central a participar em apenas cerca de metade dos jogos dos 'canarinhos' na campanha de 1993/94 – o que em nada ajudava à concretização do seu sonho de jogar pelo Boavista. Por sorte, o terceiro e último empréstimo da carreira do defesa voltou a correr-lhe bastante melhor, com Litos a estabelecer-se novamente como figura importante no Rio Ave, voltando a contabilizar mais de trinta partidas e, desta feita, fazendo o suficiente para justificar não só a sua inclusão no plantel axadrezado para a época de 1995/96, mas também diversas chamadas à Selecção sub-21, onde se tornou opção a partir de 1993.

E o mínimo que se pode dizer é que Litos não desperdiçou a sua oportunidade de finalmente viver o seu sonho, 'agarrando' o lugar com unhas e dentes e dando o mote para seis temporadas como opção quase indiscutível no seio do plantel axadrezado, culminadas com a inédita conquista do título de Campeão Nacional, na primeira temporada completa do Novo Milénio – campanha, aliás, em que Litos, por essa altura já com honras de capitão de equipa, teve papel determinante, formando um esteio defensivo de respeito com uma Cara (Des)conhecida prestes a rumar a mais altas glórias, Pedro Emanuel. Foi, também, durante este período que Litos teve a honra de representar a Selecção Nacional AA da fase Geração de Ouro, pela qual disputou um total de seis partidas entre 1999 e 2001.

As excelentes prestações durante a temporada do título, e o respeito e estatuto de que gozava entre jogadores e adeptos do Boavista, propiciaram mesmo o 'salto' internacional para Litos, que, no final da época em causa, assinava pelo emblema sul-espanhol que se viria a tornar a sua segunda 'casa'.

785291_med__20210522164223_litos.jpg

Ao serviço do Málaga, de Espanha.

Em Málaga, o central seria novamente opção indiscutível em quatro das cinco épocas que passou de azul e branco, encantando e conquistando os adeptos espanhóis da mesma forma que fizera com os do seu clube formador, em Portugal – pelo menos durante a primeira época, já que, nas seguintes, foi gradualmente perdendo preponderância, acabando por se desvincular do emblema aquando da descida à II Divisão espanhola, no Verão de 2006. Oportunidade perfeita para regressar a Portugal, onde rapidamente encontrou novo 'emprego' ao serviço de outro histórico, a Académica de Coimbra, pela qual militou duas épocas, tendo sido titular habitual na primeira e opção de banco esporadicamente utilizada na segunda, o que motivou nova 'aventura' pelo estrangeiro, desta vez ao serviço dos austríacos do Salzburgo; meia época sem qualquer presença no 'onze' levou, no entanto, a que Litos desse oficialmente por encerrada a carreira no final da temporada 2007/2008.

download.jpg

Em campo pela Académica.

Curiosamente, para um jogador com perfil de líder, Litos nunca se aventurou por cargos técnicos (não devendo ser confundido com o treinador e ex-jogador de alcunha semelhante, alguns anos mais velho, e que chegou a passar pelo Sporting) preferindo que o seu legado se resumisse aos feitos conseguidos dentro de campo. E a verdade é que, apesar dos poucos emblemas representados, o central podia, à data da sua reforma, gabar-se de ter sido Campeão Nacional, contra todos os prognósticos, e de ter partilhado o balneário com futuras 'lendas' como Nuno Gomes, Ricardo, Petit ou o referido Pedro Emanuel – um espólio honroso, e do qual o defesa se pode, com toda a justiça, orgulhar. Parabéns, e que conte muitos.

14.01.24

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Já aqui anteriormente aludimos a jogadores que atingiram o sucesso em dois ou mais dos chamados 'três grandes' portugueses. Apesar de a referida lista não ser, de modo algum, extensa, é ainda relativamente fácil, mesmo para o adepto mais 'distraído', recordar nomes como Simão Sabrosa, Ricardo Quaresma, João Moutinho, Zlatko Zahovic ou – mais distanciados no tempo – João Vieira Pinto, Mário Jardel, Paulo Bento ou Sergei Yuran. O futebolista que abordamos este Domingo – por ocasião do seu quinquagésimo-segundo aniversário – alia a sua presença nessa lista a um estatuto de 'Grande dos Pequenos' que só lhe é negado, precisamente, pelo facto de ter jogado em ambos os lados da Segunda Circular lisboeta.

15711_med_rui_bento.jpg

Um jovem Rui Bento em início de carreira ao serviço do Benfica.

Isto porque Rui Fernando da Silva Calapez Patrício Bento – médio-defensivo algarvio integrante oficial da Geração de Ouro campeã de sub-20 em 1991 e da equipa Olímpica de Atlanta 1996, e um dos dois 'Bentos' a ganhar fama nessa posição durante a década de 90 – passou a grande maioria da sua carreira, não na Lisboa onde se formara para o futebol, mas na capital rival, onde envergou a 'malha' axadrezada do histórico Boavista, então em meio a uma das melhores fases da sua ilustre História.

c7561225-c701-496e-917c-217c2242b6c9_508x515.jpg

Bento com a camisola que o celebrizou

Contratado ao Benfica no início da época 1991/92após uma temporada em que foi elemento importante do plantel, e que de forma alguma faria prever tal transferência – o médio de 'trunfa' encaracolada apenas viria a deixar o Bessa exactas dez épocas depois, já com estatuto de lenda viva e histórico do clube, para ingressar no terceiro emblema da sua carreira (e segundo 'grande'), onde ainda chegaria a tempo de - ao lado do 'outro' Bento e dos referidos Ricardo Quaresma, Mário Jardel e João Vieira Pinto, além de colegas de Selecção como Dimas e Rui Jorge - ser peça-chave na conquista do segundo título de Campeão Nacional em três anos, ainda hoje o intervalo entre títulos mais curto para o Sporting da era moderna. Curiosamente, Bento chegava a Alvalade já com estatuto de campeão, tendo feito parte integrante do inédito e histórico triunfo do Boavista na época transacta.

300px-Ruibento4.jpg

O médio no Sporting.

Seguir-se-iam mais duas épocas em Alvalade, ao longo das quais Rui Bento assistiria em 'primeira mão' ao despontar do maior talento de sempre no futebol português (o médio encontrava-se, aliás, em campo quando Cristiano fez o primeiro, e impressionante, golo da sua carreira sénior, frente ao Moreirense) antes de perder preponderância como consequência da idade, dando lugar a novos talentos na zona central. Para trás ficavam mais de uma dúzia de temporadas como jogador sénior, das quais apenas a primeira e a última não o tinham visto actuar como peça preponderante da equipa em que militava – um registo mais do que honroso para aquele que foi, simultaneamente, um dos principais nomes da Primeira Divisão portuguesa noventista, e um dos seus mais discretos.

FPFImageHandler.png

Ao serviço da Selecção Nacional.

Tal como tantos outros nomes que figuram nesta rubrica, também Rui Bento não deixou que o 'pendurar de botas' equivalesse ao seu 'fim' para o futebol, transitando para cargos técnicos após o final da carreira, nomeadamente para o de treinador. Académico de Viseu, Barreirense e Penafiel proporcionaram ao ex-médio defensivo as suas primeiras experiências profissionais nessa categoria, antes de o mesmo ser contactado pelo 'seu' Boavista, no início da época 2008-2009. Infelizmente, a passagem de Bento pelo Bonfim como treinador ficaria muito longe da que fizera enquanto jogador, durando apenas um ano, após o qual o ex-internacional português seria destacado pela Federação Portuguesa de Futebol para o cargo de Seleccionador Nacional sub-17; a estadia neste cargo seria, no entanto, novamente curta, tendo Rui Bento rapidamente regressado ao universo clubístico, para treinar o Beira-Mar.

1687353174.jpg

Bento na sua posição actual como treinador do Kuwait.

Em Aveiro, o ex-médio mal chegaria a aquecer o banco, antes de embarcar na primeira 'aventura' no estrangeiro de toda a sua vida, assumindo o comando do Bangkok United, do campeonato tailandês; mais uma vez, no entanto, a estadia de Bento na Ásia duraria apenas uma época, tendo o ex-internacional português regressado ao seu país-natal no Verão de 2015 para treinar o Tondela, antes de reassumir o cargo de seleccionador das camadas jovens, em 2016. Durante os seis anos seguintes, Bento trabalharia com todos os escalões entre sub-17 e sub-20, antes de ser promovido a seleccionador sénior...da Selecção do Kuwait, cargo que actualmente desempenha. Um posto algo aquém do que a sua carreira como jogador mereceria, talvez, mas que consegue ser, simultaneamente, discreto e essencial para o desempenho da equipa – precisamente como o era Rui Bento enquanto jogador de campo. Parabéns, e que conte ainda muitos.

20.08.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Ao longo dos tempos, poucos são os desportistas que merecem o rótulo de 'génios'; nomes como Messi, Ronaldo, Figo, Maradona ou Pelé aparecem, no máximo, uma ou duas vezes por geração. No entanto, o patamar logo abaixo está repleto de atletas que, sem serem foras-de-série, se afirmam como muito acima da média, e conseguem construir carreiras a condizer. No caso do futebol português, um desses atletas é o homem de quem falamos neste post, no fim-de-semana em que acaba de completar cinquenta e dois anos de idade.

s_3628_123_2013_03_22_1.webp

JVP na Selecção

Natural do Porto, seria, no entanto, na capital portuguesa que João Manuel Vieira Pinto viria a fazer carreira, afirmando-se, em momentos distintos, como uma das principais figuras dos dois 'grandes' lisboetas - de facto, um dos aspectos mais curiosos da sua carreira é o facto de o único 'grande' a nunca ter representado ser o da sua cidade-natal, que o recusou aquando de um treino de captação, ainda em idade de formação. Foi, pois, no outro grande clube da cidade, que o jovem médio-ofensivo - descrito pelo seleccionador nacional de sub-20, Carlos Queiroz, como 'loirinho e magrinho' - se começou pela primeira vez a destacar pelo seu fino toque de bola e qualidade de passe, corriam ainda os últimos anos da década de 80.

Com apenas dezassete anos, é natural que o jovem não 'pegasse imediatamente de estaca' na equipa do Boavista, mas ainda assim, os dezassete jogos que realizou pela formação axadrezada (marcando quatro golos) foram suficientes para que o mundo futebolístico internacional pusesse os olhos naquele jovem mais do que promissor - especialmente depois de este ter sido peça fulcral na conquista do bi-campeonato do Mundo sub-20 por parte da Geração de Ouro, em 1989 e 1991.

532131.png

No estádio que o consagraria, ao serviço da Selecção de sub-20, em 1991.

Aquando desta segunda conquista, aliás, o jovem gozava já de experiência internacional, enquanto parte da equipa de reservas do 'gigante' Atlético de Madrid, pela qal realizaria trinta jogos durante a primeira época completa dos anos 90, contribuindo com nove golos. Sem espaço nos 'colchoneros', o jovem seria, no entanto, 'devolvido à precedência' na temporada seguinte, que passaria a reafirmar-se como estrela do clube que o revelara, que ajudaria mesmo a conquistar a Taça de Portugal de 1991-92, contra o rival nortenho que, em tempos, o havia rejeitado. Previsivelmente, as suas exibições ao longo da referida temporada não tardaram a atrair novamente a atenção de um clube maior, mas, desta vez, a proposta veio de 'dentro de portas' - concretamente, do Benfica, clube com o qual ficaria associado durante a meia década seguinte.

image.jpg

Durante a breve passagem pelo Atlético de Madrid, em inícios da década de 90

De facto, foi nos 'encarnados' de Lisboa que João Vieira Pinto verdadeiramente atingiu e cimentou o estatuto histórico de que gozou durante os últimos anos do século XX. Mesmo após um 'susto' que quase ameaçou terminar-lhe com a carreira (um pneumotórax contraído durante um jogo de qualificação para o Mundial de 1994) o eterno 'Menino de Ouro' benfiquista continuou a afirmar-se, época após época, como um dos melhores jogadores portugueses da sua geração, atingindo o estatuto de capitão e referência da equipa, bem como de ídolo incontestado dos adeptos. No total, foram mais de duzentos e vinte os jogos de 'JVP' de águia ao peito, entre os quais se contam exibições tão históricas quanto a do famoso 'derby' lisboeta de 1994, em que dizimou quase por si só o eterno rival do Benfica. Tal era a importância do '8' para o jogo dos encarnados, aliás, que o mesmo viria, inclusivamente, a assinar um contrato vitalício com o clube, em finais da década, já depois de ter sido um dos poucos pontos altos 'daquela' equipa orientada por Graeme Souness.

35169_ori_joao_pinto.jpg

Com a camisola que o tornaria famoso.

Tendo tudo isto em conta, terá sido com pasmo, choque e até fúria justificada que os adeptos benfiquistas viram o seu símbolo ser, na 'virada' do Milénio, dispensado a custo zero pelo então presidente Vale e Azevedo, e prontamente realizar a viagem até ao outro lado da Segunda Circular para reforçar o rival - isto já depois de ter sido, enquanto jogador livre, uma das figuras da honrosa campanha portuguesa no Euro 2000.

O crucial golo que cimentou a vitória de Portugal sobre a Inglaterra, no Euro 2000.

Para piorar ainda mais a situação, na sua segunda época de verde e branco, João Pinto conseguiria o feito que sempre lhe escapara em seis anos de Benfica, sagrando-se Campeão Nacional de 2001-2002, naquele que seria o segundo título do Sporting em três épocas. Seguiram-se mais duas épocas, sempre como figura fulcral dos 'Leões', pelos quais realizaria cerca de cento e quinze jogos, marcando quase seis dezenas e meia de golos e servindo como 'assistente' para nomes como Mário Jardel, Marius Niculae e até um jovem extremo madeirense de talento fora do vulgar, de nome próprio Cristiano...

images.jpg

Ao serviço do Sporting.

Este 'segundo estado de graça' de João Pinto não ficou, no entanto, imune a algumas controvérsias - a maior das quais custaria a Portugal uma vitória importante no Mundial de 2002, na Coreia e Japão, palco do famoso murro de JVP ao árbitro espanhol Ángel Sánchez, após o mesmo lhe ter mostrado o cartão vermelho, que resultaria na suspensão do avançado de jogos internacionais por um período de seis meses. Também bem conhecida era a sua animosidade em relação a Paulinho Santos - a qual era, aliás, reciprocada pelo belicoso ícone da fase 'sarrafeira' do Futebol Clube do Porto.

O momento que terminaria a carreira internacional de João Pinto.

Estes incidentes não deixaram de afectar mentalmente o jogador que, após o término da carreira internacional e duas épocas medianas no Sporting, se veria novamente na condição de jogador livre, e de volta a 'casa', envergando pela terceira vez a camisola axadrezada, desta vez enquanto jogador experiente e 'patrão' da equipa. Esta terceira incursão de Pinto pelo clube que o revelara saldar-se-ia em pouco menos de setenta jogos em duas épocas, com mais onze golos a juntar ao seu pecúlio pessoal.

262897338.jpg

No regresso ao Boavista.

Seria um fim de carreira digno para um dos pilares da 'Geração de Ouro', no clube que o ajudara a lançar, mas JVP optaria por realizar, ainda, mais uma época ao mais alto nível, ao serviço do Sporting de Braga, onde viria a encerrar definitivamente actividades após uma época e meia como titular quase indiscutível.

949572198.jpg

No Braga.

Apesar de ainda ter realizado testes junto do Toronto FC, clube canadiano então na Major League Soccer, o eterno '8' da Selecção viria mesmo a 'pendurar as botas' em Fevereiro de 2008, transitando mais tarde para cargos de dirigente no seio da Federação Portuguesa de Futebol. Não terminava aí, no entanto, o legado da família Pinto no mundo do futebol, já que o jogador deixava um 'herdeiro', Tiago, defesa-esquerdo formado no Sporting e que continua a prosseguir uma carreira honrosa até aos dias de hoje, jogando actualmente pelo Ankaragucu, da Turquia.

Quanto ao pai, uma análise global à sua carreira deixa a imagem de um jogador que, sem nunca ter vingado a nível internacional ou mundial, não deixou de ter uma carreira extraordinária 'dentro de portas' e enquanto esteio da Selecção Nacional, reunindo muitas vezes o consenso até junto de adeptos rivais dos clubes que representava - entre eles este que vos escreve, nos tempos em que o médio ofensivo actuava no Benfica. Fica aqui, pois, a nossa singela e sentida homenagem a um dos melhores jogadores que tivemos o prazer de ver jogar; parabéns, JVP, e obrigado por tudo.

Talvez o momento áureo da carreira de João Pinto.

18.12.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Um dos principais axiomas do futebol jovem é que poucos são aqueles que, destacando-se ao nível da formação, chegarão também a brilhar ao mais alto nível; de facto, na maioria dos casos, ocorre precisamente o contrário, e um jovem que integra as selecções jovens do seu país de origem acaba por não almejar mais do que uma carreira honrosa, mas longe das 'luzes da ribalta' atingidas por outros seus colegas - ou seja, torna-se um 'grande dos pequenos'.

FPFImageHandler.jpg

Tal é, sem qualquer dúvida, o caso de Rui Óscar Neves de Sousa Viana, internacional e campeão europeu sub-18 por Portugal, mas cuja carreira nunca chegou verdadeiramente a 'descolar' da forma que tal início poderia fazer prever; ainda assim, o percurso do ex-defesa pelo futebol profissional foi suficientemente destacado para que, no fim-de-semana em que completa 47 anos de idade, valha a pena dedicar-lhe algumas linhas nesta nossa rubrica sobre os 'actores secundários' dos campeonatos nacionais de futebol dos anos 90.

Natural de Gondomar e formado no FC Porto - ao serviço do qual se sagraria internacional sub-18 e conquistaria o Europeu de 1994 do escalão - Rui Óscar começou por dar nas vistas no histórico União de Lamas, emblema pelo qual realizou a sua primeira época como sénior, contribuindo com um golo ao longo de dezassete partidas. Um início bastante comum para um jovem futebolista da época, mas que não deixou de valer a Rui Óscar a atenção de uma agremiação de maiores dimensões - no caso o Leça, que, naquela época 1995-96, competia ao nível da Primeira Divisão nacional. O defesa nortenho tornou-se assim, durante uma temporada, colega de outro jogador que abordámos nesta rubrica, Serifo, tendo sido presença assídua na equipa leceira, com um total de vinte e sete presenças, e feito por merecer a chamada às Selecções tanto de sub-20 como de sub-21, que representaria, respectivamente, no prestigiado Torneio de Toulon e na qualificação para o Europeu de Sub-21 de 1998.

ruioscar.jpg

O cromo do jogador nos tempos do Leça

Deu-se, então, um 'salto' para Rui Óscar que quase o desqualificaria desta rubrica, tivesse o jogador ido além das duas partidas ao nível sénior pelo FC Porto; ficou-se, no entanto, por aí a contribuição do defesa para o campeonato dos Dragões da época 1996-97, não tendo sequer tido direito a sagrar-se campeão pelo clube que o formara. A temporada  após esta 'aventura' falhada veria, assim, o defesa integrar o plantel do primeiro de dois clubes pelos quais pode reclamar o estatuto de 'grande dos pequenos' - o Marítimo, onde permaneceria durante três épocas e se afirmaria como 'esteio', amealhando um total de oitenta e sete jogos e apontando dois golos.

gettyimages-650547582-612x612.jpg

Rui Óscar no Marítimo

Apesar do sucesso desta 'aventura' insular, no entanto, o dealbar do novo milénio veria, ainda assim, o defesa regressar à sua zona de origem, ainda a tempo de celebrar a inusitada e inédita conquista do Campeonato Nacional da I Divisão por parte do outro grande clube da cidade do Porto, o Boavista, que negava assim ao Sporting aquilo que, se tivesse acontecido, viria a ser um bi-campeonato, e mais tarde um 'tri'.

gettyimages-650942098-612x612.jpg

O defesa ao serviço do Boavista

A essa época histórica, seguir-se-iam mais três, durante as quais Rui Óscar marcaria assiduamente presença na equipa boavisteira, ao lado de nomes como Martelinho ou Fary - no total, foram setenta e uma as presenças do defesa ao serviço dos axadrezados entre 2000 (ano em que conseguiu, também, a sua única internacionalização sénior, pela equipa B de Portugal) e 2004, quando se mudou um pouco mais 'para baixo' para representar o futuro clube do ex-colega boavisteiro Fary, o Beira-Mar de Aveiro.

download.jpgÓscar no Beira-Mar

Correu, no entanto, menos bem esta última aventura do ex-internacional português, que somaria apenas três partidas pelos aurinegros, e acabaria mesmo por 'pendurar as botas' no final da temporada, com apenas trinta anos de idade, e com capacidade para, pelo menos, mais um punhado de épocas ao nível a que jogava. Ainda assim, há que respeitar a decisão de um jogador que, nas dez épocas que passou como profissional de futebol, conseguiu deixar a sua marca nos campeonatos profissionais de futebol portugueses de finais do século XX e inícios do XXI, e conquistar o seu lugar entre os verdadeiros 'grandes dos pequenos' existentes no seio dos mesmos. Parabéns, Rui Óscar - e que conte muitos!

16.10.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Uma das narrativas mais frequentes e típicas do futebol moderno é a do jovem que, após demonstrar talento acima da média durante os seus anos formativos, é incapaz de dar o 'salto' para um nível competitivo mais exigente. De facto, esse percurso verifica-se vezes suficientes para se poder considerar o seu oposto como a excepção, ao invés da regra; por outras palavras, por cada jogador que atinge um patamar superior na sua carreira, há múltiplos (provavelmente seus colegas nas sempre enganadoras selecções jovens) que 'ficam pelo caminho', tendo de se contentar com um percurso honrado nas divisões inferiores, ou – na melhor das hipóteses – em clubes de meio da tabela do escalão principal.

Nos anos 90, a situação não era, de todo, diferente, estando também reunidas as condições para que um jovem que se destacava nas selecções 'Sub' acabasse como 'andarilho' por entre clubes históricos da I e II Divisão portuguesas da época, sem nunca conseguir almejar a mais após a transição para sénior. Foi esse o caso – entre tantos outros – de Luís António Soares Cassamá (vulgo Bambo), ponta-de-lança guineense naturalizado português que, após uns primeiros anos auspiciosos, acabou por embarcar na inevitável trajectória descendente.

20245_bambo.jpg

Produto das academias do Boavista, responsáveis pela revelação de nomes como João Vieira Pinto, Nuno Gomes, Ricardo ou Bosingwa, Bambo parecia, inicialmente, capaz de seguir a mesma trajectória do que qualquer destes, tendo sido presença assídua nas Selecções de formação entre os escalões de sub-16 e sub-21 (as então chamadas 'esperanças'); a passagem para sénior, no entanto, viu ter início a habitual 'dança' entre emblemas secundários, com o avançado a almejar apenas onze jogos com a camisola dos axadrezados antes de transitar, primeiro, para a União de Leiria (onde realizou dezassete jogos e marcou um golo durante a época 1994-95) e depois para o Estrela da Amadora, primeira equipa onde verdadeiramente se impôs, jogando vinte e três partidas e conseguindo três golos na época e meia que ali passou.

bambo (1).jpg

O inevitável cromo da Panini do jogador, aqui nos tempos da União de Leiria

O mercado de Inverno de 1996 traria, no entanto, nova mudança, embarcando o guineense em nova aventura, agora no Farense, para apenas seis meses (e outros tantos jogos) depois se mudar para Felgueiras, onde registou a sua melhor fase em termos de golos, com sete em dezoito partidas; estes números valeram-lhe, no final da época 96/97, nova mudança, desta feita para a Madeira, mas a sua incapacidade de se impôr no Nacional insular (conseguindo apenas sete jogos no decurso de uma época) forçaram a nova 'descida de nível', passando o avançado a representar o Esposende. Mais uma época (com vinte partidas e um golo) e mais uma mudança para Bambo, que regressava aos escalões profissionais com a camisola da Naval; no entanto, o ano e meio seguinte apenas 'rendeu' dúzia e meia de partidas, e o dealbar do novo milénio via Bambo 'tropeçar' novamente para os escalões inferiores, como um dos novos membros do plantel do Ribeira Brava.

Uma última tentativa de se impôr via, na época seguinte, o avançado rumar a França, para representar o Grenoble Foot, antes de a falta de sucesso também no estrangeiro o levar a pendurar definitivamente as botas no final da época 2000/01, pondo, com apenas vinte e sete anos, um ponto final numa carreira que nunca conseguiu chegar a cumprir aquilo que parecia prometer nos seus primórdios – narrativa, conforme já referimos, desapontantemente frequente no Mundo do futebol.

FPFImageHandler.jpg

O avançado chegou a alinhar pela equipa de jogadores desempregados do Sindicato da FPF.

Tal como muitas outras que lhe são semelhantes, no entanto, a história de Bambo tem final feliz – terminada a carreira, o jogador foi ao encontro da irmã, em Inglaterra, e acabou por encontrar uma nova vocação como...designer de moda, tendo a sua primeira colecção sido lançada durante a estação Outono/Inverno de 2015. Um desfecho que, longe de ser o idealizado por Bambo vinte anos antes, não deixa no entanto de ser honroso, permitindo-lhe brilhar por mérito próprio, e afastar definitivamente o estigame de ser apenas mais uma 'promessa adiada' do futebol nacional. Que a actual carreira lhe traga o sucesso que o futebol nunca lhe proporcionou, são os votos do Anos 90!

 

04.09.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

O avançado africano parco em técnica mas que compensa esse defeito com muita velocidade e boa compleição física é uma das figuras clássicas do futebol, não só português, como mundial; e se mesmo na era do futebol moderno e 'rendilhado' é possível encontrar exemplos deste tipo de futebolista um pouco por todo o Mundo, escusado será dizer que, na época em que o desporto-rei era bem mais físico e 'feio', os mesmos eram presença constante, sobretudo em clubes e ligas mais 'periféricos'. Portugal não constituiu de todo, excepção a esta regra, bastando lembrar nomes tão icónicos dos campeonatos dos anos 90 e 2000 como Chiquinho Conde, Douala, Cafu (um dos exemplos mais 'acabados' deste tipo de futebolista) ou o 'Grande dos Pequenos' que focaremos esta semana, Faye Fary.

190 - Fary.jpg

Um dos inevitáveis cromos da Panini referentes ao jogador

Nome tão conhecido de quem acompanhava o futebol português da época como qualquer dos anteriores, o avançado senegalês chegava a Portugal na segunda metade da década de 90, pela mão da modesta União de Montemor, após ter sido 'descoberto' a jogar na desconhecida ASC Diaraf, do seu país natal, e contratado para reforçar o plantel da referida equipa para a época 1996/97. Seguir-se-iam duas auspiciosas épocas de estreia no futebol europeu, com Fary a não acusar a transição para o futebol europeu (algo que continua a afectar um grande número de futebolistas oriundos de outros continentes, mesmo nos dias que correm) e facturando um total de quarenta golos em pouco menos de sessenta jogos – uma marca admirável, mesmo numa divisão inferior.

Foi, portanto, sem surpresas que a pré-época de 1998-99 viu Fary dar o 'salto' profissionalizante, ao ingressar no histórico Beira-Mar, um dos dois clubes 'pequenos' de que se viria a tornar 'Grande'; no total, foram cinco épocas equipado de aurinegro, durante as quais participou em 165 jogos e marcou 63 golos (tendo-se mesmo afirmado como Bola de Prata da I Liga na temporada 2002-2003), venceu uma Taça de Portugal (logo na sua época de estreia), visitou palcos europeus, e se assumiu como parte importante da equipa principal dos aveirenses, com os quais empreendeu uma viagem de 'ida e volta' entre a I Divisão Nacional e a então chamada II Divisão de Honra.

Os 18 golos do jogador valeram-lhe a Bola de Prata em 2002/2003

Foi já no novo milénio, no entanto, que Fary deu o passo que o tornaria nome de charneira nos campeonatos portugueses, e cimentaria o seu estatuto como 'Grande dos Pequenos' – a transferência para o Boavista, clube onde se viria a tornar símbolo, não obstante a alarmante falta de golos (apenas dezassete em cinco épocas e cem jogos pelo emblema axadrezado), constituindo uma das principais constantes na verdadeira 'montanha russa' que foram os anos após a conquista do campeonato nacional pelos axadrezados, que seriam relegados à II Divisão B umas meras três épocas após o histórico feito.

156401.jpg

O senegalês com a camisola do segundo clube de que se viria a tornar ídolo

Os anos seguintes veriam o avançado senegalês reforçar ainda mais o seu lugar no coração dos adeptos dos dois emblemas nortenhos, primeiro com um regresso ao Beira-Mar, por duas épocas (embora, desta vez, como peça bastante secundário, tendo amealhado umas parcas trinta exibições e quatro golos ao longo desse período) e, mais tarde, com novo ingresso no Boavista, onde viria a fazer as últimas quatro épocas da sua carreira profissional, cimentando o seu estatuto como representante da 'mística' boavisteira no balneário, e recuperando mesmo a sua veia goleadora, com uns honrosos 31 golos apontados em 79 aparições (incluindo 15 em uma época, que lhe valiam o título de melhor marcador da II Divisão B em 2012/2013), o seu melhor registo pessoal desde a viragem do milénio. Pelo meio, ficava uma passagem apagada pelo Desportivo das Aves de 2010-2011, onde nunca 'contou para o Totobola', e que o impede de conquistar a marca bonita de ter representado apenas dois clubes nas suas quinze épocas de carreira no século XXI.

Apesar dos percalços e passos em falso, no entanto, a carreira de Faye Fary não deixa de ser um exemplo perfeito de brio profissional e dedicação a (neste caso) dois emblemas, características que compensavam algumas deficiências técnicas que (presumivelmente) terão sido o único obstáculo a que o senegalês ingressasse num dos 'três grandes' portugueses; ainda assim, aquando da sua reforma - aos quarenta (!!) anos – o jogador podia orgulhar-se de ter sido ídolo de mais do que uma agremiação histórica do futebol português, e de ter verdadeiramente adquirido o estatuto de 'Grande dos Pequenos'. E pensar que tudo começou nas divisões amadoras de meados dos anos 90...

O tributo de um adepto boavisteiros ao jogador, aquando do fim da sua carreira, mostra bem o estatuto de que Fary gozava no seio dos axadrezados

10.07.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidades do desporto da década.

Na última edição desta rubrica, falámos de Serifo, jogador que desenvolveu toda a sua carreira profissional num único clube, o Leça; esta semana, toca a vez a um nome que, embora não tendo batido o recorde do guineense, mostrou a mesma dedicação a um único emblema – Joaquim Pereira da Silva, conhecido futebolisticamente pela alcunha de Martelinho, e que fica indelevelmente ligado à trajectória noventista do seu clube do coração, o Boavista.

785299_med__20210522171246_martelinho.png

O jogador com a camisola de que se tornou sinónimo

De facto, grande parte da carreira do extremo foi passada nos axadrezados do Porto, onde ingressou ainda em idade de júnior, vindo do Feirense, e onde passou nada menos do que doze épocas - ainda que, nas duas primeiras, tenha sido alvo de empréstimos, a Marco e Aves, respectivamente. Tendo sido figura importante em ambas as equipas durante as respectivas temporadas (pelo Marco, fez 32 jogos e marcou quatro golos, enquanto que pelo Aves alinhou 33 vezes, contribuindo com seis golos) o ainda jovem jogador foi, no início da temporada 1995/96, reintegrado no plantel boavisteiro, o qual não voltaria a abandonar durante precisamente dez anos, durante os quais conquistaria (merecidamente) o estatuto de capitão e figura maior do conjunto nortenho, ainda mais do que nomes como William, Jimmy Hasselbaink, Erwin Sánches ou até Ricardo. No total, foram 189 jogos e 23 golos pelos axadrezados, dos quais trinta (e quatro golos) durante a época mais bem-sucedida da História recente do clube – foi, aliás, seu o único golo da vitória contra o Porto, que permitiu ao Boavista de 2000/2001 ultrapassar os rivais nortenhos e ocupar o topo da tabela, onde viriam a terminar a referida prova.

Terá, pois, sido com relativa surpresa que os adeptos axadrezados viram a sua figura de proa abandonar o clube no fim da época 2004/2005, para rumar aos amadores espanhóis do Portonovo, uma equipa de dimensão substancialmente menor do que o Boavista. A 'aventura' no estrangeiro duraria apenas um ano (durante o qual o médio logrou apenas 14 exibições), tendo Martelinho regressado a Portugal em 2006/2007 para ingressar, não no Boavista, mas no igualmente nortenho Penafiel; após apenas nove partidas ao longo de uma época, no entanto, o extremo voltaria a rumar a Espanha, para nova temporada no Portonovo, antes de efectuar nova mudança de rumo, 'pendurando as botas' como futebolista de campo para ingressar na equipa de futsal do Cidade de Lourosa.

Terminada essa aventura, o histórico do Boavista – então já com 34 anos - viria mesmo a assumir a reforma, fazendo, como tantos outros dos nomes que aqui focamos, a transição natural para a função de treinador, primeiro dos juniores de Feirense e Boavista (as mesmas equipas que o haviam lançado como profissional, quinze anos antes) e, mais tarde, das equipas sénior do Cesarense e Lourosa, pelo qual efectuou duas passagens, tendo a primeira rendido à equipa o título de campeão da AF Aveiro 2012-2013. Uma carreira indubitavelmente honrosa, e nada menos do que fascinante, mas cuja principal contribuição para o imaginário colectivo dos adeptos portugueses será mesmo o 'lugar cativo' que, durante várias épocas, o jogador teve no flanco direito do Boavista de Jaime Pacheco, pelo qual se afirmou como um verdadeiro 'Grande dos Pequenos'.

 

05.06.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidades do desporto da década.

No mercado futebolístico global de hoje, é prática corrente ver jogadores das mais diversas proveniências alinharem nos principais campeonatos europeus e mundiais; em finais do século XX, no entanto, a situação era um pouco diferente, sendo que cada liga profissional tendia a acolher, sobretudo, jogadores de certas e determinadas proveniências – em Portugal, por exemplo, prevaleciam os futebolistas sul-americanos (sobretudo brasileiros), africanos, e da Europa de Leste.

Ainda assim, aqui e ali, surgia em cena um jogador oriundo de um país menos comum para cada campeonato, não sendo o nosso País excepção nesse campo - de facto, na última edição desta rubrica, abordámos precisamente um desses nomes, o sul-africano Eric Tinkler; esta semana, 'repetimos a dose' para falar de um jogador incomum para a nossa liga, não só pela nacionalidade, mas pela marca que deixou em apenas duas épocas em Portugal, e sem nunca ter alinhado por um 'grande' da modalidade.

0jimmyboavista.jpg

Jimmy ao serviço do Boavista

Falamos de Jerrel Floyd Hasselbaink, mais conhecido nos meandros do futebol como Jimmy, um nativo do Suriname (também conhecido como Antilhas Holandesas) que 'aterrou' em Portugal no início da época 1995/96 para representar as cores do Campomaiorense, tendo-se antes destacado como jovem promessa do AZ Alkmaar, por quem realizara 46 jogos (marcando 5 golos) ao longo de quatro épocas. Por alturas da chegada a Portugal, a posição que então ocupava, extremo-direito, havia já sido moldada para o transformar num homem de área, função na qual se notabilizou não só em Portugal, mas durante todo o resto da sua carreira.

1260.jpg

O cromo do jogador na caderneta do Campeonato Nacional 95/96, o primeiro dos dois que passou em Portugal

A razão para tal fama e reputação começou, aliás, a ser delineada logo nessa época, em que marcaria doze golos em 31 jogos - uma marca invejável para um avançado de uma equipa da metade inferior da tabela, e que lhe valeu, logo na época seguinte, a transferência para o então 'quarto grande' Boavista, então viveiro de talentos e 'casa' de outro notável 'grande dos pequenos', o guardião William Andem. Ao serviço dos axadrezados, Jimmy continuaria a estabelecer credenciais de goleador, atingindo desta feita a marca dos vinte golos, conseguidos ao longo de apenas vinte e nove exibições – uma média de um golo a cada jogo e meio, ou um golo a cada 120-125 minutos! - e ajudando o emblema do Porto a conquistar a Taça de Portugal relativa à época de 1996-97.

Os golos de Jimmy ao serviço dos axadrezados, que lhe valeram interesse do estrangeiro

Com uma época a este nível – e, recorde-se, em outro clube que não um dos três principais do campeonato – foi com naturalidade que os adeptos do clube do Bessa viram Jimmy abandonar a agremiação portuense, a caminho de mais altos vôos: nada mais, nada menos do que o campeonato inglês (então ainda na sua fase pré-Premiership), para onde se transferiria a troco de dois milhões de libras – cerca de 465 mil escudos – para representar o Leeds United. E se, em Portugal, os números de Jimmy já haviam sido impressionantes, no Reino Unido, o avançado revelou-se um 'matador' ainda mais letal, conseguindo a Bota de Ouro na sua segunda época ao serviço do clube da zona de Yorkshire, quando competia com nomes como Teddy Sheringham e Alan Shearer!

Esse troféu permitiu, por sua vez, ao avançado dar o 'salto' para Espanha, para representar o então 'aflito' Atlético de Madrid, onde passaria apenas uma época, na qual deixou ainda assim a sua marca, com vinte e quatro golos em 34 jogos – uma marca impressionante para um avançado de um clube que acabaria despromovido, apesar do brilharete na Taça do Rei! Seguir-se-ia um regresso a Inglaterra, para ingressar no Chelsea pré-Mourinho e Scolari, pelo qual alinharia durante quatro épocas, fazendo jus à veia goleadora pela qual era conhecido com 69 golos em 136 jogos, atingindo aquele que terá provavelmente sido o auge da sua carreira como futebolista.

Mesmo em fase descendente, no entanto, Jimmy não perderia as suas faculdades, como demonstraria no seu último grande emblema, o Middlesbrough, ao serviço do qual marcaria vinte e dois golos em 58 jogos, ao longo de duas épocas. As passagens subsequentes pelo Charlton e Cardiff City seriam de menos nota, embora o já veterano avançado tenha, ainda assim, exercido papel preponderante nas épocas dos dois emblemas, realizando vinte e cinco jogos pelo primeiro e 36 pelo segundo; os golos, esses, é que já não surgiam como dantes, somando Jimmy apenas nove no cômputo das duas temporadas.

Um fim, ainda assim, honroso para uma carreira que começaria quase imediatamente de novo, desta vez do outro lado das quatro linhas, no papel de treinador – primeiro como assistente no Nottingham Forest, e mais tarde como 'timoneiro' dos destinos de emblemas mais ou menos modestos, como eram o Antuérpia, o Burton Albion (clube pelo qual acaba de iniciar a sua segunda passagem), o Queens Park Rangers e o Northampton Town; e ainda que esta fase da carreira do surinamenho se desenrole a um nível algo inferior ao dos seus tempos de futebolista, a verdade é que Jimmy não deixa ainda assim de demonstrar o seu polivalente talento nas diversas áreas do futebol.

Para muito boa gente, no entanto – sobretudo de nacionalidade portuguesa – Jimmy não será lembrado como treinador das divisões inferiores inglesas, nem como 'artilheiro' do Leeds, Atlético, ou mesmo do Chelsea; para esses adeptos, o 'homem dos três nomes' será, para sempre, o avançado matador que fazia 'mexer' o Campomaiorense e Boavista de meados da década de 90, e que foi 'recrutado' para mais altos vôos antes que qualquer dos três 'grandes' tivesse oportunidade de o contratar, tornando-se assim, por definição, um dos verdadeiros 'grandes dos pequenos' do futebol português daquela época.

 

25.04.22

NOTA: Este post é respeitante a Domingo, 24 de Abril de 2022.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Uma das principais 'verdades' do futebol moderno é que os jogadores que mais se destacam num determinado campeonato irão, quase inevitavelmente, acabar por assinar por um dos maiores clubes desse campeonato ou, alternativamente, por um clube de expressão equivalente num campeonato internacional; o que não falta no desporto-rei (português e não só) são histórias de jovens que, de humildes começos no clube 'da terrinha', chegam a estrelas internacionais de renome, sendo Figo ou Cristiano Ronaldo apenas dois dos muitos jogadores que fizeram essa trajectória.

Por vezes, no entanto, surge um jogador que se insere no contexto do 'quase' da frase acima utilizada; um atleta que, embora indispensável no seu emblema e admirado até mesmo por adeptos de outras agremiações, nunca chega a dar esse 'salto' quantitativo durante a sua permanência no futebol português. A nova rubrica que hoje inauguramos pretende, precisamente, recordar alguns dos principais exemplos desse fenómeno a militar em Portugal durante a década de 90.

E como figura inicial desta nova série, nada mais justo do que dar honras de abertura a um dos nomes que vem imediatamente à memória sempre que se pensa em jogadores influentes no campeonato português da década de 90 que militavam em emblemas 'menores': o lendário William Andem, guarda-redes do histórico Boavista durante a maior parte daquela década.

arq_16989.jpg

Quem seguia o campeonato daquela altura, certamente ainda terá presente a figura imponente daquele guarda-redes que – com 'cara de mau' a condizer com a estatura – defendia com surpreendente agilidade e leveza de reflexos as redes axadrezadas em finais da década; o que muitos não saberão é que o mesmo teve, antes da chegada ao clube que o celebrizaria, um percurso no mínimo insólito para um jogador africano, que o levou ao futebol sul-americano antes de, eventualmente, se celebrizar no português.

Nascido Bassey William Andem em Douala, nos Camarões, a 14 de Junho de 1968, o simplesmente apelidado William iniciou o seu percurso futebolístico em finais da década de 80, ao serviço do seu clube local, o Union, onde militou quatro épocas, tendo numa delas ingressado por empréstimo no desconhecido Olympic Mvolyé, também do campeonato camaronês. O inevitável 'salto' para fora de África, esse, dá-se em 1994, quando Andem ingressa no...Cruzeiro.

A presença de um jogador africano num campeonato célebre por contratar maioritariamente 'dentro de portas' (não fosse o Brasil um dos países, senão mesmo O país, com mais aspirantes a jogadores de futebol em todo o Mundo) parecia – e era – insólita, e a contratação acabou por nunca se justificar, tendo William realizado apenas nove jogos nas duas épocas que passou com o emblema brasileiro. Este início pouco auspicioso não foi, no entanto, suficiente para descoroçoar William, que, em 1996, transitava para um novo emblema, ainda no Brasil – no caso, o Bahia, onde chegou a realizar 19 jogos na sua única época como efectivo.

Então com quase 30 anos, e não tendo conseguido afirmar-se em qualquer dos clubes por onde passara desde a sua saída dos Camarões, William parecia condenado a uma carreira medíocre e anónima; essa situação mudou, no entanto, no defeso de Inverno da época 1997-98, quando o guarda-redes decide viajar para Portugal, para se vincular ao Boavista - uma escolha que lhe viria a permitir, finalmente, lançar a sua carreira.

No total, foram nove épocas e mais de 150 jogos de xadrez ao peito, a esmagadora maioria dos quais como titular; e mesmo quando perdeu o lugar, a mudança pode considerar-se mais como um 'passar do testemunho', já que o seu sucessor era nada mais nada menos do que Ricardo, futuro guarda-redes do Sporting e da Selecção Nacional (mais tarde, perderia novamente a titularidade para o brasileiro Carlos, recuperando-a após a venda deste para o Steaua de Bucareste). Um percurso que - além de o tornar um 'clássico' das cadernetas da Panini - lhe valeu várias chamadas à Selecção camaronesa (onde serviu de apoio ao lendário Jacques Songo'o em várias competições, incluindo o Mundial de França '98), e que justificou plenamente o estatuto de 'lenda viva' que adquiriu entre os adeptos boavisteiros...o que torna ainda mais incompreensível a sua saída do clube, no final da época de 1997-98.

No entanto, fosse qual fosse o motivo, foi mesmo isso que aconteceu, e William acabou por 'pendurar as botas' em outro clube que não aquele que o lançara – no caso, o Feirense, no qual ingressou para a época 2007-2008, mas onde figuraria apenas três vezes ao longo da época, números que não justificam minimamente a saída do emblema onde era ídolo.

Ainda assim, e apesar dos pesares, William bem merece o título de 'grande dos pequenos', tendo conseguido transfigurar-se de eterno suplente do Brasileirão em 'patrão' da defesa de um clube de Primeira Divisão português (que, na altura, lutava por títulos e se afirmava como viveiro de jovens talentos) e internacional pelo seu país – o que, convenhamos, não é mesmo nada mau para um camaronês trintão...

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub