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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

08.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser prática corrente em outros países, o uso de personagens licenciadas para efeitos institucionais é, ainda, um recurso pouco explorado em Portugal; enquanto que no Brasil a Turma da Mônica é utilizada para os mais diversos fins educacionais, e nos EUA as Tartarugas Ninja e Bart, o mais velho dos três filhos dos Simpsons, chegaram a dar a cara pelo movimento anti-droga, em território nacional, qualquer iniciativa deste tipo tende a ser levada a cabo com personagens especificamente criados para o efeito, como o Luzinha da EDP. No entanto, durante os anos 90 (concretamente entre 1998 e 1999) houve pelo menos uma tentativa de aproveitar personagens populares entre o público mais jovem para tentar passar uma mensagem informativa e de sensibilização, sob a forma de duas bandas desenhadas criadas pelo Instituto Português da Qualidade, em parceria com a revista Super Jovem.

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O segundo dos dois volumes da mini-série (crédito da imagem: Tralhas Várias)

Intitulados 'Os Amigos da Qualidade', estes dois volumes viam o Rato Mickey e o seu inseparável amigo Pateta – 'estrelas' maiores da 'constelação' das BDs Disney da época – embarcarem em duas aventuras em Vila Avaria, uma povoação vizinha de Patópolis caracterizada, como o próprio nome indica, por padrões de qualidade cómica e caricaturalmente inexistentes; cabe, assim, ao rato mais famoso do Mundo sensibilizar a população quanto a verificações de qualidade, enquanto tenta travar as tentativas de aproveitamento deste 'desleixo' por parte do eterno rival e fora-da-lei João Bafo-de-Onça. Uma premissa interessante, e que poderia ter rendido boas aventuras, não fora a execução algo 'desleixada' do projecto.

De facto, muito mais do que os horríveis desenhos da fase moderna/italiana (que certamente terão os seus fãs, embora não seja o caso por aqui) os dois volumes desta mini-série (se assim se puder chamar a algo deste tipo) pecam pelos diálogos algo óbvios e até condescendentes, e pelo reaproveitamento algo óbvio de elementos, sendo que basta ver como o chefe da polícia de Vila Avaria é, em tudo, gémeo do de Patópolis para se perceber que esta história talvez não seja totalmente criada 'à medida'. Embora muitos criadores de conteúdos para jovens não levem este factor em conta, este tipo de mensagem tende a ser melhor aceite pelo público-alvo quando transmitida com subtileza e cuidado aparente na criação, algo em que estas bandas desenhadas deixam um pouco a desejar.

Ainda assim, esta não deixava de ser uma iniciativa louvável de transmitir uma mensagem importante, embora o seu impacto real seja difícil de medir à distância de vinte e cinco anos; nostalgicamente, estes volumes encontram-se algo Esquecidos pela Net – embora seja possível 'sacar' um deles neste link – mas talvez algum dos nossos leitores que ocupe, hoje em dia, um cargo de inspector de qualidade ou semelhante nos possa dizer até que ponto estas duas Bds o influenciaram na sua escolha. Até lá, fica aqui o 'post' a recordar esta iniciativa inusitada e até única em Portugal, que apesar de algumas falhas óbvias, não deixou de ser meritória...

25.01.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

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Capa da antologia dedicada ao autor, lançada pela Escorpião Azul.

Na era pré-Internet, em que qualquer criador se via forçado a 'fazer nome' utilizando os parcos e escassos meios ao seu dispôr, um dos melhores veículos para novos nomes se tentarem tornar conhecidos eram as fanzines – títulos criados, como o nome indica, por e para fãs do estilo, e editadas de forma totalmente independente e, muitas vezes, claramente amadora, num daqueles casos em que a vontade era suficiente para superar a falta de recursos. E a verdade é que esta táctica acabava, esporadicamente, por render dividendos, tendo alguns nomes posteriormente conhecidos do mundo da música, literatura ou banda desenhada tido o seu início de carreira em publicações deste tipo.

No caso da banda desenhada, um desses nomes é Pedro Pereira, mais comummente conhecido pela sua alcunha, Pepedelrey, e que apesar de ser hoje um nome de culto nos meios 'bedéfilos' portugueses, apenas após o Novo Milénio conseguiu publicar trabalhos em nome próprio. Até esse ponto, a carreira deste artista e argumentista (iniciada em 1985) havia-se desenrolado, exclusivamente, à base de participações em 'fanzines' e antologias de BD lançadas por editoras cada uma mais obscura do que a outra.

À luz destes factos, e tendo em conta a época da História em que os mesmos se desenrolavam, a carreira almejada pelo artista natural de Oeiras não se pode considerar menos do que invejável; o facto de Pepedelrey ser, hoje, um artista conceituado (e fundador do célebre Lisbon Studio, um dos maiores estúdios de BD do País) após ter logrado progredir a um nível de tal modo independente durante mais de quinze anos, é um testamento não só da qualidade do trabalho deste autor, mas também da sua força de vontade, que o ajudou a almejar um estatuto de culto no meio da banda desenhada portuguesa logo nos anos 90, e a mantê-lo até aos dias de hoje.

11.01.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

O plagiarismo é, regra geral, encarado como um tabu na sociedade ocidental, sobretudo porque os plagiadores tendem a copiar uma fonte mais conhecida, ou já estabelecida, na sua rota para o sucesso; o que aconteceria, no entanto, se se verificasse o contrário – se uma ideia multibilionária tivesse como inspiração outra vários graus de magnitude mais modesta? É esta a base da teoria da conspiração que coloca uma obscura banda desenhada portuguesa de 1997 como principal inspiração de James Cameron (ele de 'Aliens', 'Exterminador Implacável 2' e, claro, 'Titanic') para a criação do mega-popular 'franchise' Avatar, e que torna agora a encontrar-se na berlinda, após a estreia do segundo filme da planeada trilogia; e a verdade é que, improvável como é, esta ideia não deixa, ainda assim, de ter bases bem sólidas...

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Coincidência...ou plágio?

Isto porque a referida BD, da autoria dos então desconhecidos Fernando Lucas e Pedro Potier – e que nem tão-pouco é um álbum, ou mesmo parte de um, mas apenas uma modesta história de seis páginas submetida a concurso no histórico Festival de BD da Amadora – relata a invasão de um planeta habitado por esbeltos 'aliens' azuis por uma frota armada de 'mechs' e outras tecnologias – ou seja, precisamente a mesma premissa de 'Avatar', vivida por uma personagem de aparência em tudo semelhante aos 'Na'vi' de Cameron!

E ainda que seja muito pouco provável que o realizador americano tenha lido esta modesta história, a verdade é que as origens da ideia por trás de 'Avatar' remontam aos anos 90... Coincidência avassaladora ou roubo descarado de ideias a dois jovens artistas portugueses de há um quarto de século? Leiam a história completa neste link, e decidam por vocês próprios...

30.11.22

NOTA: Por motivos de relevância temporal, o post de hoje voltará a ser sobre banda desenhada. As Quartas de Quase Tudo voltam para a semana.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

No mesmo dia em que publicávamos a nossa mais recente edição das Quartas aos Quadradinhos, falecia o último nome restante da chamada 'Era de Ouro' da BD em Portugal; e apesar de o auge da sua carreira se ter dado em outras décadas que não aquelas a que este blog respeita, não podíamos ainda assim deixar passar em claro a perda do ilustrador por excelência de bandas desenhadas históricas em Portugal, José Ruy.

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Nascido em 1930, e aluno, como tantos da sua geração, da Escola António Arroio (ainda hoje um dos estabelecimentos vocacionais de referência na área das Belas-Artes) José Ruy seguiu um percurso sensivelmente semelhante aos seus contemporâneos, evoluindo dos primeiros esboços, ainda adolescente, para colaborações com quase todas as publicações de referência na área publicadas em Portugal, d''O Mosquito' a 'Tintin' e 'Spirou'. Ao contrário da maioria dos aspirantes a 'cartoonistas', no entanto, Ruy não enveredou pelos ramos da BD de aventuras ou cómica, preferindo afirmar-se como um dos principais criadores nacionais de banda desenhada de teor educativo e didáctico, com particular ênfase para trabalhos sobre factos históricos, 'biografias' de localidades e adaptações de grandes obras portuguesas (o seu mais famoso e reconhecido trabalho é, aliás, a adaptação em BD da obra maior da literatura portuguesa, 'Os Lusíadas') das quais cerca de uma dúzia veria a luz durante os anos 90, com destaque para a adaptação do conto 'Como Surgiu o Medo', de Rudyard Kipling, de 1990, que chegou a sair no suplemento BDN do 'Diário de Notícias', e para a homenagem à sua Amadora natal, lançada pelas Edições Asa dois anos depois.

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Uma das mais relevantes obras do autor durante a década de 90.

A produção prolífera era, aliás, um dos principais aspectos da carreira de Ruy, a quem nem a idade abrandou – tanto assim que os seus últimos trabalhos datam da década transacta, quando o argumentista e ilustrador contava já mais de oitenta anos – os mesmos que viria a dedicar, no total, à criação e publicação de banda desenhada. Assim, e apesar de constituir uma perda de vulto para o cenário bedéfilo nacional, aquele que quase pode ser visto como o equivalente português a Stan Lee pode descansar em paz, sabendo que deixou às gerações futuras um vasto, respeitado e importante legado, através do qual inscreveu, indelevelmente, o seu nome na História de Portugal que tanto apreciava. Que descanse em paz.

 

26.10.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de nunca ter lançado um artista de projecção verdadeiramente internacional, à semelhança do que fazem Estados Unidos, França, Bélgica, Brasil ou Japão, Portugal possui uma rica e já longeva ligação à BD, a qual remete às caricaturas e 'cartoons' de artistas como Bordalo Pinheiro, ainda no século XX. E a verdade é que, apesar da falta do referido nome reconhecido internacionalmente, a 'cena' portuguesa não deixou (e deixa) de ter os seus nomes de relevo, que vão de veteranos como os falecidos José Garcês ou Fernando Relvas a nomes mais contemporâneos como Luís Louro, José Carlos Fernandes, Luís Pinto-Coelho, António Jorge Gonçalves ou o nome de que falamos esta semana, Miguel Rocha.

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Nascido em Lisboa em 1968, crescido em Alhandra e formado na Escola António Arroio – principal escola técnica de artes plásticas da Grande Lisboa, e uma das principais do País – Miguel João Pinheiro Soares Rocha insere-se na nova geração de autores de BD lusitanos, tendo desenvolvido a grande maioria da sua obra do lado 'de cá' do Terceiro Milénio; não obstante, a sua carreira remonta a finais da década de 90, tendo a sua estreia oficial como artista de banda desenhada sido feita através de uma folha mensal integrada na revista Pais & Filhos – um dos muitos veículos pouco ortodoxos que os artistas da 'nova escola' portuguesa utilizaram como 'rampa de lançamento' para os seus trabalhos. Antes, Rocha havia feito o habitual 'périplo' pela área da publicidade e artes gráficas, e colaborado, na qualidade de paginador, com a revista Selecções BD, o compêndio mensal de clássicos do género editado pela Meribérica-Liber.

O talento, esse, era já óbvio, mesmo nessa fase mais embrionária, e não tardaria até Rocha ver o mesmo ser reconhecido com galardões, nomeadamente o Prémio Especial Revelação no prestigiado Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, no caso com o seu segundo álbum, 'As Pombinhas do Sr. Leitão', sucessor de 'O Enigma Diabólico', lançado no ano anterior. Pelo meio ficavam colaborações com o prestigiado jornal 'Público', e a oportunidade de ilustrar, com uma pequena história, o catálogo de uma exposição dedicada ao 25 de Abril – a primeira de muitas obras institucionais que o autor viria a criar. Ainda em 1999, saem outros dois trabalhos, o álbum 'O Polvo' e a história 'Borda D'Água', inserida na revista LX Comics, e que voltaria a ser publicada no ano seguinte – agora em versão a cores - na revista 'Pública', um dos suplementos do jornal acima referido.

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A segunda obra do autor valeu-lhe o primeiro do que viriam a ser sete galardões no prestigiado Festival Internacional de BD da Amadora.

O ano 2000 vê, aliás, a carreira de Miguel Rocha seguir de vento em popa, com o lisboeta a arrecadar mais dois prémios no Festival de BD da Amadora, incluindo o de Melhor Álbum Português para 'Eduarda', adaptação da obra literária do mesmo nome da autoria de Georges Bataille, e desenvolvida em parceria com o argumentista Francisco Oliveira; o outro prémio, o de Melhor Desenhador, vai para 'Março', o outro álbum grande formato lançado nesse ano. Além destas duas obras, Rocha volta ainda a colaborar com o 'Público', agora com uma ilustração para a série dos 'Sete Pecados', e cria um álbum de pequeno formato, 'Transcomix – Lisboa ao Quadrado', para distribuição gratuita no âmbito do Dia Europeu Sem Carros. No ano seguinte, o desenhador é alvo de uma retrospectiva no âmbito do FIBDA, prova cabal do estatuto que lograra obter em apenas quatro curtos anos de carreira.

Os anos seguintes desenvolvem-se na mesma toada, entre álbuns de originais e participações institucionais, destacando-se, destas últimas, a adaptação de um conto de Miguel Torga para inserção num álbum alusivo ao Dia Mundial do Livro 2002, e a criação do cartaz oficial do Euro 2004, talvez o projecto de maior visibilidade de toda a sua carreira. O auge do seu reconhecimento na comunidade bedéfila chega, no entanto, apenas dois anos depois, quando o seu trabalho sobre Salazar, em parceria com João Paulo Cotrim, arrecada nada menos do que quatro prémios no Festival da Amadora, ganhando Melhor Álbum, Melhor Argumento e Melhor Desenho, além do Prémio Juventude. E apesar de o artista não lançar qualquer trabalho de originais há mais de uma década a esta parte (os últimos dois são de 2010) o contributo que deu à BD portuguesa ao longo dos doze anos anteriores foi mais que suficiente para lhe outorgar o estatuto de nome 'grande' da nova geração de artistas nacionais de banda desenhada, restando, apenas esperar para ver o que o futuro reserva para a sua carreira.

15.09.22

NOTA: Este post é respeitante a Quarta-feira, 14 de Setembro de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de menos desenvolvida por comparação a outros países da Europa e do Mundo, a cultura 'motard' não deixa de ter representação em Portugal – tanto assim que, durante a década de 90, esta sub-cultura teve, mesmo, direito à sua própria revista especializada. Simplesmente intitulada 'Motociclismo' a revista (que virá, potencialmente, a ser tema de uma das próximas visitas ao Quiosque) estava longe de ser apenas dirigida a fãs de Harley-Davidsons e motas afins, procurando divulgar notícias e novidades de todo o espectro do desporto a motor sobre duas rodas, e contando no seu alinhamento com todas as rubricas expectáveis, entre elas a típica tirinha de banda desenhada, habitual em muitas publicações periódicas da época – no caso, criada por um verdadeiro entusiasta da modalidade e, portanto, genuína o suficiente para se tornar um sucesso, e parte integrante da referida revista durante as três décadas (!) subsequentes.

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A BD em causa, que leva como título 'As Odisseias de Um Motard – Aventuras e Desventuras de um Motociclista Português', teve a sua estreia no número 14 da referida revista, tendo sofrido, desde então, muito poucas alterações à fórmula então apresentada, que vê o 'motoqueiro' Tom Vitoín (pronunciado V-Twin), um membro de um grupo 'motard', envolver-se nas mais diversas situações como consequência do seu 'hobby' e das suas viagens, quer a solo, quer na companhia do restante grupo. Em comum, apenas o facto de cada situação se resolver ao fim de apenas algumas pranchas, fazendo de 'Odisseias...' uma série episódica e auto-conclusiva, à maneira das publicadas em décadas anteriores em revistas como 'Tintim' (onde, aliás, o estilo 'cartoonesco' de Pinto-Coelho não destoaria, antes pelo contrário.)

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Tom Vitoín, o protagonista homónimo da série

Conforme acima referido, grande parte do apelo da tira, sobretudo junto do público-alvo, advém do facto de o seu autor, Luís Pinto-Coelho, ser um verdadeiro 'motard', o que lhe permite retratar de forma crítica, cómica, mas também extremamente verdadeira as 'desventuras' do seu quase-alter-ego Vitoín; tal como sucede com outros trabalhos que procuram retratar determinadas 'cenas' ou sub-culturas (como os do brasileiro Angeli) as histórias e situações em que o personagem se vê envolvido não deixarão de evocar a qualquer 'motoqueiro', não só gargalhadas, como também alguma empatia, derivada de situações potencialmente análogas e semelhantes em que eles próprios tenham estado envolvidos. Estará, certamente, aí o segredo da longevidade da série, que – conforme também referimos – vem acompanhando a revista em si desde o seu segundo ano de vida.

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O primeiro álbum das 'Odisseias...', lançado em 1996

Para além da longevidade, no entanto, 'Odisseias...' tem, também, outro ´trunfo' sobre a maioria das tiras de BD 'de revista' – nomeadamente, o facto de ter sido publicada em álbum. São, aliás, já vários os volumes de 'Aventuras e Desventuras' de Vitoín (além da série paralela 'Os Portugas no Dakar', em que o argumento fica a cargo de Elisabete Jacinto, naquela que é a única colaboração da carreira de Pinto-Coelho) disponíveis no mercado português, tendo os mesmos vindo a ser editados a um ritmo relativamente regular desde 1996 – um legado que garante que, apesar de ser conhecido, exclusivamente, por esta série (o seu primeiro trabalho, para o 'Moto-Jornal', teve muito menos expressão), Pinto-Coelho seja, ainda assim, um dos nomes de destaque da banda desenhada portuguesa moderna, tendo mesmo tido a honra de participar, enquanto convidado especial, na Tertúlia de BD de Lisboa de 1995. Um fado, certamente, bem mais honroso que o do seu herói, que – mais de trinta anos após a sua criação – continua, mês após mês, a ver-se envolvido em desventuras várias...

 

31.08.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Ao longo do tempo de vida desta rubrica, temos vindo a traçar breves biografias das carreiras dos principais artistas e criadores de BD portugueses, de Carlos Roque e José Garcês a Fernando Relvas, António Jorge Gonçalves ou Luís Louro; agora, chega a vez de acrescentar mais um nome a essa curta mas honrosa lista – o de José Carlos Fernandes, por vezes conhecido apenas como JCF, e que se destaca por ser um dos mais prolíficos autores do panorama da banda desenhada em Portugal.

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O autor na actualidade

Tal como Luís Louro, Fernandes faz parte da 'nova geração' de quadrinistas, cuja carreira se inicia já depois do fim dos principais veículos nacionais do meio – as revistas 'Tintin' e 'Mundo de Aventuras', onde a maioria da geração anterior se estreou nas lides da BD; assim, coube a estes jovens encontrar outros meios para se expressar e se dar a conhecer, tendo José Carlos Fernandes tomado o caminho das 'fanzines'. Os primeiros anos da carreira do artista foram, pois, passados a criar histórias para uma audiência muito reduzida, e à espera do grande 'momento' – o qual viria a surgir em 1989, quando uma paródia de duas páginas do herói franco-belga Alix é publicada na fanzine Shock, distribuída na região de Lisboa.

Ficava, assim, dado o mote para uma carreira inacreditavelmente prolífica, qualquer resumo da qual ocuparia muitas linhas e levaria muito tempo, para além de resultar num texto extremamente aborrecido; isto porque o autor viu publicados, nas duas décadas seguintes, uma média de dois a três títulos por ano, tendo um presumível surto de inspiração no ano de 1997 resultado no lançamento de NOVE (!!) obras de JCF num período de doze meses. Destaque, ainda assim, para as duas primeiras obras 'a sério' do artista, 'Controlo Remoto', de 1993, e 'A Lâmina Fria da Lua', a sua verdadeira obra-revelação, publicada em 1994 (ambas pela Associação Neuromanso, em parceria com a Comicarte e a ASIBDP, respectivamente), bem como para o galardoado 'A Pior Banda do Mundo', produzido quase uma década depois.

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Uma de quase uma dezena de obras de JCF editadas em 1997

O ritmo tresloucado de produção não afectava, no entanto, a diversidade ou criatividade da obra de Fernandes, a qual se estendia da ficção pura e dura à BD institucional em parceria com entidades estatais, e rendia ao autor distinções de fontes tão diversas quanto a Câmara Municipal de Lisboa (que lhe atribuiu por três vezes o Prémio Rafael Bordalo Pinheiro) e a organização do reputado, e entretanto malogrado, Festival de BD da Amadora, que considerou 'A Pior Banda...' a melhor obra nacional do evento em dois anos consecutivos. A fama de Fernandes estendia-se, aliás, a Espanha, onde chegou a ganhar o primeiro prémio do Festival de BD de Ourense, em 1995 – ano em que ganharia, também, essa distinção no Festival de BD de Matosinhos.

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O mais premiado álbum da carreira do artista, publicado em 2002

Em suma, e apesar de não dar 'novidades' desde 2011, José Carlos Fernandes é, já, figura maior da banda desenhada humorística em Portugal, possuindo um estilo muito próprio e inconfundível, inspirado pela ficção científica e pelo 'rock' alternativo, que sem dúvida contribui para que granjeie pontos junto das gerações mais jovens – tanto nos dias que correm como, decerto, quando vivia o seu 'estado de graça' em meados dos anos 90.

 

03.08.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de a banda desenhada de maior popularidade em Portugal durante o período a que este blog diz respeito ser, maioritariamente, estrangeira – oriunda do Brasil, Estados Unidos ou do eixo França-Bélgica – existiram ainda assim, nessa época, alguns autores nacionais que se destacaram, ou que já possuíam uma bem merecida fama. Nesta mesma rubrica, já falámos, aliás, de alguns deles, como Carlos Roque, António Jorge Gonçalves e Fernando Relvas, chegando agora a altura de juntar mais um nome a essa lista – o de Luís Louro.

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Apesar de as suas bandas desenhadas serem dirigidas, sobretudo, a um público mais adulto, que talvez já não faça parte da demografia que habitualmente lê este blog, a carreira de Louro foi notável o suficiente para lhe granjear a presença nestas páginas – quanto mais não seja por o desenhista ter sido o co-criador de uma das mais emblemáticas séries de BD portuguesas de sempre, 'Jim del Mónaco' (paródia do herói franco-belga 'Jim das Selvas', de Alex Raymond, desenhado no mesmo estilo), que assinou em parceria com o argumentista Tozé Simões durante a segunda metade dos anos 80, e cujos quatro álbuns viriam a ser relançados pelas Edições Asa no inicio da década seguinte; o sucesso desta série levaria, aliás, a novas parcerias entre Louro e Simões, que criariam em conjunto a dupla de personagens Roque & Folque, para os quais elaborariam três aventuras no início dos anos 90, e ainda 'O Janeirinho', publicado no defunto jornal 'Primeiro de Janeiro' em 1990.

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Um dos álbuns de 'Jim del Mónaco'

É, também, no início da referida década que Louro se decide lançar como artista a solo – e, desde logo, com um dos álbuns mais emblemáticos da BD nacional, 'O Corvo', de 1993, sobre um homem que se transforma na ave homónima; segue-se, dois anos depois, 'Alice na Cidade das Maravilhas' – uma reinvenção muito pouco politicamente correcta da obra de Lewis Carroll, com uma Lisboa fantasiosa como cenário de fundo – e, em 1997, 'Coração de Papel', obra que se destaca pela sua palete de cores outonais. Pelo meio, o desenhista colaborou, ainda, no álbum colectivo 'Síndroma de Babel', uma iniciativa da Câmara Municipal da Amadora lançada em 1996, e colabora com ilustrações para meios tão variados como os jornais 'Primeiro de Janeiro' e 'O Académico', as revistas Visão e Valor, os Festivais de BD de Lisboa e da Amadora, e até um disco dos heróis do 'power/thrash metal' português, Ramp!

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Capas do primeiro volume de 'O Corvo', álbum emblemático da BD portuguesa, e do álbum 'Insurrection', dos Ramp, onde a imagem do protagonista é reutilizada

Após 'Coração de Papel', Louro decide virar-se para as histórias curtas, de aproximadamente três páginas, as quais almeja publicar na primeira série da pouco duradoura revista 'Ego' e, mais tarde, na significativamente mais popular 'Selecções BD', da responsabilidade da Meribérica-Liber, editora que viria, já em 2000, a reunir todas essas histórias em álbum, sob o título 'Cogito Ergo Sum'. Também em 2000, mas pelas Edições ASA, é lançado 'O Halo Casto', uma parceria entre Louro e o também histórico argumentista Rui Zink.

A viragem para o novo milénio em nada afecta a produção ou popularidade de Louro, que encontra nova casa na emergente editora Booktree e lança dois álbuns em dois anos – o segundo volume de 'Cogito Ergo Sum', em 2001, e 'Eden 2.0', no ano seguinte, aqui em parceria com dois argumentistas, João Miguel Lameiras e João Ramalho Santos. Ainda em 2002, participa numa colecção de postais de Natal ilustrados por desenhistas de BD, e em 2004, ilustra o 'ABC das Coisas Mágicas em Rima Infantil', de Rosa Lobato de Faria; entretanto, em 2003, é lançado o segundo volume de 'O Corvo', novamente pelas Edições Asa, seguindo-se um terceiro, em 2007, este com argumento de um Nuno Markl em estado de graça.

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Capa de 'Laços de Família', terceiro álbum d''O Corvo', com argumento de Nuno Markl

Após 'Laços de Família', o terceiro 'Corvo', a carreira de Luís Louro entra, no entanto, num aparente hiato, sendo preciso esperar onze anos para ver ser lançada nova obra do desenhista, 'Watchers' novamente pelas Edições Asa. Segue-se, no ano seguinte, 'Sentinel', pela mesma editora, antes de Louro iniciar uma fase prolífica, como que para recuperar o tempo perdido: nos três anos seguintes, são publicadas nada menos do que OITO obras do autor, incluindo dois novos tomos de 'O Corvo', duas reedições de 'Alice', e nova parceria com o velho aliado Tozé Simões, em 'Universo Negro', um lançamento de 2020 da Escorpião Azul. Toda esta actividade parece indicar um segundo fôlego na carreira daquele que é um dos nomes maiores dos 'quadradinhos' portugueses, restando aos seus muitos fãs aguardar para ver o que a mente do desenhista lhes reserva em anos vindouros – podendo, entretanto, deliciar-se com 'Dante' e os dois volumes d''Os Covidiotas', as duas últimas mostras de que a inspiração voltou mesmo a bafejar este histórico da BD nacional...

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