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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

23.10.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

De entre as inúmeras máximas populares da língua portuguesa (e não só), 'as aparências iludem' ou 'nem tudo o que parece, é' são duas das que mais frequentemente se demonstram correctas, em todos os aspectos da vida quotidiana, incluindo no tocante à produção criativa e artística. Algo que, à primeira vista, parece inocente ou inofensivo pode, de facto, ser significativamente diferente do que aparenta, sem que tal se torne evidente até depois de o 'mal' já estar feito. O panorama mediático português dos anos 80, 90 e 2000, por exemplo, esteve repleto de exemplos deste paradigma, sendo sobretudo graças ao mesmo que os jovens da época puderam ter contacto com produtos que tinham toda a aparência de lhes serem dirigidos, mas que, de facto, se destinavam a um público decididamente adulto - subterfúgio esse que permitiu a muitas crianças e adolescentes ficar a conhecer séries como 'Os Simpsons' ou 'South Park', e bandas desenhadas como 'Condorito' (uma BD estilo 'brejeiro' importada da América do Sul) ou aquela de que falamos neste 'post', e que, ao contrário dos restantes exemplos, nada tem de divertido, devendo mesmo ter traumatizado a sua quota-parte de jovens à época de lançamento.

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Isto porque 'Maus', de Art Spiegelman (produzido em duas partes entre 1986 e 1991, e lançado em Portugal pouco depois, já com honras de vencedor do Pulitzer) utiliza a imagética tipicamente infantil de canídeos, felinos e roedores antropomórficos – estes últimos os 'Ratos' do título, que nada tem a ver com malfeitores, e reflecte apenas a palavra alemã para designar essa espécie animal – para abordar os horrores do Holocausto em primeira pessoa, através de declarações do próprio pai de Spiegelman, sobrevivente dos campos de concentração da II Guerra Mundial. Os judeus são, assim, transformados em ratos, os Nazis (inevitavelmente) em gatos e os americanos em cães, com a parcela não-judaica da população polaca a ser retratada, pouco honrosamente, como integrante da raça suína. Com estes elementos alegóricos se desenrola, então, uma narrativa que tem tanto de realista quanto o cenário tem de absurdista, numa dicotomia que poderá bem ter deixado os leitores mais incautos (e mais novos), que esperavam uma 'história de ratinhos', com os cabelos em pé. Quem sabia, de antemão, ao que ia não terá, no entanto, deixado de apreciar a mestria com que esse recurso é aplicado à narrativa, a qual valeu ao livro o bem merecido prémio de literatura.

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O impacto de 'Maus' não diminuiu, aliás, com a passagem do tempo. Ao contrário da maioria das obras que aqui abordamos, a duologia de Spiegelman continua não só disponível como presente na memória cultural portuguesa, tendo inclusivamente sido re-traduzida e condensada num só volume, formato no qual se encontra actualmente à venda. Oportunidade perfeita, pois, para quem leu à época apresentar à nova geração esta magnífica obra – desta vez, de preferência, com pré-aviso quanto à natureza da mesma, para evitar os equívocos e potenciais traumas derivados da sua própria abordagem ao trabalho...

31.07.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Há exactos trinta e dois anos (que seriam trinta, não fossem os desfasamentos causados pelo COVID-19) desenrolavam-se em Espanha, na cidade de Barcelona, os Jogos Olímpicos de 1992; por essa mesma altura, era lançado nas livrarias portuguesas um álbum de banda desenhada cujo título deixava bem explícito o seu propósito, e justificava igualmente o 'timing' de lançamento por parte da casa editorial responsável, no caso as Edições Asa.

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(Crédito da imagem: CustoJusto)

Da autoria dos franceses André Manguin (texto) e Robert Bressy (desenhos), 'História dos Jogos Olímpicos' oferecia uma versão 'enlatada' do percurso vivido pela competição desde a sua transição para um formato moderno, como o que hoje conhecemos, até à época de publicação original da história, em finais dos anos 70 – um limite já algo desactualizado à data de publicação (houvera já três Olimpíadas desde a criação da história) mas que permitia, ainda assim, oferecer uma perspectiva mais ou menos actualizada da evolução do certame ao longo dos anos. Havia, aliás, razões bastante pertinentes para tal intervalo temporal, já que a primeira publicação da banda desenhada em causa remetia, precisamente, a esse período, tendo a mesma sido apresentada aos leitores portugueses no 'Jornal da BD', ainda nos primeiros meses da década de 80, por ocasião dos Jogos desse ano. As causas da demora de mais de uma década até à edição em álbum perdem-se, infelizmente, nas 'brumas da memória', podendo esta história ter sido lançada num único volume logo nas Olimpíadas de 1984, ou mesmo nas de 1988.

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Uma página da história.

Como diz o ditado, no entanto, 'mais vale tarde que nunca', e a verdade é que os aficionados de banda desenhada com interesse no evento desportivo em causa puderam, eventualmente, desfrutar deste agradável álbum, cujo argumento e desenhos apresentam um nível perfeitamente aceitável e expectável para este tipo de publicação sem grandes 'pressões' para vender, com a arte em particular a situar-se a meio caminho entre as escolas americana e franco-belga (ou não fossem os autores franceses). Um 'prato cheio', portanto, para os 'X' e 'millennials' fãs da competição, e que (àparte a capa 'do seu tempo') se 'aguenta' ainda relativamente bem no contexto actual, podendo constituir um presente interessante para os seus sucessores das gerações 'Z' e 'Alfa', sobretudo numa altura em que muitos deles acompanham em directo as diferentes provas do certame de Paris 2024.

08.05.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já aqui anteriormente falámos do uso de personagens estabelecidos e reconhecidos no contexto da banda desenhada institucional; de facto, enquanto algumas companhias arriscavam criar personagens próprios para veicular as suas mensagens (com o acréscimo de poderem servir função dupla como mascotes do clube de fãs ou imagem da marca junto do público jovem) outras instituições preferiam 'jogar pelo seguro' e co-optar 'porta-vozes' licenciados, capazes de cativar activamente e comprovadamente a demografia menor de idade. Foi assim com o Instituto Português da Qualidade, em 1997 e 1999, e foi também assim com o Banco Espírito Santo, que, há quase exactos trinta anos, entre Fevereiro e Março de 1994, lançava em parceria com o jornal 'Expresso' a série de fascículos 'A Economia do Tio Patinhas'.

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Capa do primeiro fascículo da série, lançado a 12 de Fevereiro de 1994.

Tirando o máximo partido do facto de o referido jornal deter já a licença para publicar BD Disney no seu suplemento jovem, a série em causa combina a diversão da banda desenhada pura e dura com um aspecto mais informativo e educativo, estando o primeiro e terceiro fascículos (cada um com quarenta páginas) dividida quase exactamente ao meio entre a história de BD e um artigo referente a um aspecto da economia considerado relevante para o público-alvo, no caso o funcionamento da banca e a arte de investir. Infelizmente, este conceito acabou por não ser mais explorado, e nove dos restantes dez fascículos ficar-se-iam apenas pela BD em si; o formato dividido seria, no entanto, recuperado no décimo-segundo e último fascículo, lançado em finais de Março e que continha uma longa homenagem escrita a Carl Barks, o lendário criador de aventuras de Donald e companhia no período clássico das BD's Disney.

Apesar do potencial algo desperdiçado para verdadeiramente instruir os jovens 'X' e 'millennials' sobre o dinheiro e as possibilidades oferecidas pelo mesmo – tópico ainda hoje relevante para a demografia em causa – 'A Economia do Tio Patinhas' não deixa de ser um conceito temático interessante, e capaz de aumentar ainda mais os níveis de interesse no suplemento infanto-juvenil do 'Expresso'. É de lamentar, pois, que o mesmo, e o parceiro BES, não tivessem querido explorar verdadeiramente a fundo o fruto da sua união; caso contrário, esta série poderia ter constituído um marco nos anais da BD portuguesa, tanto institucional como comercial.

28.02.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já aqui anteriormente falámos tanto da BD institucional, utilizada pelas mais variadas empresas e instituições como recurso educativo e pedagógico, como dos clubes de jovens, outro conceito corporativo clássico de finais do século XX e inícios do seguinte, e que vinha muitas vezes acompanhado de publicações próprias, exclusivas aos membros do clube. não é, pois, de estranhar que os dois elementos em causa se intersectassem frequentemente, normalmente no contexto das referidas revistas e jornais internos; é, precisamente, de uma dessas ocasiões que falaremos nesta Quarta aos Quadradinhos.

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Divulgadas pelo banco Montepio Geral em cinco fascículos de distribuição exclusiva ao seu clube de jovens assinantes entre 1999 e 2000, 'Tio Pelicas Investiga: A Essência Mutualista' via o pelicano do símbolo do banco – devidamente antropomorfizado e 'cartoonizado', e de aparência algo semelhante a outro 'Tio' com afinidade por assuntos bancários, o da Disney – investigar mistérios relacionados com conceitos da esfera financeira e bancária, os quais eram, assim, transmitidos ao jovem público-alvo de maneira subtil e lúdica. Uma premissa bastante típica para uma banda desenhada institucional, mas que era substancialmente elevada pelo argumento e grafismo cuidados e personalizados; isto porque, onde a maioria das empresas deixariam um projecto desta índole a cargo de um qualquer anónimo com 'jeito' para o desenho, o Montepio Geral não fez por menos, recrutando ninguém menos do que Augusto Trigo (famoso por ter ilustrado a trilogia 'Lendas de Portugal em Banda Desenhada', e também colaborador da efémera mas marcante revista 'Selecções BD') para dar vida ao pelicano detective, em conjunto com a argumentista Paula Guimarães.

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Capa do segundo álbum, lançado em 2004.

O resultado era um trabalho que, deixando de lado a vertente institucional, poderia perfeitamente ter sido editada como álbum individual e independente de qualquer instituição – como os jovens 'millennials' e da 'geração Z' puderam comprovar quando as 'sequelas' de 'Essência Mutualista', produzidas entre 2001 e 2003, foram reunidas em álbum, em 2004. Antes disso, já havia sido lançada em volume a aventura original, a qual completa este ano vinte e cinco anos sobre o seu lançamento original, e terá sem dúvida feito as delícias dos jovens filhos de clientes do banco em causa aquando do mesmo. E apesar de essa primeira história se encontrar algo Esquecida Pela Net, várias outras podem, ainda, ser lidas nas mais diversas fontes (como neste blog, que dedica todo um artigo à série), pelo que quem tenha alguma nostalgia pelo Tio Pelicas (ou se tenha recordado do mesmo ao ler este post) pode facilmente ir 'matar saudades', e regressar à infância por alguns minutos...

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Excerto de uma das histórias da segunda série.

03.05.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

O ensino das línguas era, nos anos 90, um dos grandes objectivos não só dos pedagogos e educadores como também, aparentemente, de alguns sectores ligados à imprensa e edição de periódicos. Senão, veja-se: não só foi esta a motivação por detrás de pelo menos duas séries em fascículos durante este período, como também do lançamento de nada menos do que três revistas Disney, todas publicadas nos primeiros anos da nova década.

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Os três volumes da série, lançados entre 1990 e 1992.

Sem qualquer relação entre si além do conceito e do foco no núcleo do Pato Donald e Tio Patinhas (único a marcar presença em qualquer dos livros em causa), estes três volumes de capa dura e apresentação luxuosa - publicados entre 1990 e 1992 e genericamente agrupados sob a designação 'Disney em Inglês' – tinham como proposta, precisamente, o que o título informal da colecção dava a entender, isto é, a reprodução de histórias dos principais estúdios Disney na sua versão original para o mercado internacional, sem a habitual tradução e localização para Português; no caso do terceiro e último volume, 'Walt Disney's Comics and Games', o conceito era, ainda, alargado a alguns passatempos, que proporcionavam ao leitor uma oportunidade ainda mais prática de treinar o seu Inglês.

De realçar que, apesar de a própria Walt Disney ser originária dos Estados Unidos da América, e de haver toda uma panóplia de histórias originalmente concebidas nesse idioma, nem todas as BD's contidas nestes três volumes foram criadas na América do Norte; existem, sim, histórias de Carl Barks e outros lendários criadores dos estúdios originais espalhadas ao longo dos três livros, mas as mesmas coabitam pacificamente com enredos criados nas filiais holandesa e dinamarquesa da companhia (embora, felizmente, o horrendo material italiano fique, desta feita, de fora). Nada que prejudique ou desvirtue o fito da colecção, já que mesmo essas histórias são lançadas internacionalmente em Inglês, mas ainda assim um pormenor curioso e digno de destaque.

Infelizmente, e apesar da publicidade de que gozou nas contra-capas dos títulos da Abril da altura, a colecção 'Disney em Inglês' não teve continuidade para lá de 1992 – presumivelmente, por muitos dos leitores das habituais revistas quinzenais ou mensais não terem aderido ao conceito de ter de 'aprender' ou puxar pela cabeça enquanto tentavam descontrair com uma BD; mais curioso foi, talvez, o facto de os professores do Ensino Básico não terem visto nestes livros um auxiliar didáctico para as aulas de Inglês, contexto em que, certamente, os mesmos teriam sido bastante mais bem recebidos, ajudando a que, trinta anos depois, se afirmassem como mais do que meras curiosidades da fase hegemónica da Abril nas bancas portuguesas...

08.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser prática corrente em outros países, o uso de personagens licenciadas para efeitos institucionais é, ainda, um recurso pouco explorado em Portugal; enquanto que no Brasil a Turma da Mônica é utilizada para os mais diversos fins educacionais, e nos EUA as Tartarugas Ninja e Bart, o mais velho dos três filhos dos Simpsons, chegaram a dar a cara pelo movimento anti-droga, em território nacional, qualquer iniciativa deste tipo tende a ser levada a cabo com personagens especificamente criados para o efeito, como o Luzinha da EDP. No entanto, durante os anos 90 (concretamente entre 1998 e 1999) houve pelo menos uma tentativa de aproveitar personagens populares entre o público mais jovem para tentar passar uma mensagem informativa e de sensibilização, sob a forma de duas bandas desenhadas criadas pelo Instituto Português da Qualidade, em parceria com a revista Super Jovem.

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O segundo dos dois volumes da mini-série (crédito da imagem: Tralhas Várias)

Intitulados 'Os Amigos da Qualidade', estes dois volumes viam o Rato Mickey e o seu inseparável amigo Pateta – 'estrelas' maiores da 'constelação' das BDs Disney da época – embarcarem em duas aventuras em Vila Avaria, uma povoação vizinha de Patópolis caracterizada, como o próprio nome indica, por padrões de qualidade cómica e caricaturalmente inexistentes; cabe, assim, ao rato mais famoso do Mundo sensibilizar a população quanto a verificações de qualidade, enquanto tenta travar as tentativas de aproveitamento deste 'desleixo' por parte do eterno rival e fora-da-lei João Bafo-de-Onça. Uma premissa interessante, e que poderia ter rendido boas aventuras, não fora a execução algo 'desleixada' do projecto.

De facto, muito mais do que os horríveis desenhos da fase moderna/italiana (que certamente terão os seus fãs, embora não seja o caso por aqui) os dois volumes desta mini-série (se assim se puder chamar a algo deste tipo) pecam pelos diálogos algo óbvios e até condescendentes, e pelo reaproveitamento algo óbvio de elementos, sendo que basta ver como o chefe da polícia de Vila Avaria é, em tudo, gémeo do de Patópolis para se perceber que esta história talvez não seja totalmente criada 'à medida'. Embora muitos criadores de conteúdos para jovens não levem este factor em conta, este tipo de mensagem tende a ser melhor aceite pelo público-alvo quando transmitida com subtileza e cuidado aparente na criação, algo em que estas bandas desenhadas deixam um pouco a desejar.

Ainda assim, esta não deixava de ser uma iniciativa louvável de transmitir uma mensagem importante, embora o seu impacto real seja difícil de medir à distância de vinte e cinco anos; nostalgicamente, estes volumes encontram-se algo Esquecidos pela Net – embora seja possível 'sacar' um deles neste link – mas talvez algum dos nossos leitores que ocupe, hoje em dia, um cargo de inspector de qualidade ou semelhante nos possa dizer até que ponto estas duas Bds o influenciaram na sua escolha. Até lá, fica aqui o 'post' a recordar esta iniciativa inusitada e até única em Portugal, que apesar de algumas falhas óbvias, não deixou de ser meritória...

30.11.22

NOTA: Por motivos de relevância temporal, o post de hoje voltará a ser sobre banda desenhada. As Quartas de Quase Tudo voltam para a semana.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

No mesmo dia em que publicávamos a nossa mais recente edição das Quartas aos Quadradinhos, falecia o último nome restante da chamada 'Era de Ouro' da BD em Portugal; e apesar de o auge da sua carreira se ter dado em outras décadas que não aquelas a que este blog respeita, não podíamos ainda assim deixar passar em claro a perda do ilustrador por excelência de bandas desenhadas históricas em Portugal, José Ruy.

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Nascido em 1930, e aluno, como tantos da sua geração, da Escola António Arroio (ainda hoje um dos estabelecimentos vocacionais de referência na área das Belas-Artes) José Ruy seguiu um percurso sensivelmente semelhante aos seus contemporâneos, evoluindo dos primeiros esboços, ainda adolescente, para colaborações com quase todas as publicações de referência na área publicadas em Portugal, d''O Mosquito' a 'Tintin' e 'Spirou'. Ao contrário da maioria dos aspirantes a 'cartoonistas', no entanto, Ruy não enveredou pelos ramos da BD de aventuras ou cómica, preferindo afirmar-se como um dos principais criadores nacionais de banda desenhada de teor educativo e didáctico, com particular ênfase para trabalhos sobre factos históricos, 'biografias' de localidades e adaptações de grandes obras portuguesas (o seu mais famoso e reconhecido trabalho é, aliás, a adaptação em BD da obra maior da literatura portuguesa, 'Os Lusíadas') das quais cerca de uma dúzia veria a luz durante os anos 90, com destaque para a adaptação do conto 'Como Surgiu o Medo', de Rudyard Kipling, de 1990, que chegou a sair no suplemento BDN do 'Diário de Notícias', e para a homenagem à sua Amadora natal, lançada pelas Edições Asa dois anos depois.

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Uma das mais relevantes obras do autor durante a década de 90.

A produção prolífera era, aliás, um dos principais aspectos da carreira de Ruy, a quem nem a idade abrandou – tanto assim que os seus últimos trabalhos datam da década transacta, quando o argumentista e ilustrador contava já mais de oitenta anos – os mesmos que viria a dedicar, no total, à criação e publicação de banda desenhada. Assim, e apesar de constituir uma perda de vulto para o cenário bedéfilo nacional, aquele que quase pode ser visto como o equivalente português a Stan Lee pode descansar em paz, sabendo que deixou às gerações futuras um vasto, respeitado e importante legado, através do qual inscreveu, indelevelmente, o seu nome na História de Portugal que tanto apreciava. Que descanse em paz.

 

09.11.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Numa edição anterior desta rubrica, falámos da colecção 'História de Portugal em Banda Desenhada', talvez a mais conhecida e importante publicação nacional contemporânea no campo da banda desenhada educativa. Ao contrário do que se possa pensar, no entanto, essa não foi a única incursão dos autores e desenhadores portugueses por esse campo, antes pelo contrário – praticamente em paralelo com a referida colecção, surgia nas livrarias uma outra série de álbuns de âmbito muito semelhante, mas que nunca conseguiu almejar o mesmo nível de popularidade.

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Os três volumes da série

Trata-se da trilogia 'Lendas de Portugal em Banda Desenhada', da autoria do argumentista Jorge Magalhães e do ilustrador Augusto Trigo, publicada pelas Edições ASA entre 1988 e 1991 e que, como o próprio nome indicava, relatava por meio de ilustrações e algum texto cinco dos mais conhecidos contos e lendas populares portugueses: 'A Lenda do Rei Rodrigo' e 'A Moura Encantada' no primeiro volume, 'A Lenda de Gaia' e 'A Dama Pé-de-Cabra' (este um dos mais famosos relatos do folclore lusitano) no segundo, e 'A Moura Cassima' no terceiro e último.

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Exemplo do estilo de argumento e desenhos da trilogia

Tal como acontecia com a 'História de Portugal', também este 'Lendas...' gozava de argumento e desenhos de altíssimo nível, com as ilustrações de Augusto Trigo, em particular, a remeterem para desenhadores clássicos como Hal Foster (de 'Príncipe Valente', outra série que fez sucesso em Portugal) ou Frank Frazetta, bem como para contemporâneos como o belga François Craenhals, autor da série 'Cavaleiro Ardente'; quanto ao argumento, e ainda que o tema abordado possa não ser de interesse consensual entre a demografia-alvo, o mesmo mostrava-se ainda assim capaz de narrar estes contos populares de forma suficientemente apelativa e atractiva, servindo como o complemento perfeito para os desenhos, e contribuindo para um todo que, no cômputo geral, merecia ter ficado mais conhecido entre os jovens portugueses da época, até por tratarem de um tema (o folclore e a tradição oral) que urge não deixar morrer...

18.08.22

NOTA: Este post é respeitante a Quarta-feira, 17 de Agosto de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Há algumas semanas, debruçámo-nos sobre a colecção 'História de Portugal em Banda Desenhada', uma colaboração entre o escritor A. do Carmo Reis e o artista José Garcês que obteve considerável sucesso na fase final dos anos 80 e durante toda a década seguinte; hoje, dedicaremos algumas linhas a explorar a restante obra noventista do ilustrador dos referidos volumes, o qual ombreia com nomes como José Ruy e Carlos Roque (ambos, aliás, seus colegas na Escola António Arroio, em Lisboa) no panteão dos criadores de BD nacionais.

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José Garcês, em foto recente

Nascido em Julho de 1928, José Garcês começou por trabalhar no Serviço Metereológico Nacional (actual Instituto de Metereologia) onde chegou a chefe do departamento de desenho; no entanto, a verdadeira paixão era pela ilustração e banda desenhada, vocação que começou por explorar na 'fanzine' de publicação própria 'O Melro' (publicada ainda nos tempos da António Arroio, entre 1944 e 1945), antes de se explanar a outras revistas portuguesas. No auge da sua carreira, o ilustrador chegou a ser presidente e embaixador do Clube Português de Banda Desenhada e convidado de honra do Festival de Lucca de 1990, além de fornecer ilustrações e histórias de Garcês tanto para instituições estatais, como os CTT, o Museu Bocage ou a Liga para a Protecção da Natureza, como para publicações tão lendárias do panorama da BD portuguesa como 'O Século', 'O Mosquito', 'Cavaleiro Andante', 'Zorro', 'Fungagá da Bicharada', 'Mundo de Aventuras' e 'Tintim', além de periódicos algo mais inusitados, como a revista 'Modas & Bordados'; a sua influência dentro da cena foi, aliás, suficientemente longeva e transversal para algumas das suas histórias ainda figurarem na segunda série da revista 'Selecções BD', da Meribérica-Liber, publicada já no virar do novo milénio!

Pelo meio, além da supramencionada 'História de Portugal', ficam outros títulos de inspiração histórica, como a adaptação da obra literária 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas (criada em parceria com o argumentista Jorge Magalhães, em 1990), a biografia de D. João V em banda desenhada e os dois volumes de 'Cristóvão Colombo - Agente Secreto de D. João II' (aqui com argumentos do historiador Mascarenhas Barreto, numa iniciativa semelhante à levada a cabo com do Carmo Reis, na década anterior) ou ainda o álbum de ficção 'Através do Deserto/O Santuário de Dudwa', todos lançados pelas Edições Asa, entre 1992 e 1994; de ressalvar ainda, durante este período, a participação do autor no álbum colectivo 'Contos das Ilhas', editado em 1993.

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Uma das obras de Garcês durante os anos 90 foi a adaptação de 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas

Em 1997, Garcês volta a adentrar a consciência colectiva da então nova geração, através da 'História do Jardim Zoológico de Lisboa', álbum editado e distribuído em conjunto com o jornal 'Diário de Notícias', parceria que permitiu ao ilustrador atingir uma audiência tão ou mais vasta do que aquela de que gozava durante o seu período áureo de colaboração com as principais revistas de BD portuguesa; paradoxalmente, no entanto, o seu projecto seguinte representaria um 'passo atrás', do nível nacional para outro mais regional, para ilustrar a história de algumas das mais históricas povoações portuguesas, numa série de álbuns editados na viragem do milénio, entre 1999 e 2001. Esta acabaria por ser a sua última grande obra de banda desenhada - as duas décadas seguintes, até à sua morte, em 2020, foram sobretudo dedicadas à ilustração, para elementos tão díspares quanto postais e manuais escolares - mas a sua marca nesta forma de arte já havia sido indelevelmente cunhada.

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Um dos volumes dedicados à história de diversas povoações portuguesas, editadas no início do novo milénio

Muito longe de ser 'apenas' um criador de banda desenhada, José Garcês foi um verdadeiro 'homem renascentista', apresentado um talento multi-facetado que abrangia não só a ilustração e desenho como também o argumentismo e até a criação de construções e modelos em papel; um percurso que mais do que justifica a sua presença na mesma rubrica que já honrou alguns dos seus colegas de curso na Escola António Arroio em meados dos anos 40 - alguns, aliás, bem menos versáteis do que ele.

07.07.22

NOTA: Este post é respeitante a Quarta-feira, 06 de Julho de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Embora seja um dos tópicos mais importantes do currículo escolar básico, a História de Portugal não é, de modo algum, consensual entre os alunos desse nível de ensino, dado o seu pronunciado ênfase na memorização de datas, locais e nomes, que rapidamente se torna algo 'maçuda'; assim, não é de todo de admirar que, ao longo das últimas décadas, tenham sido levadas a cabo uma série de tentativas de tornar o estudo dos acontecimentos que levaram ao momento presente mais atractivo e agradável para a demografia-alvo.

Destas, uma das mais marcantes e bem-sucedidas surgiu pela mão (e pena) de A. do Carmo Reis (também responsável pela colecção História Júnior, de índole bastante semelhante), em finais dos anos 80 – embora a sua presença nas livrarias e estantes infantis durante a década seguinte tenha sido suficientemente vasta para justificar a sua inclusão nestas páginas. Tratava-se de uma série de adaptações em banda desenhada de momentos-chave da História lusitana, publicadas pelas Edições Asa sob o auto-explicativo nome de 'História de Portugal em BD'.

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Um número da colecção com o grafismo original de finais da década de 80, entretanto alterado

Com início em 1987, esta série continua hoje – exactas três décadas e meia depois – a marcar presença nos escaparates, e por bom motivo: além do método mais 'leve' e ligeiro como a informação é transmitida, a série pauta-se pelo excelente grafismo, algures entre a vertente mais séria e adulta da BD franco-belga e o estilo que ia, à época, imperando 'dentro de portas'. O resultado, ainda que potencialmente 'adulto' demais para o público-alvo (e atractivo, sobretudo, para quem já tinha interesse prévio no tema) é de evidente e indisfarçável qualidade, factor que terá contribuído para tornar esta colecção popular em bibliotecas quer tradicionais, quer inseridas num contexto escolar – onde se presume que continue a marcar presença até aos dias de hoje, ainda que em edições póstumas e ligeiramente diferentes a nível de apresentação gráfica.

Em suma, ainda que incapaz de ultrapassar os preconceitos da maioria dos alunos em relação ao estudo da História, esta colecção representou uma tentativa corajosa de mudar esse paradigma, missão na qual foi, infelizmente, apenas parcialmente bem sucedida – mas, ainda assim mais do que suficiente para lhe dedicarmos alguns parágrafos nesta Quarta de Quadradinhos...

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