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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

31.05.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

A hegemonia da Abril/Controljornal e respectivas publicações Disney no mercado de BD português, e a margem de manobra que tal estatuto lhe conferia, são já assunto recorrente nestas páginas. A segunda metade da década, em particular, foi prolífera em mini-séries'experiências' de número único, por vezes sem sequer um conceito unificador para justificar mais aquele 'amontoado' de histórias, mas na maioria dos casos subordinadas a um tema, fosse ele um evento histórico, uma tentativa de lucrar em cima de um filme ou, como no caso da publicação que abordamos hoje, apenas um conceito em geral.

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De facto, e tal como o nome indica, 'Arquivos Secretos do Detective Mickey', surgido nas bancas em 1995, não é mais do que uma colecção de quatro histórias (mais uma tirinha de uma página), oriundas dos sempre prolíficos estúdios italianos da companhia, e subordinadas às populares aventuras policiais de Mickey e Pateta, que durante várias décadas em finais do século XX assumiram o papel de detectives não-oficiais da Polícia de Patopólis, ajudando o chefe da mesma, o Coronel Cintra a apreender, uma e outra vez, bandidos como Mancha Negra ou João Bafo-de-Onça – ambos os quais marcam, previsivelmente, presença nestas páginas, com o primeiro a surgir como vilão principal numa das histórias e o segundo em duas. Do restante conteúdo, a quarta aventura não tem vilão definido, vendo Mickey e Pateta parar uma quadrilha de ladrões de diamantes, e a tira de uma página insere-se na série 'Leia e Decifre', que remonta aos anos 30, e cujo conceito convida o próprio leitor a resolver o mistério exposto nos painéis da história. Uma adição interessante, e que torna de imediato esta publicação mais merecedora de atenção do que algo como 'Os Meus Heróis Favoritos'.

Feitas as contas, no entanto, estas cem páginas mais não foram do que uma tentativa bem típica do período hegemónico da editora para 'sacar' mais trezentos escudos ao bolso da juventude noventista, para quem a aquisição desta revista representava, por vezes, um investimento equivalente a duas a quatro semanadas, ou entre um terço e mais de metade de uma mesada; se tal sacrifício terá ou não valido a pena, caberá a quem a leu dizer...

17.05.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Em edições anteriores desta rubrica, falámos tanto da colecção 'Álbuns Disney', que publicava histórias originais protagonizadas por heróis menos óbvios ou conhecidos do elenco Disney, como dos álbuns bilingues que ofereciam versões em banda desenhada dos principais filmes da companhia, em Português e Inglês. A colecção de que falamos esta semana, editada em 1996 e que contou com apenas quatro números, representa um ponto intermédio entre as duas, ainda que seja bastante menos lembrada (e tenha bastante menos presença digital) do que qualquer uma delas.

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Exemplar da série brasileira, que inspirou a portuguesa.

Trata-se de 'Novos Clássicos Disney', a versão portuguesa de um formato originalmente idealizado e publicado no Brasil (onde mais?) mas que usava como fonte a revista 'Disney Adventures', icónica publicação norte-americana que marcou a infância e juventude da geração noventista do outro lado do Atlântico. Foi, efectivamente, das selecções de banda desenhada inseridas nas páginas do referido periódico que foram retiradas as histórias que perfazem os quatro números da série; e, tendo em conta que a maior parte do referido material dizia respeito aos heróis das séries animadas então exibidas no Disney Channel – e que, na sua esmagadora maioria, eram baseadas nos filmes da companhia – não é de estranhar que os volumes desta série tenham como foco os núcleos de personagens de Aladino (que protagoniza metade dos números da série), A Bela e o Monstro e A Pequena Sereia.

Está aí, aliás, o principal e único atractivo da série – oferecer aos leitores assíduos das revistas Disney histórias com clima e temáticas diferentes das habituais aventuras de Mickey e Pateta ou Donald e Patinhas, ou das histórias curtas e algo básicas protagonizadas por Quincas, Tico e Teco ou Havita. De resto, estes quatro volumes não passam de revistas Disney como qualquer outras (embora editadas no formato maior, típico das BD's norte-americanas), ficando a dúvida quanto ao facto de não terem sido incorporados a qualquer das duas séries de 'Álbuns Disney´, onde nada destoariam ao lado de heróis como Mulan, Puff ou Pato da Capa Preta, e onde talvez pudessem ter gozado de maior visibilidade. Tal e como existiu, no entanto, esta mini-série é (foi) mais uma que, apesar de ter presumivelmente deleitado os leitores da época, estava fadada a perder-se no oceano de publicações da Abril/Controljornal de finais do século XX, muitas das quais bem mais nostálgicas do que ela...

03.05.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

O ensino das línguas era, nos anos 90, um dos grandes objectivos não só dos pedagogos e educadores como também, aparentemente, de alguns sectores ligados à imprensa e edição de periódicos. Senão, veja-se: não só foi esta a motivação por detrás de pelo menos duas séries em fascículos durante este período, como também do lançamento de nada menos do que três revistas Disney, todas publicadas nos primeiros anos da nova década.

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Os três volumes da série, lançados entre 1990 e 1992.

Sem qualquer relação entre si além do conceito e do foco no núcleo do Pato Donald e Tio Patinhas (único a marcar presença em qualquer dos livros em causa), estes três volumes de capa dura e apresentação luxuosa - publicados entre 1990 e 1992 e genericamente agrupados sob a designação 'Disney em Inglês' – tinham como proposta, precisamente, o que o título informal da colecção dava a entender, isto é, a reprodução de histórias dos principais estúdios Disney na sua versão original para o mercado internacional, sem a habitual tradução e localização para Português; no caso do terceiro e último volume, 'Walt Disney's Comics and Games', o conceito era, ainda, alargado a alguns passatempos, que proporcionavam ao leitor uma oportunidade ainda mais prática de treinar o seu Inglês.

De realçar que, apesar de a própria Walt Disney ser originária dos Estados Unidos da América, e de haver toda uma panóplia de histórias originalmente concebidas nesse idioma, nem todas as BD's contidas nestes três volumes foram criadas na América do Norte; existem, sim, histórias de Carl Barks e outros lendários criadores dos estúdios originais espalhadas ao longo dos três livros, mas as mesmas coabitam pacificamente com enredos criados nas filiais holandesa e dinamarquesa da companhia (embora, felizmente, o horrendo material italiano fique, desta feita, de fora). Nada que prejudique ou desvirtue o fito da colecção, já que mesmo essas histórias são lançadas internacionalmente em Inglês, mas ainda assim um pormenor curioso e digno de destaque.

Infelizmente, e apesar da publicidade de que gozou nas contra-capas dos títulos da Abril da altura, a colecção 'Disney em Inglês' não teve continuidade para lá de 1992 – presumivelmente, por muitos dos leitores das habituais revistas quinzenais ou mensais não terem aderido ao conceito de ter de 'aprender' ou puxar pela cabeça enquanto tentavam descontrair com uma BD; mais curioso foi, talvez, o facto de os professores do Ensino Básico não terem visto nestes livros um auxiliar didáctico para as aulas de Inglês, contexto em que, certamente, os mesmos teriam sido bastante mais bem recebidos, ajudando a que, trinta anos depois, se afirmassem como mais do que meras curiosidades da fase hegemónica da Abril nas bancas portuguesas...

19.04.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Nas mais recentes edições desta rubrica, temos vindo a falar de como a hegemonia da Abril-Controlojornal sobre o mercado português de banda desenhada 'de quiosque' conferia à editora uma considerável margem de manobra no tocante a títulos e lançamentos mais 'experimentais', de que a mesma usufruía em pleno. De títulos temáticos a outros sem aparente razão de ser, foram muitas as revistas no chamado formato 'one-shot' lançadas pela Abril durante este período; e, de entre essas, existe uma que se destaca particularmente, não só pelo arrojo como pelo risco em que a editora incorreu ao publicá-la.

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Isto porque o único número de 'Hiper Disney Apresenta' alguma vez concebido, publicado no fim do primeiro ano da década de 90, contém, pasme-se, apenas UMA história, explanada ao longo de inacreditáveis trezentas e cinquenta (!) páginas, as mesmas da edição em si. Trata-se de 'A Pedra Zodiacal', um daqueles épicos que a Disney italiana tanto gostava de produzir durante este período, e que vê os inevitáveis Mickey e Pateta aliar-se ao núcleo dos Patos na busca pelo objecto homónimo, o qual. Naturalmente, é também cobiçado pelos principais antagonistas de ambos os núcleos – o que significa que, numa única banda desenhada, vemos os heróis antropomórficos degladiar-se com nada mais nada menos do que QUATRO vilões: João Bafo-de-Onça, Mancha Negra, Maga Patalójika e o menos conhecido Spectrus! Uma receita que assegurava diversão garantida aos fãs deste núcleo de personagens, e que ajudava a justificar minimamente o considerável investimento necessário à aquisição da revista, que era de formato 'grosso', semelhante ao do 'Hiper Disney'.

Talvez esse mesmo obstáculo se tenha mostrado insuperável, ou talvez o formato de história única (e MUITO longa) se tenha afigurado aborrecido para o público-alvo, habituado a uma maior selecção e variedade de histórias, formatos e personagens; seja qual for o motivo, a verdade é que 'Hiper Disney Apresenta: Em Busca da Pedra Zodiacal' entrou na História das publicações Disney portuguesas como mais uma anomalia, talvez não tão descabida como 'Os Meus Heróis Favoritos' (e certamente mais cuidada e ambiciosa) mas suficientemente 'estranha' para não agradar aos leitores habituais das revistas da Abril. Prova disso é que os restantes capítulos da série 'Máquina do Tempo', que viam Mickey e Pateta embrenhar-se em toda a espécie de aventuras através dos tempos, ainda hoje não tiveram edição em Portugal, embora uma delas ('O Mistério de Napoleão') tenha, aparentemente, sido editada no Brasil. Por terras lusas, no entanto, este volume continua a ser mais um dos muitos exemplos de revistas e histórias que viram a luz do dia pura e simplesmente por a Abril nada ter a perder com a sua edição, e que provam os riscos a que uma empresa se pode dar ao luxo de se sujeitar quando é monopolista do seu sector.

05.04.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

A posição hegemónica e o enorme acervo de material disponível permitiram à Abril-Controljormal levar a cabo várias experiências de mercado relativas às suas revistas Disney em meados da década de 90, nomeadamente no tocante à publicação de títulos especiais de número único, os chamados 'one-shots'. Destas, destacaram-se a revista alusiva ao Titanic, lançada para capitalizar sobre o sucesso do filme, a adaptação da descoberta da América ao universo de Mickey e Pateta, uma revista do tamanho de um Hiper Disney dedicada a uma única história (da qual em breve aqui falaremos) e o título de que falamos no 'post' desta semana, uma 'anomalia' baptizada 'Os Meus Heróis Favoritos'.

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Lançado algures durante o ano de 1995, este número único talvez tenha representado uma espécie de 'piloto' para uma nova série projectada, ou talvez apenas uma forma de 'escoar' mais algumas das muitas histórias em arquivo; fosse qual fosse o caso, a verdade é que a experiência nunca teve seguimento, tendo-se este título ficado pelo número único, e, como tal, sido algo menos lembrada do que a maioria das revistas lançadas pela popular casa editorial na mesma altura.

Para isso poderá, também, ter contribuído a falta de 'foco' da revista, que (ao contrário da maioria das congéneres) não se centrava em torno de qualquer tema, ou apresentava qualquer lógica na selecção de histórias a incluir, limitando-se a recolher um 'molho' aparentemente aleatório de trabalhos e a 'cuspi-las' para as suas cerca de setenta páginas. Entre a selecção incluída neste título contam-se as inevitáveis histórias 'made in' Itália - com honras de abertura, claro - mas também uma tira clássica norte-americana e várias histórias criadas no Brasil, uma delas com Zé Carioca e Nestor a falar o seu embaraçoso 'brazuquês' traduzido, que tão mal soava a quem estava habituado aos originais - e que, além do mais, quebra o ténue fio de lógica conectora que havia entre as restantes histórias, quase todas com Mickey ou Pateta como protagonistas, embora duas se centrem sobre o núcleo de Donald e Patinhas.

Em suma, este foi mais um daqueles títulos que deixou a impressão de ter sido publicado apenas 'porque sim', por a editora ser tão poderosa que qualquer coisa que mandassem para as bancas tinha vendas garantidas. No entanto, ao analisar a fundo a estrutura do volume, não é difícil perceber porque é que 'Os Meus Heróis Favoritos' se ficou pelo número único, já que se trata de uma publicação cujo único propósito parece ser o de 'regurgitar' mais algumas histórias para 'sacar' mais duzentos escudos aos 'putos' fãs das BDs da Disney, com muito pouca da habitual atenção ou cuidado na produção que marcavam muitas das outras revistas da Abril no mesmo período. Uma curiosidade interessante pelo carácter 'autónomo' e único no catálogo da editora, mas que nem a perspectiva nostálgica consegue transformar em muito mais do que isso...

22.03.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já aqui sobejamente falámos da hegemonia que a Abril/Controljornal, com a sua licença para editar versões portuguesas das revistas Disney, conseguiu ter sobre as publicações infanto-juvenis da década de 90. De facto, em conjunto com as Bds da DC e Marvel lançadas pela mesma editora, os diversos títulos Disney representavam a esmagadora maioria da oferta nacional em termos de banda desenhada, sendo as poucas alternativas, normalmente, oriundas do estrangeiro, como ocorria com as revistas da Turma da Mônica ou mesmo outros títulos da própria Disney, como 'Urtigão' ou 'Zé Carioca.'

Perante tal estado de graça, não é de estranhar que a casa editorial se tenha sentido confiante o suficiente para tentar expandir o seu portefólio com ainda mais títulos – afinal, neste caso, a segmentação de mercado acabava por ter um impacto practicamente nulo. Foi esta a lógica por detrás do lançamento de várias edições especiais em número único (de algumas das quais já aqui falámos, e de outras falaremos no futuro) bem como de novas séries como 'Álbum Disney´ ou 'Série Ouro', também elas bem-sucedidas o suficiente para desfrutarem de uma 'vida útil' relativamente longeva.

Apesar deste 'toque de Midas', no entanto, a editora ia, paulatinamente, somando um ou outro falhanço à sua trajectória – títulos que, por uma razão ou outra, ficavam aquém do desejado em termos de repercussão, impacto e, claro, volumes de vendas, acabando por sair do mercado pela 'porta pequena'; é de um desses títulos – cuja publicação se encerrou há pouco mais de trinta anos, – que falaremos nesta Quarta aos Quadradinhos.

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Capa do primeiro e último números da revista.

A revista em causa chamou-se 'Top Disney', e marcou presença nas bancas portuguesas durante exactamente um ano, tendo o primeiro dos seus doze números de periodicidade mensal sido lançado a 28 de Janeiro de 1992, e o último a 26 de Janeiro de 1993. Tratava-se de um título com aproximadamente cem páginas, com lombada grossa, daqueles a meio caminho entre as publicações 'normais' da editora (que tinham cerca de setenta páginas) e a categoria de publicações mais caras e substanciais, onde se inseriam séries como 'Disney Especial' e 'Disney Aventura'; ao contrário destas, no entanto, o 'Top Disney' não tinha qualquer tema definido, tratando-se tão-sómente de mais um pretexto para publicar uma mistura de histórias protagonizadas pelos principais personagens da companhia, com especial foco nos inevitáveis Mickey, Pateta e Donald.

Talvez residisse aqui, aliás, o principal motivo para a curta vida do 'Top Disney', que – ao contrário dos 'Disney Especial' e 'Hiper Disney' – não oferecia nada que já não se pudesse encontrar nas revistas menos 'especiais' (e mais baratas) da Abril, sendo o único atractivo o maior número de páginas e, por conseguinte, de histórias; claramente, no entanto, tal não foi suficiente para manter a publicação 'à tona' para lá da marca do primeiro ano de vida – uma longevidade que até pode, à primeira vista, parecer honrosa, não fosse o facto de as restantes publicações da Abril (e restantes 'concorrentes' mencionadas mais acima) se terem mantido nas bancas, muitas vezes, durante décadas!

Ainda assim, e apesar de esta se saldar como uma experiência falhada por parte da Abril, vale ainda assim a pena recordar aquele que foi mais um dos muitos títulos de banda desenhada de qualidade acima da média de que as crianças portuguesas puderam desfrutar durante os anos 90, e do qual alguns exemplares ainda residirão certamente em sótãos e espaços de arrumação por esse País fora – como, aliás, sucede lá por casa...

08.03.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Surgidas em Portugal ainda em meados do século XX, as revistas aos quadradinhos da Disney assumiram, durante as quatro décadas seguintes, um nível de preponderância e popularidade difícil de compreender por quem não tenha vivido em primeira mão o fenómeno. Primeiro importadas do Brasil, com diálogos a condizer, estas revistas revelaram-se de tal forma bem-sucedidas que, já na década de 80, os principais títulos passaram a desfrutar de uma edição cem por cento produzida em Portugal, e editada pelo 'ramo' nacional da casa editorial responsável pelos lançamentos brasileiros das revistas Disney e também da DC e Marvel, a Abril (mais tarde Abril/Controljornal); e, tendo-se estas novas edições nacionais revelado tão populares quanto as importadas, não foi de estranhar que, ao longo do quarto de século seguinte, a distribuidora apostasse em oferecer aos leitores a maior gama de títulos individuais possível, lançando nas bancas um sem-número de edições especiais complementares às suas colecções mensais. Uma dessas edições, 'SOS Titanic' – lançada em 1998 para explorar o sucesso do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet – foi o tópico da nossa última Quarta aos Quadradinhos; agora, chega a hora de falar de outro número único e especial tematizado a bordo de um barco, mas cuja índole é bem diferente da do lançamento que anteriormente abordámos.

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Capas das duas edições nacionais da história, publicadas em 1987 (em cima) e 1992 (em baixo)

Falamos de 'Cristóvão Colombo e a Descoberta da América', uma história em três partes que vê Mickey e Pateta assumir o papel de Descobridores na famosa frota de naus que viria a atracar ao largo da costa dos Estados Unidos, no século XV, e que foi lançada, não uma, mas duas vezes em Portugal – primeiro como parte da colecção de Almanaques 'Edição Especial', em 1987, e cinco anos depois como título único, sem qualquer sub-denominação ou colecção associada. Em ambos os casos, o conteúdo é exactamente o mesmo, originalmente produzido em 1983 por Guido Martina e Giovan Battista Carpi - dois dos principais nomes dos 'famosos' estúdios italianos da Disney – e considerado um dos melhores trabalhos da dupla.

A razão de ser do referido relançamento (especialmente numa data tão próxima da da publicação original) não é, pois, clara, sendo provável que a Abril se encontrasse em fase de 'vacas magras' em termos de produções originais, ou que quisesse apenas 'apresentar' a bem cotada história a um novo público-alvo – afinal, cinco anos teriam sido suficientes para que pelo menos parte da demografia-alvo de leitores das revistas se tivesse renovado.

Fosse qual fosse a razão, a verdade é que qualquer das duas edições disponíveis justificava bem o dinheiro investido, oferecendo material de qualidade e que conseguia 'Disneyficar' o famoso acontecimento histórico sem desvirtuar factos ou perder a vertente didáctica – algo que, só por si, constitui um feito louvável, especialmente no campo da banda desenhada 'descartável'. E ainda que novos leitores a quem este texto tenha desperado o interesse devam ter consideráveis dificuldades em obter esta publicação especial, quem a teve na colecção e tem dela boas recordações certamente terá apreciado a pequena homenagem à mesma contida nestes poucos parágrafos.

22.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

As revistas aos quadradinhos Disney viviam, durante os anos 90, um dos seus melhores momentos no mercado português, tanto no que tocava a níveis de vendas quanto de popularidade; assim, não era de todo de estranhar que a Abril/Controljornal (responsável pela edição dos títulos nacionais) procurasse não só diversificar cada vez mais a sua oferta, mas também tirar proveito de momentos culturais relevantes entre a demografia que as suas revistas visavam. E, no Portugal de inícios de 1998, um momento cultural sobrepunha-se a todos os outros junto do público mais jovem: a estreia do filme 'Titanic', quase imediatamente transformado num daqueles sucessos de bilheteira 'geracionais', e ainda hoje recordado por quem cresceu naqueles tempos pelo seu carácter polarizante. Assim, foi sem surpresas que a 'miudagem' lusitana de finais do século XX viu chegar às bancas, mais ou menos ao mesmo tempo que o filme com DiCaprio e Winslet, uma edição especial temática alusiva ao famoso navio, em cuja capa Mickey e Minnie replicavam a famosa pose do par romântico na proa do mesmo.

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Apesar do título e da capa algo 'enganosa', no entanto, 'SOS Titanic' não consiste, exactamente, de uma adaptação humorística e ajustada à realidade Disney do argumento do filme; ainda que a companhia (e, em especial, os estúdios italianos responsáveis pela maioria das BDs Disney saídas em território nacional à época) não fosse, de todo, estranha a este tipo de prática, desta feita, o caminho seguido foi um pouco diferente; a saber, ainda que a história única contida no volume estivesse directamente relacionada com o famoso navio, a mesma não tinha qualquer ligação à obra de James Cameron – talvez como forma de evitar dissabores ou encargos adicionais por parte dos criadores. De facto, apesar da alusão directa feita pelo desenho de capa e da utilização deliberada de Mickey e Minnie no lugar do icónico par romântico, o casal mais famoso da Disney nem sequer figura na trama, já que 'SOS Titanic' é uma história de Tio Patinhas, Donald e sobrinhos!

Desonestidades à parte, no entanto – até porque tais práticas não eram, de todo, incomuns no contexto do 'marketing' da época – a história homónima da publicação até se revela bastante interessante, com os eternos rivais Patinhas e Patacôncio a competir, primeiro para ver quem constrói mais rápido um navio de luxo, e depois quem consegue resgatar do fundo do Mar o verdadeiro Titanic. Uma trama que, curiosamente, mistura elementos reais ao universo de Patópolis, algo que as histórias da Disney faziam a espaços, utilizando a subsequente dissolução da fronteira entre o real e os 'quadradinhos' em favor do enredo imaginado. Uma estratégia inteligente, que tornava histórias como esta apelativas mesmo para quem não era fã do filme (que, conforme referimos mais acima, ainda era muita 'malta nova') e evitando a segmentização da demografia-alvo do lançamento.

Assim, não seria de estranhar que, à época, 'SOS Titanic' tivesse adqurido contornos de 'edição de coleccionador'; apesar de qualquer 'puto' daquele tempo saber que a esmagadora maioria das revistas Disney (bem como as da Marvel e DC, também da Abril) não tinham qualquer valor como objecto de colecção, volumes como este conseguiam, ainda assim, transmitir essa impressão, graças ao grafismo mais cuidado, maior número de páginas e carácter de 'número único'. E apesar desta, como a maioria das suas congéneres, ter entretanto caído no esquecimento, a data de lançamento e a ligação a 'Titanic' tornavam inevitável que a recordássemos nestas páginas nostálgicas, pouco mais de uma semana depois de termos falado do filme que a inspirou...

08.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser prática corrente em outros países, o uso de personagens licenciadas para efeitos institucionais é, ainda, um recurso pouco explorado em Portugal; enquanto que no Brasil a Turma da Mônica é utilizada para os mais diversos fins educacionais, e nos EUA as Tartarugas Ninja e Bart, o mais velho dos três filhos dos Simpsons, chegaram a dar a cara pelo movimento anti-droga, em território nacional, qualquer iniciativa deste tipo tende a ser levada a cabo com personagens especificamente criados para o efeito, como o Luzinha da EDP. No entanto, durante os anos 90 (concretamente entre 1998 e 1999) houve pelo menos uma tentativa de aproveitar personagens populares entre o público mais jovem para tentar passar uma mensagem informativa e de sensibilização, sob a forma de duas bandas desenhadas criadas pelo Instituto Português da Qualidade, em parceria com a revista Super Jovem.

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O segundo dos dois volumes da mini-série (crédito da imagem: Tralhas Várias)

Intitulados 'Os Amigos da Qualidade', estes dois volumes viam o Rato Mickey e o seu inseparável amigo Pateta – 'estrelas' maiores da 'constelação' das BDs Disney da época – embarcarem em duas aventuras em Vila Avaria, uma povoação vizinha de Patópolis caracterizada, como o próprio nome indica, por padrões de qualidade cómica e caricaturalmente inexistentes; cabe, assim, ao rato mais famoso do Mundo sensibilizar a população quanto a verificações de qualidade, enquanto tenta travar as tentativas de aproveitamento deste 'desleixo' por parte do eterno rival e fora-da-lei João Bafo-de-Onça. Uma premissa interessante, e que poderia ter rendido boas aventuras, não fora a execução algo 'desleixada' do projecto.

De facto, muito mais do que os horríveis desenhos da fase moderna/italiana (que certamente terão os seus fãs, embora não seja o caso por aqui) os dois volumes desta mini-série (se assim se puder chamar a algo deste tipo) pecam pelos diálogos algo óbvios e até condescendentes, e pelo reaproveitamento algo óbvio de elementos, sendo que basta ver como o chefe da polícia de Vila Avaria é, em tudo, gémeo do de Patópolis para se perceber que esta história talvez não seja totalmente criada 'à medida'. Embora muitos criadores de conteúdos para jovens não levem este factor em conta, este tipo de mensagem tende a ser melhor aceite pelo público-alvo quando transmitida com subtileza e cuidado aparente na criação, algo em que estas bandas desenhadas deixam um pouco a desejar.

Ainda assim, esta não deixava de ser uma iniciativa louvável de transmitir uma mensagem importante, embora o seu impacto real seja difícil de medir à distância de vinte e cinco anos; nostalgicamente, estes volumes encontram-se algo Esquecidos pela Net – embora seja possível 'sacar' um deles neste link – mas talvez algum dos nossos leitores que ocupe, hoje em dia, um cargo de inspector de qualidade ou semelhante nos possa dizer até que ponto estas duas Bds o influenciaram na sua escolha. Até lá, fica aqui o 'post' a recordar esta iniciativa inusitada e até única em Portugal, que apesar de algumas falhas óbvias, não deixou de ser meritória...

14.12.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Uma das nossas primeiras Quartas aos Quadradinhos versou sobre as bandas desenhadas Disney vendidas em catadupa no nosso País nos anos 80 e 90 pela editora Abril, mais tarde Abril-Controljornal; e se, sobretudo na 'nossa' década, muitos desses títulos eram traduzidos e adaptados em Portugal, também não deixa de ser verdade que um número significativamente maior continuava a ser importado do Brasil, à época uma verdadeira 'linha de montagem' de BD, e cujo idioma era suficientemente próximo do nosso para que não fosse necessária qualquer localização (sendo que algumas das localizações da Abril da época como as das revistas de super-heróis, retinham mesmo, famosamente, toques de 'brazuquês'), De entre estes últimos, um dos mais diferenciados, mais não fosse pelo tema, era a Edição Extra 'Natal Disney de Ouro', um especial dedicado a histórias natalícias publicado anualmente em Novembro-Dezembro pela Abril brasileira durante quase exactamente duas décadas, entre 1979 e 1998.

 

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A primeira e última edição da revista nos anos 90 (números 11 e 20, de 1990 e 1998, respectivamente).

Com um título que não deixa grande margem a interpretações, estes volumes eram precisamente aquilo que aparentavam ser – almanaques de histórias passadas, ora no Natal, ora pelo menos no Inverno, ou cuja temática se adequasse ao tema em causa. Mais surpreendente foi, mesmo, o facto de os editores responsáveis por compilar anualmente este número especial terem conseguido encontrar histórias tematicamente apropriadas em número suficiente para criar DEZANOVE números completos – embora, presumível e previsivelmente, tenha havido, ao longo dos anos, algumas repetições - e, até, criado histórias inéditas em exclusivo para a revista. Tendo em conta que a maioria dos outros números temáticos tinham direito a, no máximo, dois ou três volumes, não deixa também de ser impressionante que esta edição tenha saído sem falhas durante quase vinte anos, e apresentado sempre uma configuração de histórias diferente.

Também impressionante era a apresentação do volume, que levava a sério a designação 'de Ouro' e apresentava letras douradas brilhantes no título, para além daquele papel especial que fazia revistas deste tipo parecerem sempre mais 'especiais' do que os vulgares Mickey e Pateta editados mensalmente; e porque 'os olhos também comem', é quase certo que esta apresentação cuidada terá sido um dos principais chamarizes desta BD junto do seu público-alvo, e ajudado a diferenciá-la de volumes como o Disney Especial 'Aventuras de Natal', editado na mesma época, mas de aspecto gráfico bem mais 'normal' para os padrões da Abril da época. Juntamente com a cuidada selecção de histórias e as sempre divertidas falas em português do Brasil, este foi um dos factores que contribuiu para tornar esta revista um clássico dos Natais da criançada portuguesa (e, sem dúvida, também brasileira) dos anos 80 e 90 - e, mais tarde, também dos 2010, década em que a revista voltou a surgir nas bancas, já com o novo 'look' típico dos produtos de BD contemporânea da Disney. Ao contrário da sua antecessora, no entanto, essa edição ficar-se-ia pelo Brasil, tendo Portugal editado os seus próprios números de Natal ao longo do século XXI; para quem leu e coleccionou aqueles números originais dos anos 80 e 90, no entanto, 'Natal Disney de Ouro' será, sem dúvida, a referência natalícia entre as BD's da Disney, merecendo bem ser recordada nesta época festiva.

 

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