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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

08.03.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Surgidas em Portugal ainda em meados do século XX, as revistas aos quadradinhos da Disney assumiram, durante as quatro décadas seguintes, um nível de preponderância e popularidade difícil de compreender por quem não tenha vivido em primeira mão o fenómeno. Primeiro importadas do Brasil, com diálogos a condizer, estas revistas revelaram-se de tal forma bem-sucedidas que, já na década de 80, os principais títulos passaram a desfrutar de uma edição cem por cento produzida em Portugal, e editada pelo 'ramo' nacional da casa editorial responsável pelos lançamentos brasileiros das revistas Disney e também da DC e Marvel, a Abril (mais tarde Abril/Controljornal); e, tendo-se estas novas edições nacionais revelado tão populares quanto as importadas, não foi de estranhar que, ao longo do quarto de século seguinte, a distribuidora apostasse em oferecer aos leitores a maior gama de títulos individuais possível, lançando nas bancas um sem-número de edições especiais complementares às suas colecções mensais. Uma dessas edições, 'SOS Titanic' – lançada em 1998 para explorar o sucesso do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet – foi o tópico da nossa última Quarta aos Quadradinhos; agora, chega a hora de falar de outro número único e especial tematizado a bordo de um barco, mas cuja índole é bem diferente da do lançamento que anteriormente abordámos.

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Capas das duas edições nacionais da história, publicadas em 1987 (em cima) e 1992 (em baixo)

Falamos de 'Cristóvão Colombo e a Descoberta da América', uma história em três partes que vê Mickey e Pateta assumir o papel de Descobridores na famosa frota de naus que viria a atracar ao largo da costa dos Estados Unidos, no século XV, e que foi lançada, não uma, mas duas vezes em Portugal – primeiro como parte da colecção de Almanaques 'Edição Especial', em 1987, e cinco anos depois como título único, sem qualquer sub-denominação ou colecção associada. Em ambos os casos, o conteúdo é exactamente o mesmo, originalmente produzido em 1983 por Guido Martina e Giovan Battista Carpi - dois dos principais nomes dos 'famosos' estúdios italianos da Disney – e considerado um dos melhores trabalhos da dupla.

A razão de ser do referido relançamento (especialmente numa data tão próxima da da publicação original) não é, pois, clara, sendo provável que a Abril se encontrasse em fase de 'vacas magras' em termos de produções originais, ou que quisesse apenas 'apresentar' a bem cotada história a um novo público-alvo – afinal, cinco anos teriam sido suficientes para que pelo menos parte da demografia-alvo de leitores das revistas se tivesse renovado.

Fosse qual fosse a razão, a verdade é que qualquer das duas edições disponíveis justificava bem o dinheiro investido, oferecendo material de qualidade e que conseguia 'Disneyficar' o famoso acontecimento histórico sem desvirtuar factos ou perder a vertente didáctica – algo que, só por si, constitui um feito louvável, especialmente no campo da banda desenhada 'descartável'. E ainda que novos leitores a quem este texto tenha desperado o interesse devam ter consideráveis dificuldades em obter esta publicação especial, quem a teve na colecção e tem dela boas recordações certamente terá apreciado a pequena homenagem à mesma contida nestes poucos parágrafos.

30.11.22

NOTA: Por motivos de relevância temporal, o post de hoje voltará a ser sobre banda desenhada. As Quartas de Quase Tudo voltam para a semana.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

No mesmo dia em que publicávamos a nossa mais recente edição das Quartas aos Quadradinhos, falecia o último nome restante da chamada 'Era de Ouro' da BD em Portugal; e apesar de o auge da sua carreira se ter dado em outras décadas que não aquelas a que este blog respeita, não podíamos ainda assim deixar passar em claro a perda do ilustrador por excelência de bandas desenhadas históricas em Portugal, José Ruy.

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Nascido em 1930, e aluno, como tantos da sua geração, da Escola António Arroio (ainda hoje um dos estabelecimentos vocacionais de referência na área das Belas-Artes) José Ruy seguiu um percurso sensivelmente semelhante aos seus contemporâneos, evoluindo dos primeiros esboços, ainda adolescente, para colaborações com quase todas as publicações de referência na área publicadas em Portugal, d''O Mosquito' a 'Tintin' e 'Spirou'. Ao contrário da maioria dos aspirantes a 'cartoonistas', no entanto, Ruy não enveredou pelos ramos da BD de aventuras ou cómica, preferindo afirmar-se como um dos principais criadores nacionais de banda desenhada de teor educativo e didáctico, com particular ênfase para trabalhos sobre factos históricos, 'biografias' de localidades e adaptações de grandes obras portuguesas (o seu mais famoso e reconhecido trabalho é, aliás, a adaptação em BD da obra maior da literatura portuguesa, 'Os Lusíadas') das quais cerca de uma dúzia veria a luz durante os anos 90, com destaque para a adaptação do conto 'Como Surgiu o Medo', de Rudyard Kipling, de 1990, que chegou a sair no suplemento BDN do 'Diário de Notícias', e para a homenagem à sua Amadora natal, lançada pelas Edições Asa dois anos depois.

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Uma das mais relevantes obras do autor durante a década de 90.

A produção prolífera era, aliás, um dos principais aspectos da carreira de Ruy, a quem nem a idade abrandou – tanto assim que os seus últimos trabalhos datam da década transacta, quando o argumentista e ilustrador contava já mais de oitenta anos – os mesmos que viria a dedicar, no total, à criação e publicação de banda desenhada. Assim, e apesar de constituir uma perda de vulto para o cenário bedéfilo nacional, aquele que quase pode ser visto como o equivalente português a Stan Lee pode descansar em paz, sabendo que deixou às gerações futuras um vasto, respeitado e importante legado, através do qual inscreveu, indelevelmente, o seu nome na História de Portugal que tanto apreciava. Que descanse em paz.

 

12.10.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Numa semana que temos vindo a dedicar exclusivamente ao mais popular herói de BD franco-belga em Portugal, Astérix, seria quase insultuoso deixarmos de analisar as adições feitas durante a 'nossa' década ao meio que o tornou conhecido; como tal, e porque a popularidade do pequeno gaulês durante a referida década não foi apenas retroactiva, dedicaremos as próximas linhas a uma breve visão geral dos dois álbuns alusivos ao mesmo lançados durante a última década do século XX.

Da autoria exclusiva de Albert Uderzo (que havia acumulado funções desde a morte do seu parceiro de criação, René Goscinny, uma década antes) qualquer destes álbuns constitui uma adição honrosa à colecção de aventuras do guerreiro gaulês e do seu rechonchudo melhor amigo, Obélix – ainda que o segundo dos dois volumes assinale, também, os primeiros vestígios do ligeiro decréscimo de qualidade que se faria sentir nos últimos dois álbuns assinados pelo ilustrador.

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Antes, porém, havia ainda tempo para um último clássico, sob a forma de 'A Rosa e o Gládio', de 1991, que vê Astérix a braços com uma admiradora furiosamente feminista, e a ter que rever os seus conceitos sobre o lugar da mulher na sociedade, enquanto procura adaptar a sua linguagem e personalidade para não ofender ninguém. Uma premissa, ao mesmo tempo, divertida e relevante, que antecipa o movimento 'woke' com cerca de três décadas de antecedência, e cuja mensagem é transmitida de forma suficientemente caricatural para nunca parecer forçada ou piegas, tornando o álbum digno de figurar ao lado de outros clássicos da era pós-Goscinny, como o também excelente 'O Filho de Astérix', de 1983.

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O mesmo não se pode, infelizmente, dizer de 'O Pesadelo de Obélix', lançado cinco anos depois e que, longe de ser mau, é no entanto menos memorável do que os seus antecessores directos. A trama não deixa de ser interessante, permitindo descobrir quão nefastos podem ser os efeitos da poção mágica de Panoramix sobre o perpetuamente 'super-poderoso 'Obélix, mas não chega, infelizmente, para elevar o álbum além daquele contingente de títulos de Astérix que tendem a ficar esquecidos por entre os clássicos absolutos, a exemplo de 'Astérix e o Caldeirão', 'Astérix e os Godos' ou 'O Grande Fosso'. Ainda assim, uma aventura bem divertida (embora se sinta a falta do sarcástico e inocente Obélix) e que vale a pena ter na colecção, quanto mais não seja em nome do completismo.

Infelizmente, e como já acima indicámos, estes dois álbuns representam o fim da 'época áurea' de Astérix; os dois primeiros livros do novo milénio (e últimos dois da 'era Uderzo', antes de a série ser 'cedida' a dois perfeitos desconhecidos), embora ainda de qualidade acima de qualquer suspeita, já revelam alguma falta de inspiração e ideias, ficando bem abaixo do que o universo cinematográfico do herói gaulês vinha produzindo ('Astérix e Obélix: Missão Cleópatra' é tão bom ou melhor do que qualquer álbum da fase clássica, e altamente recomendado a qualquer fã dos personagens de Goscinny e Uderzo). Quem deixou de ler a série nos anos 90, no entanto (fosse por decréscimo de interesse ou simplesmente pela entrada na idade adulta) teve a sorte de ainda se conseguir 'despedir' da série com a mesma em alta, através de dois bons livros que, ainda hoje, vale bem a pena tentar adicionar à colecção.

06.10.22

Trazer milhões de ‘quinquilharias’ nos bolsos, no estojo ou na pasta faz parte da experiência de ser criança. Às quintas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos brindes e ‘porcarias’ preferidos da juventude daquela época.

Numa das nossas Quartas aos Quadradinhos, falámos da BD franco-belga, a qual, nos anos 90, gozava ainda de enorme popularidade entre as camadas jovens da população portuguesa; e, de entre os vários nomes que chegavam a Portugal oriundos daqueles países (a grande maioria pela mão da Meribérica-Liber) um destacava.se acima de todos, tendo visto dois novos álbuns ser editados, marcado presença em suplementos de BD, e sido mesmo alvo da primeira de várias adaptações cinematográficas em 'acção real' (bem como da estreia no cinema de um dos seus filmes animados, realizado na década anterior) durante o referido período.

Falamos, é claro, de Astérix, o irredutível guerreiro gaulês que compensa a baixa estatura com uma 'dose extra' de coragem, inteligência e espírito de luta, que o ajudam a levar, invariavelmente, a melhor sobre os romanos que procuram dominar a aldeia onde habita, defendida com 'unhas e dentes' não só pelo pequeno herói, mas por todos os seus vizinhos, com a ajuda da poção mágica preparada pelo druida da mesma. À época já com mais de três décadas e meia de 'vida', o personagem criado em 1956 por René Goscinny e Albert Uderzo revelava-se, no entanto, verdadeiramente intemporal, continuando a cativar a imaginação das crianças adeptas de banda desenhada, não sendo, pois, de surpreender que a última década do século XX tenha visto surgirem no mercado uma série de novos produtos alusivos ao pequeno gaulês, tanto de índole individual (como o excelente jogo de tabuleiro que muito em breve aqui abordaremos) como inseridos num contexto promocional.

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As folhas de recortes da promoção podiam trazer desde simples moitas até alguns dos personagens principais da BD.

É, precisamente, uma dessas promoções que vamos recordar neste post – especificamente, a que oferecia folhas de recortes cartonados que, após coleccionados, permitiam montar a irredutível aldeia gaulesa a que o pequeno guerreiro chama casa. Oferecidos algures na primeira metade da década (os 'copyrights' das imagens são de 1993) na compra de qualquer das gamas de iogurtes da marca Longa Vida (os mesmos onde, pela mesma altura, se puderam também adquirir cromos dos Looney Tunes), os vinte e sete cartões - cada um com diversas peças que podiam ir de simples moitas aos próprios protagonistas, e que se montavam dobrando e colando as abas indicadas - eram um daqueles brindes 'baratos', típicos daquela época da História, cuja eficácia reside mais naquilo que prometiam do que propriamente na sua qualidade; e, neste caso, a 'promessa' era, a todos os níveis, aliciante – afinal, que criança portuguesa da época não gostaria de ter a aldeia gaulesa na prateleira do quarto?

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Aspecto de alguns dos edifícios da aldeia após devidamente 'construídos'

Como não podia deixar de ser, no entanto (ou não estivéssemos nos anos noventa) a promoção trazia, ainda, associada uma aliciante extra, sob a forma de um concurso que permitia ganhar centenas de prémios, com natural destaque para os cheques de meio milhão de contos e para as viagens ao então também 'em alta' Parque Astérix, em França. É claro que a maioria das crianças saía, invariavelmente, de 'mãos a abanar' neste aspecto, independentemente da quantidade de iogurtes que consumissem (é essa, afinal, a essência dos concursos deste tipo) mas, conforme acima referimos, essa situação acabava por não deixar grande 'mossa' face à perspectiva de conseguir montar todo o conjunto, e ter a aldeia do Astérix em 'exibição' no quarto. Foi essa motivação que a Longa Vida soube (e bem) explorar, e que ajudou a fazer desta promoção um relativo sucesso numa época em que folhas de recortes em cartão 'manhosos' eram, ainda, aceites como brindes promocionais perfeitamente viáveis, desde que dissessem respeito a personagens populares. Outros tempos...

28.09.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar do seu longo historial com heróis de banda desenhada (mais ou menos 'super') das mais diversas proveniências, Portugal passou, surpreendentemente, ao lado de um dos maiores 'comics' independentes de finais do século XX, oriundo de um país que, em décadas anteriores, já rendera aos 'bedéfilos' lusos um dos seus mais icónicos heróis, o Major Alvega. Em vista do sucesso que o seu conterrâneo fizera em terras lusas, do êxito de que este outro personagem gozava em outros países - onde as suas histórias (e a publicação onde se inseriam) tinham estatuto de culto, chegando mesmo a inspirar uma 'malha' dos metaleiros nova-iorquinos Anthrax - e da referida apetência dos leitores portugueses por histórias de super-heróis, ficção científica ou ambas, não deixa de ser estranho que um trabalho que reunia todos esses predicados tenha passado praticamente 'em branco' por terras lusitanas.

A verdade, no entanto, é que foi preciso o aparecimento de uma revista baseada em material oriundo das Ilhas Britânicas (e que tão-pouco era especializada em BD) para o maior orgulho nacional anglo-saxónico (pelo menos no campo da banda desenhada) fazer finalmente a travessia do Atlântico e chegar a climas mais quentes. Seria, pois, nas páginas traseiras da revista 'Rock Power', especializada em música 'rock' e 'heavy metal', que o hoje famoso e icónico Juiz Dredd se daria a conhecer – no caso a um segmento bastante limitado (embora receptivo à temática e estilo de desenho das histórias) da demografia a que almejava.

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Página publicada na revista 'Rock Power' (crédito da foto: Divulgando Banda Desenhada)

Escusado será dizer que a extinção da referida revista 'arrastou' consigo o justiceiro da futurista Mega City, cuja perfeita anonimidade entre o público bedéfilo generalista português o votou ao esquecimento – ou melhor, ao desconhecimento – no seio do mesmo; seria, assim, necessário esperar até 1994 para que quem não era 'metaleiro' ficasse a conhecer Dredd, o qual regressaria às bancas nacionais por tempo limitado, no âmbito de uma colaboração com um herói bastante mais famoso e apreciado por terras lusas: o Vingador Mascarado, Batman. O simples mas esclarecedoramente intitulado 'Batman e Juiz Dredd – Julgamento em Gotham' – um daqueles álbuns de 'crossover' tão populares durante as décadas de 90 e 2000, e um de quatro encontros entre os dois heróis – chegaria aos quiosques e papelarias de Norte a Sul do País em 1994, curiosamente, não pela mão da omnipresente Abril/Controljornal, responsável por todos os periódicos de super-heróis disponíveis nas bancas nacionais, mas da Meribérica/Liber, a sua 'rival' monopolista dos heróis franco-belgas. Talvez por isso o álbum seja, hoje em dia, menos conhecido e recordado do que aquelas revistas bem mais 'chungas' que a maioria dos portugueses do sexo masculino de uma certa idade (e, presumivelmente, também do feminino) leu naquela época da sua vida.

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Capa e vinheta do álbum da Meribérica, de 1994

Após os 'cinco minutos de fama' com Batman, no entanto, o polícia futurista voltaria a ser votado ao esquecimento em terras de Viriato – situação que nem mesmo o filme do ano seguinte, com Sylvester Stallone (do qual falaremos aqui muito em breve) conseguiu alterar. O regresso do Juiz Dredd aos escaparates lusos dar-se-ia, pois, já bem dentro do novo milénio, pela mão da editora Mythos, que aproveitava o embalo do sucesso do 'remake' cinematográfico das aventuras do herói (um dos poucos que efectivamente supera o original, e cuja existência se justifica) para trazer para Portugal a 'Juiz Dredd Magazine', publicação criada e concebida (onde mais?) no Brasil, onde já ia fazendo considerável sucesso. No total, foram vinte e quatro os números da revista distribuídos em Portugal, antes de o desafortunado Juiz de Mega City regressar à obscuridade – embora, agora, com uma base de seguidores consideravelmente alargada, e que (quem sabe?) talvez consiga propiciar novo regresso aos escaparates de BD lusos num futuro próximo; por agora, no entanto, Dredd perfila-se como um dos principais 'tiros ao lado' e oportunidades perdidas da edição de banda desenhada em Portugal – um erro que, pela amostra conjunta, continua a ser difícil de remediar...

20.07.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já por várias vezes, nesta mesma rubrica, falámos das compilações de 'tirinhas' de jornal norte-americanas (as chamadas 'comic strips') lançadas em Portugal por editoras como a Gradiva, sendo que, pela sua importância no contexto da referida indústria, nomes como Mafalda, Calvin e Hobbes e Garfield tiveram direito a posts individuais sobre as suas versões portuguesas; agora, chega a vez de juntar mais um nome a essa selecta lista (ainda que um com bem menos expressão nacional do que os restantes acima enumerados) e falar do primeiro álbum de Hagar, o Terrível lançado em território nacional.

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Corria o mês de Agosto de 1993, quando Haggar – então com vinte anos – desembarcava do seu 'drakkar' em costas lusitanas, pela mão da Livros Horizonte, uma editora sem expressão no meio da banda desenhada, mas sem a qual os fãs portugueses do obeso 'viking' teriam ficado 'em seco' no tocante a tirinhas traduzidas para a nossa língua; mesmo assim, e apesar de 48 páginas (cada uma com cerca de quatro ou cinco tiras) serem melhor do que nada, a oferta para fãs do personagem de Dik Browne ficou muito, mas muito aquém daquilo a que as personagens que o rodeavam nos suplementos de Domingo norte-americanos tiveram direito no nosso país.

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Exemplo de uma página do livro

Ainda assim, 'a cavalo dado não se olha o dente', e a verdade é que, apesar de 'magro' e sem grande brilho em termos de grafismo de capa, o volume em causa possui tradução cuidada, e serve como uma excelente amostra do trabalho de Browne; o problema reside mesmo no facto de essa amostra cumprir demasiado bem a sua missão de abrir o apetite para mais – sendo que, neste caso, o 'mais' apenas chegaria aos escaparates mais de uma década e meia depois, sob a forma de dois volumes editados em 2008 pela pequena Libri Impressi, cujo esforço de publicar cronologicamente todas as tiras do personagem se ficaria, infelizmente, por aí...

Quanto ao álbum da Horizonte, aqui em análise, a sua mais-valia reside mesmo no facto de oferecer material de Haggar (bem) traduzido para português, algo que, conforme demonstrámos nos parágrafos acima, não está propriamente disponível em abundância, e ainda menos em 1993; só esse facto já servia (e continua a servir) para justificar o (modesto) investimento neste álbum por parte dos fãs do 'viking' mais sedentário da História. Já quem não conhece Haggar, tem também aqui um bom ponto de partida por onde iniciar a sua exploração dos já quase cinquenta anos de tirinhas alusivas ao personagem editadas pelos sindicatos de BD americanos...

08.06.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Conforme já mencionámos em edições anteriores desta rubrica, não era, de todo, prática incomum entre os jornais e até revistas nacionais dos anos 90 editarem um suplemento de banda desenhada. Foi assim com publicações tão díspares quanto o Expresso e a TV Guia, e foi também assim com aquele que continua a ser um dos maiores periódicos do nosso País, o Diário de Notícias.

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Capa do número 1 do suplemento, editado em Fevereiro de 1990

O suplemento em causa, editado em inícios da década (a primeira edição data logo de 11 de Fevereiro de 1990) e patrocinado pelo então super-popular sumo Um Bongo, tinha a singela mas descritiva designação de 'BDN' (um jogo de palavras bem conseguido entre a abreviatura da expressão 'banda desenhada' e a do próprio jornal) e adoptava o mesmo formato de publicações como 'Tintin' ou a revista 'Selecções BD', da Meribérica-Liber, apresentando semanalmente tranches de histórias de heróis, sobretudo, franco-belgas, dos bem conhecidos Astérix, Spirou ou Michel Vaillant à adaptação em banda desenhada das aventuras de 'Os Cinco' (de Enid Blyton); pelo meio, havia ainda espaço para divulgar alguns autores e 'cartoonistas' nacionais, como Ruy, responsável pelas duas edições especiais publicadas pelo suplemento, a primeira sobre a vida de Charlie Chaplin, e a segunda uma adaptação de 'Como Apareceu O Medo', um dos contos incluídos n''O Livro da Selva', de Rudyard Kipling - este último mais tarde editado em álbum pela própria Editorial Notícias.

No fundo, sem diferir muito de outros suplementos do mesmo tipo – a única particularidade eram mesmo os títulos licenciados – o 'BDN' não só não deixava de proporcionar aos jovens daquele tempo algo com que se entreter enquanto os 'mais crescidos' liam o resto do jornal, como lhes proporcionava material de qualidade e de verdadeiro interesse para a demografia em questão, algo que nem sempre ocorria com este tipo de suplementos; assim, e apesar de hoje em dia se encontrar algo 'Esquecido Pela Net' (o único registo existente é no 'site' da Bedeteca, de onde foi retirada a ilustração deste post) este suplemento acaba por justificar estas breves linhas memoriais, que – espera-se – ajudarão a avivar muitas memórias relativamente ao mesmo.

26.05.22

NOTA: Este post diz respeito a Quarta-feira, 25 de Maio de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

As revistas-compilação, que reuniam, em cada número, trechos de diversas obras distintas, foram, até há relativamente pouco tempo, presença comum no mercado tipográfico português, sendo o seu expoente máximo as Selecções do Reader's Digest, que além de trechos de obras publicavam também artigos sobre temas de interesse, bem como textos originais mais curtos.

Curiosamente, no mercado da banda desenhada, este tipo de revista viu-se representada, não por uma, mas por duas publicações distintas: primeiro, nos anos 60 e 70, a excelente revista 'Tintim', que conseguiu fazer vingar o formato por impressionantes quinze anos, e mais tarde, já nos anos 90, a revista 'Selecções BD', de expressão bem menor, mas que conseguiu, ainda assim, almejar duas séries.

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Capa do número 1 da primeira série da revista

Com periodicidade mensal, e da responsabilidade da editora Meribérica-Liber, o conceito da 'Selecções BD' estava descrito no próprio título, e era em tudo semelhante ao da sua antecessora; tal como 'Tintim', também a nova revista se propunha reunir em cada número trechos de obras de vários autores, publicados em ordem cronológica de modo a formar, a médio prazo, uma história completa. Também à semelhança da revista dos anos 60, cada número incluía autores tanto nacionais como internacionais, com particular ênfase no excelente e sempre prolífero mercado franco-belga, em que a editora tradicionalmente se especializou, ede onde eram provenientes nomes como Blake & Mortimer, Blueberry e Michel Vaillant, que 'ancoravam' a revista e lhe davam apelo extra entre os 'bedéfilos'.

Com esta fórmula, chegaram às bancas 36 números, entre 1988 e 1991, custando cada um uns exorbitantes 550$00, cerca de cinco vezes mais do que um adepto de BD poderia esperar pagar, à época por uma revista Disney ou de super-heróis; será caso para dizer que a qualidade se paga, já que tanto o conteúdo como o grafismo destas revistas eram de alta qualidade.

Apesar do preço proibitivo, essa primeira série das Selecções terá feito sucesso suficiente para justificar um regresso às bancas, sete anos depois da extinção da revista original, agora com um grafismo bem mais tradicional para uma publicação deste tipo, em linha com o que a Abril-Controljornal vinha fazendo com títulos como 'Heróis'.

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Capa do número 1 da segunda série da revista

O conceito e o material, esses, não se haviam alterado, embora o acervo de autores se apresentasse significativamente mais reduzido, tornando os astronómicos 900$00 pedidos pela Meribérica bem mais questionáveis do que os equivalentes 550$00 do início da década. Ainda assim, a segunda série conseguiu ser quase tão longeva quanto a original, vendo 31 números publicados entre 1998 e 2001.

Hoje em dia, a possibilidade de uma publicação deste tipo granjear sucesso é quase tão reduzida quanto a sua própria validade e viabilidade: num mundo em que tudo está ao alcance dos dedos, em formato digital, não faz qualquer sentido estar um mês à espera de mais uma tranche de uma história, pela qual se tem depois de pagar um preço exorbitante. Como tal, é provável que o mercado português – bem como o internacional – jamais tornem a ver outra publicação como esta 'Selecções BD', que constitui hoje, ainda assim, um excelente documento do que foi o 'boom' da banda desenhada franco-belga em Portugal durante os anos 80 e 90.

 

11.05.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Como já aqui mencionámos aquando dos nossos posts sobre os álbuns de tirinhas de banda desenhada dos anos 90 e sobre a sua série animada, o gato Garfield era e continua a ser um dos mais populares personagens de banda desenhada de sempre, e um dos únicos capaz de atravessar e unir gerações, estando as crianças de hoje em dia tão familiarizadas com o personagem como a geração dos seus pais. Mesmo em plena era digital, o gato listrado cor de laranja continua a motivar a criação e edição de desenhos animados, filmes, jogos de computador, e outros items de merchandising das mais variadas índoles; curiosamente, a única coisa que Garfield não tem visto ser lançado no mercado nacional com a sua cara são, curiosamente, álbuns de banda desenhada.

Nos anos 90, no entanto, passava-se precisamente o oposto – o produto alusivo a Garfield que mais facilmente se encontraria numa loja portuguesa era, precisamente, um dos muitos volumes de BD publicados ao longo da década por nada menos do que três editoras diferentes.

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Um dos muitos volumes em formato comprido editados pela Meribérica-Liber

A primeira a adentrar-se pelo mundo do gato de Jon Arbuckle foi a Meribérica-Liber, ainda nos anos 80, com uma série de volumes em formato 'comprido' que reuniam algumas das primeiras tiras do personagem, quando os seus traços eram, ainda, significativamente diferentes. Esta série seria, a breve trecho, interrompida, mas (curiosamente) retornaria às livrarias portuguesas quase uma década depois de ter sido descontinuada, resumindo-se, até ao dealbar do novo milénio, a publicação de novos álbuns, como se nada tivesse, entretanto, acontecido.

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'O Álbum do Garfield', o único volume do personagem editado pela Bertrand (1990)

A verdade, no entanto, passa precisamente pelo oposto, sendo que, durante o interregno em causa, a edição das tirinhas de Garfield foi assumida por duas outras lendárias casas literária portuguesas, a Bertrand e a Dom Quixote. A participação da primeira resumiu-se a um livro, 'O Álbum do Garfield', que reunia tiras clássicas em formato A4 de capa mole; a segunda, no entanto, lançaria seis álbuns alusivos ao personagem no início dos anos 90, que ainda hoje permanecem os melhores volumes de tirinhas de Garfield alguma vez editados em Portugal. Num mais tradicional formato A4 de capa dura, estes seis volumes conseguiam a proeza de incluir tiras mais ou menos contemporâneas com o que vinha sendo publicado nos EUA na mesma altura, o que, à época, era nada menos do que um feito. Infelizmente, a participação da Dom Quixote na 'saga' do gato mais preguiçoso do Mundo ficou-se por aí, sendo que a qualidade destes álbuns merecia definitivamente edição continuada.

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O primeiro álbum da excelente série de seis publicada pela Dom Quixote a partir de 1992

O novo milénio não veio esmorecer o entusiasmo pelo material alusivo ao gato alaranjado; antes pelo contrário, já no novo milénio, o mesmo regressaria ainda mais uma vez às bancas e livrarias portuguesas, desta vez por mão da Book Tree e em álbuns cujo formato ficava a 'meio caminho' entre as duas tentativas anteriores, com capa mole e uma configuração 'quadrada', algures nas proximidades do A5, mas sem o ser.

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Exemplo da série de livros de Garfield lançada pela Book Tree, já nos anos 2000

Desde então, a publicação de álbuns de Garfield não dá sinais de abrandar, apesar de, hoje em dia, o gato ser, sobretudo, estrela da televisão e Netflix (pelo menos em Portugal; no Brasil, contracena actualmente, numa aventura multi-volumes, com a Turma da Mônica, um estatuto reservado, naquele país, apenas a mega-estrelas da BD, como os principais personagens da Disney.) Quem chegou a ler estes álbuns publicados naqueles finais do século XX, no entanto, certamente terá boas memórias de muitas gargalhadas dadas à custa daquelas inspiradas tirinhas, das quais deixamos abaixo uma das nossas favoritas.

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13.04.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

De inícios da década de 80 ao dealbar do novo milénio, a editora Abril Morumbi (mais tarde apenas Abril) foi sinónima com a publicação de banda desenhada Disney nas bancas portuguesas, sendo praticamente impossível encontrar um produto literário da companhia americana que não tivesse a chancela da casa luso-brasileira; mas enquanto que a maioria dos títulos lançados pela editora eram e continuam a ser fáceis de encontrar, um ou outro conseguiu, ainda assim, reter um estatuto obscuro o suficiente para, à entrada para a terceira década do século XX, poder ser considerado Esquecido Pela Net.

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Frente e verso da capa do álbum

É o caso do volume que hoje apresentamos, uma publicação de 1990 que leva o tão descritivo quanto anónimo título de 'Álbum Disney - Mickey' - uma designação genérica o suficiente para dificultar (e muito!) a procura de informação sobre ele na Internet, especialmente dada a quantidade de colecções diferentes lançadas ao longo dos anos, precisamente com o mesmo título, algumas das quais já aqui abordadas. Este 'Álbum Disney´ nada tem a ver com qualquer delas, sendo (tanto quanto podemos aferir) uma entidade única, e uma experiência nunca repetida pela Abril - o que talvez ajude a explicar o seu estatuto obscuro no panorama da banda desenhada nacional.

Seja qual for o motivo para a sua situação actual, o certo é que este álbum não merecia tal fado, dado tratar-se não só de uma experiência válida, mas também de uma aquisição indispensável para qualquer interessado na História da banda desenhada, tanto da Disney quanto em geral. Isto porque, ao contrário de outras edições especiais da Abril (como os álbuns criados em exclusivo para uma promoção da Nestlé) o livro não apresenta qualquer história (à época) contemporãnea do protagonista, assumindo, logo desde a capa, a sua intenção de servir como veiculo para a publicação em Portugal de histórias clássicas de Mickey e companhia - no verdadeiro sentido da palavra, já que a totalidade do material contido nas suas páginas foi publicado quase sessenta anos antes da edição do próprio álbum, na década de 1930!

De facto - de acordo com as curtas mas informativas notas presentes no início e a meio do livro - as quatro histórias (mais uma mão-cheia de 'tiras') que perfazem esta obscura publicação começaram por surgir, em formato serializado, nos jornais em que as histórias de Mickey eram publicadas, entre 1932 e 1938; e apesar de, aqui, surgirem em formato 'corrido', é ainda bastante evidente onde cada porção originalmente acabava.

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Uma página de 'O Covil de Wolf Barker', demonstrativa do estilo de Floyd Gottfredson (esquerda) e o frontispício e página de notas de 'Hoppy, o Canguru' (centro e direita).

Nada, no entanto, que diminua a experiência de ler estas 'pérolas', a maioria da autoria de Floyd Gottfredson, um dos mais lendários artistas dos primeiros tempos do estúdio, Da pura aventura de 'O Covil de Wolf Barker' (cujo enredo caberia perfeitamente numa revista Mickey dos anos 80 ou 90) à comédia de 'Os Sobrinhos do Mickey' e 'Hoppy, o Canguru' (ambos também adaptados para desenho animado) há neste livro material para satisfazer todos os gostos, sempre com o atractivo extra do contexto histórico, que torna a leitura ainda mais prazerosa para qualquer conhecedor de BD.

Fica, pois, claro, que este 'Álbum Disney' não merece, de todo, o esquecimento a que foi (seja pela sua raridade, pelo título excessivamente genérico, ou por qualquer outro motivo) vetado; e embora se afigure praticamente impossível encontrá-lo à venda hoje em dia, vale bem a pena a qualquer apreciador da era de ouro da banda desenhada Disney o esforço extra para tentar adquiri-lo - quanto mais não seja, pelo valor histórico que apresenta...

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