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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

08.05.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já aqui anteriormente falámos do uso de personagens estabelecidos e reconhecidos no contexto da banda desenhada institucional; de facto, enquanto algumas companhias arriscavam criar personagens próprios para veicular as suas mensagens (com o acréscimo de poderem servir função dupla como mascotes do clube de fãs ou imagem da marca junto do público jovem) outras instituições preferiam 'jogar pelo seguro' e co-optar 'porta-vozes' licenciados, capazes de cativar activamente e comprovadamente a demografia menor de idade. Foi assim com o Instituto Português da Qualidade, em 1997 e 1999, e foi também assim com o Banco Espírito Santo, que, há quase exactos trinta anos, entre Fevereiro e Março de 1994, lançava em parceria com o jornal 'Expresso' a série de fascículos 'A Economia do Tio Patinhas'.

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Capa do primeiro fascículo da série, lançado a 12 de Fevereiro de 1994.

Tirando o máximo partido do facto de o referido jornal deter já a licença para publicar BD Disney no seu suplemento jovem, a série em causa combina a diversão da banda desenhada pura e dura com um aspecto mais informativo e educativo, estando o primeiro e terceiro fascículos (cada um com quarenta páginas) dividida quase exactamente ao meio entre a história de BD e um artigo referente a um aspecto da economia considerado relevante para o público-alvo, no caso o funcionamento da banca e a arte de investir. Infelizmente, este conceito acabou por não ser mais explorado, e nove dos restantes dez fascículos ficar-se-iam apenas pela BD em si; o formato dividido seria, no entanto, recuperado no décimo-segundo e último fascículo, lançado em finais de Março e que continha uma longa homenagem escrita a Carl Barks, o lendário criador de aventuras de Donald e companhia no período clássico das BD's Disney.

Apesar do potencial algo desperdiçado para verdadeiramente instruir os jovens 'X' e 'millennials' sobre o dinheiro e as possibilidades oferecidas pelo mesmo – tópico ainda hoje relevante para a demografia em causa – 'A Economia do Tio Patinhas' não deixa de ser um conceito temático interessante, e capaz de aumentar ainda mais os níveis de interesse no suplemento infanto-juvenil do 'Expresso'. É de lamentar, pois, que o mesmo, e o parceiro BES, não tivessem querido explorar verdadeiramente a fundo o fruto da sua união; caso contrário, esta série poderia ter constituído um marco nos anais da BD portuguesa, tanto institucional como comercial.

28.02.24

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Já aqui anteriormente falámos tanto da BD institucional, utilizada pelas mais variadas empresas e instituições como recurso educativo e pedagógico, como dos clubes de jovens, outro conceito corporativo clássico de finais do século XX e inícios do seguinte, e que vinha muitas vezes acompanhado de publicações próprias, exclusivas aos membros do clube. não é, pois, de estranhar que os dois elementos em causa se intersectassem frequentemente, normalmente no contexto das referidas revistas e jornais internos; é, precisamente, de uma dessas ocasiões que falaremos nesta Quarta aos Quadradinhos.

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Divulgadas pelo banco Montepio Geral em cinco fascículos de distribuição exclusiva ao seu clube de jovens assinantes entre 1999 e 2000, 'Tio Pelicas Investiga: A Essência Mutualista' via o pelicano do símbolo do banco – devidamente antropomorfizado e 'cartoonizado', e de aparência algo semelhante a outro 'Tio' com afinidade por assuntos bancários, o da Disney – investigar mistérios relacionados com conceitos da esfera financeira e bancária, os quais eram, assim, transmitidos ao jovem público-alvo de maneira subtil e lúdica. Uma premissa bastante típica para uma banda desenhada institucional, mas que era substancialmente elevada pelo argumento e grafismo cuidados e personalizados; isto porque, onde a maioria das empresas deixariam um projecto desta índole a cargo de um qualquer anónimo com 'jeito' para o desenho, o Montepio Geral não fez por menos, recrutando ninguém menos do que Augusto Trigo (famoso por ter ilustrado a trilogia 'Lendas de Portugal em Banda Desenhada', e também colaborador da efémera mas marcante revista 'Selecções BD') para dar vida ao pelicano detective, em conjunto com a argumentista Paula Guimarães.

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Capa do segundo álbum, lançado em 2004.

O resultado era um trabalho que, deixando de lado a vertente institucional, poderia perfeitamente ter sido editada como álbum individual e independente de qualquer instituição – como os jovens 'millennials' e da 'geração Z' puderam comprovar quando as 'sequelas' de 'Essência Mutualista', produzidas entre 2001 e 2003, foram reunidas em álbum, em 2004. Antes disso, já havia sido lançada em volume a aventura original, a qual completa este ano vinte e cinco anos sobre o seu lançamento original, e terá sem dúvida feito as delícias dos jovens filhos de clientes do banco em causa aquando do mesmo. E apesar de essa primeira história se encontrar algo Esquecida Pela Net, várias outras podem, ainda, ser lidas nas mais diversas fontes (como neste blog, que dedica todo um artigo à série), pelo que quem tenha alguma nostalgia pelo Tio Pelicas (ou se tenha recordado do mesmo ao ler este post) pode facilmente ir 'matar saudades', e regressar à infância por alguns minutos...

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Excerto de uma das histórias da segunda série.

31.01.24

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Quando utilizada correctamente, e realizada com verdadeiro cuidado e talento, a banda desenhada institucional constitui uma excelente ferramenta para atrair e sensibilizar as gerações mais jovens para certos temas, ou simplesmente transmitir informações ou conhecimentos. E embora nem todas as instituições compreendam esse facto – o que ajuda a explicar a reputação algo 'duvidosa' deste tipo de publicação – tem havido, ao longo dos anos, vários exemplos bem-sucedidos de álbuns de banda desenhada ligados a empresas ou instituições, e destinadas tão-somente a veicular informações sobre a História e funcionamento das mesmas. Um dos mais notáveis foi lançado há exactos vinte e sete anos, em Janeiro de 1997, por uma instituição cultural que não precisava de o fazer, dado ser já um dos principais locais de 'romaria' para as crianças e jovens nacionais, sobretudo os residentes na Grande Lisboa; e, no entanto, a tentativa de contar a 'História do Jardim Zoológico em Banda Desenhada' constitui, ainda hoje, um exemplo de como fazer BD institucional.

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Capa e contra-capa da publicação.

Da autoria do malogrado José Garcês, veterano em contar História em formato desenhado, e financiado pelo grupo NovaRede (então parceiro do próprio Zoo) o álbum em causa apresenta precisamente aquilo que o título sugere – isto é, uma reconstituição em formato de novela gráfica dos principais acontecimentos que levaram à fundação do Zoo (na altura localizado na zona do Parque, no terreno hoje adjacente à Fundação Calouste Gulbenkian), à sua posterior expansão para o actual recinto em Sete Rios, e a todos os restantes marcos históricos que a instituição vivera à altura da publicação. Mais do que apenas um veículo de 'propaganda' para o Zoo, no entanto, o álbum em causa pretendia também oferecer uma visão geral da evolução da apresentação de animais em cativeiro ao longo da História de Portugal (culminando, como é óbvio, na abertura da instituição celebrada na publicação), transmitindo assim informações não apenas relativas ao Jardim Zoológico, mas de relevância histórica e cultural para o próprio País, de forma cativante e divertida – um dos grandes objectivos de qualquer BD institucional.

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Exemplo da arte e argumento da obra.

Não é, pois, de surpreender que este excelente álbum tenha reunido consenso suficiente entre os visitantes do Zoo para justificar a produção de uma 'sequela' aquando dos cento e vinte e cinco anos da instituição, em 2009, novamente com José Garcês como único responsável, e desta vez dando maior foco aos próprios animais do Zoológico. Tal edição não tivesse, talvez, sido possível sem a experiência bem-sucedida que foi a sua antecessora, que cativou os 'putos' apaixonados por animais da geração 'millennial' e os incentivou a conhecer melhor a História de um recinto que lhes era já bem querido, atingindo assim o objectivo último de qualquer boa BD institucional – uma classificação que esta 'História do Jardim Zoológico em Banda Desenhada' sobejamente merece.

11.10.23

NOTA: Este 'post' foi revisto e editado a 14/10/23, graças às informações prestadas pelo leitor Pedro Serra, a quem também devemos os 'scans' que acompanham o texto. Obrigado, Pedro!

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Numa outra Quarta-feira, de rubrica oposta a esta, dedicámos algumas linhas à Colgate Júnior, uma pasta dentrífica especialmente orientada ao público infantil, hoje quase totalmente Esquecida Pela Net, mas que, à época, chegou a ganhar alguma tracção, muito graças aos anúncios de que dispunha nas contracapas das mega-populares revistas Disney da Abril. Tal não era, claramente, tido pelo fabricante como suficiente em termos de marketing e publicidade, já que o referido dentífrico, e respectiva mascote (um tubo de Colgate Júnior antropomórfico, com uma 'estrela' de pasta a sair-lhe do respectivo orifício) serviram também de base a um volume de banda desenhada institucional próprio, o qual se encontra, hoje, tão Esquecido como a própria pasta.

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O ÚNICO vestígio deste título disponível em toda a Web lusófona é a capa, aqui em foto do Pedro Serra.

De facto, o único registo existente na Internet sobre 'Missão Sorrisos Brilhantes' é no compreensivo arquivo Bazar0.com, uma 'relíquia' saída directamente dos tempos da Geocities e Tripod, mas que contém informações sobre muitos títulos que, de outra forma, cairiam no esquecimento total, como esta 'bizarrice' de meados de 90. Mesmo a informação que existe não é muita, consistindo apenas de uma capa e relação do número de páginas (8) sem quaisquer dados quanto ao ano de publicação ou exemplos do interior.

É, pois, apenas graças ao Pedro Serra, leitor assíduo deste blog, que ficamos a saber que a história gira em torno de super-aventuras espaciais vividas pelos personagens representados na capa, no caso um rapazinho, um dentista, e o dentífrico antropomórfico Superstar, que tentam travar uma invasão de alienígenas apostados em apodrecer os dentes das crianças e acabar com os 'Sorrisos Brilhantes' de que fala o título - uma história bem ao estilo das publicações institucionais da mesma época, e com arte a condizer, como podemos ver nas páginas digitalizadas pelo 'outro' Pedro, e reproduzidas abaixo.

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Quatro das oito páginas da história, digitalizadas e enviadas pelo leitor Pedro Serras.

É, também, graças ao Pedro que ficamos a saber que esta publicação foi distribuída juntamente com as revistas Disney da Abril, algures em 1989 - o que, tecnicamente, a desqualificaria para inclusão neste blog. Vale a pena, no entanto, abrir uma excepção em nome de não deixar passar em claro tão bizarro (e, ao mesmo tempo, típico) exemplo de banda desenhada institucional de finais do século XX...

08.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser prática corrente em outros países, o uso de personagens licenciadas para efeitos institucionais é, ainda, um recurso pouco explorado em Portugal; enquanto que no Brasil a Turma da Mônica é utilizada para os mais diversos fins educacionais, e nos EUA as Tartarugas Ninja e Bart, o mais velho dos três filhos dos Simpsons, chegaram a dar a cara pelo movimento anti-droga, em território nacional, qualquer iniciativa deste tipo tende a ser levada a cabo com personagens especificamente criados para o efeito, como o Luzinha da EDP. No entanto, durante os anos 90 (concretamente entre 1998 e 1999) houve pelo menos uma tentativa de aproveitar personagens populares entre o público mais jovem para tentar passar uma mensagem informativa e de sensibilização, sob a forma de duas bandas desenhadas criadas pelo Instituto Português da Qualidade, em parceria com a revista Super Jovem.

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O segundo dos dois volumes da mini-série (crédito da imagem: Tralhas Várias)

Intitulados 'Os Amigos da Qualidade', estes dois volumes viam o Rato Mickey e o seu inseparável amigo Pateta – 'estrelas' maiores da 'constelação' das BDs Disney da época – embarcarem em duas aventuras em Vila Avaria, uma povoação vizinha de Patópolis caracterizada, como o próprio nome indica, por padrões de qualidade cómica e caricaturalmente inexistentes; cabe, assim, ao rato mais famoso do Mundo sensibilizar a população quanto a verificações de qualidade, enquanto tenta travar as tentativas de aproveitamento deste 'desleixo' por parte do eterno rival e fora-da-lei João Bafo-de-Onça. Uma premissa interessante, e que poderia ter rendido boas aventuras, não fora a execução algo 'desleixada' do projecto.

De facto, muito mais do que os horríveis desenhos da fase moderna/italiana (que certamente terão os seus fãs, embora não seja o caso por aqui) os dois volumes desta mini-série (se assim se puder chamar a algo deste tipo) pecam pelos diálogos algo óbvios e até condescendentes, e pelo reaproveitamento algo óbvio de elementos, sendo que basta ver como o chefe da polícia de Vila Avaria é, em tudo, gémeo do de Patópolis para se perceber que esta história talvez não seja totalmente criada 'à medida'. Embora muitos criadores de conteúdos para jovens não levem este factor em conta, este tipo de mensagem tende a ser melhor aceite pelo público-alvo quando transmitida com subtileza e cuidado aparente na criação, algo em que estas bandas desenhadas deixam um pouco a desejar.

Ainda assim, esta não deixava de ser uma iniciativa louvável de transmitir uma mensagem importante, embora o seu impacto real seja difícil de medir à distância de vinte e cinco anos; nostalgicamente, estes volumes encontram-se algo Esquecidos pela Net – embora seja possível 'sacar' um deles neste link – mas talvez algum dos nossos leitores que ocupe, hoje em dia, um cargo de inspector de qualidade ou semelhante nos possa dizer até que ponto estas duas Bds o influenciaram na sua escolha. Até lá, fica aqui o 'post' a recordar esta iniciativa inusitada e até única em Portugal, que apesar de algumas falhas óbvias, não deixou de ser meritória...

30.11.22

NOTA: Por motivos de relevância temporal, o post de hoje voltará a ser sobre banda desenhada. As Quartas de Quase Tudo voltam para a semana.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

No mesmo dia em que publicávamos a nossa mais recente edição das Quartas aos Quadradinhos, falecia o último nome restante da chamada 'Era de Ouro' da BD em Portugal; e apesar de o auge da sua carreira se ter dado em outras décadas que não aquelas a que este blog respeita, não podíamos ainda assim deixar passar em claro a perda do ilustrador por excelência de bandas desenhadas históricas em Portugal, José Ruy.

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Nascido em 1930, e aluno, como tantos da sua geração, da Escola António Arroio (ainda hoje um dos estabelecimentos vocacionais de referência na área das Belas-Artes) José Ruy seguiu um percurso sensivelmente semelhante aos seus contemporâneos, evoluindo dos primeiros esboços, ainda adolescente, para colaborações com quase todas as publicações de referência na área publicadas em Portugal, d''O Mosquito' a 'Tintin' e 'Spirou'. Ao contrário da maioria dos aspirantes a 'cartoonistas', no entanto, Ruy não enveredou pelos ramos da BD de aventuras ou cómica, preferindo afirmar-se como um dos principais criadores nacionais de banda desenhada de teor educativo e didáctico, com particular ênfase para trabalhos sobre factos históricos, 'biografias' de localidades e adaptações de grandes obras portuguesas (o seu mais famoso e reconhecido trabalho é, aliás, a adaptação em BD da obra maior da literatura portuguesa, 'Os Lusíadas') das quais cerca de uma dúzia veria a luz durante os anos 90, com destaque para a adaptação do conto 'Como Surgiu o Medo', de Rudyard Kipling, de 1990, que chegou a sair no suplemento BDN do 'Diário de Notícias', e para a homenagem à sua Amadora natal, lançada pelas Edições Asa dois anos depois.

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Uma das mais relevantes obras do autor durante a década de 90.

A produção prolífera era, aliás, um dos principais aspectos da carreira de Ruy, a quem nem a idade abrandou – tanto assim que os seus últimos trabalhos datam da década transacta, quando o argumentista e ilustrador contava já mais de oitenta anos – os mesmos que viria a dedicar, no total, à criação e publicação de banda desenhada. Assim, e apesar de constituir uma perda de vulto para o cenário bedéfilo nacional, aquele que quase pode ser visto como o equivalente português a Stan Lee pode descansar em paz, sabendo que deixou às gerações futuras um vasto, respeitado e importante legado, através do qual inscreveu, indelevelmente, o seu nome na História de Portugal que tanto apreciava. Que descanse em paz.

 

26.10.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de nunca ter lançado um artista de projecção verdadeiramente internacional, à semelhança do que fazem Estados Unidos, França, Bélgica, Brasil ou Japão, Portugal possui uma rica e já longeva ligação à BD, a qual remete às caricaturas e 'cartoons' de artistas como Bordalo Pinheiro, ainda no século XX. E a verdade é que, apesar da falta do referido nome reconhecido internacionalmente, a 'cena' portuguesa não deixou (e deixa) de ter os seus nomes de relevo, que vão de veteranos como os falecidos José Garcês ou Fernando Relvas a nomes mais contemporâneos como Luís Louro, José Carlos Fernandes, Luís Pinto-Coelho, António Jorge Gonçalves ou o nome de que falamos esta semana, Miguel Rocha.

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Nascido em Lisboa em 1968, crescido em Alhandra e formado na Escola António Arroio – principal escola técnica de artes plásticas da Grande Lisboa, e uma das principais do País – Miguel João Pinheiro Soares Rocha insere-se na nova geração de autores de BD lusitanos, tendo desenvolvido a grande maioria da sua obra do lado 'de cá' do Terceiro Milénio; não obstante, a sua carreira remonta a finais da década de 90, tendo a sua estreia oficial como artista de banda desenhada sido feita através de uma folha mensal integrada na revista Pais & Filhos – um dos muitos veículos pouco ortodoxos que os artistas da 'nova escola' portuguesa utilizaram como 'rampa de lançamento' para os seus trabalhos. Antes, Rocha havia feito o habitual 'périplo' pela área da publicidade e artes gráficas, e colaborado, na qualidade de paginador, com a revista Selecções BD, o compêndio mensal de clássicos do género editado pela Meribérica-Liber.

O talento, esse, era já óbvio, mesmo nessa fase mais embrionária, e não tardaria até Rocha ver o mesmo ser reconhecido com galardões, nomeadamente o Prémio Especial Revelação no prestigiado Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, no caso com o seu segundo álbum, 'As Pombinhas do Sr. Leitão', sucessor de 'O Enigma Diabólico', lançado no ano anterior. Pelo meio ficavam colaborações com o prestigiado jornal 'Público', e a oportunidade de ilustrar, com uma pequena história, o catálogo de uma exposição dedicada ao 25 de Abril – a primeira de muitas obras institucionais que o autor viria a criar. Ainda em 1999, saem outros dois trabalhos, o álbum 'O Polvo' e a história 'Borda D'Água', inserida na revista LX Comics, e que voltaria a ser publicada no ano seguinte – agora em versão a cores - na revista 'Pública', um dos suplementos do jornal acima referido.

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A segunda obra do autor valeu-lhe o primeiro do que viriam a ser sete galardões no prestigiado Festival Internacional de BD da Amadora.

O ano 2000 vê, aliás, a carreira de Miguel Rocha seguir de vento em popa, com o lisboeta a arrecadar mais dois prémios no Festival de BD da Amadora, incluindo o de Melhor Álbum Português para 'Eduarda', adaptação da obra literária do mesmo nome da autoria de Georges Bataille, e desenvolvida em parceria com o argumentista Francisco Oliveira; o outro prémio, o de Melhor Desenhador, vai para 'Março', o outro álbum grande formato lançado nesse ano. Além destas duas obras, Rocha volta ainda a colaborar com o 'Público', agora com uma ilustração para a série dos 'Sete Pecados', e cria um álbum de pequeno formato, 'Transcomix – Lisboa ao Quadrado', para distribuição gratuita no âmbito do Dia Europeu Sem Carros. No ano seguinte, o desenhador é alvo de uma retrospectiva no âmbito do FIBDA, prova cabal do estatuto que lograra obter em apenas quatro curtos anos de carreira.

Os anos seguintes desenvolvem-se na mesma toada, entre álbuns de originais e participações institucionais, destacando-se, destas últimas, a adaptação de um conto de Miguel Torga para inserção num álbum alusivo ao Dia Mundial do Livro 2002, e a criação do cartaz oficial do Euro 2004, talvez o projecto de maior visibilidade de toda a sua carreira. O auge do seu reconhecimento na comunidade bedéfila chega, no entanto, apenas dois anos depois, quando o seu trabalho sobre Salazar, em parceria com João Paulo Cotrim, arrecada nada menos do que quatro prémios no Festival da Amadora, ganhando Melhor Álbum, Melhor Argumento e Melhor Desenho, além do Prémio Juventude. E apesar de o artista não lançar qualquer trabalho de originais há mais de uma década a esta parte (os últimos dois são de 2010) o contributo que deu à BD portuguesa ao longo dos doze anos anteriores foi mais que suficiente para lhe outorgar o estatuto de nome 'grande' da nova geração de artistas nacionais de banda desenhada, restando, apenas esperar para ver o que o futuro reserva para a sua carreira.

31.08.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Ao longo do tempo de vida desta rubrica, temos vindo a traçar breves biografias das carreiras dos principais artistas e criadores de BD portugueses, de Carlos Roque e José Garcês a Fernando Relvas, António Jorge Gonçalves ou Luís Louro; agora, chega a vez de acrescentar mais um nome a essa curta mas honrosa lista – o de José Carlos Fernandes, por vezes conhecido apenas como JCF, e que se destaca por ser um dos mais prolíficos autores do panorama da banda desenhada em Portugal.

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O autor na actualidade

Tal como Luís Louro, Fernandes faz parte da 'nova geração' de quadrinistas, cuja carreira se inicia já depois do fim dos principais veículos nacionais do meio – as revistas 'Tintin' e 'Mundo de Aventuras', onde a maioria da geração anterior se estreou nas lides da BD; assim, coube a estes jovens encontrar outros meios para se expressar e se dar a conhecer, tendo José Carlos Fernandes tomado o caminho das 'fanzines'. Os primeiros anos da carreira do artista foram, pois, passados a criar histórias para uma audiência muito reduzida, e à espera do grande 'momento' – o qual viria a surgir em 1989, quando uma paródia de duas páginas do herói franco-belga Alix é publicada na fanzine Shock, distribuída na região de Lisboa.

Ficava, assim, dado o mote para uma carreira inacreditavelmente prolífica, qualquer resumo da qual ocuparia muitas linhas e levaria muito tempo, para além de resultar num texto extremamente aborrecido; isto porque o autor viu publicados, nas duas décadas seguintes, uma média de dois a três títulos por ano, tendo um presumível surto de inspiração no ano de 1997 resultado no lançamento de NOVE (!!) obras de JCF num período de doze meses. Destaque, ainda assim, para as duas primeiras obras 'a sério' do artista, 'Controlo Remoto', de 1993, e 'A Lâmina Fria da Lua', a sua verdadeira obra-revelação, publicada em 1994 (ambas pela Associação Neuromanso, em parceria com a Comicarte e a ASIBDP, respectivamente), bem como para o galardoado 'A Pior Banda do Mundo', produzido quase uma década depois.

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Uma de quase uma dezena de obras de JCF editadas em 1997

O ritmo tresloucado de produção não afectava, no entanto, a diversidade ou criatividade da obra de Fernandes, a qual se estendia da ficção pura e dura à BD institucional em parceria com entidades estatais, e rendia ao autor distinções de fontes tão diversas quanto a Câmara Municipal de Lisboa (que lhe atribuiu por três vezes o Prémio Rafael Bordalo Pinheiro) e a organização do reputado, e entretanto malogrado, Festival de BD da Amadora, que considerou 'A Pior Banda...' a melhor obra nacional do evento em dois anos consecutivos. A fama de Fernandes estendia-se, aliás, a Espanha, onde chegou a ganhar o primeiro prémio do Festival de BD de Ourense, em 1995 – ano em que ganharia, também, essa distinção no Festival de BD de Matosinhos.

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O mais premiado álbum da carreira do artista, publicado em 2002

Em suma, e apesar de não dar 'novidades' desde 2011, José Carlos Fernandes é, já, figura maior da banda desenhada humorística em Portugal, possuindo um estilo muito próprio e inconfundível, inspirado pela ficção científica e pelo 'rock' alternativo, que sem dúvida contribui para que granjeie pontos junto das gerações mais jovens – tanto nos dias que correm como, decerto, quando vivia o seu 'estado de graça' em meados dos anos 90.

 

18.08.22

NOTA: Este post é respeitante a Quarta-feira, 17 de Agosto de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Há algumas semanas, debruçámo-nos sobre a colecção 'História de Portugal em Banda Desenhada', uma colaboração entre o escritor A. do Carmo Reis e o artista José Garcês que obteve considerável sucesso na fase final dos anos 80 e durante toda a década seguinte; hoje, dedicaremos algumas linhas a explorar a restante obra noventista do ilustrador dos referidos volumes, o qual ombreia com nomes como José Ruy e Carlos Roque (ambos, aliás, seus colegas na Escola António Arroio, em Lisboa) no panteão dos criadores de BD nacionais.

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José Garcês, em foto recente

Nascido em Julho de 1928, José Garcês começou por trabalhar no Serviço Metereológico Nacional (actual Instituto de Metereologia) onde chegou a chefe do departamento de desenho; no entanto, a verdadeira paixão era pela ilustração e banda desenhada, vocação que começou por explorar na 'fanzine' de publicação própria 'O Melro' (publicada ainda nos tempos da António Arroio, entre 1944 e 1945), antes de se explanar a outras revistas portuguesas. No auge da sua carreira, o ilustrador chegou a ser presidente e embaixador do Clube Português de Banda Desenhada e convidado de honra do Festival de Lucca de 1990, além de fornecer ilustrações e histórias de Garcês tanto para instituições estatais, como os CTT, o Museu Bocage ou a Liga para a Protecção da Natureza, como para publicações tão lendárias do panorama da BD portuguesa como 'O Século', 'O Mosquito', 'Cavaleiro Andante', 'Zorro', 'Fungagá da Bicharada', 'Mundo de Aventuras' e 'Tintim', além de periódicos algo mais inusitados, como a revista 'Modas & Bordados'; a sua influência dentro da cena foi, aliás, suficientemente longeva e transversal para algumas das suas histórias ainda figurarem na segunda série da revista 'Selecções BD', da Meribérica-Liber, publicada já no virar do novo milénio!

Pelo meio, além da supramencionada 'História de Portugal', ficam outros títulos de inspiração histórica, como a adaptação da obra literária 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas (criada em parceria com o argumentista Jorge Magalhães, em 1990), a biografia de D. João V em banda desenhada e os dois volumes de 'Cristóvão Colombo - Agente Secreto de D. João II' (aqui com argumentos do historiador Mascarenhas Barreto, numa iniciativa semelhante à levada a cabo com do Carmo Reis, na década anterior) ou ainda o álbum de ficção 'Através do Deserto/O Santuário de Dudwa', todos lançados pelas Edições Asa, entre 1992 e 1994; de ressalvar ainda, durante este período, a participação do autor no álbum colectivo 'Contos das Ilhas', editado em 1993.

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Uma das obras de Garcês durante os anos 90 foi a adaptação de 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas

Em 1997, Garcês volta a adentrar a consciência colectiva da então nova geração, através da 'História do Jardim Zoológico de Lisboa', álbum editado e distribuído em conjunto com o jornal 'Diário de Notícias', parceria que permitiu ao ilustrador atingir uma audiência tão ou mais vasta do que aquela de que gozava durante o seu período áureo de colaboração com as principais revistas de BD portuguesa; paradoxalmente, no entanto, o seu projecto seguinte representaria um 'passo atrás', do nível nacional para outro mais regional, para ilustrar a história de algumas das mais históricas povoações portuguesas, numa série de álbuns editados na viragem do milénio, entre 1999 e 2001. Esta acabaria por ser a sua última grande obra de banda desenhada - as duas décadas seguintes, até à sua morte, em 2020, foram sobretudo dedicadas à ilustração, para elementos tão díspares quanto postais e manuais escolares - mas a sua marca nesta forma de arte já havia sido indelevelmente cunhada.

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Um dos volumes dedicados à história de diversas povoações portuguesas, editadas no início do novo milénio

Muito longe de ser 'apenas' um criador de banda desenhada, José Garcês foi um verdadeiro 'homem renascentista', apresentado um talento multi-facetado que abrangia não só a ilustração e desenho como também o argumentismo e até a criação de construções e modelos em papel; um percurso que mais do que justifica a sua presença na mesma rubrica que já honrou alguns dos seus colegas de curso na Escola António Arroio em meados dos anos 40 - alguns, aliás, bem menos versáteis do que ele.

18.02.22

NOTA: Este post corresponde a Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2022.

Os anos 90 viram surgir nas bancas muitas e boas revistas, não só dirigidas ao público jovem como também generalistas, mas de interesse para o mesmo. Nesta rubrica, recordamos alguns dos títulos mais marcantes dentro desse espectro.

NOTA: Este post não pretende promover qualquer ideologia religiosa, destinando-se, tão-somente, a recordar uma publicação que, coincidentalmente, tem ligações a determinada fé. 

Embora as escolas públicas sejam (ou devam ser) um espaço onde as crianças são livres de desenvolver as suas próprias ideologias sociais e religiosas, tal não impediu que, nos anos 90, houvesse uma tentativa de fazer com que as crianças portuguesas compreendessem, especificamente, a religião católica, nomeadamente através das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, que muitas escolas primárias incluíam no seu horário lectivo semanal; verdade seja dita, no entanto, aquelas horas semanais tendiam, muitas vezes, a focar assuntos que se podiam considerar do foro laico – como era o caso da cidadania, do respeito ao próximo ou da problemática da liberdade 'versus' libertinagem, por exemplo – e que era importante incutir nas crianças logo a partir de tenra idade, seguissem elas ou não a religião cristã e católica.

Era precisamente este princípio – ensinar princípios, não só cristãos como de sociabilidade geral, de forma descomprometida e divertida – que informava, na mesma época, uma publicação oriunda do Brasil, e disponível em Portugal exclusivamente através de assinatura, normalmente contraída, precisamente, em ambiente escolar: a famosa revista Nosso Amiguinho.

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Edição de  Novembro de 1986 da revista, distribuído numa escola primária de Lisboa cerca de meia década depois, como 'amostra grátis' durante uma campanha de angariação de assinaturas

Concebida em 1952 pelo editor Miguel J. Malty, a revista vem, desde então, sendo ininterruptamente publicada pela Casa Publicadora Brasileira, uma editora ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma das fés mais populares naquele país. No total, são já setenta anos em que (à parte as habituais adaptações ao correr dos tempos, como a passagem de uma para várias cores) a revista manteve, grosso modo, o mesmo formato – uma mistura de banda desenhada, passatempos, receitas, curiosidades e, claro, transmissão de valores morais, éticos e comportamentais associados à religião em causa,. No papel de anfitriões (e, muitas vezes, receptores) neste processo de aprendizagem encontrava-se a Turma do Noguinho, um conjunto de personagens infantis criados em 1972 pelo então editor Ivn Schimidt e pelo desenhador uruguaio Heber Pintos que pretendia ser a resposta religiosa a outras 'turmas' super-populares da banda desenhada secular brasileira da época, como a da Mônica, dos Trapalhões ou do Menino Maluquinho. E apesar de os conteúdos da Nosso Amiguinho não terem (obviamente) o elemento humorístico e politicamente incorrecto que fazia com que esses trabalhos fossem tão apreciados pelo público-alvo, a verdade é que os mesmos conseguiram suficiente popularidade junto do mesmo para manter a revista no mercado durante as referidas sete décadas.

Na verdade, mesmo para quem não é Adventista de Sétimo Dia, a revista lê-se (ou, pelo menos, lia-se, nos anos 90) extremamente bem, embora os seus conteúdos não escapem – nem queiram escapar – àquele tom levemente moralista demais, que pode (e poderá) ter levado alguns a torcer o nariz à revista, tanto à época como nos dias de hoje. O preço da assinatura (que chegava a ser mais cara do que a de algumas revistas equivalentes do mercado secular) terá sido o outro principal entrave à expansão da revista no mercado português, onde penetrou em 1986, e onde permanece firme (ainda que apenas num pequeno nicho, conforme descrito acima) até aos dias de hoje.

De facto, a Nosso Amiguinho continua, hoje, a seguir 'de vento em popa', tendo actualmente o atractivo adicional de poder ser assinada directamente online, sem recurso ao mediador escolar, e continuando a oferecer a pais afectos à religião em causa (e a outros a quem a declarada afiliação religiosa não incomode) um meio de transmitir aos seus filhos em idade escolar básica mensagens e conceitos importantes, de uma forma divertida – isto, claro, se tiverem dinheiro para a assinatura...

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