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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

08.02.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de ser prática corrente em outros países, o uso de personagens licenciadas para efeitos institucionais é, ainda, um recurso pouco explorado em Portugal; enquanto que no Brasil a Turma da Mônica é utilizada para os mais diversos fins educacionais, e nos EUA as Tartarugas Ninja e Bart, o mais velho dos três filhos dos Simpsons, chegaram a dar a cara pelo movimento anti-droga, em território nacional, qualquer iniciativa deste tipo tende a ser levada a cabo com personagens especificamente criados para o efeito, como o Luzinha da EDP. No entanto, durante os anos 90 (concretamente entre 1998 e 1999) houve pelo menos uma tentativa de aproveitar personagens populares entre o público mais jovem para tentar passar uma mensagem informativa e de sensibilização, sob a forma de duas bandas desenhadas criadas pelo Instituto Português da Qualidade, em parceria com a revista Super Jovem.

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O segundo dos dois volumes da mini-série (crédito da imagem: Tralhas Várias)

Intitulados 'Os Amigos da Qualidade', estes dois volumes viam o Rato Mickey e o seu inseparável amigo Pateta – 'estrelas' maiores da 'constelação' das BDs Disney da época – embarcarem em duas aventuras em Vila Avaria, uma povoação vizinha de Patópolis caracterizada, como o próprio nome indica, por padrões de qualidade cómica e caricaturalmente inexistentes; cabe, assim, ao rato mais famoso do Mundo sensibilizar a população quanto a verificações de qualidade, enquanto tenta travar as tentativas de aproveitamento deste 'desleixo' por parte do eterno rival e fora-da-lei João Bafo-de-Onça. Uma premissa interessante, e que poderia ter rendido boas aventuras, não fora a execução algo 'desleixada' do projecto.

De facto, muito mais do que os horríveis desenhos da fase moderna/italiana (que certamente terão os seus fãs, embora não seja o caso por aqui) os dois volumes desta mini-série (se assim se puder chamar a algo deste tipo) pecam pelos diálogos algo óbvios e até condescendentes, e pelo reaproveitamento algo óbvio de elementos, sendo que basta ver como o chefe da polícia de Vila Avaria é, em tudo, gémeo do de Patópolis para se perceber que esta história talvez não seja totalmente criada 'à medida'. Embora muitos criadores de conteúdos para jovens não levem este factor em conta, este tipo de mensagem tende a ser melhor aceite pelo público-alvo quando transmitida com subtileza e cuidado aparente na criação, algo em que estas bandas desenhadas deixam um pouco a desejar.

Ainda assim, esta não deixava de ser uma iniciativa louvável de transmitir uma mensagem importante, embora o seu impacto real seja difícil de medir à distância de vinte e cinco anos; nostalgicamente, estes volumes encontram-se algo Esquecidos pela Net – embora seja possível 'sacar' um deles neste link – mas talvez algum dos nossos leitores que ocupe, hoje em dia, um cargo de inspector de qualidade ou semelhante nos possa dizer até que ponto estas duas Bds o influenciaram na sua escolha. Até lá, fica aqui o 'post' a recordar esta iniciativa inusitada e até única em Portugal, que apesar de algumas falhas óbvias, não deixou de ser meritória...

30.11.22

NOTA: Por motivos de relevância temporal, o post de hoje voltará a ser sobre banda desenhada. As Quartas de Quase Tudo voltam para a semana.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

No mesmo dia em que publicávamos a nossa mais recente edição das Quartas aos Quadradinhos, falecia o último nome restante da chamada 'Era de Ouro' da BD em Portugal; e apesar de o auge da sua carreira se ter dado em outras décadas que não aquelas a que este blog respeita, não podíamos ainda assim deixar passar em claro a perda do ilustrador por excelência de bandas desenhadas históricas em Portugal, José Ruy.

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Nascido em 1930, e aluno, como tantos da sua geração, da Escola António Arroio (ainda hoje um dos estabelecimentos vocacionais de referência na área das Belas-Artes) José Ruy seguiu um percurso sensivelmente semelhante aos seus contemporâneos, evoluindo dos primeiros esboços, ainda adolescente, para colaborações com quase todas as publicações de referência na área publicadas em Portugal, d''O Mosquito' a 'Tintin' e 'Spirou'. Ao contrário da maioria dos aspirantes a 'cartoonistas', no entanto, Ruy não enveredou pelos ramos da BD de aventuras ou cómica, preferindo afirmar-se como um dos principais criadores nacionais de banda desenhada de teor educativo e didáctico, com particular ênfase para trabalhos sobre factos históricos, 'biografias' de localidades e adaptações de grandes obras portuguesas (o seu mais famoso e reconhecido trabalho é, aliás, a adaptação em BD da obra maior da literatura portuguesa, 'Os Lusíadas') das quais cerca de uma dúzia veria a luz durante os anos 90, com destaque para a adaptação do conto 'Como Surgiu o Medo', de Rudyard Kipling, de 1990, que chegou a sair no suplemento BDN do 'Diário de Notícias', e para a homenagem à sua Amadora natal, lançada pelas Edições Asa dois anos depois.

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Uma das mais relevantes obras do autor durante a década de 90.

A produção prolífera era, aliás, um dos principais aspectos da carreira de Ruy, a quem nem a idade abrandou – tanto assim que os seus últimos trabalhos datam da década transacta, quando o argumentista e ilustrador contava já mais de oitenta anos – os mesmos que viria a dedicar, no total, à criação e publicação de banda desenhada. Assim, e apesar de constituir uma perda de vulto para o cenário bedéfilo nacional, aquele que quase pode ser visto como o equivalente português a Stan Lee pode descansar em paz, sabendo que deixou às gerações futuras um vasto, respeitado e importante legado, através do qual inscreveu, indelevelmente, o seu nome na História de Portugal que tanto apreciava. Que descanse em paz.

 

26.10.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Apesar de nunca ter lançado um artista de projecção verdadeiramente internacional, à semelhança do que fazem Estados Unidos, França, Bélgica, Brasil ou Japão, Portugal possui uma rica e já longeva ligação à BD, a qual remete às caricaturas e 'cartoons' de artistas como Bordalo Pinheiro, ainda no século XX. E a verdade é que, apesar da falta do referido nome reconhecido internacionalmente, a 'cena' portuguesa não deixou (e deixa) de ter os seus nomes de relevo, que vão de veteranos como os falecidos José Garcês ou Fernando Relvas a nomes mais contemporâneos como Luís Louro, José Carlos Fernandes, Luís Pinto-Coelho, António Jorge Gonçalves ou o nome de que falamos esta semana, Miguel Rocha.

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Nascido em Lisboa em 1968, crescido em Alhandra e formado na Escola António Arroio – principal escola técnica de artes plásticas da Grande Lisboa, e uma das principais do País – Miguel João Pinheiro Soares Rocha insere-se na nova geração de autores de BD lusitanos, tendo desenvolvido a grande maioria da sua obra do lado 'de cá' do Terceiro Milénio; não obstante, a sua carreira remonta a finais da década de 90, tendo a sua estreia oficial como artista de banda desenhada sido feita através de uma folha mensal integrada na revista Pais & Filhos – um dos muitos veículos pouco ortodoxos que os artistas da 'nova escola' portuguesa utilizaram como 'rampa de lançamento' para os seus trabalhos. Antes, Rocha havia feito o habitual 'périplo' pela área da publicidade e artes gráficas, e colaborado, na qualidade de paginador, com a revista Selecções BD, o compêndio mensal de clássicos do género editado pela Meribérica-Liber.

O talento, esse, era já óbvio, mesmo nessa fase mais embrionária, e não tardaria até Rocha ver o mesmo ser reconhecido com galardões, nomeadamente o Prémio Especial Revelação no prestigiado Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, no caso com o seu segundo álbum, 'As Pombinhas do Sr. Leitão', sucessor de 'O Enigma Diabólico', lançado no ano anterior. Pelo meio ficavam colaborações com o prestigiado jornal 'Público', e a oportunidade de ilustrar, com uma pequena história, o catálogo de uma exposição dedicada ao 25 de Abril – a primeira de muitas obras institucionais que o autor viria a criar. Ainda em 1999, saem outros dois trabalhos, o álbum 'O Polvo' e a história 'Borda D'Água', inserida na revista LX Comics, e que voltaria a ser publicada no ano seguinte – agora em versão a cores - na revista 'Pública', um dos suplementos do jornal acima referido.

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A segunda obra do autor valeu-lhe o primeiro do que viriam a ser sete galardões no prestigiado Festival Internacional de BD da Amadora.

O ano 2000 vê, aliás, a carreira de Miguel Rocha seguir de vento em popa, com o lisboeta a arrecadar mais dois prémios no Festival de BD da Amadora, incluindo o de Melhor Álbum Português para 'Eduarda', adaptação da obra literária do mesmo nome da autoria de Georges Bataille, e desenvolvida em parceria com o argumentista Francisco Oliveira; o outro prémio, o de Melhor Desenhador, vai para 'Março', o outro álbum grande formato lançado nesse ano. Além destas duas obras, Rocha volta ainda a colaborar com o 'Público', agora com uma ilustração para a série dos 'Sete Pecados', e cria um álbum de pequeno formato, 'Transcomix – Lisboa ao Quadrado', para distribuição gratuita no âmbito do Dia Europeu Sem Carros. No ano seguinte, o desenhador é alvo de uma retrospectiva no âmbito do FIBDA, prova cabal do estatuto que lograra obter em apenas quatro curtos anos de carreira.

Os anos seguintes desenvolvem-se na mesma toada, entre álbuns de originais e participações institucionais, destacando-se, destas últimas, a adaptação de um conto de Miguel Torga para inserção num álbum alusivo ao Dia Mundial do Livro 2002, e a criação do cartaz oficial do Euro 2004, talvez o projecto de maior visibilidade de toda a sua carreira. O auge do seu reconhecimento na comunidade bedéfila chega, no entanto, apenas dois anos depois, quando o seu trabalho sobre Salazar, em parceria com João Paulo Cotrim, arrecada nada menos do que quatro prémios no Festival da Amadora, ganhando Melhor Álbum, Melhor Argumento e Melhor Desenho, além do Prémio Juventude. E apesar de o artista não lançar qualquer trabalho de originais há mais de uma década a esta parte (os últimos dois são de 2010) o contributo que deu à BD portuguesa ao longo dos doze anos anteriores foi mais que suficiente para lhe outorgar o estatuto de nome 'grande' da nova geração de artistas nacionais de banda desenhada, restando, apenas esperar para ver o que o futuro reserva para a sua carreira.

31.08.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Ao longo do tempo de vida desta rubrica, temos vindo a traçar breves biografias das carreiras dos principais artistas e criadores de BD portugueses, de Carlos Roque e José Garcês a Fernando Relvas, António Jorge Gonçalves ou Luís Louro; agora, chega a vez de acrescentar mais um nome a essa curta mas honrosa lista – o de José Carlos Fernandes, por vezes conhecido apenas como JCF, e que se destaca por ser um dos mais prolíficos autores do panorama da banda desenhada em Portugal.

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O autor na actualidade

Tal como Luís Louro, Fernandes faz parte da 'nova geração' de quadrinistas, cuja carreira se inicia já depois do fim dos principais veículos nacionais do meio – as revistas 'Tintin' e 'Mundo de Aventuras', onde a maioria da geração anterior se estreou nas lides da BD; assim, coube a estes jovens encontrar outros meios para se expressar e se dar a conhecer, tendo José Carlos Fernandes tomado o caminho das 'fanzines'. Os primeiros anos da carreira do artista foram, pois, passados a criar histórias para uma audiência muito reduzida, e à espera do grande 'momento' – o qual viria a surgir em 1989, quando uma paródia de duas páginas do herói franco-belga Alix é publicada na fanzine Shock, distribuída na região de Lisboa.

Ficava, assim, dado o mote para uma carreira inacreditavelmente prolífica, qualquer resumo da qual ocuparia muitas linhas e levaria muito tempo, para além de resultar num texto extremamente aborrecido; isto porque o autor viu publicados, nas duas décadas seguintes, uma média de dois a três títulos por ano, tendo um presumível surto de inspiração no ano de 1997 resultado no lançamento de NOVE (!!) obras de JCF num período de doze meses. Destaque, ainda assim, para as duas primeiras obras 'a sério' do artista, 'Controlo Remoto', de 1993, e 'A Lâmina Fria da Lua', a sua verdadeira obra-revelação, publicada em 1994 (ambas pela Associação Neuromanso, em parceria com a Comicarte e a ASIBDP, respectivamente), bem como para o galardoado 'A Pior Banda do Mundo', produzido quase uma década depois.

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Uma de quase uma dezena de obras de JCF editadas em 1997

O ritmo tresloucado de produção não afectava, no entanto, a diversidade ou criatividade da obra de Fernandes, a qual se estendia da ficção pura e dura à BD institucional em parceria com entidades estatais, e rendia ao autor distinções de fontes tão diversas quanto a Câmara Municipal de Lisboa (que lhe atribuiu por três vezes o Prémio Rafael Bordalo Pinheiro) e a organização do reputado, e entretanto malogrado, Festival de BD da Amadora, que considerou 'A Pior Banda...' a melhor obra nacional do evento em dois anos consecutivos. A fama de Fernandes estendia-se, aliás, a Espanha, onde chegou a ganhar o primeiro prémio do Festival de BD de Ourense, em 1995 – ano em que ganharia, também, essa distinção no Festival de BD de Matosinhos.

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O mais premiado álbum da carreira do artista, publicado em 2002

Em suma, e apesar de não dar 'novidades' desde 2011, José Carlos Fernandes é, já, figura maior da banda desenhada humorística em Portugal, possuindo um estilo muito próprio e inconfundível, inspirado pela ficção científica e pelo 'rock' alternativo, que sem dúvida contribui para que granjeie pontos junto das gerações mais jovens – tanto nos dias que correm como, decerto, quando vivia o seu 'estado de graça' em meados dos anos 90.

 

18.08.22

NOTA: Este post é respeitante a Quarta-feira, 17 de Agosto de 2022.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Há algumas semanas, debruçámo-nos sobre a colecção 'História de Portugal em Banda Desenhada', uma colaboração entre o escritor A. do Carmo Reis e o artista José Garcês que obteve considerável sucesso na fase final dos anos 80 e durante toda a década seguinte; hoje, dedicaremos algumas linhas a explorar a restante obra noventista do ilustrador dos referidos volumes, o qual ombreia com nomes como José Ruy e Carlos Roque (ambos, aliás, seus colegas na Escola António Arroio, em Lisboa) no panteão dos criadores de BD nacionais.

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José Garcês, em foto recente

Nascido em Julho de 1928, José Garcês começou por trabalhar no Serviço Metereológico Nacional (actual Instituto de Metereologia) onde chegou a chefe do departamento de desenho; no entanto, a verdadeira paixão era pela ilustração e banda desenhada, vocação que começou por explorar na 'fanzine' de publicação própria 'O Melro' (publicada ainda nos tempos da António Arroio, entre 1944 e 1945), antes de se explanar a outras revistas portuguesas. No auge da sua carreira, o ilustrador chegou a ser presidente e embaixador do Clube Português de Banda Desenhada e convidado de honra do Festival de Lucca de 1990, além de fornecer ilustrações e histórias de Garcês tanto para instituições estatais, como os CTT, o Museu Bocage ou a Liga para a Protecção da Natureza, como para publicações tão lendárias do panorama da BD portuguesa como 'O Século', 'O Mosquito', 'Cavaleiro Andante', 'Zorro', 'Fungagá da Bicharada', 'Mundo de Aventuras' e 'Tintim', além de periódicos algo mais inusitados, como a revista 'Modas & Bordados'; a sua influência dentro da cena foi, aliás, suficientemente longeva e transversal para algumas das suas histórias ainda figurarem na segunda série da revista 'Selecções BD', da Meribérica-Liber, publicada já no virar do novo milénio!

Pelo meio, além da supramencionada 'História de Portugal', ficam outros títulos de inspiração histórica, como a adaptação da obra literária 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas (criada em parceria com o argumentista Jorge Magalhães, em 1990), a biografia de D. João V em banda desenhada e os dois volumes de 'Cristóvão Colombo - Agente Secreto de D. João II' (aqui com argumentos do historiador Mascarenhas Barreto, numa iniciativa semelhante à levada a cabo com do Carmo Reis, na década anterior) ou ainda o álbum de ficção 'Através do Deserto/O Santuário de Dudwa', todos lançados pelas Edições Asa, entre 1992 e 1994; de ressalvar ainda, durante este período, a participação do autor no álbum colectivo 'Contos das Ilhas', editado em 1993.

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Uma das obras de Garcês durante os anos 90 foi a adaptação de 'O Tambor/A Embaixada', de Júlio Dantas

Em 1997, Garcês volta a adentrar a consciência colectiva da então nova geração, através da 'História do Jardim Zoológico de Lisboa', álbum editado e distribuído em conjunto com o jornal 'Diário de Notícias', parceria que permitiu ao ilustrador atingir uma audiência tão ou mais vasta do que aquela de que gozava durante o seu período áureo de colaboração com as principais revistas de BD portuguesa; paradoxalmente, no entanto, o seu projecto seguinte representaria um 'passo atrás', do nível nacional para outro mais regional, para ilustrar a história de algumas das mais históricas povoações portuguesas, numa série de álbuns editados na viragem do milénio, entre 1999 e 2001. Esta acabaria por ser a sua última grande obra de banda desenhada - as duas décadas seguintes, até à sua morte, em 2020, foram sobretudo dedicadas à ilustração, para elementos tão díspares quanto postais e manuais escolares - mas a sua marca nesta forma de arte já havia sido indelevelmente cunhada.

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Um dos volumes dedicados à história de diversas povoações portuguesas, editadas no início do novo milénio

Muito longe de ser 'apenas' um criador de banda desenhada, José Garcês foi um verdadeiro 'homem renascentista', apresentado um talento multi-facetado que abrangia não só a ilustração e desenho como também o argumentismo e até a criação de construções e modelos em papel; um percurso que mais do que justifica a sua presença na mesma rubrica que já honrou alguns dos seus colegas de curso na Escola António Arroio em meados dos anos 40 - alguns, aliás, bem menos versáteis do que ele.

18.02.22

NOTA: Este post corresponde a Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2022.

Os anos 90 viram surgir nas bancas muitas e boas revistas, não só dirigidas ao público jovem como também generalistas, mas de interesse para o mesmo. Nesta rubrica, recordamos alguns dos títulos mais marcantes dentro desse espectro.

NOTA: Este post não pretende promover qualquer ideologia religiosa, destinando-se, tão-somente, a recordar uma publicação que, coincidentalmente, tem ligações a determinada fé. 

Embora as escolas públicas sejam (ou devam ser) um espaço onde as crianças são livres de desenvolver as suas próprias ideologias sociais e religiosas, tal não impediu que, nos anos 90, houvesse uma tentativa de fazer com que as crianças portuguesas compreendessem, especificamente, a religião católica, nomeadamente através das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, que muitas escolas primárias incluíam no seu horário lectivo semanal; verdade seja dita, no entanto, aquelas horas semanais tendiam, muitas vezes, a focar assuntos que se podiam considerar do foro laico – como era o caso da cidadania, do respeito ao próximo ou da problemática da liberdade 'versus' libertinagem, por exemplo – e que era importante incutir nas crianças logo a partir de tenra idade, seguissem elas ou não a religião cristã e católica.

Era precisamente este princípio – ensinar princípios, não só cristãos como de sociabilidade geral, de forma descomprometida e divertida – que informava, na mesma época, uma publicação oriunda do Brasil, e disponível em Portugal exclusivamente através de assinatura, normalmente contraída, precisamente, em ambiente escolar: a famosa revista Nosso Amiguinho.

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Edição de  Novembro de 1986 da revista, distribuído numa escola primária de Lisboa cerca de meia década depois, como 'amostra grátis' durante uma campanha de angariação de assinaturas

Concebida em 1952 pelo editor Miguel J. Malty, a revista vem, desde então, sendo ininterruptamente publicada pela Casa Publicadora Brasileira, uma editora ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma das fés mais populares naquele país. No total, são já setenta anos em que (à parte as habituais adaptações ao correr dos tempos, como a passagem de uma para várias cores) a revista manteve, grosso modo, o mesmo formato – uma mistura de banda desenhada, passatempos, receitas, curiosidades e, claro, transmissão de valores morais, éticos e comportamentais associados à religião em causa,. No papel de anfitriões (e, muitas vezes, receptores) neste processo de aprendizagem encontrava-se a Turma do Noguinho, um conjunto de personagens infantis criados em 1972 pelo então editor Ivn Schimidt e pelo desenhador uruguaio Heber Pintos que pretendia ser a resposta religiosa a outras 'turmas' super-populares da banda desenhada secular brasileira da época, como a da Mônica, dos Trapalhões ou do Menino Maluquinho. E apesar de os conteúdos da Nosso Amiguinho não terem (obviamente) o elemento humorístico e politicamente incorrecto que fazia com que esses trabalhos fossem tão apreciados pelo público-alvo, a verdade é que os mesmos conseguiram suficiente popularidade junto do mesmo para manter a revista no mercado durante as referidas sete décadas.

Na verdade, mesmo para quem não é Adventista de Sétimo Dia, a revista lê-se (ou, pelo menos, lia-se, nos anos 90) extremamente bem, embora os seus conteúdos não escapem – nem queiram escapar – àquele tom levemente moralista demais, que pode (e poderá) ter levado alguns a torcer o nariz à revista, tanto à época como nos dias de hoje. O preço da assinatura (que chegava a ser mais cara do que a de algumas revistas equivalentes do mercado secular) terá sido o outro principal entrave à expansão da revista no mercado português, onde penetrou em 1986, e onde permanece firme (ainda que apenas num pequeno nicho, conforme descrito acima) até aos dias de hoje.

De facto, a Nosso Amiguinho continua, hoje, a seguir 'de vento em popa', tendo actualmente o atractivo adicional de poder ser assinada directamente online, sem recurso ao mediador escolar, e continuando a oferecer a pais afectos à religião em causa (e a outros a quem a declarada afiliação religiosa não incomode) um meio de transmitir aos seus filhos em idade escolar básica mensagens e conceitos importantes, de uma forma divertida – isto, claro, se tiverem dinheiro para a assinatura...

19.01.22

NOTA: As imagens deste post foram retiradas do 'site' pessoal de António Jorge Gonçalves, em http://www.antoniojorgegoncalves.com/livros-books.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Hoje em dia, há pouco quem duvide de que um meio como a banda desenhada também pode representar arte e cultura; de facto, são cada vez mais numerosos os volumes de banda desenhada dirigidos a um público jovem-adulto, à semelhança do sucedido nos anos 60 e 70 no seio do movimento franco-belga, e mais tarde no Japão, com as tradicionais 'mangas'.

Nos anos 90, no entanto, vivia-se o auge da era oposta – a era em que a banda desenhada (a par de meios audio-visuais análogos, como os jogos de vídeo) eram considerados estritamente para crianças, e tidos como a forma de leitura menos inteligente disponível no mercado – isto apesar de mesmo as BD's declaradamente para crianças terem laivos de sarcasmo e humor mais sofisticado por entre todo o 'nonsense' e animação. A tal não ajudava o facto de algumas destas publicações nada mais serem do que uma tentativa declarada de amealhar mais uns 'cobres' às 'costas' de um produto mediático da moda, com um ciclo de vida propositalmente curto e, portanto, sem grandes preocupações com a qualidade do material.

Terá, talvez, sido com o intuito de alterar esta situação, e a percepção que tanto graúdos como miudos tinham da banda desenhada, que, em 1993, o pelouro da Cultura da Câmara Municipal idealizou e distribuiu gratuitamente nas escolas do Primeiro Ciclo do concelho, uma publicação que, embora não se tratando de uma BD no sentido lato da palavra, se pode ainda assim inserir nesta categoria.

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Falamos de 'Lisboa Às Cores', um projecto que juntava desenhos do aclamado ilustrador António Jorge Gonçalves (então no auge de carreira, vindo a ser vencedor do prémio de Melhor Álbum Português no Festival de BD da Amadora desse mesmo ano, com a obra 'ANA') com textos de Nuno Júdice, num conceito que ficava ali a meio caminho entre a banda desenhada de cariz mais abstracto e artístico e os livros ilustrados tipicamente lidos pelas crianças daquela faixa etária, dando sempre maior primazia aos desenhos do que ao texto. No fundo, o livro servia quase como uma daquelas colecções de arte que normalmente se põem na mesa da sala de estar, sendo o tema, neste caso, a cidade de Lisboa, e as emoções e sentimentos que a mesma inspira – um conceito, talvez, um pouco 'adulto' demais para o público a que se destinava, mas cuja execução, de uma perspectiva adulta, não pode ser considerada menos do que excelente.

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Exemplo da arte do livro

De facto, basta olhar de relance para os desenhos de Gonçalves para perceber a razão de o mesmo ser um praticante aclamado da arte da ilustração, enquanto a prosa vagamente poética de Júdice encaixa bem no que o seu 'parceiro de crime' vai criando, resultando numa leitura agradável para entusiastas de BD de todas as idades. O facto de um livro com este grau de detalhe e cuidado ter sido distribuído gratuitamente é motivo para elogios ao pelouro da Cultura da CML em 1993, pois haveria muito boa gente (embora não necessariamente entre os 5 e os 10 anos de idade...) que pagaria de bom grado para poder ler este livro.

Hoje em dia, como tantos outros tópicos de que aqui falamos, 'Lisboa Às Cores' encontra-se um pouco Esquecido Pela Net – excepção feita, claro está, ao seu próprio criador. No entanto, para uma criança em 1993 (especialmente uma que já gostasse de livros, e de ler) este álbum terá constituído uma oferta plena de acerto – ainda que talvez tenha demorado alguns anos até as mesmas se aperceberem disso...

 

01.12.21

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

A comunicação institucional e educacional dirigida aos jovens sempre foi (e continua a ser) uma das maiores pechas da estratégia de marketing da maioria das empresas e organizações. Muito mais inteligentes e argutos do que normalmente se pensa serem – bem como brutalmente honestos – os jovens não têm qualquer pejo em 'votar com os pés' quando algo que lhes é ditigido fica abaixo das expectativas – uma atitude que ainda se agrava mais quando o conteúdo em causa adopta um tom condescendente ou forçado.

Este facto – já sobejamente comprovado – não desencoraja, no entanto, as empresas de continuarem a tentar a conexão com o público jovem, através dos mais variados meios; e, nos anos 90, Portugal assistiu precisamente a uma destas tentativas, por parte da companhia nacional de energia e electricidade, a EDP.

Com o intuito de sensibilizar as demografias mais jovens para a problemática da poupança de energia, a companhia apresentava, em meados da década, uma campanha baseada em dois veículos, ambos protagonizados pela tentativa de mascote da EDP, o (ou A) Luzinha; do anúncio de televisão animado, falaremos aqui dentro em breve, sendo que hoje examinaremos (na medida do possível) o volume de banda desenhada editado pela distribuidora energética como parte desta campanha.

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A capa do Volume

E dizemos 'na medida do possível' porque 'Operação Contra-Luz' se insere firmemente na categoria dos 'Esquecidos Pela Net'; à parte a listagem em directorias de BD editada em Portugal, não existe informação absolutamente NENHUMA sobre esta publicação, nem sequer nos habituais e sempre confiáveis blogs sobre nostalgia (olá, malta!) Este é um daqueles posts em que o Anos 90 vai desbravar caminho rumo ao topo dos resultados do Google...sobre um tema que decerto interessará a muito pouca gente.

Passemos, pois, à nossa missão documental, e falemos de 'Luzinha em Operação Contra-Luz'. Editado pela empresa de comunicação Espectro, autora da campanha e criadora do personagem, parece tratar-se da habitual história em que um vilão tenta roubar ou gastar energia, cabendo ao nosso andrógino herói (ou será heroína?) tentar travá-lo. E dizemos 'parece' porque – mais uma vez – só existe UM painel da história digitalizado, e é perfeitamente inconclusivo.

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O único painel da história existente em formato digital

Pela pequena amostra que existe, no entanto – um painel e a capa – consegue perceber-se que esta é, pelo menos, uma BD cuidada do ponto de vista técnico e gráfico – como, aliás, também o é o anúncio televisivo. Embora a escolha de fonte para as letras não seja a melhor, os desenhos são bons e têm um estilo próprio e personalizado, na linha do que vinham produzindo outras agências e estúdios portugueses, como a Animanostra; se a história estava ao mesmo nível, nunca saberemos, embora a natureza institucional e educacional do volume faça prever que não seja esse o caso...

Ainda assim, é sempre curioso relembrar este tipo de obra muito situacional e que, precisamente por isso, poucas ou nenhumas repercussões culturais acarreta; é crível que, hoje em dia, sejamos dos poucos que sequer se lembram do/a Luzinha (de quem, aliás, tínhamos um boneco em vinil), quanto mais da banda desenhada que protagonizou. Se aí por fora houver mesmo quem tenha lido isto, no entanto, fica a nota: adorávamos saber mais sobre este volume, que concerteza lemos na altura, mas que esquecemos totalmente no quarto de século subsequente – como, aliás, tende a ser o caso com tomos como este...

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