10.04.24
A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.
Os anos 70, 80 e 90 viram chegar a Portugal um considerável influxo – quase uma 'inundação' – de títulos de banda desenhada oriundos do Brasil, de qualidade variável, mas quase sempre acima da média. Disponíveis em qualquer quiosque – e havia-os em número quase infindável de Norte a Sul do País – as revistas das editoras Abril e Globo deram a conhecer aos jovens portugueses muitos dos mais populares personagens e grupos entre os seus contemporâneos do outro lado do oceano, dos inúmeros heróis da Marvel, DC ou Disney (companhias que, mais tarde, viriam a ser editadas a nível nacional) a colectivos como a Turma da Mônica ou Os Trapalhões, e popularizaram entre esta demografia nomes como os de Mauricio de Sousa ou do criador a quem dedicamos este 'post', e que faleceu este fim-de-semana, com a provecta idade de 91 anos.
Falamos de Ziraldo Alves Pinto - mais conhecido apenas pelo seu primeiro nome – à época já um dos mais destacados criadores de banda desenhada do Brasil, tendo sido pioneiro na criação de obras de banda desenhada de 'autor único' por terras de Vera-Cruz, feito que logrou almejar logo em inícios dos anos 60 (mais de uma década antes do 'rival' Mauricio) com a criação da revista 'Turma do Pererê', centrada num grupo de criaturas da mata liderado pelo inconfundível saci, um dos principais personagens do folclore brasileiro. Por essa altura, o estilo inconfundivel do autor – quer a nível de desenhos, quer de diálogos – era já bem conhecido de diversos jornais brasileiros, pelo que o sucesso de que o título imediatamente gozou entre o seu público-alvo não foi, de todo, surpreendente; ainda mais do que os referidos trabalhos, no entanto, foi 'Turma do Pererê' (revista que teve duas fases distintas, uma antes e outra depois da ditadura militar ter sido instaurada no Brasil) a responsável por popularizar o nome do desenhista entre as crianças da época.
Não se ficaria por esses anos, no entanto, a fama de Ziraldo – antes pelo contrário, o personagem mais icónico e sinónimo com o desenhista ainda estava para ser criado, surgindo apenas no início da década de 80, já depois de outras duas tentativas menos bem sucedidas por parte do autor. Tratava-se d''O Menino Maluquinho', uma típica criança da época, de imaginação delirante e sempre pronta a criar brincadeiras, planos e esquemas mirabolantes, nos quais não tardava a envolver os restantes jovens do seu prédio: o melhor amigo Bocão, a namoradinha Julieta, a melhor amiga desta, Carolina, o intelectual e sensato Lúcio, o pequeno, tímido e ansioso Junim, e até, por vezes, o 'valentão' Herman e a namorada deste, a bonita e vaidosa Shirley Valéria. O resultado eram histórias e aventuras tão 'mirabolantes' quanto ancoradas na realidade, quase como uma 'Turma da Mônica' mais urbana e contemporânea, ou não vivesse Maluqinho num prédio de apartamentos.
A revista que popularizaria Ziraldo entre o público infanto-juvenil português.
Mais uma vez, o sucesso desta publicação foi imediato, com a revista de Maluqinho (editada como resultado da boa recepção que o seu álbum de tirinhas havia recebido aquando da sua edição em 1980) a competir com os 'mega-sucessos' de Mauricio ou dos estúdios Disney pelas semanadas do seu público-alvo, e a lograr permanecer nas bancas durante um período inicial de oito anos, de 1988 a 1996. Foi, também, durante esta fase que os leitores portugueses ficaram a conhecer Maluquinho, e que Ziraldo conseguiria maior penetração no mercado nacional – além do periódico de banda desenhada, o autor veria também chegar a solo luso os livros das séries ilustradas 'Corpim', dedicada às diferentes partes do corpo, e 'O Bichinho da Maçã', talvez o seu trabalho mais conhecido a seguir a 'Maluquinho'.
Infelizmente, tal como a maioria dos autores de BD brasileiros à excepção de Mauricio, também Ziraldo não resistiria ao 'colapso' do mercado de banda desenhada periódica português, posteriormente reduzido a meia-dúzia de títulos da Turma da Mônica, Disney, Marvel e DC, por oposição à 'bonança' desfrutada pela geração 'millennial'. Assim, enquanto no seu Brasil natal as suas franquias seguiam de 'vento em popa' (com Maluquinho a ficar nas bancas até inícios da presente década, e a ter inclusivamente direito a títulos de 'crossover' com Mônica e Cebolinha e adaptações cinematográficas) a sua popularidade em Portugal não resistiu à chegada à idade adulta da geração nascida nos anos 80 e 90. Para esses, no entanto, a notícia da morte do autor – pacífica, no seu apartamento – não deixará de gerar uma 'pontada' de dor, saudade e nostalgia por mais um elemento da sua infância que desaparece para sempre, sem retorno... Que descanse em paz.