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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

24.07.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Por vezes, no mundo da música, sucede um fenómeno curioso, mediante o qual um determinado país ou região cria laços afectivos com um artista ou grupo estrangeiro, a ponto de o mesmo ser acarinhado como se de um 'produto' nacional se tratasse. É, ainda hoje, o caso, por exemplo, com o Brasil e Argentina em relação aos Iron Maiden e KISS, do Japão em relação a Ozzy Osbourne, e – como veremos neste post – de Portugal com os alemães Guano Apes.

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De facto, durante o auge da sua popularidade, em finais dos anos 90, parecia não passar um ano sem que a banda de Sandra Nasic, Henning Rümenapp, Steffan Ude e Dennis Poschwatta fizesse mais uma paragem em algum palco português – normalmente num dos inúmeros festivais de Verão realizados à época, um pouco à semelhança do que se passaria também com os Metallica na década seguinte - ou até mesmo num programa de televisão, por mais incongruente que este fosse com o seu estilo musical. E, para ser sincero, o público lusitano também não parecia cansar-se de ouvir sucessos como 'Lords of the Boards', 'Rain', 'Open Your Eyes' ou a versão 'rockalhada' para 'Big In Japan', original dos Alphaville – tudo temas repetidos quase em 'loop' nas rádios 'alternativas' portuguesas, sobretudo na saudosa e influente Mega FM. E depois, de repente, tudo parou; o grupo deixou de gozar do sucesso que anteriormente conhecia, e o nome Guano Apes desapareceu do léxico musical dos jovens afeitos ao rock alternativo.

O concerto da banda na edição de 2000 do Festival do Sudoeste, e a inesperada aparição programa 'Herman 99', sucessor de 'Herman 98' na grelha da SIC são apenas duas das muitas presenças dos Apes no nosso País por alturas da viragem do Milénio.

As razões para tão abrupto 'esquecimento' são incertas, sendo que, mesmo tendo em conta o decréscimo de sucesso do primeiro para o segundo álbum, o grupo continuou a ser bastante popular tanto entre entusiastas do movimento 'nu-metal' (nas franjas do qual a banda vinha caminhando) como do rock alternativo mais melódico, mas ainda assim cheio de atitude, ao estilo de umas Hole ou Veruca Salt. Mas se 'Don't Give Me Names' (de 2000) ainda teve a 'cover' de Alphaville, 'Don't Give Me Names' (de 2003) não gozou da mesma sorte, apesar da presença de pelo menos um tema tão bom quanto os dos dois primeiros álbuns, o explosivo 'Dick'. A total indiferença a que o dito lançamento foi votado, aliado às habituais 'diferenças criativas', viria, aliás, a ditar o fim dos Guano Apes, que entravam em hiato em 2006 para prosseguir outros projectos, nenhum dos quais teve qualquer repercussão em Portugal.

Parecia ser o fim do 'caso' amoroso entre os 'roqueiros' alternativos alemães e o público lusitano; no entanto, como sucede em tantos outros casos, a história dos Guano Apes viria mesmo a ter, mais do que um epílogo, uma sequela, já que o grupo se voltaria a reunir apenas três anos depois, e lançaria ainda mais dois discos de estúdio, 'Bel-Air' (de 2001) e o derradeiro 'Offline' (de 2013), além de uma edição especial comemorativa dos vinte anos de 'Proud Like a God'. As visitas a Portugal, essas, mantêm-se até aos dias de hoje, tendo o grupo actuado no nosso País há apenas dois dias, aquando da escrita deste post, no caso na concentração 'motard' de Faro. E embora o seu público esteja – como os próprios músicos – mais envelhecido e enrugado do que há um quarto de século, é de crer que as gargantas continuem afinadas para 'berrar' em uníssono os grandes sucessos de antanho; afinal, uma verdadeira paixão nunca morre completamente, apenas esmorece...

29.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de a maioria dos artistas musicais se manter na activa tanto tempo quanto os seus corpos, mentes e motivação lhes permitem, a esmagadora maioria acaba, ao longo desse percurso, por cair na irrelevância, ignorada pela maior parte do que havia sido a sua base de fãs, e resignada a perseverar em prol de uma minoria fiel que vai mantendo a sua carreira 'à tona'. Tão-pouco é este um destino reservado apenas a artistas 'do momento' – até mesmo nomes a dada altura tão famosos como Whitney Houston, AC/DC ou Britney Spears se viram 'apanhados' nesta teia quase inescapável.

De longe em longe, no entanto, surge um nome que consegue transcender este paradigma, e conquistar (e manter) uma base de fãs desde os seus primeiros momentos até ao final da carreira. Um desses nomes foi Anna Mae Bullock, a cantora afro-helvético-americana mais conhecida pelo nome artístico de Tina Turner, e que se conseguiu estabelecer como um dos grandes nomes da música 'pop' e 'soul' durante quase três décadas, permanecendo relevante durante a maior parte desse período.

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A cantora com o seu mais icónico visual.

Nascida a 26 de Novembro de 1939, e falecida a 24 de Maio deste ano de 2023, aos 83 anos, Tina Turner despontou para o mundo da música ainda adolescente, quando – durante um intervalo na 'performace' da banda do futuro marido Ike Turner – demonstrou os seus dotes vocais por intermédio de uma balada de BB King. Contratada de imediato como vocalista principal da banda, a então adolescente faria a sua estreia em disco no ano seguinte, mas a verdadeira revelação surgiria em 1960, quando – após uma falha de comparência de um tal Art Lassiter, para quem Bullock compusera uma música – a própria se encarregaria da voz principal, no que seria, à partida, apenas uma faixa-guia para a posterior composição finalizada com Lassiter como vocalista. O resultado, no entanto, foi tão impressionante que ajudaria mesmo a lançar a carreira da jovem, entretanto rebaptizada com um nome mais sonante, pelo qual viria a ser conhecida em todo o Mundo durante as três décadas seguintes, primeiro ao lado de Ike na chamada 'Ike & Tina Turner Revue', e mais tarde por conta própria.

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O casal nos tempos como duo.

Os anos seguintes foram passados a estabelecer a reputação no circuito de clubes de 'rhythm and blues', até a sua música chegar aos ouvidos de Phil Spector, que prontamente pagou pelo direito de realizar sessões de gravação com Ike e Tina. Seria delas que viria a sair 'Mountain High – River Deep', uma das mais icónicas músicas daquele período, que ajudaria Ike e Tina a assegurar o posto de banda de abertura na turnê dos Rolling Stones, e a metade feminina do duo a aparecer na capa da revista homónima, tendo sido a primeira artista negra a conseguir tal feito.

Estava dado o mote para dez anos de sucesso como dueto, durante os quais conseguiriam uma sucessão de êxitos, e presença assídua nos programas de variedades norte-americanos. Este 'estado de graça', no entanto, viria a terminar em 1976, quando o entretanto tornado casal viu a sua relação fracturar-se devido ao abuso de substâncias por parte de Ike, que resultaria mesmo no divórcio entre os dois, e óbvia dissolução do duo que formavam. Destemida, Tina lançar-se-ia como artista a solo, mas os seus discos seguintes encontrariam pouco sucesso; ainda assim, o nome que estabelecera ao lado de Ike ajudá-la-ia a manter-se relevante, com nova digressão ao lado dos Stones, em 1981, e duetos com nomes como Rod Stewart, além de algumas controvérsias típicas de uma estrela em ascensão.

Seria apenas em 1983, quando já era considerada (imagine-se!) uma cantora 'retro-nostálgica', que Tina viria a atingir, finalmente, o mega-sucesso que lhe vinha escapando desde a separação com Ike, através do single 'Let´s Stay Together', cujo inesperado sucesso levou à gravação, em apenas duas semanas, do álbum 'Private Dancer', que viria a atingir a marca de quíntupla platina e as posições cimeiras dos 'tops' norte-americanos e britânicos, além de valer a Turner três prémios Grammy. É, também, deste álbum que sai 'What´s Love Got To Do With It', talvez a música-estandarte de Tina Turner na consciência popular, e única música da artista a atingir o número 1 da tabela da Billboard. Aos quarenta e quatro anos, a cantora conseguia, finalmente, viver a experiência normalmente gozada por artistas com metade da sua idade.

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O álbum que granjeou o mega-estrelato à cantora.

Os anos seguintes trariam 'mais do mesmo', com os três álbuns subsequentes de Tina a atingirem marcas muito semelhantes a 'Private Dancer', e com o estrelato da cantora a ser cimentado por um papel de apoio no terceiro filme da série 'Mad Max', o infame 'Para Além da Cúpula do Trovão', de 1985. À entrada para a última década do século XX, Tina parecia não conseguir 'pôr pé em ramo verde', batendo (em 1990) o recorde de audiências numa turnê previamente estabelecido pelos Rolling Stones, bem como o seu recorde pessoal de vendas, com a compilação 'Simply the Best', certificada óctupla platina (!!) no Reino Unido. No ano seguinte, Ike e Tina são adicionados ao lendário Rock and Roll Hall of Fame, mas Tina escusa-se a comparecer, alegando fadiga após a última digressão.

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A compilação de 1990 atingiria a marca de óctupla platina no Reino Unido, batendo novo recorde de vendas para a cantora.

Ainda assim, o icónico casal permanece 'nas bocas do Mundo' não só devido ao encarceramento de Ike, como também ao lançamento de um filme biográfico sobre a sua relação, e a carreira de Tina, em 1993. A ligação da cantora ao Mundo do cinema seria reatada dois anos depois, quando Tina grava o tema-título para o primeiro filme de Pierce Brosnan como James Bond, 'GoldenEye'. Seguem-se, até final da década, mais dois álbuns de originais, 'Wildest Dreams' (do ano seguinte) e 'Twenty-Four Seven', lançado em 1999, quando Tina contava já sessenta anos! Anunciado como álbum de despedida da cantora, o LP constituiu uma 'saída pela porta grande', atingindo a marca de Ouro e dando azo a mais uma digressão recordista, já no Novo Milénio.

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O último álbum da cantora, lançado quando a mesma contava já sessenta anos.

A despedida do estúdio não significou, no entanto, o fim da carreira de Tina, que – nas duas décadas subsequentes, até ao seu falecimento – se manteria activa com o lançamento de compilações, um single de beneficência para a UNICEF em parceria com a italiana Elisa e, claro, 'performances' ao vivo, uma delas ao lado de Beyoncé, na cerimónia dos Grammys de 2008. No ano seguinte, Turner fundaria, ao lado de outras personalidades musicais, a fundação Beyond, responsável por discos de música espiritual e de meditação entre 2009 e 2017. Em 2016, estreia o musical biográfico 'Tina', desta vez com o envolvimento da própria artista, e em 2018, Turner é galardoada com o Prémio de Carreira na cerimónia dos Grammys. Pelo meio, ficam três volumes de autobiografias e memórias, o último lançado em 2020, e a participação num documentário sobre a sua vida, produzido em 2021. Nesse mesmo ano, Tina é novamente adicionada ao Rock And Roll Hall of Fame, desta vez como artista a solo, e volta a não comparecer, aceitando o prémio via satélite a partir da sua casa na Suíça, onde viria a falecer cerca de dezoito meses mais tarde.

No momento em que o ciclo de Tina, inevitavelmente, se encerra, fica a ideia de uma carreira atípica, que conseguiu reunir o consenso de nada menos do que três gerações de amantes de música comercial, e sobreviver às constantes flutuações e 'modas' do mercado, tornando mais que merecida esta homenagem póstuma a uma das grandes divas 'pop' de finais do século XX. Que descanse em paz.

 

15.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

A cena 'punk' lisboeta era, nos anos 80 e 90, um dos mais famosos e prolíferos movimentos musicais portugueses, com actividade e impacto ao nível daquele que viria a ser o movimento hip-hop nortenho em inícios do novo milénio. Centrada em bairros como Alvalade, localidades da Linha de Cascais e espaços como o Johnny Guitar ou o Rock Rendez-Vous, a sobredita vaga de grupos 'punk' e 'new wave' (todos, sem excepção, com letras cantadas em português) viu nascer grupos tão emblemáticos como os Xutos e Pontapés, Peste & Sida, Mata-Ratos, Capitão Fantasma, ou uma banda que, apesar da literal meia dúzia de anos de carreira, viria a adquirir estatuto de culto entre os fãs de rock rápido e agressivo 'made in' Portugal: os Censurados.

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O grupo em 'pose Ramones'.

Formada no referido bairro de Alvalade em finais da década de 80, a banda resultou da junção de quatro músicos – Orlando Cohen na guitarra, Fred Valsassina no baixo, Samuel Palitos na bateria e o icónico e malogrado João Ribas na voz – que, no melhor espírito 'punk rock', se juntaram num estúdio improvisado (situado no quarto de Ribas) para escrever músicas 'curtas e grossas' com letras contestatárias, cujo principal alvo eram os políticos e figuras de autoridade da época; esses temas, posteriormente apresentados ao vivo nos 'buracos' do costume, acabaram por ganhar tracção entre a comunidade de 'troca de cassettes', a qual ajudou a popularizar o nome do grupo através da partilha das suas canções - mais de uma década antes do dealbar da Internet e do 'boom' da partilha de ficheiros – fazendo com que as mesmas fossem já sobejamente conhecidas ainda antes do lançamento do álbum de estreia do grupo. Uma história que quase parece ter sido escrita, de tal modo encarna o 'estereótipo' normalmente associado ao 'punk', mas que apenas vem provar algo que os Ramones já haviam demonstrado uma década e meia antes – nomeadamente que, para se tocar 'punk rock', só era precisa muita vontade e alguma capacidade de improviso.

Naturalmente, com uma base de fãs já estabelecida e uma reputação em rápida ascensão, o próximo passo do grupo passou pela gravação de um álbum de estreia homónimo, saído em 1990 e considerado um dos marcos históricos do movimento 'punk' português, tendo a sua qualidade, inclusivamente, atraído interesse do estrangeiro – nomeadamente, da maior 'fanzine' sobre 'punk' da época, a Maximum Rock'n'Roll, que teceu loas ao álbum nas suas páginas.

O lendário álbum de estreia do grupo, lançado logo no início da década de 90

Com a cotação de tal modo 'em alta', não é, pois, de admirar que o grupo tenha demorado apenas cerca de um ano a lançar novo registo, tendo 'Confusão', de 1991, sido bem-sucedido em manter o nome Censurados bem presente na memória colectiva da cena 'punk' nacional durante os dois anos seguintes, tempo que demora a sair o terceiro e último álbum de estúdio, 'Sopa”. Já de créditos bem firmados na cena nacional, e com ligações a espaços como o supramencionado Johnny Guitar (tendo, inclusivamente, participado na lendária colectânea lançada pelo mesmo em 1993), o grupo consegue neste registo final uma 'cunha' de respeito, na pessoa de Jorge Palma, que surge no tema 'Estou Agarrado a Ti.'

Dada a sua preponderância na cena rock nacional, não é, igualmente, de estranhar que os Censurados tenham sido convidados a participar em dois dos mais famosos álbuns de tributo do referido movimento, comparecendo tanto em 'Filhos da Madrugada' – o tributo a Zeca Afonso lançado em 1994 e que reúne a 'nata' do movimento musical lusófono, dos inevitáveis Xutos, GNR e UHF a Madredeus, Sitiados, Delfins, Entre Aspas, Resistência, os 'colegas' Peste & Sida, os cabo-verdianos Tubarões e até o Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras! – e 'XX Anos, XX Bandas', o álbum celebratório dos vinte anos de carreira dos Xutos e Pontapés, editado em 1999, e que conta com nomes como Rádio Macau, Da Weasel, Paulo Gonzo, Boss AC, Quinta do Bill, Ornatos Violeta, Bizarra Locomotiva, Cool Hipnoise, Lulu Blind ou o 'alter ego' dos Peste & Sida, Despe e Siga, além de alguns 'repetentes' do tributo a Zeca. Os Censurados participam, respectivamente, com os temas 'O Que Faz Falta' e 'Enquanto a Noite Cai', aqueles que viriam a ser os últimos temas gravados em estúdio pelo colectivo – sendo o segundo, inclusivamente, já póstumo, ainda que tenha dado azo a uma 'tourné' de reunião ao lado dos próprios Xutos, da qual resulta um lendário micro-concerto de apenas quinze minutos na edição de 1999 do Festival do Sudoeste, bem como um álbum ao vivo, gravado na Queima das Fitas de Coimbra no mesmo ano e lançado em 2002 – esse, sim, o último registo oficial do grupo.

Versão ao vivo da 'cover' dos Xutos incluída em 'XX Anos, XX Bandas', captada no último concerto oficial do grupo, na Queima das Fitas de Coimbra de 1999

A dissolução dos Censurados não significou, no entanto, o afastamento dos seus integrantes da música, ou sequer do movimento 'punk' – pelo contrário. João Ribas formaria, logo no ano seguinte, os não menos lendários Tara Perdida - cuja carreira soma e segue até hoje, tendo mesmo conseguido resistir ao falecimento do seu fundador e figura de proa - e os restantes integrantes também se manteriam activos na cena musical, embora de forma mais discreta. Mesmo que o fim dos Censurados tivesse equivalido ao fim das suas carreiras, no entanto, os quatro músicos poder-se-iam sempre orgulhar de terem sido banda de culto do movimento rock português de finais do século XX, e de, em apenas seis anos, terem construído um legado de fazer inveja a muitas bandas com várias décadas de carreira, validando a famosa máxima de Kurt Cobain de que 'é melhor acabar carbonizado do que desaparecer lentamente.'

A algo incongruente aparição do grupo na 'Hora do Lecas', em 1990.

 

20.03.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Regra geral, a maioria das bandas é fácil de catalogar dentro de um estilo definido, seja ele o rock, o heavy metal, o pop, a música étnica, a música clássica, ou qualquer outra das dezenas de denominações que compõem o Mundo da música moderna. Por vezes, no entanto, surge um colectivo que verdadeiramente desafia as convenções estabelecidas, ousando mesclar estilos numa mistura ecléctica que os ajuda a destacar da 'maralha' e a atrair a atenção de toda uma base de fãs. Nos anos 90, existiu em Portugal um grupo assim, cuja proposta passou por misturar o canto tradicional do nosso País, o fado, com elementos de música pop e gótica – proposta essa que os ajudou a catapultar para os mais altos vôos a que uma banda nacional pode aspirar. Falamos, é claro, dos Madredeus, o colectivo centrado em torno do guitarrista clássico Pedro Ayres de Magalhães, e cujo elemento mais distintivo, na sua fase clássica, foi a inimitável voz de Teresa Salgueiro, a qual, durante a sua permanência no grupo, se faria ouvir ao lado de artistas tão díspares quanto José Carreras e Moonspell.

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Formados ainda nos anos 80, datando o primeiro disco de 1987, seria, no entanto, na década seguinte que o colectivo baptizado com o nome de um bairro lisboeta atingiria a proeminência que se lhe conhece hoje em dia. O lançamento do segundo álbum, logo em 1990, e 'aventuras' internacionais como o concerto na exposição Europália '91 (dedicada à cultura portuguesa) ou a participação em bandas sonoras de filmes estrangeiros ajudaram a consolidar o nome do grupo não só dentro de portas como também 'lá fora', dando início à trajectória de sucesso que caracterizaria a carreira do grupo. O terceiro álbum, de 1994, já tem honras de digressão internacional e, no ano seguinte, a banda é convidada a colaborar com o cineasta Wim Wenders, que inclui temas dos Madredeus no seu 'Viagem a Lisboa', ajudando a elevar ainda mais o perfil internacional do colectivo. Já 'cá dentro', o mérito da banda era bem reconhecido, tornando-os figura de proa da cena musical nacional e motivando convites de índole tanto musical como cultural, como aquele que os levou a participar no espectáculo de abertura da Expo '98, ao lado de José Carreras, já depois de algumas alterações de formação e do lançamento de um quarto álbum, em 1997.

A ascensão do grupo não abrandaria, aliás, no Novo Milénio, que abriria com o lançamento de uma 'Antologia' e uma participação no filme 'Capitães de Abril', cada uma das quais com dois temas inéditos, e veria serem lançados, no espaço de apenas três anos, mais dois álbuns de originais, uma colectânea para o mercado brasileiro, um disco ao vivo e um de 'remixes' electrónicas – mais uma prova, caso as mesmas ainda fossem necessárias, de que o grupo havia atingido o patamar da fama e relevância. Seria, portanto, com alguma surpresa que os fãs do grupo receberiam a notícia de um 'ano sabático', em 2007, e, mais tarde, o êxodo da maioria dos membros, deixando o fundador Ayres de Magalhães e o teclista Carlos Maria Trindade como únicos representantes do nome.

Não querendo desvirtuar o mesmo com novos músicos, os dois decidem fundar um novo projecto, a Banda Cósmica, com o qual lançam três álbuns antes de decidirem mesmo 'ressuscitar' o seu grupo anterior, agora com novos músicos e a vocalista Beatriz Nunes no lugar que ficará para sempre associado a Teresa Salgueiro. Com esta nova formação, são lançados mais dois álbuns, o segundo dos quais, 'Capricho Sentimental', de 2015, é até hoje o último lançamento dos Madredeus. Qualquer que seja o futuro do grupo, no entanto, o colectivo de Pedro Ayres de Magalhães já inscreveu indelevelmente o seu nome na História da música portuguesa, e pode orgulhar-se de ser, até hoje, um dos principais nomes da mesma, tanto a nível nacional como internacional.

06.02.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Quando se pensa em vozes próprias para gravar um disco, ou até mesmo uma só música, o tom propositalmente agudo e nasalado de um palhaço não é, decerto, a primeira coisa que vem à mente; e, no entanto, só em Portugal, foram pelo menos dois os casos de palhaços a conseguirem enorme sucesso com a edição de álbuns inteiramente cantados por eles. Assim, neste que é o mês do Carnaval, dedicar-nos-emos a explorar a carreira musical desses artistas, começando esta semana pelo palhaço Croquete, e dedicando a próxima rubrica ao mítico álbum do Batatoon, sucesso absoluto junto do público infantil e, curiosamente, parcialmente criado e interpretado pelo antigo parceiro de Croquete, o palhaço Batatinha.

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Essa análise ficará, no entanto, para a próxima Segunda de Sucessos; esta semana, voltaremos a nossa atenção para António Assunção, desde finais dos anos 70 conhecido pelo nome profissional de Croquete, e que se destaca dos seus restantes companheiros de profissão, precisamente, pelos seus dotes musicais, que lhe valeram a alcunha de 'Palhaço Cantor' e fomentaram uma vasta carreira discográfica ao longo das duas décadas seguintes. De facto, são nada menos do que cinco os álbuns de originais lançados sob esse nome, ao qual se junta ainda um sexto – o primeiro, 'Palhaços À Solta', de 1981 – em parceria com Batatinha. As crianças dos anos 90, no entanto, conhecerão Croquete, sobretudo, pelo seu quarto disco, 'Muita Fruta', lançado em 1991, mesmo a tempo de cativar toda uma nova geração de potenciais fãs, nascidos já depois do auge da carreira do artista.

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Composto por dez faixas, 'Muita Fruta' tem a particularidade de se inserir declaradamente num estilo 'pimba', sendo que, com ligeiros ajustes temáticos, sem os coros infantis e com a 'voz de palhaço' substituída por um verdadeiro vocalista, faixas como 'Fruto Eu Ou Frutas Tu' poderiam, perfeitamente, ser comercializadas a um público adulto, ao contrário do que acontecia, por exemplo, com o pop infantil de 'As Canções do Lecas', lançado no ano anterior, ou com as pitorescas 'cantilenas' movidas a guitarra acústica de José Barata Moura ou Carlos Alberto Moniz (as quais são, ainda assim, evocadas em 'Linda Romã', 'Ai Que Bom Que É' ou 'A Doença do Pomar Tropical'.) A maioria das faixas do álbum movem a ritmo de 'bailarico', ideal para animar festas de Carnaval ou de Verão de aldeia, e o instrumental do tema-título permite, até, perceber onde os Mamonas Assassinas foram buscar inspiração para a sua paródia da música popular portuguesa em 'Vira-Vira'. Aqui e ali, há uma tentativa de diversificar a sonoridade ou apresentar outras influências (sobretudo brasileiras, como em 'O Barco das Bananas', ou latinas) mas a base musical de Croquete, pelo menos neste álbum, fica mesmo no domínio do 'pimba', embora neste caso dirigido a um público mais jovem.

Curiosamente, apesar de a sua carreira ter continuado, com participações televisivas e milhares de espectáculos de Norte a Sul do País, Croquete só voltaria a gravar novo disco mais de uma década e meia depois de 'Muita Fruta'; sem surpresa, dada a imutabilidade e intemporalidade geracional da música 'pimba', o novo disco oferece mais do mesmo, ficando na linha de outras produções dirigidas a um público infantil, tal como já acontecia com o seu antecessor na respectiva época. Quanto ao intérprete em si, apesar da menor projecção mediática em relação ao ex-parceiro, o mesmo manter-se-ia na activa, tendo já celebrado a marca de quarenta anos a fazer rir as crianças portuguesas – um feito notável para aquele que foi não só o pioneiro da 'palhaçada' em solo nacional, como também um artista discográfico mais bem sucedido do que alguém poderia imaginar...

 

25.01.23

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

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Capa da antologia dedicada ao autor, lançada pela Escorpião Azul.

Na era pré-Internet, em que qualquer criador se via forçado a 'fazer nome' utilizando os parcos e escassos meios ao seu dispôr, um dos melhores veículos para novos nomes se tentarem tornar conhecidos eram as fanzines – títulos criados, como o nome indica, por e para fãs do estilo, e editadas de forma totalmente independente e, muitas vezes, claramente amadora, num daqueles casos em que a vontade era suficiente para superar a falta de recursos. E a verdade é que esta táctica acabava, esporadicamente, por render dividendos, tendo alguns nomes posteriormente conhecidos do mundo da música, literatura ou banda desenhada tido o seu início de carreira em publicações deste tipo.

No caso da banda desenhada, um desses nomes é Pedro Pereira, mais comummente conhecido pela sua alcunha, Pepedelrey, e que apesar de ser hoje um nome de culto nos meios 'bedéfilos' portugueses, apenas após o Novo Milénio conseguiu publicar trabalhos em nome próprio. Até esse ponto, a carreira deste artista e argumentista (iniciada em 1985) havia-se desenrolado, exclusivamente, à base de participações em 'fanzines' e antologias de BD lançadas por editoras cada uma mais obscura do que a outra.

À luz destes factos, e tendo em conta a época da História em que os mesmos se desenrolavam, a carreira almejada pelo artista natural de Oeiras não se pode considerar menos do que invejável; o facto de Pepedelrey ser, hoje, um artista conceituado (e fundador do célebre Lisbon Studio, um dos maiores estúdios de BD do País) após ter logrado progredir a um nível de tal modo independente durante mais de quinze anos, é um testamento não só da qualidade do trabalho deste autor, mas também da sua força de vontade, que o ajudou a almejar um estatuto de culto no meio da banda desenhada portuguesa logo nos anos 90, e a mantê-lo até aos dias de hoje.

23.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

No dealbar do ano de 1998, um álbum dominava os tops nacionais de música – um álbum que se viria a tornar um dos mais bem-sucedidos de sempre, atingindo uma impressionante quádrupla platina. Tratava-se de 'Saber A Mar', sexto trabalho de originais de um dos grupos favoritos dos adolescentes portugueses das décadas de 80 e 90: os icónicos Delfins.

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De facto, apesar de o referido trabalho os ter catapultado para todo um novo nível de sucesso, os Delfins contavam já com mais de uma década 'na ribalta' aquando do seu lançamento em 1996, sendo um dos nomes mais sonantes da vaga de 'pop-rock' surgida no nosso País durante essas duas décadas ao lado de nomes como Xutos & Pontapés, GNR e Rádio Macau, com os quais partilhavam características como as letras em português e o registo distinto do seu vocalista, o 'bonitão' Miguel Ângelo, também integrante do projecto Resistência. 'Hits' como 'Nasce Selvagem' e 'Um Lugar ao Sol' garantiam ao grupo presença assídua nas principais estações de rádio da época, e ajudavam a manter o colectivo no 'radar' cultural nacional.

O sucesso da banda não se cingia, aliás, aos territórios nacionais, sendo que, por alturas do lançamento do trabalho em causa, o grupo português havia já realizado espectáculos na Expo '92, em Espanha, na sala Zénith, em Paris, e na prestigiada Brixton Academy, de Londres; já dentro de portas, o grupo esgotava concertos por onde passava, fosse a abrir para Tina Turner em Alvalade,, a inaugurar 'de surpresa' o icónico Johnny Guitar ou a 'aquecer' literalmente a plateia no tradicional espectáculo de Ano Novo no Terreiro do Paço, todos em 1990. O Pavilhão Carlos Lopes, a Festa do Avante e o Coliseu dos Recreios de Lisboa foram alguns dos outros icónicos certames a presenciar a ascensão do grupo ao panteão do 'pop-rock' nacional durante aquela que foi a sua época de afirmação definitiva – e que, como já foi referido, acabaria em apoteose, com Miguel Ângelo e companhia a bater recordes de vendas com o seu sexto álbum, a tocarem na Expo '98 e a consumarem a tentativa de internacionalização com um álbum de temas adaptados para o Espanhol ('Azul', de 1998), já depois de o seu líder ter participado, como juiz, no mega-sucesso da SIC, 'Chuva de Estrelas', e dado a voz ao cowboy Woody na excelente dobragem nacional de 'Toy Story - Os Rivais', em 1995.

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Capa do grande êxito do grupo.

Infelizmente, esta tendência não se manteria no Novo Milénjo – apesar dos lançamentos regulares e consistentes (entre álbuns de originais, ao vivo, colectâneas e DVDs, foram onze registos) e da manutenção de um público fiel que 'crescera' com eles, a banda não mais veria os níveis de sucesso atingidos por volta de 1997, inserindo-se antes na categoria de 'instituição nacional', ao lado da maioria dos grupos da mesma vaga. Ainda assim, o estatuto do grupo ainda lhes permite viajar até ao Canadá e a Macau, tocar num cruzeiro em Marrocos, participar na segunda edição do concurso 'Operação Triunfo', e actuar em locais tão icónicos da Grande Lisboa como o Casino Estoril e o Centro Cultural de Belém, bem como no Rivoli do Porto.

Mesmo com toda esta projecção – ou talvez por causa dela – o grupo surpreendia a cena musical portuguesa ao anunciar um hiato, em 2009 – o qual acabaria por durar uma década, tendo a banda cascalense voltado a reunir-se em 2019 para um concerto nas Festas do Mar de Cascais, e celebrado no ano seguinte os quarenta anos de carreira; e embora, a este ponto, o futuro dos Delfins permaneça incerto, a sua trajectória já mais que justificou o seu estatuto de 'lendas' da música portuguesa – para o qual o álbum mais vendido em Portugal no ano de 1997 contribuiu de forma definitiva...

09.01.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Depois de na passada edição desta rubrica termos verificado a prevalência de um disco sobre todos os outros no que toca a volumes de vendas durante o ano de 1992, nada melhor do que dedicarmos algumas linhas ao grupo que os lançou, e que constituiu talvez o primeiro 'supergrupo' cem por cento português, anos antes dos Rio Grande: o projecto Resistência.

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Centrado em torno de Pedro Ayres de Magalhães, guitarrista dos Madredeus, este projecto reuniu músicos de várias das maiores bandas do cenário musical português, com ênfase no pop-rock, mas aberto também a outros estilos. A formação inicial, por exemplo – a que participou numa sessão experimental durante a Feira do Livro de Lisboa de 1989 – contava com a colega do fundador nos Madredeus, Teresa Salgueiro, ao lado de Anabela Duarte, dos Mler Ife Dada, e Filipa Pais, então dos Lua Extravagante.

As 'senhoras' acabariam, no entanto, por não colaborar com o músico além dessa sessão (se descontarmos, claro, a carreira dos próprios Madredeus), sendo substituídas por um elenco de luxo: Tim (dos eternos Xutos), Miguel Ângelo (dos então super-populares Delfins) e um ainda desconhecido Olavo Bilac, ainda a um par de anos de explodir com os Santos & Pecadores, bem apoiados por uma banda onde se destacavam Fernando Cunha (também dos Delfins) José Salgueiro (dos Trovante) e o veterano guitarrista-acompanhante Fernando Júdice (mais tarde também dos Madredeus).

Seria com este alinhamento que a banda viria a lançar o álbum que dominou as vendas fonográficas em Portugal em 1992, mas que na verdade foi composto e lançado no ano anterior – a estreia 'Palavras ao Vento', cujo alinhamento é um verdadeiro desfilar de êxitos dos músicos envolvidos, de 'Nasce Selvagem' e 'Não Sou o Único' (estrondosa duologia de abertura) ao final com 'Circo de Feras'. O denominador comum em todas estas regravações era uma maior ênfase na voz por oposição à tradicional estrutura pop-rock, uma proposta que acabava por diferenciar o grupo das bandas originais dos seus integrantes, e que contribuiu para o seu considerável, ainda que breve, sucesso.

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A estrondosamente bem-sucedida estreia do grupo.

O êxito de 'Palavras' motivou o grupo à gravação, ainda em 1992, de um segundo álbum, o também excelente 'Mano A Mano', que contava com novas versões de músicas como 'Um Lugar ao Sol', 'Amanhã É Sempre Longe Demais', 'Traz Outro Amigo Também' (de Zeca Afonso) e a pré-memética 'Timor', que qualquer 'puto' da época cantava no tom mais gozão possível para divertir os amigos no recreio.

600x600bf-60.jpgO segundo álbum do grupo.

Mais uma vez, o sucesso foi considerável, e no ano seguinte (há pouco menos de trinta anos) era lançado um disco ao vivo do grupo, 'Ao Vivo no Armazém 22', que incluía algum material original em meio às versões. Ainda em 1993, o grupo é convidado a participar no primeiro espectáculo 'Portugal Ao Vivo', com lugar no Estádio José Alvalade, em Lisboa.

ed169702341bb7ca4b0e2bda4a863eed.1000x1000x1.jpgO registo ao vivo de 1993

Com tanto sucesso e procura, nada fazia prever o fim dos Resistência – e, no entanto, foi precisamente isso que sucedeu. O grupo ainda participaria em discos de tributo a Zeca Afonso e António Variações (ambos de 1994), mas o contratualizado quarto álbum para a BMG nunca se chegaria a materializar, sendo que o grupo se viria a dissolver em 1995, quando os músicos decidiram prioritizar os seus projectos de origem.

Mas como na música – tal como na banda desenhada – ninguém nunca 'desaparece' de vez, também os Resistência se viriam, eventualmente, a reunir, ainda que tal efeméride viesse a demorar nada menos do que dezassete anos. Foi em 2012 que o lançamento de uma colectânea e um par de concertos de celebração de vinte anos, em Lisboa e Guimarães, dariam azo a uma mini-turnê, com passagem por mais uma edição do Portugal ao Vivo, desta vez no Estádio do Restelo, também em Lisboa. Dois anos volvidos, aquilo por que já ninguém esperava viria mesmo a acontecer: saía o quarto álbum dos Resistência, intitulado 'Horizonte' e lançado na editora de sempre, a BMG. A premissa, essa, era exactamente a mesma que fizera o sucesso do grupo duas décadas antes: novas versões de músicas de grupos como Madredeus, Rádio Macau, Delfins e Xutos.

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O álbum de regresso do grupo.

Estava dado o mote para um ressurgimento de carreira que – até à data – inclui mais dois álbuns de estúdio (em 2018 e 2019) e dois ao vivo (em 2016 e 2020), provando que a 'primeira vaga' de pop-rock nacional, e respectivos intérpretes, continuam a ter um mercado bem definido, o qual, por comparação aos próprios músicos que compõem esse movimento, nada fica a dever em Resistência...

28.12.22

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Numa edição passada desta rubrica, falámos de Mafalda, uma das mais influentes personagens de banda desenhada das décadas de 70, 80 e 90. No entanto, apesar de a contestatária menina ter sido o principal contributo do seu criador, Quino, para a História desta forma de arte, a mesma esteve longe de ser a sua única criação de sucesso, tendo o mercado português sido testemunha de, pelo menos, mais uma: a colecção 'Humor Com Humor Se Paga', cujos últimos volumes completam, neste ano que ora finda, precisamente três décadas sobre a sua edição nacional.

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Os três volumes da série editados nos anos 90

Iniciada ainda nos anos 70, e concluída vinte anos e trinta e seis volumes depois (tendo apenas os três últimos sido editados já nos anos 90), a colecção da Dom Quixote permitiu, aliás, a outros autores que não apenas Quino cimentar a sua marca na indústria portuguesa; Sempé, por exemplo (o co-criador do popular 'O Menino Nicolau' ao lado de René Goscinny, guionista de Astérix) teve direito a vários volumes, além de artistas menos conhecidos, mas dentro do mesmo estilo satírico e 'cartoonesco', como Coco e Palomo. No entanto, a esmagadora maioria dos tomos da colecção trazia, mesmo, autoria de Quino, servindo como uma introdução algo mais 'leve' que Mafalda ao seu inconfundível estilo, através de 'gags' de imagem única, bem ao estilo do que se podia encontrar em muitos jornais mundiais da altura, e declaradamente dirigidas a adultos, afastando assim parcialmente o público infantil que (talvez erroneamente) se afeiçoara e fidelizara à menina da bandolete e aos seus amigos.

Apesar de - por esse mesmo motvo - ser potencialmente menos nostálgico para a juventude portuguesa que a criação principal do desenhador argentino, ou que outros 'ilustres' como Calvin e Hobbes, a série em causa merece, ainda assim, destaque nestas nossas páginas, por alturas do trigésimo aniversário da sua conclusão, por constituir mais um dos inúmeros exemplos da 'era de ouro' dos 'cartoonistas' disponíveis no mercado português.

31.10.22

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de não ter tido tanta evolução ou expressão ao longo dos anos como o pop-rock, o hip-hop ou o rock alternativo, o metal não deixou, ao longo das décadas, de ter os seus próprios heróis em solo nacional, dos pioneiros Xeque-Mate a bandas como Ramp, Filii Nigrantium Infernalium, ou outras mais recentes como Painstruck ou Shadowsphere. No entanto, sempre que se fala deste estilo musical no contexto lusitano, surge inevitavelmente um nome que, a pulso, se conseguiu erguer acima de todos estes, afirmando-se hoje como a principal referência do metal português e que teve precisamente nos anos 90 a sua década de afirmação: os históricos Moonspell. E que melhor altura para recordar o legado daqueles que continuam a ser os embaixadores do metal nacional do que neste início da estação com dias mais curtos, 'cinzentos', e convidativos aos ambientes melancólicos por ele propostos?

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A primeira formação do grupo, como sexteto.

Formados em 1992 na zona da Brandoa, nos arredores de Lisboa, os Moonspell optariam, inicialmente, por um estilo mais extremo de metal, com tempos rápidos e vozes ora ríspidas, ora urradas, da responsabilidade do carismático Fernando Ribeiro. Este tipo de sonoridade ficaria oficialmente registado no EP de estreia do sexteto ('Under the Moonspell', de 1994) e nos seus dois primeiros discos, 'Wolfheart' e 'Irreligious' (de 1995 e 1996, respectivamente) mas não tardaria muito até os músicos que compunham o grupo começarem a dar largas à sua vertente mais experimental: 'Sin/Pecado' (de 1998), o disco da afirmação, trazia já alguns elementos electrónicos e passagens mais limpas (como na faixa 'Alma Mater', um 'hino' patriótico que, estivesse o grupo a lançar-se hoje, talvez fosse mal compreendido), e o sucessor 'The Butterfly Effect', do ano seguinte, era já um disco de rock-metal gótico-industrial, a 'milhas' de distância do metal extremo com toques 'folk' que caracterizara os primeiros álbuns da banda.

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O disco de afirmação do grupo, lançado em 1998.

Apesar de pouco consensual entre os fãs – que atribuíram a Ribeiro e companhia o sempre temido rótulo de 'vendidos' – esta sonoridade viria mesmo a marcar a transição do grupo para o novo milénio, que veria o grupo 'explodir' também em terras estrangeiras, e Fernando Ribeiro tornar-se um dos 'decanos' do metal português, no mesmo patamar de um António Freitas. Os dois álbuns seguintes do grupo exacerbavam as tendências góticas do seu som, com cada vez menor presença de vozes agrestes e cada vez maior proporção do tipo de passagens orquestrais, acústicas ou simplesmente melódicas que sempre haviam marcado o metal dos lisboetas. Só com 'Memorial', de 2005, é que a agressividade de outros tempos se voltaria a fazer sentir no som do grupo, que a misturaria às ainda presentes tendências góticas para fazer aquilo a que se convencionou chamar 'dark metal' – um som obscuro, pesado e melancólico, sem no entanto transpôr a linha de demarcação entre metal melódico e extremo.

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A formação mais recente do grupo.

Os álbuns seguintes continuariam a explorar esta vertente, mas sempre sem esquecer a veia gótica, tendo 'Alpha Noir/Omega White', de 2012, sido o primeiro a tornar efectiva a demarcação estilística, com cada um dos discos que o compunham a representar uma das duas vertentes do som do grupo. Um conceito ousado, e que abriria portas à experimentação de '1755', um álbum conceptual sobre o terramoto de Lisboa, com letras em português, lançado em 2017. E se o álbum seguinte – o mais recente do sexteto até agora – voltava a ser 'apenas' mais um álbum de metal, a verdade é que o mesmo dava, também, novo 'abanão' no som do grupo, com algumas tendências progressivas e até mais 'roqueiras' a surgirem no 'caldeirão' de elementos que é o som de Moonspell – um grupo que, pela referida amostra lançada o ano passado, se recusa a abraçar o seu estatuto como entidade veterana do movimento no nosso país, preferindo continuar a experimentar, inovar e correr o tipo de risco calculado que lhe permitiu, há já quase um quarto de século, iniciar o seu percurso rumo a uma fama e fortuna que escapava, e continua a escapar, a tantos outros colectivos do género, em Portugal e não só...

 

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