16.03.22
A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.
Apesar de, nos anos 90, o mercado de banda desenhada 'mainstream' em Portugal estar dominado por revistas infantis, muitas delas oriundas ou adaptadas de publicações brasileiras, a verdade é que, a um nível mais artístico, 'underground' e adulto, o nosso país era pródigo na produção de nomes minimamente interessantes. Embora fosse muito pouco provável que alguma criança daquele tempo soubesse quem eram António Jorge Gonçalves ou Carlos Roque – mesmo tendo, potencialmente, tido contacto com as suas obras por um ou outro meio – a verdade é que ambos se tratavam de ilustradores extremamente conceituados no meio, tanto dentro de portas como a nível internacional.
O mesmo se podia dizer de um outro nome conhecido de quem acompanhava o meio desde as décadas anteriores, mas totalmente inexpressivo para qualquer leitor que ainda não tivesse atingido a maioridade, ou pelo menos a adolescência: Fernando Relvas. E, ainda mais do que no caso dos seus congéneres e contemporâneos acima citados, esta estranheza era não só perdoável como justificada, já que o desenhista, na activa desde os anos 70 e que se notabilizou no pós-25 de Abril, se tinha até então dedicado sobretudo ao 'cartoon' político, um meio que dificilmente interessa às crianças e jovens ainda em idade escolar.
Um dos 'cartoons' políticos por que Relvas se notabilizou
Apesar de ter na caricatura política o seu maior foco, no entanto, a carreira de Relvas não se ficava por aí: nos anos 80, chegou a colaborar com a edição portuguesa da famosa revista 'Tintin', e teve lugar cativo no jornal Se7e, com tiras como Karlos Starkiller. E apesar de, nos anos 90, a sua fama se ver restrita a redutos bem menos conhecidos ou conceituados (nomeadamente a revista LX Comics e o jornal O Inimigo) a verdade é que a produção de Relvas não diminuiu, tendo o desenhador lançado nesse período metade da sua obra total em álbum – no total, foram cinco títulos entre 1993 e 1998 (um deles, de 1997, uma adaptação em álbum das aventuras de Karlos Starkiller) tendo os dois primeiros – 'Em Desgraça', de 1993, e 'O Nosso Primo em Bruxelas', de 1995 - sido lançados por grandes editoras, nomeadamente a Asa e os Livros Horizonte.
Capa de 'O Nosso Primo em Bruxelas', de 1995
E apesar de, novamente, nenhum destes títulos ter dito muito às crianças da época, a verdade é que Relvas continuou a ter projecção suficiente no mercado da BD para lançar, no novo milénio, outros tantos títulos (vários deles premiados em eventos da especialidade) e até para expandir a sua lista de competências a um campo adjacente, o da animação, através de uma colaboração com a Animanostra - um dos principais estúdios nacionais do meio - com quem realizou, em 2004, a curta-metragem 'Fado na Noite', ainda hoje a sua única aventura audio-visual.
Cartaz para a 'curta' de Relvas, num estilo pouco habitual para a Animanostra
Desde então até à sua morte em 2017, Fernando Relvas continuou a construir uma carreira honrosa como autor de álbuns de banda desenhada, incluindo mais uma adaptação para álbum de uma das suas grandes obras, 'Rosa Delta Sem Saída', originalmente publicada em 1980 na revista 'Tintin'. Os 'cartoons' de jornal com que se afirmou em décadas transactas, esses, ficaram um pouco de parte, numa altura em que o próprio jornalismo se começava a tornar obsoleto, e a Internet não era ainda o recurso que é hoje. Não obstante esse desaparecimento da consciência popular, no entanto, Relvas terá terminado a vida com a sensação (justa) de ter tido uma carreira digna de figurar nos anais da História da BD em Portugal...