Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.
Já aqui por várias vezes nos referimos ao início dos anos 90 como o período por excelência de experimentação televisiva em Portugal, com o aparecimento de dois canais independentes a permitir a aposta em programas inovadores, muitos deles adaptados de formatos estrangeiros de igual sucesso. De concursos a programas de auditório, passando por emissões sentimentais e até falsos casos de tribunal televisionados, foram muitos os formatos a correr riscos calculados em busca das sempre 'fugidias' audiências; a essa lista, há agora que juntar aquela que foi uma das grandes apostas da SIC para a temporada televisiva de 1994, e que introduzia mais um conceito pioneiro no contexto da televisão portuguesa – o 'Perdoa-me'.
Com uma premissa algures entre o 'Ponto de Encontro' e 'O Juiz Decide', com uma pitada de 'Jerry Springer' à mistura, o programa apresentado primeiro por Alexandra Lencastre (a Guiomar da 'Rua Sésamo', entretanto transformada em apresentadora de televisão credível) e depois por Fátima Lopes, mais tarde pioneira dos 'talk shows' nacionais, propunha-se, simplesmente, a resolver publicamente conflitos entre duas partes lesadas, numa tentativa de restabelecer as boas relações entre elas – um daqueles conceitos que apela ao 'voyeurismo' e partilha da desgraça alheia inerentes a grande parte da humanidade, e a que os portugueses não são excepção. Assim, não é de surpreender que o programa se tenha instantaneamente afirmado como um sucesso de audiências, atingindo um 'share' de 53.5%, um número histórico à época e que indicava que mais de metade dos lares portugueses tinham o programa sintonizado! Esta inaudita popularidade ajudou, aliás, a catapultar para o sucesso os programas que se sucediam ao 'Perdoa-me', em particular o 'All You Need Is Love', outro conceito pioneiro que aqui terá, em breve, o seu 'lugar ao Sol'.
Apesar deste sucesso quase absurdo, no entanto, 'Perdoa-me' é, trinta anos depois, lembrado sobretudo pelo episódio transmitido a 1 de Junho de 1994, em que Alexandra Lencastre se deixou enganar pelos próprios convidados, dois jovens estudantes de Agronomia cuja pretensa querela não passava de um artifício para conseguir aparecer no programa e, por consequência, na televisão; um momento algo embaraçoso, que fez parangonas na imprensa da época e que não deixou de ser recordado no 'Jornal da Noite' aquando dos vinte anos da efeméride. Um 'legado' algo inglório para um programa pleno de boas intenções, e que, à época, provou aos executivos televisivos que, por vezes, valia a pena arriscar, sem que posteriormente fosse necessário pedir perdão...
Excertos das duas 'eras' ou 'fases' do programa.
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Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.
Hoje em dia, a chamada 'ficção nacional' é parte integrante da grelha televisiva dos canais portugueses, seja sob a forma das famosas telenovelas ou no registo mais sério e dramático de séries como 'Conta-me Como Foi'; até inícios do Novo Milénio, no entanto, a situação era diametralmente oposta, centrando-se a maioria da ficção televisiva portuguesa no géneros do humor em 'sketch', com digressões infrequentes para os campos da reconstituição histórica ou para conteúdos infanto-juvenis. Há pouco mais de vinte e cinco anos (em Outubro de 1997) a RTP quis, no entanto, mudar esse paradigma, através de uma série que, ainda que pouco lembrada hoje em dia, acabou por dar o mote para várias tendências durante as mais de duas décadas de televisão nacional que se seguiram.
Falamos de 'Riscos', um programa que, à época, se destacou por ser pioneira no ramo da ficção serializada nacional dirigida especificamente a um público jovem – um 'nicho' que, nos Estados Unidos, era já uma forma de arte, e que já havia rendido um mega-sucesso 'falado em português', no caso a telenovela brasileira 'Malhação'. A 'versão portuguesa' deste conceito inseria-se, precisamente, entre as da América do Norte e do Sul, apresentando uma espécie de cruzamento entre a referida 'Malhação' e algo como 'Beverly Hills 90210', com as devidas adaptações à realidade portuguesa.
De facto, o conceito-base da série era praticamente idêntico ao dos exemplos supracitados - bem como de outras séries internacionais, como a britãnica 'Grange Hill' - propondo ao espectador 'entrar' na vida quotidiana de um grupo de estudantes do ensino secundário, no caso de um colégio privado, e acompanhar em 'tempo real' os seus variados dramas, que iam das habituais complicações amorosas (aqui, do casal Bruno e Mariana) a temas mais sérios, como as drogas. E se este parece um conceito familiar, é porque o é: a proposta de 'Riscos' é exactamente a mesma que, poucos anos mais tarde, granjearia mais de uma década de sucesso a uma aposta da 'concorrente' TVI – uma pequena produção independente, de que talvez já tenham ouvido falar, chamada 'Morangos com Açúcar'...
(Sim, quando dissemos no início deste 'post' que 'Riscos' abrira um precedente importante na produção televisiva nacional, tratava-se de mais do que uma força de expressão...)
A diferença entre a série da RTP e a perene telenovela juvenil da TVI (esta, sim, uma localização directa de 'Malhação') é, sobretudo, o menor enfoque no dramatismo barato, em favor de uma abordagem mais séria a assuntos relevantes para a vida dos jovens, não só do Portugal daquela época, mas da sociedade ocidental em geral, os quais eram tratados de forma directa, frontal e sem grandes 'mariquices', com a preciosa ajuda de um elenco que misturava 'veteranos' como Alexandra Lencastre e Diogo Infante com jovens actores da idade dos seus personagens, entre os quais se destacava Paula Neves, também ela a poucos anos de atingir a imortalidade 'noveleira' do 'outro lado da estrada', em Queluz.
Assim, e embora não tenha passado de uma única temporada (ao contrário do que sucedeu com os seus sucessores directos) é fácil perceber porque é que 'Riscos' é, hoje em dia, considerado um marco na História da televisão portuguesa, e da ficção nacional em particular – e porque era premente que corrigíssemos a nossa desatenção de Outubro passado, e celebrássemos devidamente os vinte e cinco anos da sua estreia.
Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.
Só a música já deve ter feito a maioria dos leitores deste blog viajar no tempo até aos primeiros anos da década a que este blog diz respeito -altura em que estreava, no principal canal televisivo português, um dos melhores programas infantis da história da televisão nacional.
Uma adaptação localizada do (também universalmente bem recebido e recordado) original americano, a versão portuguesa da ‘Rua Sésamo’ chegava á RTP1 em 1989, mesmo a tempo de ensinar as primeiras letras, números e conceitos de cidadania a toda uma geração de crianças. Constituído por uma mistura de segmentos ‘made in Portugal’ – basicamente todos os que se passavam no espaço da Rua Sésamo propriamente dita, e ainda algumas das animações – com dobragens dos ‘sketches’ originais da Jim Henson Creature Workshop, o programa gozava de uma produção cuidada, claramente feita com amor, e de uma equipa criativa composta por grandes nomes da literatura e televisão infanto-juvenis da época. O resultado final era um programa, previsivelmente, de enorme qualidade, e que não tardou a capturar a imaginação do público-alvo.
O talento, no entanto, não se ficava pela equipa técnica; os dobradores, bonecreiros e actores da série estavam, também, entre os melhores em solo nacional, sendo que o elenco de ‘carne e osso’ contava com uma mistura de actores consagrados, como Fernanda Montemor, e nomes que se viriam a tornar clássicos da televisão portuguesa em anos subsequentes, como Alexandra Lencastre, Vítor Norte ou José Jorge Duarte. No entanto, e apesar destes grandes nomes, as verdadeiras ‘estrelas da companhia’ eram os bonecos Poupas e Ferrão, adaptações portuguesas do Big Bird e Oscar the Grouch americanos, a quem, a partir da segunda série do programa, se juntaria um terceiro elemento, a dengosa Gata Tita.
O elenco do programa contava com estrelas tanto presentes como futuras.
Na ‘outra parte’ do programa, eram também os emblemáticos personagens de Jim Henson quem mais captava a atenção do público-alvo, com destaque para Cocas, o Sapo, o frenético e exagerado ‘drama king’ Gualter, o esfomeado Monstro das Bolachas, e a impagável dupla Egas e Becas, companheiros de casa em modo ‘inimigos inseparáveis’ cujos segmentos eram os únicos sem propósito educativo, tendo apenas como finalidade fazer rir - e conseguiam-no, com louvor!
Quem não se lembrou imediatamente desta vinheta assim que viu o nome do Egas e do Becas, não deve ter boa memória...
Um personagem, entretanto, primava pela ausência – e logo o mais famoso de todos os bonecos da versão original. Pois é, a versão nacional da ‘Rua Sésamo’ nunca teve Elmo – e haverá quem diga que os miúdos portugueses tiveram sorte nesse aspecto…
Parte do sucesso do programa devia-se precisamente ao facto de tratarem o seu público com respeito, nunca forçando a vertente educativa, e fornecendo-lhes material adequado à idade e aprendizagens, mas que simultaneamente puxava pela imaginação e incentivava à curiosidade, sem nunca se tornar lamechas - um feito apenas à altura da equipa de ‘craques’ pedagógicos a cargo da adaptação. Foi, em parte, esta abordagem frontal e honesta que permitiu ao programa manter-se no ar durante espantosos sete anos, sem nunca deixar de ter a mesma recepção calorosa e interessada por parte das crianças que a acompanhavam, e chegando mesmo a ser referenciada no titulo de uma música punk de intervenção (!) Em suma, a ‘Rua Sésamo’ é daqueles programas com estatuto de clássico tanto entre as crianças da altura como entre os seus pais – e que o justifica plenamente, em ambos os casos.
Não, não estávamos a inventar aquilo da malha punk de intervenção...
Como não podia deixar de ser, um programa com este grau de popularidade abria vastas oportunidades de mercado, e não tardaram a começar a aparecer nas prateleiras das lojas produtos com a chancela ‘Rua Sésamo’. Muitos destes, como a maioria os livros e algumas das cassettes VHS, eram simples importações directas e traduzidas de material pré-existente no mercado norte-americano, com os correspondentes personagens de ‘cores erradas’ e cenários nova-iorquinos; no entanto, havia também um grande número de produtos totalmente concebidos em Portugal, dos quais os mais memoráveis talvez sejam os discos de ‘Canções da Rua Sésamo’, cujo sucesso justificou vários volumes.
Alguns dos muitos produtos alusivos ao programa comercializados em Portugal na época, tanto com os personagens portugueses como americanos
Um produto, no entanto, destaca-se dos demais, não só pela sua qualidade ‘à parte’ como também por ter sobrevivido como elemento independente do programa que o originara. Falamos, é claro, da revista com o mesmo nome, talvez o melhor exemplo de revista de passatempos e variedades para um público infantil alguma vez criada em Portugal.
Alguns dos muitos números da revista 'Rua Sésamo', um complemento de enorme qualidade ao programa televisivo
Mantendo-se fiel ao conceito do programa, a revista trazia passatempos, jogos e pequenas histórias que permitiam às crianças assimilar conhecimentos e desenvolver competências de um modo divertido e cativante, bem como um 'Guia Para Pais e Educadores', que procurava explicar os valores e competências que cada segmento da revista e do programa procurava transmitir, e sugeria actividades complementares para os próprios educadores realizarem com as crianças. Não admira, portanto, que a revista tenha sido um êxito quase tão grande como o programa, e seja hoje lembrada com tanto carinho quanto este, tanto pelas crianças a quem se dirigia como pelos seus pais.
O programa chegou a ter honras de capa na revista 'TV Guia'
Em suma, a ‘Rua Sésamo’ portuguesa foi daqueles raros programas em que tudo foi bom, do início ao fim. Enquanto a congénere americana continua a debater-se em estertores cada vez mais comerciais, desvirtuando assim o seu legado, a congénere lusa soube quando parar, e conseguiu por isso manter fiel um público que, entretanto, talvez tivesse já crescido demasiado para ainda gostar de um programa expressamente dirigido à faixa etária dos três a sete anos. De facto, essas mesmas crianças ainda hoje relembram com nostalgia o programa – que certamente já terão feito questão de mostrar aos próprios filhos. Se esse ainda não foi o caso, deixamos abaixo o primeiríssimo episódio na íntegra, como ponto de partida para o 'aprendizado' dos gaiatos; e caso não tenham filhos, aproveitem e revivam vocês próprios as memórias daqueles bons tempos a rir e a aprender com o Poupas, o Ferrão e os restantes personagens que nos eram tão queridos…