05.09.24
NOTA: Este 'post' é respeitante a Quarta-feira, 4 de Setembro de 2024.
Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.
Hoje em dia, o aparecimento de novas e misteriosas doenças, infecções e bactérias começa a tornar-se perigosamente corriqueira, com vírus letais e até então desconhecidos a surgirem e propagarem-se com assustadora facilidade e regularidade. Nos anos 90, no entanto, a situação era um pouco diferente, encontrando-se a maioria das principais doenças profundamente estudadas e relativamente sob controlo, com o então novel vírus da SIDA (ou HIV) a constituir a única e preocupante excepção. Explica-se assim o pânico generalizado sentido em Portugal (e um pouco por todo o Mundo) quando, há pouco mais de três décadas, foi oficialmente noticiado o aparecimento de uma nova síndrome entre o gado bovino, potencialmente transmissível aos humanos que consumiam a carne do mesmo.
Corria o mês de Julho de 1994 quando a doença, detectada três anos antes mas sob estudo desde então, chegava à consciência popular nacional, já com um 'nome comum' pronto a cair nas 'bocas do Mundo': 'doença das vacas loucas', uma denominação que fez muitas crianças da época ter imagens mentais de vacas aos 'pulos' pelo prado, de língua de fora e sorriso tresloucado. Tal nome devia-se, no entanto, à natureza neurodegenerativa da síndrome, oficialmente denominada Encefalopatia Espongiforme Bovina (ou BSE), e que, embora não fizesse os bovinos saltar ou exibir um sorriso demente, causava-lhes tremores e convulsões, fazendo com que parecessem 'loucos' – o chamado Síndroma de Creutzfeld-Jakob.
Inicialmente detectada em animais provenientes do Reino Unido, a doença rapidamente se propagou pelos distritos agropecuários do Norte do País, tendo os Açores sido a única grande área de produção bovina a escapar ao surto, que apenas viria a penetrar as Ilhas já no dealbar do Novo Milénio. A situação adquiriu tais contornos que, menos de dois anos após a notícia oficial do primeiro caso, Portugal impunha mesmo uma restrição à importação de carne de vaca das Ilhas Britânicas, por forma a tentar travar o surto e salvar a produção de leite e carne bovina em território nacional. Ao mesmo tempo, era criado um plano de erradicação da BCE em Portugal, que passava pelo desaconselhamento da ingestão de miolos, olhos ou intestinos de vaca, restringindo assim o acesso dos portugueses a muitos dos seus pratos favoritos. Para quem apenas queria desfrutar de um bom bitoque com batatas fritas, no entanto, surgia no mercado uma alternativa até então desconhecida: a carne de avestruz, de sabor e consistência muito semelhantes à de vaca, e que seria alvo de uma explosão de popularidade no período imediatamente subsequente ao do aparecimento da doença em Portugal.
À distância de trinta anos, e à saída de uma epidemia de dimensões até hoje desconhecidas a nível Mundial, é difícil contextualizar a reacção nacional à 'febre das vacas loucas', um daqueles acontecimentos que é preciso ter vivido em primeira mão para perceber e apreciar. Quem viveu essa era 'louca' de bifes de avestruz e restrições ao consumo de mioleira (embora, aparentemente, não para governantes portugueses) decerto terá bem presente na memória aquela que foi, quase certamente, a sua primeira experiência com novas e assustadoras epidemias mundiais, e que pode, hoje em dia, ser vista como uma espécie de 'nível de treino' para o que se viria a vivenciar nos trinta anos subsequentes...