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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

11.07.25

NOTA: Este 'post' é respeitante a Quarta-feira, 9 de Julho de 2025.

Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog.

No tocante a autores de vulto da literatura portuguesa contemporânea, o nome de José Saramago é incontornável. Embora pouco consensual, o malogrado escritor continua a ser um dos primeiros em quem se pensa quando o assunto são obras literárias criadas em Portugal, e mesmo quem não é apreciador é obrigado a reconhecer não só o talento como a importância de Saramago para o desenvolvimento da ficção em 'Português europeu'. E um dos principais livros de que imediatamente se fala ao trazer à baila o autor – que teve, inclusivamente, direito a adaptação cinematográfica 'Hollywoodesca', com Julianne Moore – é a obra que completa, este ano, trinta anos de existência: 'Ensaio Sobre A Cegueira'.

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Capa da edição original da obra.

Tão sinónimo com o escritor português como o histórico 'Memorial do Convento', 'Ensaio Sobre A Cegueira' prova que a evolução da prosa de ficção, e dos gostos de quem a lê, pouco ou nenhum efeito tiveram sobre Saramago, que aplica nesta obra de 1995 o mesmo exacto estilo estabelecido nas suas primeiras criações, mais de três décadas antes, e que se tornou algo 'memético' entre os leitores portugueses; estão aqui as longas frases com excesso de vírgulas, as interpelações em discurso directo violadoras das leis gramaticais, e todos os restantes recursos estilísticos que se tornaram quase indistinguíveis da escrita do autor.

É, pois, necessário ultrapassar esta primeira 'barreira' para que se consiga, verdadeiramente, apreciar a trama da obra, uma variação sobre o tema da epidemia pós-apocalíptica (que hoje seria, talvez, chamada de pandemia) neste caso com efeito sobre a visão humana, conforme explicitado no título da obra. Pretexto para Saramago explorar as formas como as suas diversas personagens – todas identificadas, não por nome, mas por características distintivas ou posição social – lidam com a recém-adquirida deficiência, e como esta os afecta psicologicamente. Um conceito bastante interessante, e que se prestou muito bem à filmagem por Fernando Meirelles (de 'Cidade de Deus'), que permitiu que a história se sobrepusesse à linguagem escrita de Saramago.

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Cartaz do filme de 2008.

Foi, pois, com justiça que 'Ensaio Sobre A Cegueira' adquiriu, quase desde logo, estatuto de 'clássico moderno' da literatura portuguesa, não só por virtude de quem assinava a obra, mas também pela qualidade da trama e da escrita da mesma. Não podíamos, pois, deixar de lhe dedicar algumas linhas neste nosso 'blog', no ano em que se celebra o seu trigésimo aniversário.

21.06.25

NOTA: Este 'post' é respeitante a Sexta-feira, 20 de Junho de 2025.

Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.

O início dos anos 90 viram ter lugar uma mudança de paradigma no tocante ao produto cinematográfico de Hollywood, em mais do que uma vertente. Para além das mudanças na apresentação e estética dos filmes considerados 'blockbusters', assistiu-se também a um influxo de realizadores estrangeiros – nomeadamente asiáticos e europeus – que trouxeram consigo as influências do cinema dos seus respectivos países e regiões, incorporando nos seus filmes elementos estilísticos e temáticos a que os espectadores norte-americanos não estavam necessariamente habituados, e estabelecendo assim uma reputação como criadores de 'cinema de autor' que, ao mesmo tempo, conseguia ser bem aceite pelas massas. E se John Woo e seus comparsas se centravam sobretudo no estilo, com recurso à câmara lenta e inclusão de simbologia visual, o contingente europeu preferia destacar-se pela inclusão de temáticas humanistas e filosóficas naquilo que, regra geral, seria apenas 'mais um' filme de acção ou suspense. Um dos melhores exemplos desta abordagem estreou nas salas de cinema nacionais há pouco mais de trinta anos (a 28 de Abril de 1995) e granjeou imediatamente o estatuto de obra de culto para amantes de 'thrillers' mais cerebrais e menos imediatistas.

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Falamos de 'Léon – O Profissional', o 'thriller' responsável por lançar em Hollywood não só os seus dois actores principais – o francês Jean Reno e uma jovem Natalie Portman, para quem este era o primeiro papel cinematográfico – como também o seu realizador, Luc Besson, que rapidamente ficaria conhecido como um dos melhores 'balanceadores' de estilo e conteúdo do período em causa. E a verdade é que essas qualidades ficam bem vincadas neste filme, que, apesar de longe dos excessos visuais de 'O Quinto Elemento' e outros filmes do realizador, tem um estilo visual próprio, que complementa uma trama centrada, não em tiros e cenas de acção, mas no relacionamento do titular assassino a soldo com a menina que resgata após a morte dos pais – um elemento que Reno e, sobretudo, Portman (em extraordinária actuação para uma criança de apenas 13 anos e sem qualquer experiência no ramo) conseguem transmitir de forma exímia, dando ao filme um 'centro' emocional que muitas outras obras do estilo nunca chegam a almejar.

Não admira, pois, que 'Léon – O Profissional' seja ainda hoje alvo de elogios por parte da crítica especializada, e conste das listas de favoritos de muitos cinéfilos (nacionais e não só) com preferência por filmes com alguma 'substância' a ancorar os momentos de emoção e acção. Mais – nas três décadas subsequentes, o filme quase não 'envelheceu', quer do ponto de vista visual quer a nível do enredo e temáticas, continuando a constituir uma excelente base para uma Sessão de Sexta, e a justificar algumas breves linhas a seu respeito neste nosso 'blog' nostálgico.

10.06.25

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Os anos 90 representaram, na televisão portuguesa, a era por excelência dos programas de variedades para crianças. Já parte integrante da cultura infantil em outros países, foi apenas nos últimos anos do século XX que este tipo de programas verdadeiramente penetrou na consciência colectiva juvenil do nosso País, muito graças a uma série de icónicos e ainda hoje saudosos representantes, com os 'rivais' da SIC e TVI – 'Buereré' e 'Batatoon' – à cabeça, mas também 'A Casa do Tio Carlos', 'Mix Max', 'A Hora do Lecas', 'Clube Disney', 'Oh! Hanna-Barbera', 'Um-Dó-Li-Tá' ou as diversas permutações de 'Brinca Brincando' a conseguirem captar a atenção do público-alvo.

Com tanta e tão ilustre concorrência, não é, no entanto, de admirar que alguns programas deste tipo tenham acabado por 'perder a corrida' pelos corações dos jovens lusitanos, e ficado um pouco mais 'esquecidos' na memória nostálgica dos 'millennials' nacionais. É, precisamente, sobre um desses programas, estreado há pouco mais de três décadas na RTP1, que versam as próximas linhas.

Emitido pela primeira vez a 5 de Junho de 1995, 'Sempre A Abrir' tinha tudo para agradar à sua demografia, do título 'radical' (ou não estivéssemos em meados da década 'bué da fixe' por excelência) a um apresentador carismático, no caso Victor Emanuel, e uma selecção apelativa de desenhos animados, com destaque para a insólita adaptação em 'anime' de 'Música No Coração', à qual já aqui dedicámos espaço. O horário das tardes era, também, conducente ao sucesso, sendo ideal para quem chegava da escola e procurava desenhos animados para acompanharem o seu pão com Tulicreme e copo de leite com chocolate.

É, pois, difícil de perceber a razão pela qual 'Sempre A Abrir' falhou enquanto espaço infantil na era pré-hegemonia de Ana Malhoa e Batatinha. O programa tinha tudo para 'dar certo', e, no entanto, é hoje muito menos lembrado pela demografia que então constituía o seu público do que qualquer dos exemplos acima elencados – isto apesar de se ter logrado manter no ar durante três anos, uma eternidade no contexto em causa, e ocupado tanto a faixa das tardes de semana quanto o não menos apetecível bloco dos Sábados de manhã. A verdade, no entanto, é que, seja por que razão fôr, este bloco infantil se encontra, hoje, praticamente Esquecido Pela Net, sendo difícil conseguir informações ou material relativo ao mesmo, ou mesmo uma imagem ou vídeo para complementar este 'post'; de facto, passe o trocadilho, quase parece que o programa foi 'Sempre A Abrir' rumo ao esquecimento total. Nada que invalide que, na medida do possível, lhe procuremos dedicar algumas linhas nesta nossa rubrica dedicada à televisão nacional noventista.

02.06.25

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Na última Segunda de Séries, celebrámos uma das mais famosas telenovelas brasileiras de sempre, e sucesso de audiências nas suas várias repetições em Portugal, 'A Escrava Isaura', aquando dos exactos trinta anos da sua re-estreia; nada mais justo, portanto, do que fazer agora o mesmo com uma não menos famosa congénere, celebrando, simultaneamente, as três décadas da re-estreia e os (aproximados) trinta e cinco anos da sua primeira aparição na televisão portuguesa.

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Era, de facto, nas noites da RTP algures em 1990 – poucos meses após ter concluído no seu Brasil natal – que os telespectadores nacionais travavam, pela primeira vez, conhecimento com Tieta do Agreste, personagem principal e homónima da novela em causa, bem como do romance de Jorge Amado que lhe serve de base inspirativa. E a verdade é que a nordestina de espírito livre e 'pêlo na venta' interpretada por Betty Faria, juntamente com os restantes habitantes da fictícia vila de Santana do Agreste, rapidamente conquistou os portugueses da mesma forma que havia feito com os seus conterrâneos, 'prendendo' grande parte do País à televisão à medida que encetava a sua longa e atribulada viagem rumo ao inevitável final feliz, como 'Madame' rica em ambiente urbano.

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E se 'Isaura' trazia ainda valores de produção e estilos representativos de outra época, 'Tieta' era, em tudo excepto na ambientação e figurinos da própria trama, uma novela moderna e contemporânea, que contava no elenco com muitos dos nomes mais conhecidos do meio à época, os quais asseguravam uma qualidade de representação acima da média, ou não tivesse o projecto tido início como mini-série, antes de o realizador perceber o seu potencial como novela em horário nobre – uma 'fezada' que, evidentemente, rendeu os melhores dividendos possíveis.

Isto porque 'Tieta' é um clássico absoluto (e merecido) da telenovela brasileira, fazendo parte das produções mais bem-sucedidas e recordadas da História do meio, e tendo sido, no seu tempo, capaz de reunir toda a família em torno do televisor após a hora do jantar. Tanto assim que, cinco anos após o seu sucesso inicial (e há exactas três décadas em inícios de Junho de 1995) acabava mesmo por regressar aos ecrãs nacionais, agora na SIC, e ainda mais do que a tempo de cativar uma audiência talvez demasiado jovem aquando da transmissão original, tal como sucedera com a predecessora 'Isaura'. Razão mais que suficiente para celebrarmos, com estas breves linhas, os dois 'aniversários marcantes' simultâneos de uma produção que marcou época, e deixou boas memórias a inúmeros membros das gerações 'X' e 'Millennial' lusitanas.

23.05.25

Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.

De entre os muitos nomes que definiram o panorama cinematográfico dos anos 90, um dos mais incontornáveis é o de Brad Pitt, hoje actor consagrado e respeitado, mas que – a par do seu contemporâneo Leonardo DiCaprio, hoje também tido em grande conta – era posicionado à época como sucessor natural dos galãs da década anterior, como Patrick Swayze ou Tom Cruise. Adorado por grande parte da população feminina pela sua atraente aparência e luminoso sorriso (em competição com o de Tom Cruise como o melhor daquela época), o então jovem actor viu-se, naturalmente, denegrido por uma parcela significativa não só do público jovem masculino, mas também dos críticos de cinema, para quem, nessa fase inicial, não passava de mais um 'menino bonito' de habilidade limitada.

A verdade, no entanto, é que tal visão era algo declaradamente parcial, e mesmo um pouco injusta, já que, mesmo nessa fase embrionária da sua carreira, Pitt dava já sinais de poder ser um nome a ter em conta para o futuro, granjeando mesmo papéis em filmes de realizadores como Robert Redford, com quem fez, em 1992, o aclamado 'Duas Vidas e Um Rio'. Seria, no entanto, apenas dois anos depois que surgiriam os dois filmes que verdadeiramente o consagrariam junto do público cinéfilo: 'Entrevista Com O Vampiro' e a obra a que dedicamos este 'post', 'Lendas de Paixão'.

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Produzido em 1994, mas estreado em Portugal apenas no ano seguinte – completaram-se no passado dia 11 de Maio exactos trinta anos sobre a sua estreia, não tendo o hiato do Anos 90 permitido falar do filme nessa altura – 'Lendas de Paixão' é, como 'Duas Vidas E Um Rio', um filme 'de época', desenrolando-se a trama durante toda a primeira metade do século XX, desde a Primeira Guerra Mundial até 1963. Um projecto, desde logo, ambicioso, e que requeria mais do que apenas uma 'cara bonita' para o conduzir; felizmente, Pitt esteve à altura, não destoando do restante elenco, e contribuindo para um filme ainda hoje bem conseguido (chegou a ganhar o Óscar de Melhor Cinematografia do seu ano) e bem merecedor de ser visto.

A conribuir para o sucesso global da obra, ao lado de Pitt, estão nomes como Aidan Quinn, Julia Ormond e o incontornável Anthony Hopkins, no papel do pai de três homens com quem é forçado a encarar as sucessivas mudanças histórico-sociais da América durante o período em causa, que afectam até mesmo as vidas de cidadãos do Montana rural, como a família Ludlow. O foco, no entanto, está todo no Tristan de Brad Pitt, grande catalista das peripécias do filme, um personagem complexo e longe de perfeito, mas com quem é, ainda assim, fácil simpatizar ao longo do decurso do filme.

Juntamente com 'Entrevista Com o Vampiro', esta obra ajudaria, pois, a elevar o 'cachet' de Pitt como actor principal, dando (parcialmente) o mote para uma carreira de astronómico sucesso, que tornaria o actor numa das mais reconhecidas personalidades dos anos 90 e 2000, e que ainda hoje lhe permite escolher projectos de valor, e trabalhar com realizadores como Quentin Tarantino. Razão mais que suficiente, portanto, para celebrar esta obra, no mês em que se completam três décadas sobre a sua estreia nacional.

19.05.25

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

As telenovelas – sejam brasileiras ou portuguesas – são, desde tempos imemoriais, parte integrante do quotidiano televisivo português, chegando mesmo, nos tempos pré-Internet, a juntar famílias inteiras em torno do televisor, para acompanharem juntas aquelas mirabolantes tramas repletas de amores, traições e coincidências improváveis, a caminho do invariável final feliz. E se muitas destas produções 'ficaram pelo caminho' uma vez concluída a sua exibição, outras houve que lograram resistir à passagem dos anos, voltando uma e outra vez às grelhas nacionais, prontas a serem descobertas por toda uma nova geração de potenciais fãs.

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Um dos mais destacados exemplos desta tendência foi a primeira adaptação do romance de Bernardo Guimarães, 'A Escrava Isaura', produzida em meados dos anos 70 e transmitida originalmente pela RTP no final dessa mesma década, mas que, há exactos trinta anos, e volvida mais de uma década e meia sobre a sua primeira exibição, regressava ao 'convívio' dos telespectadores portugueses, desta vez pela mão da SIC, onde passava, precisamente, ao final das tardes de Segunda-feira. E a verdade é que, num país onde grande parte do conteúdo era ainda oriundo de décadas passadas, 'A Escrava Isaura' conseguiu não destoar – também graças aos elevados valores de produção para o seu género e época – e conquistou mesmo o 'coração' de muitas crianças e jovens das gerações 'X' e 'millennial', que passaram a acompanhar a novela ao lado dos pais, tios ou avós.

E não era caso para menos, já que o enredo de 'Isaura' tem tudo o que se pode desejar de uma produção do seu tipo, com a vantagem de ser baseada em material não só pré-existente, como de qualidade, o qual lhe granjeia uma base sólida de que a maioria das outras novelas não gozam, evitando assim alguns exageros em que as mesmas tendem a cair. O elenco é, também ele, forte (embora com poucos dos nomes normalmente associados às novelas brasileiras) resultando num produto final com certo factor de intemporalidade, e mais merecedor do tempo e paciência dos espectadores do que a maioria das suas congéneres. Tal facto fica, aliás, bem evidente no retumbante sucesso internacional da novela, a qual teve, inclusivamente, direito a um 'remake' em 2004/2005, embora o impacto do mesmo tenha ficado longe do da sua antecessora, a qual é, até hoje, a novela mais repetida da Globo, e, consequentemente, uma das mais vistas a nível mundial. Portugal não é, de todo, excepção a esta regra, justificando assim estas breves linhas por ocasião da data em que a novela principiava a cativar a sua segunda leva de espectadores em território nacional.

12.05.25

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Qualquer melómano velho o suficiente para ter tido interesse em música em inícios dos anos 90 não hesitará em apontar essa época como a era do nascimento do 'rap' e 'hip-hop' em Portugal, pelo menos no que ao 'mainstream' diz respeito. De facto, a primeira metade da última década do século XX marcava o momento em que o estilo musical nascido e popularizado do outro lado do Oceano Atlântico na década anterior extravasava a presença maioritariamente 'clandestina' que marcava nos bairros periféricos das grandes cidades, e 'explodia' nos ouvidos de toda uma geração de jovens prontos a receberem e assimilarem aquelas palavras de ordem e crítica social em ritmo sincopado. O culminar desta ascensão do chamado 'hip-hop tuga' seria, claro, a colectânea 'Rapública', lançada em 1994 e que popularizaria nomes como Black Company ou o produtor, Boss AC; no entanto, logo nos primeiros meses da década, já um grupo de jovens da mesma zona na Margem Sul do rio Tejo se havia aventurado na organização do primeiro festival de 'rap' nacional. Entre eles, encontrava-se um MC em ascensão, e que em breve viria a deixar a sua marca no panorama do 'rap' nacional: o moçambicano Sergio Matsinhe, mais conhecido pelo 'nome de guerra' General D.

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Membro fundador dos supracitados Black Company (embora já não fosse a tempo de desfrutar dos benefícios trazidos pelo mega-sucesso 'Nadar') e envolvido em inúmeros outros projectos da cena à época, General D destacava-se pela 'africanidade' que injectava no seu 'rap'/'hip-hop', fosse no aspecto musical, fosse na grafia das letras ou mesmo na forma como as interpretava. Esta vertente algo mais original do que a média, bem como mais flexível e versátil, não tardou a colocá-lo no 'radar' de artistas mais comerciais, tendo a primeira gravação do jovem MC sido como convidado num tema dos Pop Dell'Arte, em 1990. Ainda antes de qualquer registo próprio, D surge também como um dos compositores e intérpretes da banda sonora de 'Até Amanhã, Mário', de 1993, um dos poucos filmes portugueses da época a granjear atenção por parte do público.

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Com tal nível de exposição mediática, o surgimento de registos próprios era inevitável, e, em 1994, General D lança mesmo o seu primeiro EP, o provocatoriamente intitulado 'PortuKKKal É Um Erro'. Esta denominação, aliada às letras críticas do racismo vigente na sociedade portuguesa, caíram como uma 'pedrada no charco' da bem-comportada cena musical nacional, e valeram a D a presença em muitas plataformas de debate público, para discutir os problemas vividos por imigrantes, retornados e seus descendentes no Portugal daquela época.

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Longe de 'descansar sobre os louros', no entanto, General D voltava ao 'ataque' menos de um ano depois, desta vez com um longa-duração, em conjunto com o grupo Os Karapinhas. O título 'Pé Na Tchôn, Karapinha Na Céu' deixa desde logo bem evidente a filosofia e atitude perante a vida de General D, embora se afirme como algo introspectivo e humilde face à barragem de ácidos comentários tecidos pelo MC nas suas letras. Um registo cáustico, mesmo para os padrões do 'hip-hop', e que posicionava General D como um dos principais 'activistas' da cena nacional, bem mais engajado e combativo do que os muito mais explicitamente comerciais Da Weasel, ou mesmo do que a maioria dos nomes presentes em 'Rapública'. O vídeo de 'Black Magic Woman' (que, ao contrário do que se possa pensar, não constitui uma versão da música dos Fleetwood Mac) estava também em alta rotação nos programas de 'videoclips' nacionais, cimentando o estatuto de Boss AC como uma das grandes 'esperanças' do 'rap' nacional, uma reputação que apenas aumentaria com participações em temas de Cool Hipnoise e Ithaka.

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O passo final na evolução de D seria, no entanto, dado apenas dois anos depois, em 'Kanimambo', o segundo (e, até hoje, último) álbum do MC. Agora acompanhado por colaboradores de luxo, como António Chainho ou o congénere brasileiro Gabriel o Pensador, o General debitava mais uma série de temas cáusticos (embora também mais trabalhados) que lhe permitiam continuar a 'somar e seguir' na cena. Uma bem-sucedida 'tournée' por Portugal, Espanha e França parecia anunciar a 'explosão' definitiva de D, o qual, concluída a mesma, se deslocaria até à Jamaica para trabalhar com os renomados Sly and Robbie...

...e não voltaria a ser visto durante quase duas décadas.

De facto, seria apenas em 2014 que um jornalista seguiria o 'rasto' de Sergio Matsinhe, vindo a encontrá-lo em Londres. Em entrevista exclusiva, o MC revelava ter passado maus momentos tanto na capital britânica como nas ruas de Nova Iorque, vivendo uma existência muito distante dos dias de glória nos palcos nacionais. A entrevista, e respectiva capa, ajudavam o General a regressar à consciência popular dos melómanos nacionais, mesmo a tempo da reedição dos seus dois registos, em 2015. O regresso aos palcos, no entanto, dar-se-ia apenas quatro anos depois, num evento na Altice Arena que reunía muitos dos 'pais fundadores' do 'hip-hop tuga' – não só General D, como também Boss AC, Black Company ou Chullage, entre outros. Um final merecidamente apoteótico para uma carreira (e vida) que foi do Céu ao Inferno, sempre de pés no chão e carapinha no ar, e que continua, até hoje, a deixar a sua marca em todo um movimento musical.

12.04.25

NOTA: Este 'post' é respeitante a Sexta-feira, 11 de Abril de 2025.

Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.

Nenhum membro da primeira metade da geração 'millennial' (aquela nascida, maioritariamente, durante a década de 80) e oriundo de um país ocidental necessita de quaisquer explicações quanto ao nível ou à razão da fama de Macaulay Culkin. Dois mega-sucessos de Natal em anos consecutivos – o filme de estreia 'Sozinho em Casa' e a sua primeira sequela – colocaram aquele 'puto' loirinho de sorriso maroto nas 'bocas do Mundo' e projectaram-no para um sucesso que talvez ainda fosse muito novo para gerir, transformando-o naquilo a que a revista Super Jovem chamava, no seu 'número zero', uma 'mini super-star' (e só o facto de uma revista emergente para jovens utilizar 'Mac' como chamariz já diz tudo o que é preciso saber sobre a influência do rapazinho na cultura popular juvenil da altura).

Não é, pois, de surpreender que, após o sucesso dos dois primeiros 'Sozinho em Casa', os produtores de Hollywood procurassem integrar o jovem nos seus projectos, nem tão-pouco que o próprio Culkin quisesse diversificar o seu repertório, fazendo alguns 'desvios' do seu nicho de comédia infantil, o principal dos quais foi o papel dramático e até sádico em 'O Bom Filho', ao lado de outra jovem revelação, Elijah Wood, ele próprio a menos de uma década do mega-estrelato. Mais curioso é perceber que dois desses filmes chegaram às salas de cinema portuguesas lado a lado, exactamente no mesmo dia - há quase exactos trinta anos, a 7 de Abril de 1995  - criando assim uma espécie de 'dose dupla' de 'Mac', que não terá deixado de fazer as delícias dos seus pequenos fãs.

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O primeiro, e mais ambicioso, destes filmes foi 'A Grande Viagem' (título bem mais genérico que o original 'The Pagemaster') que propunha uma arrojada combinação de acção real com animação, ao estilo do que a Disney havia feito, com excelentes resultados, durante os anos 60. À cabeça de um elenco 'de luxo' que inclui Christopher Lloyd, Whoopi Goldberg e dois dos mais emblemáticos tripulantes da nave 'Enterprise' (Patrick Stewart, que à época ainda não se sentara na cadeira de capitão, e Leonard Nimoy, maior ícone d''O Caminho das Estrelas' original) 'Mac' embarca numa viagem através de várias cenas típicas da literatura infanto-juvenil, apresentadas no estilo de animação típico da altura.

Uma abordagem que tinha tudo para agradar ao público jovem...mas, por uma razão ou outra, não agradou. Antes pelo contrário – o falhanço deste filme, juntamente com o de 'Gatos Não Sabem Dançar', de 1997, viria a colocar entraves no departamento de animação da Turner, adiando ou cancelando vários projectos. E se as razões para tal desprezo por parte do público são incertas, a verdade é que o filme pouco faz para se destacar de qualquer outro filme infantil da época, tendo sido largamente ignorado pela 'onda' nostálgica que entretanto tomou conta das redes sociais.

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E se 'A Grande Viagem' é apenas descartável, já o outro filme de Culkin estreado na mesma altura é notável apenas e só por ser a obra que veria Culkin, então com catorze anos, 'reformar-se' como actor infantil, entrando num hiato que viria a durar toda uma década, e que ficou marcado por uma 'espiral' de problemas pessoais por parte do jovem. Falamos de 'Riquinho', adaptação em acção real do desenho animado e banda desenhada do mesmo nome (ambas da Harvey) que vê 'Mac' interpretar o impossivelmente rico personagem principal, em mais uma comédia infantil sem nada de particularmente errado ou entusiasmante, sem grandes estrelas no elenco, e que só é mesmo lembrada por ter sido a 'despedida' de Culkin dos écrãs até à idade adulta, e por trazer o irmão mais novo da mini-estrela, Rory, como a versão de menos idade do personagem principal.

Dois filmes, portanto, que, sem serem obras-primas do cinema infanto-juvenil, ofereciam ainda assim ao seu público o suficiente para manter elevado o interesse na 'jovem estrela' do momento, e terão constituído uma excelente Sessão de Sexta dupla para os fãs do pequeno actor...

10.04.25

NOTA: Este 'post' é correspondente a Quarta-feira, 9 de Abril de 2025.

A banda desenhada fez, desde sempre, parte da vida das crianças e jovens portugueses. Às quartas, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos títulos e séries mais marcantes lançados em território nacional.

Nas últimas duas décadas do século XX, o mercado da banda desenhada em Portugal dividia-se em duas grandes categorias: por um lado, os 'quadradinhos' de quiosque da Disney, Marvel, Turma da Mônica e afins e, por outro, os álbuns encadernados, domínio quase exclusivo dos autores franco-belgas clássicos. De quando em vez, no entanto, um ou outro trabalho mais independente procurava 'furar' esta duologia, fosse ele um álbum ou série de álbuns assinados por um autor emergente ou, como no caso de que aqui falaremos, uma revista destinada a pôr em relevo múltiplos nomes da cena. Era, exactamente, essa a proposta da Crash, um periódico totalmente independente lançado pelas Publicações Totais que, apesar do nome algo 'duvidoso', conseguiram levar às bancas um produto com alguma qualidade, cujo primeiro número celebra este mês trinta anos de vida.

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Com foco particular na fantasia e ficção científica (géneros com larga e colorida história em países como os EUA e o Reino Unido, mas pouquíssima expressão em Portugal) a Crash era um projecto de Miguel Jorge, nome já com algum percurso no Mundo das artes gráficas nacionais, após ter colaborado com a revista especializada Art Nove. Apesar do envolvimento deste nome de relevo, no entanto, esta nova publicação – com periodicidade mensal e um custo de capa de trezentos escudos, a média para a época – situava-se no limiar entre revista profissional e 'fanzine' (como é classificada nos poucos 'sites' que a relembram), sendo a sua ética e missão editorias derivadas destas últimas.

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De facto, mais do que fazer dinheiro, Miguel Jorge e companhia procuravam dar a conhecer arte – o que pode explicar a pouca expressão que a revista teve, sendo mesmo incerto se terá passado do primeiro número, o único sobre o qual se conseguem ainda encontrar informações. Um caso, talvez, de, como se diz, de boas intenções estar o Inferno cheio – o que não deixa de ser uma pena, já que o objectivo dos editores tinha mérito evidente, e, caso tivesse resultado, a revista em causa poderia ter servido como muito necessária plataforma de lançamento para uma série de artistas gráficos de nicho que haviam tido o 'azar' de nascer e viver em Portugal. Sobram, pois, as referidas intenções, que poderão não ter sido suficientes para 'salvar' a 'Crash', mas a tornam digna de menção por ocasião dos trinta anos do seu primeiro (e talvez único) número.

09.04.25

NOTA: Este 'post' é correspondente a Terça-feira, 8 de Abril de 2025.

A década de 90 viu surgirem e popularizarem-se algumas das mais mirabolantes inovações tecnológicas da segunda metade do século XX, muitas das quais foram aplicadas a jogos e brinquedos. Às terças, o Portugal Anos 90 recorda algumas das mais memoráveis a aterrar em terras lusitanas.

Em meados dos anos 90, o género de acção e tiros em primeira pessoa – vulgo 'first-person shooter', ou apenas FPS – encontrava-se num período de relativa acalmia, após a conclusão da primeira vaga de títulos do género – liderada por 'Doom' e 'Wolfenstein' – e ainda a alguns anos do início da segunda, com 'Duke Nukem 3D'. Havia, pois, lugar a experimentação e alguma tentativa-e-erro dentro do género – um paradigma de que a Psygnosis não hesitou em tirar partido, lançando (para PC, Mac, PlayStation e mais tarde Linux) uma variação relativamente original sobre o tema, a qual acabaria por dar azo a uma trilogia de algum sucesso entre os fãs de videojogos da época.

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Tratou-se da série 'Descent', que propunha todos os trâmites comuns – e apreciados – no género em causa, mas que punha o jogador ao comando de uma nave, ao invés das habituais missões a pé, e em ambientes tri-dimensionais, o que fazia com que os três títulos da série se posicionassem como uma espécie de cruzamento entre FPS de acção e simuladores de vôo, outra categoria de jogo muito popular na altura, tendo o primeiro, inclusivamente, tido a distinção de ser o primeiro jogo do género FPS com gráficos totalmente em 3D. A acção desenrolava-se, sobretudo, em túneis estreitos e claustrofóbicos no subsolo – daí o título da série – infestados de inimigos para eliminar com as diversas armas da nave, bem ao estilo do que normalmente faria um herói musculado com armas de mão – uma fórmula que pouco ou nada se alterou ao longo dos três jogos da série, tendo apenas sido alvo das habituais e expectáveis melhorias em termos de número de missões, jogabilidade e, claro, aspectos técnicos.

                                    Descent_II_cover_art.pngDescent_II_gameplay.png

Os fãs do primeiro jogo - lançado na Europa há pouco mais de trinta anos, em Março de 1995 – sabiam, pois, o que esperar ao adquirir 'Descent II', lançado quase exactamente um ano após o original, e mais tarde 'Descent 3', que chegava ao mercado já ao 'cair do pano' do século XX, numa altura em que a série se encontrava já algo esquecida, mas era ainda relevante o suficiente para garantir sucesso, ainda que moderado, ao terceiro capítulo da saga.

                                               D3_Box_Art.jpgDescent_3_combat.jpg

Não é de espantar, no entanto, que esta série tenha 'ficado' no século passado, não tendo sequer nunca sido alvo de quaisquer tentativas de actualização. Apesar da importância histórica, e de fazer já uso das incipientes tecnologias para jogos 'em rede', a verdade é que o tipo de jogabilidade que 'Descent' propunha já dificilmente se coadunaria com o panorama de inícios do século XX, em que o gosto dos jogadores se começava a desviar destes jogos simplistas e lineares, e a tomar uma direcção mais voltada para os jogos de 'mundo aberto' ou acção na terceira pessoa, alguns dos quais também aqui virão a ter o seu espaço. Enquanto durou, no entanto, a franquia 'Descent' foi popular o suficiente para justificar algumas linhas comemorativas, poucas semanas após o trigésimo aniversário do seu primeiro capítulo, e vigésimo-nono da primeira sequela.

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