25.07.23
Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.
Era inevitável: durante um qualquer intervalo para publicidade, surgia nos ecrãs da juventude portuguesa um anúncio a um concurso de termos e prémios irrecusáveis, ou de um serviço absolutamente irresistível para a demografia em causa, e, na parte inferior do ecrã, lá estava o fatídico indicativo – 0641 (mais tarde 0670 ou apenas 760) – e, em letras microscópicas, o aviso legal sobre os custos (geralmente astronómicos) de efectuar tais chamadas.
Exemplo típico do formato, com uma pergunta ridiculamente fácil destinada a atrair o público-alvo.
Sim, no tempo em que ainda não existiam redes sociais nem 'sorteios' de YouTubers, as chamadas de valor acrescentado representavam um dos principais meios de 'extorquir' dinheiro aos mais novos – ou antes, aos seus pais – criando conjunturas de probabilidades imensamente reduzidas, mas que apelavam maravilhosamente àquele instinto de 'e se for eu?', ou ainda serviços legítimos (como truques e dicas para jogos de PC e consola, anedotas ou chamadas com 'celebridades' como o Pai Natal), mas oferecidos a taxas altamente inflacionadas, e 'debitados' a um ritmo o mais lento possível, de forma a obrigar os jovens a ficar em linha vários minutos. Era um negócio, ao mesmo tempo, legal e completamente desonesto, magnificamente capaz de explorar a 'zona cinzenta' em que se encontrava, e que apenas o advento da Internet – não a dos anos 90, mas aquela que conhecemos hoje em dia, em que tudo é possível com um ou dois cliques – conseguiu erradicar.
De facto, quando os serviços oferecidos por estas linhas passaram a estar disponíveis, sem custos, nos mais variados 'websites', e os concursos passaram a envolver o preenchimento de um formulário em vez de repetidas tentativas de ligar para um determinado número, as chamadas de valor acrescentado deixaram de fazer sentido, e acabaram por desaparecer do 'mainstream' televisivo - embora sobrevivessem, ainda e sempre, nas emissões 'fora de horas' de certos canais privados.
Linhas como esta, destinada a informações sobre a programação dos canais da RTP - sim, a sério! - tornar-se-iam completamente obsoletas após a massificação da Internet.
O conceito em si, no entanto, não se extinguiria completamente – apenas se transmutaria, com as chamadas telefónicas a serem substituídas por SMS (também de valor altamente inflacionado, claro) utilizados para fins tão diversos como obter a música 'da moda' no famoso formato de 'toque polifónico', falar com aquilo a que se viriam a chamar 'chatbots', ou até algo tão simples como ter uma anedota enviada para o telemóvel. Sob esta nova forma, este tipo de serviço sobreviveria ainda cerca de uma década, até o advento dos 'smartphones' vir tornar obsoleta a necessidade de 'sacar' toques oferecidos por serviços mais do que manhosos, e pagos a peso de ouro.
Ainda assim, uma década após a sua extinção derradeira, e trinta anos após o seu auge, este tipo de serviços continua a ser recordado por toda uma geração de portugueses como uma das maneiras mais certas de levarem uma 'bronca' dos pais no fim do mês; já para a Geração Z, esta será mais uma das muitas experiências que nunca chegarão a viver pessoalmente – embora, neste caso, isso talvez não seja necessariamente algo de negativo...