18.03.22
Os anos 90 estiveram entre as melhores décadas no que toca à produção de filmes de interesse para crianças e jovens. Às sextas, recordamos aqui alguns dos mais marcantes.
Há cerca de um mês, quando aqui analisávamos a adaptação cinematográfica de 'Matilda, a Espalha-Brasas', celebrava-se o aniversário da estreia em Portugal de uma outra adaptação a filme de uma obra de Roald Dahl; agora, ainda que com algum atraso, remediamos esse 'esquecimento', e falamos da versão de 1990 de 'As Bruxas'.
Estreado logo no segundo mês da década, no famoso festival de cinema fantástico Fantasporto, o filme do desconhecido Nicolas Roeg traz como nome maior no seu elenco Anjelica Huston, na altura ainda a um ano de distância do papel que a tornaria famosa entre toda uma geração de crianças e jovens, o de Morticia Addams. Aqui, Huston interpreta a Grande Chefe das Bruxas, que vê a convenção anual desta 'classe', realizada num popular hotel inglês, ser inadvertidamente exposta por dois jovens hóspedes do hotel, prontamente transformados em ratos para os impedir de contar o que descobriram.
Huston como bruxa-chefe
O resto do filme segue os esforços dos protagonistas, Luke e Bruno, para conseguir o antídoto que lhes permitirá desfazer a maldição da bruxa, e travar os seus planos para criar uma poção que elimine do Mundo todas as crianças – uma missão que deixa muito espaço à criatividade e imaginação típicas da obra de Dahl (e o argumento de Alan Scott é extremamente fiel ao enredo do livro) bem como a alguns momentos bem assustadores, daqueles que o autor também muito apreciava, e que já raramente se vêem nos filmes de hoje em dia (e que dão azo a alguns excelentes efeitos práticos, bem típicos dessa era do cinema fantástico.)
Uma imagem que certamente criou medo de bruxas em quem já não o tinha...
No cômputo geral, apesar de não atingir o estatuto de clássico, 'As Bruxas' não deixa de ser um filme bem representado (Huston, a favorita de Dahl para o papel de bruxa-chefe, justifica plenamente a escolha, tiramdo o máximo partido do seu papel) e que, como é habitual na obra de Dahl, respeita o seu público-alvo o suficiente para lhe providenciar duas horas de diversão inteligente, que justificava bem a ida ao cinema à época, e de que até mesmo os acompanhantes adultos conseguirão desfrutar sem adormecer na cadeira, como é o caso com tantos outros filmes infantis. Apesar de menos lembrado que 'Matilda' ou qualquer das duas adaptações de 'Charlie e a Fábrica de Chocolate', 'As Bruxas' de 90 merecem o seu lugar perto do cimo da lista de adaptações ao cinema de Dahl, sendo bem melhor do que coisas como 'James e o Pêssego Gigante' ou o recente (e aborrecidíssimo) 'BFG', de Steven Spielberg.
E por falar em recente, 'As Bruxas' foi, há cerca de dois anos, alvo de um daqueles inevitáveis 'remakes' de que Hollywood tanto parece gostar de momento. No novo filme, a acção é mudada do litoral inglês para o americano, sem qualquer justificação (uma espécie de 'Alta Fidelidade, Parte 2') e o papel de Grande Bruxa é atribuído a Anne Hathaway, uma herdeira e sucessora bem à altura de Huston, embora mais caricatural e, como tal, menos assustadora.
Anne Hathaway é a nova bruxa-chefe no 'remake' de 2019
A performance da multi-facetada actriz é, infelizmente, a principal razão para ver um filme que, de resto, 'inventa' muito, adicionando personagens e momentos perfeitamente desnecessários, sem no entanto deixar de ser uma opção válida (e invulgarmente inteligente) no campo dos filmes para crianças modernos, e (como o original) perfeita para uma sessão de Halloween em família. Ainda assim, havendo escolha, o original de 1990 é bem mais recomendável, mesmo para quem não tem por ele qualquer nostalgia; é, simplesmente, um filme mais bem feito, que sobreviveu bem à passagem de mais de duas décadas, e que – como 'Matilda' ou os 'Charlies' – é bem-sucedido na sua missão de prestar homenagem áquele que continua a ser um dos maiores autores infanto-juvenis de sempre.