18.03.21
Que melhor maneira de dar início a um blog sobre os anos 90 em Portugal do que com A febre – provavelmente a maior febre que os recreios portugueses da era pré-TikTok e YouTube alguma vez conheceram? Um fenómeno tão popular que fazia parar aulas e jogos de bola, e chegou ao ponto de gerar ‘mercados negros’ de imagens fotocopiadas, geridos com grande sentido comercial por mini-empreendedores do 6º ano?
Falamos, claro, de Dragon Ball Z, talvez a série animada mais popular de sempre em Portugal. Transmitida no nosso país pela SIC a partir de Novembro de 1996, o ‘anime’ criado sete anos antes por Akira Toriyama tornou-se um daqueles fenómenos que suscitavam a pergunta: ‘onde é que estavas no dia da estreia do Dragon Ball Z?’
Nem o Son Goku percebe a razão da 'febre'...
Se não tiverem estado lá em pessoa, tentem imaginar um típico dia de semana em Novembro de 1996, ali por volta das 17h30, hora de muitas crianças regressarem da escola e se sentarem com o seu ‘lanchinho’ a ver qualquer dos programas infantis da tarde. Nesta tarde em particular, no entanto, os outros canais são quase totalmente negligenciados, sobretudo pelos rapazes, que sintonizam quase unanimemente a televisão para a SIC. A razão? Após algumas semanas de anúncios e ‘spots’ televisivos para criar ‘hype’, está finalmente prestes a estrear uma nova série cheia de acção e aventura, mesmo à medida de quem ainda não é adolescente, ou mesmo de quem já é mais velho, mas não tem vergonha de ver desenhos animados.
Alguns minutos depois de televisores de Norte a Sul do país terem sintonizado o canal de Carnaxide, o genérico da nova série irrompe pelas casas de milhões de crianças e jovens, no que seria a primeira de muitas vezes – mais do que alguém ousaria imaginar. Alguns momentos depois, a cabeça de um veado emerge de fora do ecrã, ouve-se a voz de uma personagem feminina a chamar ‘Son Gohaaaaaannn!’…e estava lançado o fenómeno.
Durante os dois a três anos seguintes, Dragon Ball Z seria presença assídua na vida das crianças e adolescentes portugueses, quer através da transmissão diária de episódios, quer da compra de ‘merchandise’ - t-shirts, a caderneta de cromos da Panini, vídeos dos filmes longa-metragem da série ou do Dragon Ball original, os famosos bonecos articulados, ou até um CD de músicas Europop de origem tão duvidosa como a sua qualidade sonora - ou mesmo de meios menos esperados ou ortodoxos, como a referida ‘pirataria’ de imagens fotocopiadas, tiradas da Internet e vendidas no recreio a 5 ou 10 escudos cada, dependendo da qualidade e interesse (um ou outro mais afoito até tentava cobrar 20 escudos por uma suposta imagem de ‘hentai’ da série, saindo-lhe o plano furado apenas por conta da fraca qualidade das impressoras da época, que transformaram a suposta cena para maiores de 18 entre Bulma e Son Goku num borrão indecifrável.) Enfim, uma febre como poucas tinhas havido até então para aquela geração nascida em finais dos anos 80, e como poucas voltaria a haver nos anos subsequentes.
Capa de um dos vídeos lançados à época, com direito a 'gralha' no título e ilustração estilo 'carrossel da Feira Popular'
O mais engraçado é que o antecessor de DBZ, o Dragon Ball original, não tinha conhecido nem metade do sucesso da sua continuação. Havia quem visse, claro – eram até muitos – e a canção do genérico era icónica q.b., mas a série original nunca levou ninguém a tentar desenhar a sua própria cena de Son Goku para vender no recreio, a interromper um jogo de futebol com os amigos ou até uma aula da Universidade (!!) para ver o episódio desse dia, ou a aceder aos incipientes recursos cibernéticos da época para encontrar ‘spoilers’ sobre o que se iria passar a seguir. Era simplesmente mais um desenho animado ‘fixe’ – um estatuto que DBZ largamente transcendeu, e que a continuação, o muito esperado ‘Dragon Ball GT’, nunca sequer esteve perto de atingir.
Mas como diria George Harrison, ‘all things must pass’ – e o fenómeno Dragon Ball Z, embora mais duradouro que muitos outros surgidos naqueles anos 90, acabou mesmo por esmorecer. Muita da responsabilidade pode ser atribuída à própria SIC, que comprou um número limitado de episódios da série e, quando milhões de crianças salivavam pela continuação da saga Cell, e pela introdução do novo vilão Bubu (Buu)…re-iniciou a exibição a partir do primeiro episódio! Sem paciência para verem novamente os quarenta mil episódios para ‘encher chouriços’ da saga Freezer (aqueles que começavam e acabavam com um herói e um vilão frente a frente, a trocar ameaças, ficando o confronto sempre para o famoso ‘próximo episódio’), a criançada tratou de arranjar outros focos de interesse, fazendo esfriar consideravelmente a ‘febre’ que se verificara até então. A SIC ainda tentou corrigir o seu erro, transmitindo os novos episódios ao Sábado de manhã para um público ainda bastante interessado, mas a loucura, tal como ela havia sido poucos meses antes, não se voltaria a verificar.
Mesmo assim, a transmissão portuguesa de Dragon Ball Z constitui, ainda hoje, uma memória indelével para toda uma geração, que acompanhou sofregamente cada novo episódio (incluindo os referidos ‘fillers’), comprou o merchandise (oficial ou, mais frequentemente, pirata) e fez daquele ‘anime’ descomprometido um verdadeiro culto da sua infância e adolescência. Fosse pelo inesquecível tema-título (que alguém de certeza já está por aí a cantar), pela dobragem cheia de referências específicas da época, e em grande parte improvisada por apenas uma mão-cheia de atores (aquilo a hoje se chamaria uma ‘gag dub’) ou simplesmente pelo fator ‘cool’ que emanava, as aventuras de Son Goku e amigos são, ainda hoje, uma das primeiras coisas que qualquer ‘90s kid’, sobretudo do sexo masculino, recordará quando chamado a relembrar a sua infância.
Vá, cantem lá. Vocês sabem que querem.
E vocês? Qual a vossa melhor memória desta mítica série ‘anime’? Deixem as vossas recordações nos comentários!