21.04.21
Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog...
…como é o caso da literatura juvenil.
Não, não estamos a falar de banda desenhada; neste post, falamos de livros ‘à séria’, daqueles com capítulos e enredos, só que especificamente criados para agradar a um público infanto-juvenil - aquilo a que nos EUA se chama ‘middle-grade literature’. E os anos 90 foram, sem dúvida, pródigos em exemplos deste tipo de livro, muitos deles orgulhosamente ‘made in Portugal’, e cuja leitura nenhuma criança com alguma propensão para a palavra escrita dispensava.
É precisamente dessas séries de produção inteiramente nacional que este post vai tratar, sendo esta a parte 1.5 daquilo que deixou, por ora, de ser uma duologia para se tornar numa trilogia.
Isto porque, como um atento leitor teve a gentileza de fazer notar (alô, Renato!) no post anterior, esquecemo-nos de uma série que acabou por marcar os miúdos da nossa geração tanto quanto qualquer dos títulos que abordámos no post – o Triângulo Jota. Pior, apesar de termos falado da série-estandarte da Caminho, Uma Aventura, esquecemo-nos da sua companheira de editora, e talvez a mais genial escritora portuguesa da década – a grande Alice Vieira. E se a primeira omissão foi embaraçosa, escrevermos sobre literatura infanto-juvenil portuguesa sem falarmos de um dos nossos nomes favoritos dentro do género é imperdoável. Por isso mesmo, os estrangeiros vão ter que esperar mais uma semana, porque hoje, corrigimos os nossos erros da edição passada.
E começamos, desde já, por falar no Triângulo Jota, série da autoria do galardoado veterano da literatura infantil e juvenil, Álvaro Magalhães. Iniciada em 1989 e escrita de forma regular até à despedida com a trilogia ‘As Três Pedras do Diabo’, em 2002 (um verdadeiro último volume, ‘O Clube dos Imortais’, viria a sair em 2014, após um hiato de 12 anos), a série centrava-se no grupo homónimo, constituído por três jovens portuenses, todos com nomes começados por J – daí o nome – que se viam, como costuma acontecer neste tipo de séries, envolvidos em todo o tipo de aventuras complicadas para jovens da sua idade.
Alguns dos livros da série Triângulo Jota
Sem oferecer nada de muito diferente dos então líderes de mercado, nomeadamente Uma Aventura e o Clube das Chaves, a série destacava-se principalmente pela sua localização, fazendo bom uso da geografia e particularidades culturais portuenses para criar um clima algo diferente do das séries acima mencionadas. A veterania de Álvaro Magalhães encarregava-se do resto, nomeadamente da boa qualidade da prosa e dos enredos da série, que lhe valiam um lugar no ‘pelotão’ ao lado do Clube dos Quatro ou Detective Maravilhas.
De referir ainda que, tal como Uma Aventura e o Clube das Chaves, esta série teve, também, direito a uma adaptação televisiva, em 2006, já depois do auge do seu sucesso. Curiosamente, a série parece, hoje em dia, ser mais conhecida do que os próprios livros, o que não deixa de ser curioso, dada a sua passagem relativamente discreta pelos ecrãs portugueses.
Os protagonistas da adaptação televisiva do 'Triângulo Jota', de 2006
Abordado que está o primeiro dos dois assuntos deste ‘post’, vamos ao segundo – vamos falar de Alice Vieira. Conhecida pelo seu estilo de escrita muito próprio, tão cativante quanto divertido, a autora vivia, nos anos 90, um verdadeiro estado de graça, que rendeu uma série de livros juvenis absolutamente fabulosa, com início no hilariante ‘Úrsula, a Maior’ e que seguiu com ‘Os Olhos de Ana Marta’, ‘Promontório da Lua’, ‘Caderno de Agosto’, e por fim, ‘Se Perguntarem Por Mim, Digam Que Voei’, todos excelentes exemplos do que melhor se fez e faz na literatura infanto-juvenil em Portugal.
Alguns dos muitos clássicos escritos por Alice Vieira nas décadas de 80 e 90.
De referir, aliás, que esta ‘série de ouro’ não se ficou por esta década, vindo já da década de 80 (tão boa ou melhor que a de 90) e tendo ainda extensão para o novo milénio, com ‘Trisavó de Pistola À Cinta’, mais uma valorosa adição à bibliografia juvenil de uma das maiores autoras para crianças e jovens do nosso tempo – e que, ao contrário de muitos/as, também não faz má figura na escrita para adultos. Uma espécie de Roald Dahl ‘à portuguesa’, portanto, cuja obra vale a pena relembrar e recomendar a qualquer criança que goste de ler e ainda não a conheça…
Antes de terminar, menção ainda para uma série que, apesar de concebida por autores estrangeiros, se celebrizou por uma tradução totalmente ‘localizada’, constituindo assim uma belíssima ponte entre este ‘post’ e o próximo, onde falaremos de séries estrangeiras. Trata-se da duologia ‘Diário de Um Adolescente com a Mania da Saúde’ e ‘Também Tenho a Mania da Saúde’, que segue as desventuras de um irmão e uma irmã que – como os próprios títulos indicam – são vagamente hipocondríacos.
Originalmente editados no Reino Unido em 1986, e da autoria dos psiquiatras britânicos Ann McPherson e Aidan McFarlane, os dois livros foram alvo, na sua chegada a Portugal - em 1990, devido à ‘décalage’ cultural do país, já muito falada nestas páginas - não apenas de uma tradução, mas de uma adaptação total à realidade portuguesa, da autoria do pedopsiquiatra Mário Cordeiro. Os personagens passaram a ter nomes portugueses, frequentar uma escola portuguesa – na zona do Restelo, em Lisboa – e ter um modo de vida ajustado à realidade dos jovens portugueses naquele tempo. Ao contrário de Adrian Mole – com quem o protagonista, Pedro, partilhava muitos traços de carácter – os dois jovens da família Dores perderam qualquer traço de ‘britanicidade’, fazendo com que fosse muito mais fácil às crianças lusas identificarem-se com eles do que com o desastrado intelectual de Leicester. Mérito, pois, para Mário Cordeiro, por ter conseguido este feito - e por ter sido o autor da melhor tradução para português da história da editora Europa-América.
De referir que, à semelhança de quase todos os outros livros mencionados nesta secção até agora, ‘Teenage Health Freak’, o título original do primeiro livro, foi também convertido em série, exibida em Inglaterra nos anos de 1991 e 92.
E pronto – eis-nos chegados ao ponto ideal para fazer a transição para a parte sobre séries de livros infanto-juvenis estrangeiras que fizeram sucesso em Portugal. Isso, no entanto, fica para daqui a duas semanas; entretanto, e como sempre, partilhem as vossas memórias sobre estes e outros livros nos comentários!