07.04.21
Em quartas-feiras alternadas, falamos sobre tudo aquilo que não cabe em nenhum outro dia ou categoria do blog...
…como é o caso da literatura juvenil.
Não, não estamos a falar de banda desenhada; neste post, falamos de livros ‘à séria’, daqueles com capítulos e enredos, só que especificamente criados para agradar a um público infanto-juvenil - aquilo a que nos EUA se chama ‘middle-grade literature’. E os anos 90 foram, sem dúvida, pródigos em exemplos deste tipo de livro, muitos deles orgulhosamente ‘made in Portugal’, e cuja leitura nenhuma criança com alguma propensão para a palavra escrita dispensava. É precisamente dessas séries de produção inteiramente nacional que este post vai tratar, ficando a próxima Quarta de Quase Tudo reservada para os representantes estrangeiros e traduzidos do género.
No que toca a séries infanto-juvenis concebidas e escritas por autores portugueses, destacam-se de imediato duas, ambas dirigidas ao tal público ‘middle-grade’ (compreendido, sensivelmente, entre o final da escolaridade primária e o final do 3º ciclo do ensino básico) e que fizeram, em maior ou menor grau, parte da infância de qualquer ‘puto’ com queda para a leitura.
Alguns dos títulos da colecção Uma Aventura
Começando pelos produtos nacionais, não poderíamos escrever um post sobre literatura infanto-juvenil em Portugal e deixar de fora o seu expoente máximo. Concebida e iniciada ainda em inícios dos anos 80, a colecção Uma Aventura continua a ser publicada até aos dias de hoje, contando já com 62 volumes (estando o 63º previsto para sair neste ano de 2021) e prestes a completar quarenta anos de presença constante nos escaparates – e nas estantes das crianças portuguesas. E isto sem nunca ter sido redesenhada a nível do grafismo, ou cedido a quaisquer modismos desse género!
A razão do sucesso de Uma Aventura – que já foi adaptada para televisão e cinema, sempre com boa recepção – não é difícil de perceber. Tal como todas as melhores obras infanto-juvenis, a prosa trata os leitores como seres inteligentes, e perfeitamente capazes de perceber e apreciar livros escritos em linguagem simples, mas não simplista, e com enredos bem pensados e adaptados à sua realidade. Junte-se a isso um ‘cast’ de personagens memorável (incluindo os dois cães) e ilustrações cuidadas e com um estilo distinto e imediatamente reconhecível (da autoria de Arlindo Fagundes, colaborador das autoras desde o primeiro volume da colecção), e está concebida uma série intemporal, e pronta a agradar a gerações de crianças – como, aliás, vem sendo o caso.
O elenco de uma das adaptações televisivas da série
A receita aparentemente simples desta colecção – basicamente ‘Os Cinco’ adaptados à realidade portuguesa de finais do século XX – continua a revelar-se surpreendentemente versátil e ‘elástica’, e é de imaginar que enquanto a dupla de autoras Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada tiver inspiração e público-alvo, a colecção não deixe de somar números. Qualquer que seja o seu futuro, no entanto, a verdade é que Uma Aventura já faz parte da malha cultural portuguesa, e que os anos 90 foram responsáveis por uma boa parcela do seu sucesso.
Ao mesmo tempo que Pedro, Chico, João e as Gémeas defrontavam malfeitores nos mais diversos lugares, um outro grupo de personagens disputava com eles o coração dos leitores entre os 7 e os 14 anos. Tratava-se do Clube das Chaves, uma série mais voltada para o mistério em detrimento da aventura, mas que partilhava com a sua principal ‘concorrente’ a escrita sofisticada, os enredos inteligentes e envolventes, e as ilustrações apelativas.
As capas originais d''O Clube das Chaves', com as excelentes ilustrações de Luís Anglin
De facto, as ilustrações de Luís Anglin eram tão sinónimas com a série como as de Arlindo Fagundes com Uma Aventura, e se possível, ainda melhores que as da série da Caminho, com um estilo arredondado e ‘cartoony’ que traduziria muito bem para um formato de BD ou animado. Infelizmente, a série nunca fez sucesso que justificasse qualquer destes veículos, embora, como Uma Aventura, tivesse sido adaptada para TV, cinco anos após a publicação do último livro da série.
O elenco da adaptação televisiva d''O Clube das Chaves', de 2005
A principal diferença da série de Maria Teresa Maia Gonzalez e Maria do Rosário Pedreira em relação a Uma Aventura, além do tom menos aventuroso e mais detectivesco, foi o facto de a mesma ter tido uma conclusão definida e, tudo indica, planeada. No total, a colecção teve 21 volumes, espalhados ao longo de exatos dez anos, o último dos quais fechou com ‘chave de ouro’ – passe o trocadilho – a epopeia dos irmãos Pedro e Anica, dos seus primos Guida, André e Vasco e do amigo Frederico para decifrar os mistérios das chaves do avô Cosme. No final da série - e um pouco ao contrário dos personagens algo ‘parados no tempo’ da série rival - todos os jovens eram fisicamente mais velhos, e por consequência mais maduros e com personalidades mais moldadas, oferecendo assim uma perspetiva muito realista do processo de crescimento e da adolescência.
Além destas duas séries, que constituíam leituras ‘por prazer’ para muitos jovens portugueses dos anos 90, destaque ainda para uma autora algo mais ‘mal-amada’ por aquele setor, sobretudo pelo facto de lhes ser ‘impingida’ na escola. Falamos, é claro, de Sophia de Mello Breyner Andresen, cujas obras ‘A Menina do Mar’ e ‘O Cavaleiro da Dinamarca’ foram parte inescapável da disciplina de Língua Portuguesa para muitas crianças do 3º ciclo durante aqueles anos (e, muito provavelmente, ainda hoje.)
Uma capa memorável para a maioria das crianças portuguesas dos anos 90 - pelas melhores ou piores razões...
Embora seja inegavelmente uma das grandes escritoras portuguesas contemporâneas, e a sua morte tenha significado uma perda considerável para a literatura nacional, Sophia é (ou era) bem menos consensual entre as crianças do 7º, 8º e 9º anos naquela década de 90. Apesar de praticar um estilo simples, as suas histórias apresentavam-se algo ‘pesadas’, não captando o interesse da maioria dos alunos forçados a passar um par de horas com elas, duas a três vezes por semana. Ainda assim, seria uma omissão de monta falar em literatura infantil nacional nos anos 90 sem mencionar estas obras, que – uns anos depois, e em retrospectiva – se afiguravam bem escritas e até algo envolventes.
Antes de darmos este post como concluído, espaço, ainda, para recordar outras séries de algum sucesso entre o público infanto-juvenil da época, como o Detective Maravilhas (de Maria do Rosário Pedreira, co-autora do Clube das Chaves, e com ilustrações novamente a cargo de Luís Anglin) ou O Bando dos Quatro, de João Aguiar, e baseada numa série televisiva. Embora nenhuma destas colecções tenha tido o sucesso de Uma Aventura ou O Clube das Chaves, ambas forneceram às crianças portuguesas de finais da década de 90 bom material de leitura, justificando a sua inclusão neste artigo.
As séries 'Detective Maravilhas' e 'O Clube dos Quatro'
Como mencionado no início do post, em termos de Parte I, ficamos por aqui; a segunda parte deste tema será publicada daqui a 15 dias. Até lá, a sala é vossa – liam estas séries, ou outras? Qual a vossa favorita? Faltou-nos falar de alguma? Deixem as vossas opiniões nos comentários!