03.09.23
Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.
Cada janela de transferências do futebol português reserva, inevitavelmente, muitas surpresas, com toda e qualquer equipa – do maior 'grande' ao mais modesto clube distrital – a apresentar invariavelmente um sem-número de novas aquisições que, idealmente, os possam levar a um novo patamar de ambição. Destes novos nomes, a maioria acaba por se inserir em duas grandes categorias: os que convencem, conquistando um lugar no 'onze', e os que não se afirmam, rapidamente rumando a outras paragens. Dentro do primeiro grupo, no entanto, existe ainda uma sub-categoria de cariz extremamente selecto, na qual se inserem aqueles jogadores que demonstram ainda mais do que o já se lhes vaticinava, 'saltando' de equipas históricas mas mais modestas para a ribalta nacional e, muitas vezes, internacional.
Há exactos trinta anos, chegava a Portugal, pela mão do Vitória de Guimarães, um jogador destas características: um jovem médio jugoslavo de vinte e dois anos, que apesar de ainda jovem, trazia já créditos firmados em dois clubes da sua terra natal, entre eles o histórico Partizan, onde vinha sendo usado de forma tão intermitente como qualquer outro jovem da sua idade (trinta e sete jogos em três épocas, entre os dezoito e os vinte e dois anos) mas ainda assim impressionando com o seu inegável talento. O que os adeptos vimaranenses não podiam adivinhar era que o jogador que acabavam de apresentar se tornaria um dos grandes nomes do futebol nacional dos próximos quinze anos, durante os quais viria a conquistar quase todos os principais títulos do desporto-rei nacional. O seu nome? Zlatko Zahovic.
Um jovem Zahovic ao serviço do Guimarães.
Sim, Zahovic, o histórico titular quase indiscutível do Porto penta-campeão, conhecido por assistir na perfeição para a cabeça de Jardel, e que mais tarde viria também a afirmar-se em outro 'grande' do futebol português, o Benfica, onde foi o 'dez' de serviço até se desentender com o treinador Giovanni Trapattoni e rescindir contrato, abandonando assim o campeonato que o vira florescer durante uma década e meia, após a sua chegada ao Norte de Portugal no mercado de Verão da época 1993-94.
E se a primeira experiência de um jovem jogador num país desconhecido pode, muitas vezes, ser inibidora ou intimidatória, tal não foi o caso para Zahovic, que começou de imediato a demonstrar a sua qualidade ao serviço dos vimaranenses, que ajudaria a qualificarem-se para a Taça UEFA em duas das suas três épocas, e onde 'cavaria' um lugar que não viria a perder até a sua saída para 'mais altos vôos', no Verão de 1996, um ano depois do ex-colega de equipa Pedro Barbosa ter rumado a Lisboa para representar o Sporting, e dois depois de Paulo Bento ter feito o mesmo caminho, rumo ao também futuro clube de Zahovic, o Benfica. No total, foram quase oito dezenas de jogos com a camisola alvinegra, durante os quais obteve treze tentos, o mais importante dos quais frente ao FC Porto, em 1995-96, garantindo a vitória dos vimaranenses em plenas Antas, por 2-3, e, ao mesmo tempo, um lugar para si mesmo no plantel dos 'Dragões' da época seguinte, numa daquelas 'novelas' de transferência ainda hoje tao comuns no futebol luso.
No Porto, já com a icónica 'gadelha'.
O período seguinte da carreira do médio dispensa maiores análises – juntamente com Drulovic, Capucho e, claro, Mário Jardel, Zahovic formou uma frente de ataque temível para qualquer defesa adversária, e que levaria o clube portuense ao pentacampeonato, estabelecendo os 'azuis e brancos' como a principal equipa portuguesa da segunda metade dos anos 90. A nível pessoal, há que destacar a sua última época ao serviço dos 'Dragões', há exactos vinte e cinco anos, durante a qual almejou um recorde pessoal de golos, marcando vinte e dois no global das competições internas e sete na Liga dos Campeões, onde entrou no pódio dos melhores marcadores, atrás dos históricos Andriy Schevchenko, então no Dínamo de Kiev, e Dwight Yorke, avançado-centro da melhor equipa do futebol mundial noventista. Um feito notável a juntar a tantos outros que Zahovic já amealhara durante as três épocas transactas, e que lhe valeria, no último defeso de Verão do século XX, a transferência para o Olimpiacos, da Grécia, então considerado um 'grande' do futebol internacional.
Com a camisola do Olimpiacos.
A experiência por terras helénicas não correria, no entanto, de feição a Zahovic, que alinharia menos de uma dezena e meia de vezes pelo seu novo clube na única época que ali realizou; ainda assim, o médio conseguiria uma média de um golo a cada duas aparições (num total de sete), fazendo 'corar' muitos avançados de raiz. Seguir-se-ia o Valência, onde as coisas correriam ligeiramente melhor ao agora esloveno, que amealharia vinte presenças pelos espanhóis, e contribuiria com três golos – um desempenho muito distante dos tempos de glória do jogador, apenas um par de anos antes, mas que se saldaria como honroso para um atleta que continuava a 'contar' ao mais alto nível do futebol mundial, não foram os desentendimentos constantes com o seu treinador, derivados da falta de utilização...
No Valência, já no novo Milénio.
O verdadeiro renascer da carreira do médio deu-se, no entanto, mais uma vez em Portugal, agora mais a Sul, ao serviço de um dos 'grandes' lisboetas, o Benfica, onde ingressava em 2001. Pelas 'águias', Zahovic faria mais três épocas a grande nível, como parte importante dos excelentes plantéis dos 'encarnados' da época, que contavam com nomes como o do ex-colega no Porto, Drulovic, as 'lendas' benfiquista Mantorras e Nuno Gomes, Petit, Simão Sabrosa, Geovanni, Luisão ou o tragicamente malogrado Miklos Feher - que, numa coincidência trágica, viria a falecer, precisamente, no decurso de um jogo contra a equipa que revelara Zahovic.
No Benfica, onde viria a terminar a carreira.
Tudo viria a mudar, no entanto, com a chegada do italiano Giovanni Trapattoni à Luz, que resultaria na perda de preponderância e subsequente descontentamento do médio; a chegada ao clube, no mercado de Janeiro, de Nuno Assis (jogador que ocupava a mesma posição de Zahovic) foi a 'gota de água', tendo o médio rescindido contrato com o Benfica ainda nesse mesmo mês, seis meses antes do término oficial do seu vínculo com as 'águias'. Aos trinta e quatro anos, Zahovic punha, aparentemente, fim a uma carreira que, sem atingir níveis 'galácticos', o tornava nome sonante no contexto da Liga Portuguesa, ao mesmo nível de um João Vieira Pinto, por exemplo.
No papel de director desportivo do Maribor, da sua terra natal.
Não estava, no entanto, concluído o percurso do jogador oitenta vezes internacional pelo seu país, e cujas exibições no Euro 2000 suscitavam comparações a David Beckham; em 2007, Zahovic rejeitaria uma oferta por parte do seu ex-clube, o Benfica, para ser treinador dos Juniores, e regressaria ao seu país natal, onde ocuparia o cargo de director de futebol do NK Maribor, posição que viria a ocupar até 2020, ajudando o clube a conquistar oito títulos de campeão nacional esloveno e a conseguir a qualificação para duas Ligas dos Campeões e uma Taça UEFA, além de ajudar a revelar o próprio filho, o avançado Luka Zahovic, que viria, inclusivamente, a marcar ao Sporting no contexto das competições europeias.
Além deste cargo administrativo, há, ainda, registos de Zahovic ter alinhado em onze partidas por um clube amador do seu país, o Limbus-Pekre, pelo qual terá marcado doze golos durante a época 2008-2009. Um final de carreira propositadamente discreto para um jogador que, em muitas ocasiões, demonstrou não o ser, mas que conseguiu, ainda assim, afirmar-se como nome maior do futebol do país a que chegava há exactos trinta anos, como Cara (Des)conhecida do Vitória nortenho.