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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

20.08.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Ao longo dos tempos, poucos são os desportistas que merecem o rótulo de 'génios'; nomes como Messi, Ronaldo, Figo, Maradona ou Pelé aparecem, no máximo, uma ou duas vezes por geração. No entanto, o patamar logo abaixo está repleto de atletas que, sem serem foras-de-série, se afirmam como muito acima da média, e conseguem construir carreiras a condizer. No caso do futebol português, um desses atletas é o homem de quem falamos neste post, no fim-de-semana em que acaba de completar cinquenta e dois anos de idade.

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JVP na Selecção

Natural do Porto, seria, no entanto, na capital portuguesa que João Manuel Vieira Pinto viria a fazer carreira, afirmando-se, em momentos distintos, como uma das principais figuras dos dois 'grandes' lisboetas - de facto, um dos aspectos mais curiosos da sua carreira é o facto de o único 'grande' a nunca ter representado ser o da sua cidade-natal, que o recusou aquando de um treino de captação, ainda em idade de formação. Foi, pois, no outro grande clube da cidade, que o jovem médio-ofensivo - descrito pelo seleccionador nacional de sub-20, Carlos Queiroz, como 'loirinho e magrinho' - se começou pela primeira vez a destacar pelo seu fino toque de bola e qualidade de passe, corriam ainda os últimos anos da década de 80.

Com apenas dezassete anos, é natural que o jovem não 'pegasse imediatamente de estaca' na equipa do Boavista, mas ainda assim, os dezassete jogos que realizou pela formação axadrezada (marcando quatro golos) foram suficientes para que o mundo futebolístico internacional pusesse os olhos naquele jovem mais do que promissor - especialmente depois de este ter sido peça fulcral na conquista do bi-campeonato do Mundo sub-20 por parte da Geração de Ouro, em 1989 e 1991.

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No estádio que o consagraria, ao serviço da Selecção de sub-20, em 1991.

Aquando desta segunda conquista, aliás, o jovem gozava já de experiência internacional, enquanto parte da equipa de reservas do 'gigante' Atlético de Madrid, pela qal realizaria trinta jogos durante a primeira época completa dos anos 90, contribuindo com nove golos. Sem espaço nos 'colchoneros', o jovem seria, no entanto, 'devolvido à precedência' na temporada seguinte, que passaria a reafirmar-se como estrela do clube que o revelara, que ajudaria mesmo a conquistar a Taça de Portugal de 1991-92, contra o rival nortenho que, em tempos, o havia rejeitado. Previsivelmente, as suas exibições ao longo da referida temporada não tardaram a atrair novamente a atenção de um clube maior, mas, desta vez, a proposta veio de 'dentro de portas' - concretamente, do Benfica, clube com o qual ficaria associado durante a meia década seguinte.

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Durante a breve passagem pelo Atlético de Madrid, em inícios da década de 90

De facto, foi nos 'encarnados' de Lisboa que João Vieira Pinto verdadeiramente atingiu e cimentou o estatuto histórico de que gozou durante os últimos anos do século XX. Mesmo após um 'susto' que quase ameaçou terminar-lhe com a carreira (um pneumotórax contraído durante um jogo de qualificação para o Mundial de 1994) o eterno 'Menino de Ouro' benfiquista continuou a afirmar-se, época após época, como um dos melhores jogadores portugueses da sua geração, atingindo o estatuto de capitão e referência da equipa, bem como de ídolo incontestado dos adeptos. No total, foram mais de duzentos e vinte os jogos de 'JVP' de águia ao peito, entre os quais se contam exibições tão históricas quanto a do famoso 'derby' lisboeta de 1994, em que dizimou quase por si só o eterno rival do Benfica. Tal era a importância do '8' para o jogo dos encarnados, aliás, que o mesmo viria, inclusivamente, a assinar um contrato vitalício com o clube, em finais da década, já depois de ter sido um dos poucos pontos altos 'daquela' equipa orientada por Graeme Souness.

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Com a camisola que o tornaria famoso.

Tendo tudo isto em conta, terá sido com pasmo, choque e até fúria justificada que os adeptos benfiquistas viram o seu símbolo ser, na 'virada' do Milénio, dispensado a custo zero pelo então presidente Vale e Azevedo, e prontamente realizar a viagem até ao outro lado da Segunda Circular para reforçar o rival - isto já depois de ter sido, enquanto jogador livre, uma das figuras da honrosa campanha portuguesa no Euro 2000.

O crucial golo que cimentou a vitória de Portugal sobre a Inglaterra, no Euro 2000.

Para piorar ainda mais a situação, na sua segunda época de verde e branco, João Pinto conseguiria o feito que sempre lhe escapara em seis anos de Benfica, sagrando-se Campeão Nacional de 2001-2002, naquele que seria o segundo título do Sporting em três épocas. Seguiram-se mais duas épocas, sempre como figura fulcral dos 'Leões', pelos quais realizaria cerca de cento e quinze jogos, marcando quase seis dezenas e meia de golos e servindo como 'assistente' para nomes como Mário Jardel, Marius Niculae e até um jovem extremo madeirense de talento fora do vulgar, de nome próprio Cristiano...

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Ao serviço do Sporting.

Este 'segundo estado de graça' de João Pinto não ficou, no entanto, imune a algumas controvérsias - a maior das quais custaria a Portugal uma vitória importante no Mundial de 2002, na Coreia e Japão, palco do famoso murro de JVP ao árbitro espanhol Ángel Sánchez, após o mesmo lhe ter mostrado o cartão vermelho, que resultaria na suspensão do avançado de jogos internacionais por um período de seis meses. Também bem conhecida era a sua animosidade em relação a Paulinho Santos - a qual era, aliás, reciprocada pelo belicoso ícone da fase 'sarrafeira' do Futebol Clube do Porto.

O momento que terminaria a carreira internacional de João Pinto.

Estes incidentes não deixaram de afectar mentalmente o jogador que, após o término da carreira internacional e duas épocas medianas no Sporting, se veria novamente na condição de jogador livre, e de volta a 'casa', envergando pela terceira vez a camisola axadrezada, desta vez enquanto jogador experiente e 'patrão' da equipa. Esta terceira incursão de Pinto pelo clube que o revelara saldar-se-ia em pouco menos de setenta jogos em duas épocas, com mais onze golos a juntar ao seu pecúlio pessoal.

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No regresso ao Boavista.

Seria um fim de carreira digno para um dos pilares da 'Geração de Ouro', no clube que o ajudara a lançar, mas JVP optaria por realizar, ainda, mais uma época ao mais alto nível, ao serviço do Sporting de Braga, onde viria a encerrar definitivamente actividades após uma época e meia como titular quase indiscutível.

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No Braga.

Apesar de ainda ter realizado testes junto do Toronto FC, clube canadiano então na Major League Soccer, o eterno '8' da Selecção viria mesmo a 'pendurar as botas' em Fevereiro de 2008, transitando mais tarde para cargos de dirigente no seio da Federação Portuguesa de Futebol. Não terminava aí, no entanto, o legado da família Pinto no mundo do futebol, já que o jogador deixava um 'herdeiro', Tiago, defesa-esquerdo formado no Sporting e que continua a prosseguir uma carreira honrosa até aos dias de hoje, jogando actualmente pelo Ankaragucu, da Turquia.

Quanto ao pai, uma análise global à sua carreira deixa a imagem de um jogador que, sem nunca ter vingado a nível internacional ou mundial, não deixou de ter uma carreira extraordinária 'dentro de portas' e enquanto esteio da Selecção Nacional, reunindo muitas vezes o consenso até junto de adeptos rivais dos clubes que representava - entre eles este que vos escreve, nos tempos em que o médio ofensivo actuava no Benfica. Fica aqui, pois, a nossa singela e sentida homenagem a um dos melhores jogadores que tivemos o prazer de ver jogar; parabéns, JVP, e obrigado por tudo.

Talvez o momento áureo da carreira de João Pinto.

23.07.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

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O jogador com a última camisola que envergaria.

Era só mais uma jornada, de só mais um Campeonato Nacional da Primeira Divisão. O Benfica viajava até Guimarães para defrontar o Vitória local, numa fria noite de Janeiro de 2004. Do banco, saltava um avançado loiro, contratado a custo zero após rescisão com o FC Porto, e que vinha, a pouco e pouco, conquistando o seu espaço na equipa. E a verdade é que, neste jogo, o mesmo jogador não tarda a deixar a sua marca, fazendo a assistência para o golo da vitória dos encarnados, o único da partida, marcado por Fernando Aguiar. Mais tarde, o mesmo jogador seria admoestado com um cartão amarelo e, em reacção, esboçaria um sorriso irónico e inclinar-se-ia para a frente, pondo as mãos nos joelhos; momentos mais tarde – mas que pareceram uma eternidade – colapsaria no terreno de jogo, suscitando acção imediata por parte das equipas médicas de ambos os clubes, bem como do INEM, que levaria o jogador de urgência para o hospital. Infelizmente, o jovem não viria a conseguir recuperar do acidente cardíaco e, nesse mesmo dia, era noticiado o seu falecimento, aos vinte e quatro anos de idade. Chamava-se Miklos Feher, teria feito há poucos dias quarenta e quatro anos, e a sua morte é ainda hoje lembrada por qualquer adepto português daquela época como talvez a maior tragédia de sempre no desporto-rei nacional.

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A primeira experiência de Feher fora da Hungria foi a sua passagem atribulada pelo Porto.

Do que muitos talvez não se recordem, no entanto, é que Feher vinha já fazendo uma carreira honrosa em Portugal antes da sua chegada à Segunda Circular lisboeta, tendo sido Cara (Des)conhecida num par de 'históricos', e tido mesmo a sua afirmação num deles. Contratado pelo FC Porto ao Gyori ETO, da sua Hungria natal, no defeso de Verão de 1998, pouco antes ou pouco depois de completar dezanove anos de idade (nasceu a 20 de Julho de 1979), o ponta-de-lança já internacional sub-21 pelo seu país ver-se-ia, no entanto, sem espaço no plantel portista da altura, tendo conseguido amealhar apenas dez presenças pela equipa principal dos Dragões (um golo) e mais sete pela equipa B (dois golos) antes de seguir o habitual percurso de empréstimos para ganhar experiência.

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O jogador no Salgueiros...

A primeira paragem foi o 'vizinho' Salgueiros, onde ingressou logo no dealbar do ano 2000, ainda a tempo de efectuar catorze jogos e contribuir com cinco golos; já a primeira época completa do Milénio vê-lo-ia afirmar-se no Braga, onde marcaria catorze golos em vinte e seis jogos, uma média de mais de um golo a cada dois jogos. Pelo meio, ficariam ainda vinte e cinco internacionalizações pela equipa A da Hungria, pela qual marcaria sete golos.

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...e no Braga, onde faria a sua melhor época.

Seriam estas boas exibições que viriam a despertar o interesse do Benfica, com o qual Feher assinaria contrato no final da época 2001-2002, após mais uma temporada 'gorada' no Porto, e por quem chegaria aos trinta jogos e sete golos, sendo opção regular a partir do banco, e ganhando aos poucos a confiança dos adeptos. Tudo viria, no entanto, a terminar naquela noite de Janeiro, em que a morte ceifaria uma carreira que, caso contrário, talvez ainda tivesse continuado durante pelo menos mais uma década, quiçá nas divisões inferiores, ou em outros 'históricos' das ligas portuguesas, até se dar a inevitável transição para o posto de treinador, que talvez ainda ocupasse nos dias de hoje.

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A estátua a Feher no Estádio da Luz.

Tal como sucedeu, no entanto, a História trataria de eternizar Miklos Feher como aquele jovem de 'farripas' loiras e sorriso malandro, vestido com a camisola encarnada com patrocínio da Vodafone, que tiraria um momento para descansar no fim de um jogo físico e intenso, e não tornaria a levantar-se, e que é hoje homenageado com uma estátua no Estádio da Luz, e tributado sempre que uma equipa húngara visita Portugal. Que descanse em paz.

11.06.23

NOTA: Por motivos de relevância temporal, este Domingo vai ser Desportivo, e não Divertido.

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

O estigma da transferência entre clubes arqui-rivais – ainda bem presente no meio futebolístico de hoje em dia – não impediu (nem impede) que, ao longo dos anos, tenha havido um sem-número de jogadores a tornarem-se voluntariamente 'vira-casacas', juntando-se a um dos 'Grandes' após terem servido qualquer dos outros dois. Os nomes são bem conhecidos, e continuam a causar alguma 'comichão' aos adeptos dos clubes 'traídos': Luís Figo (em Espanha), Simão Sabrosa, João Moutinho, João Pereira, Mário Jardel, João Vieira Pinto, Ricardo Quaresma, Silvestre Varela, Yannick Djaló, Lazar Markovic e, mais recentemente, João Mário Eduardo são apenas algumas das 'caras' mais marcantes deste fenómeno. E ainda que este percurso seja, normalmente, feito por via indirecta, geralmente após uma experiência internacional falhada, por vezes, este tipo de troca é mesmo levada a cabo 'à descarada', como no caso do jogador cuja carreira celebramos neste post, por ocasião do seu quinquagésimo-quarto aniversário: o soviético Sergey Yuran, figura maior e mítica do Benfica de inícios da década de 90 mas que, na temporada de 1994/95, foi protagonista de uma controversa transferência para o então hegemónico Futebol Clube do Porto.

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O jogador com as duas camisolas que envergou em Portugal.

Nascido na cidade ucraniana de Lugansk – então parte do bloco soviético – Yuran começou a sua carreira em clubes locais: primeiro o Zorya, pelo qual se estreia com apenas dezasseis anos e onde passa duas épocas e meia (sendo a de 1987/88 a da consagração como elemento-chave da equipa) e depois no Dínamo de Minsk, para o qual se transfere ainda a meio da época supramencionada, e onde consegue marcas impressionantes ao nível dos golos marcados em relação à média de jogos, que desde logo dava indícios das características 'matadoras' do soviético. As boas prestações, fulcrais para a conquista do último Campeonato Soviético por parte do Minsk, foram, aliás, premiadas com a distinção como jogador ucraniano do ano em 1990.

Talvez tenha, aliás, sido esse 'faro' para golo acima da média que motivou o Sport Lisboa e Benfica a ir buscar o jogador à sua terra-natal e trazê-lo para Lisboa, logo no início da época de 1991/92. Pelos encarnados, Yuran faria três épocas que, apesar de menos impressionantes ao nível dos tentos obtidos, o veriam afirmar-se como parte importante da equipa, tendo o avançado alinhado em todos ou quase todos os jogos do clube ao longo do período em causa, sido o melhor marcador da então chamada Taça dos Campeões Europeus na primeira época completa ao serviço do clube, sido presença assídua nas selecções da União Soviética e da efémera Comunidade dos Estados Independentes, e conquistado o carinho dos adeptos com as suas contribuições – além de um Campeonato Nacional, referente à época que se desenrolava há exactos trinta anos.

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Ao serviço da Selecção soviética.

O papel fundamental do avançado na forma de jogar do Benfica, o respeito que obtivera por parte dos adeptos e, especialmente, a conquista do referido campeonato fizeram com que a mudança de Yuran para o FC Porto, logo no início da época seguinte, fosse um 'soco no estômago' ainda maior para os adeptos benfiquistas, já que nada faria esperar que o soviético se decidisse desvincular de um clube onde aparentava ser feliz. Ainda assim, a perda dos adeptos do Benfica foi o ganho dos do Porto, já que a única época de Yuran ao serviço dos nortenhos o veria afirmar-se, também, como peça importante da equipa, pesem embora os apenas cinco golos obtidos.

Essas mesmas boas prestações suscitariam, aliás, o interesse do Spartak de Moscovo, que conseguiria mesmo aliciar o avançado a regressar ao Leste europeu, ainda que apenas por uma época, já que o ano de 1996 o veria rumar a Inglaterra para jogar no Millwall, naquele que seria o primeiro 'passo atrás' da sua carreira. Uma decisão, aliás, de que Yuran demoraria a recuperar, já que os anos seguintes o viram 'deambular' por clubes (então) menores do campeonato alemão – Fortuna Dusseldorf e VfL Bochum – antes de regressar ao Spartak, para uma segunda época algo mais bem sucedida que a primeira. Ainda assim, e apesar destes anos menos bem conseguidos, o avançado continuou a ser opção frequente na Selecção Nacional russa, que representaria até 1999.

O dealbar do Novo Milénio parecia trazer consigo nova esperança para Yuran, que recuperava a estabilidade longe dos holofotes mediáticos, no campeonato austríaco, ao serviço do Sturm Graz. No decurso da segunda época ao serviço do clube, no entanto, o soviético sofreria uma lesão grave na cabeça, que acabaria por ditar o afastamento prematuro dos relvados, aos trinta e dois anos.

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Yuran no papel de treinador.

Daí, o próximo passo era comum e previsível: Yuran tornou-se treinador, iniciando a sua carreira em 2003, ao serviço da equipa de reservas do Spartak, e sendo mais tarde promovido a adjunto dentro do mesmo clube. A primeira experiência como treinador principal, essa, deu-se ao serviço do modesto Dinamo Stavropol, tendo a restante carreira sido feita exclusivamente em clubes de Leste, com destaque para o campeonato russo. Hoje, o outrora prolífico avançado é treinador do Pari NN, clube recém-fundado mas que actua já na Primeira Liga russa – uma posição estranhamente modesta, para quem, em tempos, se contou entre os melhores jogadores não de um, mas de dois dos principais clubes de um campeonato como o português. Ainda assim, aqui ficam os votos de parabéns, e de continuação de uma carreira honrosa como técnico.

21.05.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Por vezes, acontecem coincidências destas: duas pessoas (neste caso, dois jogadores) com o mesmo dia de aniversário partilham um local de trabalho (neste caso, dois clubes), criando uma efeméride interessante não só para aqueles que os rodeiam como também para quem os conheça fora do referido meio. É, precisamente, esse o caso com os dois jogadores de que falamos este Domingo, cujos caminhos se cruzaram não só nas camadas de formação do Benfica como, mais directamente, no histórico satélite do clube da Luz, o Futebol Clube de Alverca, durante a primeira metade da época 1997/98.

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A passagem pela Selecção foi apenas um dos muitos factores partilhados pelos dois jogadores

Falamos de Bruno Miguel Leite Basto, nascido neste dia em 1978, e de Hugo Miguel Ribeiro Leal, exactamente dois anos mais novo, e que celebra este fim-de-semana o seu quadragésimo-terceiro aniversário. Nascidos, respectivamente, em Lisboa e em Cascais, os dois jogadores viriam a ingressar no clube da Segunda Circular ainda ao nível de Infantis, tendo Hugo passado antes pelos mais 'locais' Alcabideche e Estoril,enquanto que Bruno teria mesmo em Benfica a sua primeira experiência futebolística. A partir daí, o percurso de formação dos dois é praticamente idêntico, apenas diferindo as posições, já que Basto actuava a defesa-esquerdo, enquanto que Hugo Leal era médio.

Essa semelhança estende-se também à primeira experiência sénior dos dois jogadores, tendo ambos sido emprestados ao satélite Alverca, famoso, na altura, por acolher jogadores como Deco (com quem ambos os jogadores se encontraram no Ribatejo) e, mais tarde, por ter revelado ao Mundo um tal de Pedro Mantorras. Mais velho, Bruno Basto vai primeiro, realizando no Ribatejo a época de 1996/97, durante a qual, previsivelmente,'pega de estaca', realizando mais de trinta e cinco partidos e contribuindo também com um golo; na época seguinte, junta-se-lhe o mais novo Hugo Leal, que – apesar da concorrência do prodigioso Deco – consegue, ainda assim, amealhar mais de duas dezenas presenças pelos ribatejanos, no decurso das quais marca três golos. Apenas os primeiros de entre esses jogos seriam, no entanto, realizados ao lado do colega das escolas benfiquistas, já que Bruno Basto impressionava suficientemente os responsáveis benfiquistas para ser integrado no plantel principal logo em Dezembro; no final da época, o mesmo sucederia com Hugo Leal, que voltaria, assim, a reencontrar o colega com quem partilhava o aniversário. no seio de um plantel sénior (e não deixa de ser curioso que, dos três jogadores, o único a não ser reintegrado tenha sido precisamente Deco...)

Também curioso é o facto de até mesmo as carreiras de Hugo Leal e Bruno Basto após saírem do Benfica terem sido semelhantes, pelo menos no imediato, já que ambos os jogadores saíram para se tornar ídolos em grandes equipas internacionais – Basto no Bordéus, onde foi parte importante da equipa durante as quatro primeiras épocas completas do Novo Milénio, e Hugo Leal no Atlético de Madrid, onde foi pedra basilar durante duas épocas antes de rumar, também ele, a França, para completar três épocas no Paris Saint-Germain, onde viria a reencontrar o seu antigo colega de equipa, agora na condição de adversário.

É neste ponto, no entanto,que os percursos dos dois jogadores finalmente divergem, com Basto a transitar de França para a Holanda para representar outro clube de grande expressão internacional, o Feyenoord, enquanto Leal regressa a Portugal como uma daquelas contratações de um 'grande' que custam a perceber, fazendo apenas dois jogos pelo Futebol Clube do Porto antes de rumar a outro 'histórico' do futebol nacional, a Académica. A partir daí, o percurso do jogador seria semelhante ao de tantos outros, com passagens por históricos da segunda linha do desporto-rei português, como Braga, Belenenses, Trofense e Vitória de Setúbal, e ainda um 'saltinho' a Espanha, para jogar no Salamanca, antes de terminar carreira no clube que o vira despontar para o futebol, o Estoril, onde penduraria as botas aos trinta e três anos. Já o retorno a Portugal de Basto seria mais protelado, tendo o defesa-esquerdo passado, ainda, pelo Saint-Étienne antes de, em 2006, surgir como suplente do Nacional da Madeira; a carreira, essa, acabaria na época seguinte, com apenas trinta anos, ao iserviço do Shinnik, do campeonato russo.

No geral, duas trajectórias mais do que honrosas – ambas, também, com passagem pelas Selecções Nacionais jovens, inclusivamente enquanto militavam no Alverca, e até pela Selecção A, embora apenas como solução de recurso – para dois homens que partilharam, durante as respectivas carreiras, muito mais do que apenas o dia de aniversário. Parabéns a ambos!

12.03.23

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Todas as equipas e Selecções Nacionais têm os chamados 'jogadores utilitários' – nomes que, sem estarem na 'linha da frente' dos seleccionáveis, são suficientemente confiáveis para constituirem uma opção 'de banco' ou segunda linha perfeitamente viável, e como tal, recorrentemente usada. Muitos destes jogadores partilham, também, a particularidade de serem, ou terem sido, membros influentes de equipas também elas de 'segunda linha', onde acabam por se destacar o quanto baste para justificarem a contratação por emblemas maiores, ou a chamada à Selecção Nacional. O Portugal de finais do século XX não constituiu excepção a esta regra, e tanto os três 'grandes' como a Selecção das Quinas da época contavam com jogadores com este tipo de perfil, dos quais poderíamos destacar nomes como Areias, Frechaut, ou o jogador de que falamos neste Domingo Desportivo, Marco Ferreira.

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O extremo com a camisola que o notabilizou.

Um daqueles 'cromos' clássicos das antigas cadernetas da Panini, Marco Júlio Castanheira Afonso Alves Ferreira nasceu em Vimioso, no Norte de Portugal, há precisamente quarenta e cinco anos, e despontou para o futebol ainda antes da adolescência, em clubes locais como o GD Parada, o Bragança ou o local Águia do Vimioso. A carreira sénior, essa, viria a ter início no histórico Tirsense, onde Ferreira ingressaria para a época 1996-97, conseguindo amealhar dezassete exibições e dois golos na posição de extremo. A razoável época valeria ao jovem uma totalmente inesperada e surpreendente transferência para o Atlético de Madrid B, num daqueles 'passos maiores que a perna' que prejudicam a carreira de tantos jovens jogadores; apesar de este não ter sido o caso com Marco Ferreira, a verdade é que a experiência em Espanha não correu bem, tendo o extremo feito apenas quatro partidas pelos 'colchoneros' antes de rumar ao Yokohama Flugels, do campeonato japonês, no mercado de Janeiro. Também aí a vida não lhe correria de feição, tendo o jogador regressado a Portugal no final dessa época 1997-98, sem ter realizado qualquer jogo pela equipa nipónica.

Felizmente, o regresso ao nosso País permitiu a Marco Ferreira rectificar o seu percurso, tendo-se o extremo afirmado como parte importante da equipa do Paços de Ferreira na única época em que representou os 'castores': no total, foram dezanove as partidas realizadas por Ferreira com a camisola verde-amarela, apresentando-se o jogador a um nível suficientemente alto para despertar a atenção do histórico Vitória de Setúbal, adversário directo do Paços na então II Divisão de Honra; os sadinos acabariam mesmo, aliás, por fazer uma proposta pelo jogador e, no início da última época futebolística do século XX, Marco Ferreira rumaria a Setúbal para aquela que seria a melhor fase da sua carreira. No total, foram três épocas e meia com a 'listrada' sadina, sempre com influência determinante, como o comprovam as quase noventa partidas e quase dezena e meia de golos obtidos pelo extremo durante este período, e que lhe valeram as suas únicas chamadas à Selecção Nacional, todas no ano de 2002.

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Ferreira numa das suas três chamadas à Selecção.

A preponderância de Ferreira no plantel sadino levaria, naturalmente, ao interesse de um 'grande', e, no mercado de Inverno da época 2002-2003, o jogador diria adeus à 'casa' onde fora feliz e regressaria ao seu Norte natal, para integrar 'aquela' equipa do FC Porto de José Mourinho, que contava com outras caras previamente desconhecidas, como Pedro Mendes, Pedro Emanuel e Deco; e apesar de nunca ter conseguido ser mais do que um dos tais 'jogadores utilitários' no plantel dos 'Super' Dragões, o extremo conseguiria, ainda assim, comparecer por vinte e três vezes ao serviço da equipa durante a sua primeira época – uma delas na final da Liga dos Campeões, quando rendeu Capucho ao minuto 98, conseguindo assim ter o seu 'momento' europeu para mais tarde recordar.

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O jogador com a camisola do Porto.

Apesar da regularidade e utilidade como 'opção de banco' (apesar de suplente, chegou a marcar três golos pelo Porto) Marco Ferreira ver-se-ia, na época seguinte, dispensado por empréstimo para o Vitória de Guimarães, onde faria mais de vinte partidas, marcando três golos, antes de regressar ao Grande Porto para representar o Penafiel, naquela que se saldaria como a primeira experiência verdadeiramente 'falhada' desde os seus tempos de juventude: sete partidas e um golo são o saldo de meia época que não deixou grandes lembranças. Foi, pois, com alguma surpresa que os adeptos nacionais viram o extremo assinar por outro 'grande', no caso o Benfica, no início da época seguinte.

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Marco durante a infrutífera passagem pelo Benfica.

Como seria de esperar, no entanto, Ferreira nunca encontrou espaço no plantel 'encarnado', tendo-se a sua passagem pelos lisboetas traduzido em apenas cinco partidas e dois empréstimos, um dos quais o veria embarcar na primeira aventura internacional desde as suas primeiras épocas de sénior; nem a cedência ao Leicester City, de Inglaterra, nem o subsequente ingresso no Belenenses correram de feição, no entanto, com o extremo a conseguir apenas seis partidas em duas épocas, todas com a Cruz de Cristo ao peito. A dispensa do Benfica era, pois, inevitável, e os últimos dezoito meses da carreira de Marco Ferreira seriam passados na Grécia, ao serviço do Ethnikos Piraeus – experiência que tem o mérito de ser a primeira 'aventura' internacional bem sucedida para o jogador, e de lhe ter permitido retirar-se do futebol como figura proeminente do plantel de uma equipa, com trinta e dois jogos realizados ao serviço dos gregos, durante os quais contribuiu com cinco golos, uma das suas melhores marcas pessoais numa só época.

No momento da reforma, Marco Ferreira podia, pois, gabar-se de uma carreira repleta de 'aventuras' e que, apesar dos altos e baixos, o cimentou como uma das melhores e mais reconhecíveis 'segundas linhas' do futebol português da sua época – uma posição perfeitamente respeitável, e que o torna merecedor desta singela homenagem no dia do seu aniversário. Parabéns, Marco Ferreira!

04.12.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos e personalidade do desporto da década.

Numa altura em que um treinador português é notícia no seu país natal por ter batido a selecção do mesmo, num jogo em que esta era favorita, nada melhor do que recordar os anos mais 'obscuros' da sua carreira de futebolista.

Falamos, é claro, de Paulo Jorge Gomes Bento, hoje seleccionador da Coreia do Sul, mas mais conhecido por ter treinado o Sporting Clube de Portugal durante alguns dos seus melhores anos no início do Milénio, altura em que se notabilizou pela sua peculiar cadência ao falar em conferências de imprensa. Muito antes disso, no entanto – uma década antes, para ser mais preciso – já o lisboeta se havia notabilizado dentro dos relvados, como peça importante das estratégias de ambos os rivais de Lisboa durante os anos 90 e inícios de 2000.

O que muitos adeptos menos atentos tendem a esquecer, no entanto, é que, muito antes de envergar a águia benfiquista ou o leão do Sporting, Paulo Bento já se havia destacado numa série de equipas de menor dimensão, entre elas dois históricos das divisões profissionais portuguesas: o Estrela da Amadora, por quem alinhou nas duas primeiras épocas da década de 90, realizando um total de trinta e sete partidas e celebrando a conquista de uma Taça de Portugal, e o Vitória de Guimarães, onde passou três anos (vários deles ao lado do também futuro 'seleccionável' e seu colega nos 'leões', Pedro Barbosa) e onde foi peça fulcral, realizando perto de cem partidas e contribuindo com treze golos – presumivelmente, o tipo de desempenho que terá chamado a atenção do clube da Luz, para onde se transferia no início da época 1994-95 (a tempo de participar 'naquele' derby) e da Selecção Nacional do início da fase Geração de Ouro, pela qual realizaria os primeiros jogos logo em 1992. Para trás ficava, ainda, o Futebol Benfica, outro histórico do futebol luso, onde Bento faria a primeira época como sénior (após passar os anos formativos no extinto Académico de Alvalade e ainda no Palmense) realizando vinte partidas e marcando dois golos.

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O jogador ao serviço de Estrela da Amadora e Guimarães, as duas equipas onde se notabilizou

Apesar do início auspicioso, no entanto, pode dizer-se que foi após a passagem para o Benfica que a carreira de Paulo Bento verdadeiramente 'descolou', tendo o médio defensivo ganho lugar preponderante (embora não cativo) na 'águia' de meados da década, realizando perto de cinquenta jogos e marcando dois golos antes de 'agarrar' a oportunidade internacional oferecida pelo Oviedo. No total, foram quatro épocas no país vizinho, durante as quais o português se afirmou como peça fulcral da equipa espanhola, realizando mais de cento e trinta jogos e marcando quatro golos ao longo da sua estadia na La Liga.

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Bento nos tempos do Benfica e Oviedo, respectivamente

Assim, foi sem surpresas que os adeptos portugueses (e a sua Lisboa natal) acolheram de volta o médio, pouco depois da viragem do Milénio, e agora do outro lado da Segunda Circular lisboeta, onde realizaria quatro épocas de verde e branco, uma das quais veria o clube lisboeta conseguir o seu segundo título em três temporadas, e atingir uma histórica 'dobradinha' sob a alçada do romeno Lazlo Boloni.

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O médio nos 'leões'.

Alvalade continuaria, aliás, a ser a 'casa' do médio mesmo depois de 'penduradas as botas' em 2004, tendo Bento transitado directamente para as funções de treinador da equipa de juniores leonina e, uma época depois, da equipa principal, função que desempenharia durante quatro anos, sempre com resultados extremamente consistentes; assim, e apesar dos atritos que marcaram o final da sua estadia em Alvalade, o treinador continua a ser tido como um dos melhores a passar pelo Sporting nas últimas décadas, a par de Boloni, Augusto Inácio ou Jorge Jesus.

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Bento na transição para treinador, ao serviço do Sporting.

Após a saída do Sporting, a carreira de treinador de Bento daria o 'salto' máximo, vindo o mesmo a ser contratado para o cargo de seleccionador nacional português, que assumiu durante a fase de preparação para o Euro 2012 e que viria a deixar seis anos depois, logo no início da qualificação para o Euro 2016. Após este revés, o português tornar-se-ia um de muitos a explorar as oportunidades oferecidas pelo campeonato brasileiro (o chamado Brasileirão), tomando as rédeas do Cruzeiro – cargo que viria a ocupar apenas por alguns meses, antes de regressar à Europa para treinar o Olimpiacos da época 2016-17. A temporada seguinte vê-lo-ia rumar à China, para treinar o Chongqing Lifang, da liga chinesa (outro destino habitual para treinadores portugueses) antes de ser convidado a treinar a Coreia do Sul, selecção que comanda desde 2018 e com quem agora faz História no Mundial do Qatar. Apenas mais um ponto alto numa carreira recheada deles, e que pode parecer quase inacreditável ter começado num clube como o Futebol Benfica, e que faz do médio uma das mais notáveis Caras (Des)conhecidas do futebol português...

13.03.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Embora Portugal tenha um longo e ilustre historial em certas modalidades desportivas (com destaque para o futebol e o atletismo), outras há em que o país pouco ou nada se destaca. Talvez por isso seja tão moralizante ver aparecer atletas lusos em desportos com pouco historial em solo nacional, como a Fórmula 1 (por muito azarada que a carreira do representante nacional, Pedro Lamy, tenha sido) ou o basquetebol, que ainda recentemente viu um jovem luso atingir o patamar máximo do desporto, ao ser recrutado para alinhar nos Sacramento Kings, da toda-poderosa NBA.

No entanto, apesar de pertencer a Neemias Queta o maior feito da história da modalidade em Portugal, o mesmo não foi o primeiro nome de destaque mundial a emergir do basquetebol lusitano; pelo contrário, quase um quarto de século antes do nascimento do jovem, despontava na sua Lisboa natal um outro nome, que se tornaria o mais reconhecível do basket português durante os mais de 45 anos seguintes.

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Falamos de Carlos Humberto Lehmann de Almeida Benholiel Lisboa Santos – mais comummente conhecido apenas como Carlos Lisboa – um natural da Cidade da Praia, Cabo Verde, criado em Lourenço Marques (hoje Maputo), mas que viria a fazer nome e carreira em outra capital, com a qual partilhava o apelido e à qual chegaria em 1974, com apenas 16 anos, para representar os juniores do Benfica.

Apesar de não ter sido particularmente auspiciosa – Lisboa foi pouco utilizado, e ponderou mesmo abandonar o basquetebol - essa primeira experiência no clube da Luz permitiu, ainda assim, a Lisboa demonstrar qualidade suficiente para atrair a atenção do rival do outro lado da Segunda Circular, que não tardou em abordar o atleta, por intermédio do seu ídolo Mário Albuquerque. Lisboa não hesitaria em aceitar a proposta, e, na época seguinte (ainda com idade de júnior) surgiria na equipa principal do clube listrado de verde e branco, cores que defenderia durante os sete anos seguintes, ajudando a agremiação de Alvalade a conquistar, durante esse período, três campeonatos nacionais e duas Taças de Portugal da modalidade, além de ter sido homenageado com o Prémio Stromp (atribuído aos atletas do clube que mais se destacam em cada ano) em 1981.

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Lisboa ao serviço do Sporting

Tudo parecia correr bem para Lisboa quando, no final dessa mesma época de 1981/82, o Sporting decide extinguir a secção de basquetebol, uma decisão que vigoraria por quase quarenta anos; o base via-se assim, de rompante, 'desalojado' no auge da sua carreira, e obrigado a procurar nova 'casa'. Propostas não faltaram, entre elas uma do FC Porto, mas Lisboa optaria mesmo por se manter na zona de Lisboa, assinando pelo Clube Atlético de Queluz; e o mínimo que se pode dizer é que a decisão do atleta foi extremamente benéfica para o até então modesto clube dos arredores de Lisboa, que, em duas épocas de Lisboa, ganharia a primeira Taça de Portugal (contra o primeiro clube do basquetebolista, o Benfica) e o primeiro campeonato nacional da sua história, elevando consideravelmente o seu estatuto no panorama basquetebolístico nacional.

Não foi apenas o estatuto do clube que se elevou durante este período, no entanto – antes pelo contrário. Com fama de 'decisor' e vencedor de títulos, e presença cativa na Selecção Nacional da modalidade, o basquetebolista não podia deixar de despertar o interesse e a cobiça de vários emblemas, e foi sem surpresas que o Queluz viu o base abandonar os seus quadros em favor do clube que o dispensara quase exactamente dez anos antes (sim, este fenómeno não é, de todo, do domínio exclusivo do futebol...)

Seria aí – no Benfica – que Lisboa viria a passar os restantes doze anos da sua carreira, sempre num registo diferenciado; e apesar de um início, novamente, pouco auspicioso (o Benfica perdeu tudo na primeira época de regresso do atleta, uma situação anómala na carreira de Lisboa) a resposta do base e do respectivo emblema seria retumbante, vindo o Benfica a estabelecer uma hegemonia que duraria quase uma década, e resultaria em sete campeonatos nacionais consecutivos, ainda que apenas em uma Taça de Portugal (em 1991-92.) E apesar de os anos 90 terem representado o ocaso da carreira de um Lisboa já envelhecido, o mesmo ainda iria a tempo de fazer muitos estragos ao serviço dos encarnados – inclusivamente na Euroliga, a principal competição europeia em basquetebol, em que o Benfica teria prestação honrosa na época de 1995-96, e onde, no feriado do 5 de Outubro, Lisboa (na sua última época enquanto profissional da modalidade) estabeleceria um novo recorde de pontos num só jogo, ao conseguir 45 contra o Partizan de Belgrado.

O mais histórico jogo da carreira de Carlos Lisboa, disputado mesmo ao 'cair do pano' da mesma

Uma carreira de mais de duas décadas, e repleta de títulos nacionais (só pelo Benfica, foram dez campeonatos em doze possíveis), via-se, assim, coroada com um feito histórico, bem merecido pela então figura maior do basquetebol nacional, mas também com uma desilusão, já que o último jogo de sempre de Carlos Lisboa seria uma derrota na final do campeonato nacional desse ano, frente ao FC Porto, e já depois de o Benfica ter arrebanhado todos os restantes títulos nacionais da modalidade.

Não terminaria aí, no entanto, a ligação de Lisboa ao desporto que o cativara aos nove anos de idade, ainda em Moçambique; pelo contrário, após a despedida dos 'courts' na qualidade de jogador, o ex-base transpôs toda a sua experiência para o outro lado das linhas, assumindo o posto de técnico em emblemas como o Estoril, o Aveiro Basket e, por duas vezes, o seu clube do coração, o qual levou a mais uma 'enxurrada' de títulos, renovando o seu estatuto como lenda viva do clube da Luz, não só dentro, como também fora dos 'courts'.

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Lisboa ao comando do seu clube do coração

Hoje com 63 anos, o 'Eusébio do basket' – cuja camisola com o número 7 'mora' ainda sobre o Pavilhão da Luz – pode ter sido destronado como detentor do maior feito de sempre da História do basket nacional, mas a verdade é que aquele que parece ser o seu sucessor natural, Neemias Queta, terá de ter uma carreira extraordinária para conseguir igualar o notável percurso de Lisboa, ainda hoje o mais condecorado e consagrado atleta português da modalidade.

 

16.01.22

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Um dos maiores paradoxos do futebol, quer actualmente quer em décadas transactas, prende-se com o facto de, por vezes, jogadores que se revelam como talentos invulgares terem de passar incontáveis temporadas em situação de empréstimo durante os seus anos formativos. É claro que, por vezes, existem nomes que contrariam esta tendência, principalmente desde o dealbar do futebol moderno – basta lembrarmo-nos de Luís Figo, João Moutinho, Renato Sanches, Francisco Conceição ou, claro, Cristiano Ronaldo – mas, para cada um destes exemplos, continua a haver um sem-fim de nomes que deixam os adeptos a pensar em como é possível que os clubes não tenham visto, de imediato, o potencial dos jogadores – nomes como Deco, Miguel Veloso, João Palhinha, ou o homem de que falamos hoje, Rui Costa.

Produto das escolinhas do Benfica, e considerado pela lenda Eusébio como grande promessa para o futuro, Rui Manuel César Costa parecia, à entrada para a sua primeira época como sénior, no dealbar da década de 90, uma escolha natural para a promoção ao plantel principal do clube onde crescera para o futebol – especialmente tendo em conta que o médio tinha feito parte da Selecção portuguesa que havia conquistado o título de campeão mundial de sub-20, em Riade, no ano transacto. Terá, portanto, sido com alguma surpresa que os adeptos benfiquistas viram a jovem promessa de 18 anos rumar ao Grupo Desportivo de Fafe, num dos tais empréstimos por uma época que indicam que, apesar de o clube principal ainda contar com o jogador para o futuro, existem primeiro algumas arestas a lapidar.

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Foto de arquivo que mostra Rui Costa integrado no plantel do Fafe, aqui em treino (Crédito da foto: MaisFutebol)

E o mínimo que se pode dizer é que Rui Costa alisou definitivamente quaisquer 'cantos' pontiagudos que ainda pudessem existir durante a sua temporada na equipa nortenha em 1990-91, tendo-se afirmado como parte indiscutível da equipa (entre aulas de código e visitar ao clube de vídeo, foram 38 jogos, tendo o médio ainda contribuído com seis golos) e crescido o suficiente como futebolista para, aquando do seu regresso à casa-mãe (já com o título de Campeão Mundial de Sub-21, obtido novamente em Riade e no qual Rui Costa teve papel decisivo, ao marcar o 'penalty' que decidiu a final) ser integrado nos trabalhos da equipa principal, da qual apenas sairia para protagonizar uma das primeiras grandes transferências do futebol português moderno, ao rumar à Fiorentina, de Itália, em contra de 1 milhão e 200 mil escudos, o equivalente actual a seis milhões de euros. Pelo caminho ficavam uma Taça de Portugal, ganha ao Boavista por 5-2 em 1992/93, o título máximo de campeão nacional, obtido na época seguinte, sob o comando do não menos lendário Toni, e uma dupla de meio-campo ainda hoje tida pelos adeptos benfiquistas como uma das melhores de sempre, ao lado de João Vieira Pinto.

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De Fafe, Rui Costa 'voaria' para a ribalta do futebol mundial (Crédito da foto: FotoArte/MaisFutebol)

No futuro estava, claro, mais de uma década em Itália, ao serviço da Fiorentina e AC Milão, que lhe valeria a alcunha de 'Il Maestro', outros tantos anos como 'motor' de uma Selecção Portuguesa 'movida' a Geração de Ouro, e, finalmente, um regresso ao Benfica, que acolheu de braços abertos o seu filho pródigo e, após o término natural da carreira deste, o integrou nos quadros do clube que o formara para o futebol, onde ainda hoje milita. Prova concreta de que a previsão de Eusébio, quase quatro décadas antes, estava correcta, e de que Rui Costa era mesmo um dos 'especiais' do futebol moderno – mesmo que esse talento tenha, por uma época pelo menos, andado perdido nos 'batatais' da Segunda Divisão nacional de inícios dos anos 90...

05.12.21

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Já aqui falámos, aquando do último encontro entre Benfica e Sporting, na época passada, da importância que o 'derby' de Lisboa tem para os adeptos de ambos os clubes, ao ponto de, muitas vezes, o seu resultado ser quase mais importante do que o desempenho de cada uma das equipas na restante prova; agora, na ressaca de novo encontro entre os dois emblemas, já no âmbito da nova época, recordamos um jogo em que se verificou, precisamente, essa situação - o famoso 3-6 de 1994, ainda hoje uma das partidas mais históricas e recordadas da História do futebol português.

Ainda hoje custa a ver, para um adepto do Sporting...

Corria o mês de Maio de 1994, e o então Campeonato Português da I Divisão aproximava-se a passos largos do final, quando os eternos rivais da Segunda Circular lisboeta se encontravam, sob chuva torrencial, no velhinho e saudoso Estádio José Alvalade, em partida a contar para a 30ª jornada. O Benfica liderava a prova, mas o Sporting mantinha acesa a perseguição, 'mordendo os calcanhares' às águias na segunda posição da tabela. O 'derby' de Alvalade era, portanto, um daqueles jogos que ajudaria a definir a classificação: o Sporting precisava de ganhar para manter a luta em aberto, e não se deixar ultrapassar pelo outro rival de ambas as equipas, o FC Porto, enquanto que o Benfica tinha na partida uma oportunidade de cimentar a liderança, deixando os dois adversários na luta apenas pelo posto de vice-campeão.

E foi precisamente isso que acabou por se verificar, muito graças a uma das melhores exibições individuais de sempre num jogo do campeonato português, por parte de um 'loirinho' endiabrado com talento inversamente proporcional à altura, de seu nome João Vieira Pinto; o número 8 benfiquista ajudou a manter o Benfica na luta durante a primeira parte de um jogo que até havia começado com o Sporting em vantagem (por duas vezes), tendo os golos do empate sido apontados, em ambas as instãncias, por...João Vieira Pinto. Foi, também, dele o golo que deu a vantagem ao Benfica pela primeira vez, assegurando que os encarnados iam para o intervalo a vencer por 2-3, num jogo em que haviam estado em desvantagem por 1-0 e 2-1 (golos de Cadete e Figo.)

Na segunda parte, foi a vez de outro jogador benfiquista 'abrir o livro' – no caso, o avançado brasileiro Isaías, que ajudou a dilatar e avolumar o resultado em favor das águias, com dois golos consecutivos, aos 48 e 57'. Aos 74', Hélder Cristóvão dava ao resultado contornos de massacre, que nem um penálti tardio do 'mago' Balakov ajudou a suavizar; o Sporting saía, mesmo, de sua casa humilhado (e bem!) pelo eterno rival, e com o Campeonato definitivamente perdido (esta mesma equipa viria aliás, semanas depois, a pôr o ponto final numa época desapontante, ao perder também a Taça de Portugal para o outro rival, por 1-2 após finalíssima.)

À distância de quase três décadas, é fácil perceber porque continua este a ser um dos jogos mais falados de sempre do futebol português: um resultado de 3-6 é tudo menos comum, e quando associado a um 'derby', com todas as 'picardias' que esse tipo de jogo acarreta, ainda mais memorável se torna. E ainda que o Sporting tivesse, mais de uma década e meia depois, conseguido 'vingar-se' deste resultado com um 5-3 para a Taça de Portugal, o jogo de 14 de Maio de 1994 continua a ser uma das 'feridas abertas' para os adeptos leões, e um dos maiores motivos de orgulho para os adeptos benfiquistas que o presenciaram...

FICHA DE JOGO

SPORTING 3-6 BENFICA

14/05/1994

Estádio José Alvalade

Campeonato Nacional da I Divisão – 30ª Jornada

Árbitro: António Marçal

SPORTING: Lemajic; Nélson, Valckx, Vujacic e Paulo Torres (Pacheco, int.); Paulo Sousa, Capucho, Balakov e Figo; Cadete e Iordanov (Poejo, 60').

BENFICA: Neno; Hélder Cristóvão, Mozer, Abel Xavier e Veloso; Kenedy, Paneira, Schwarz e Aílton; João Vieira Pinto (Rui Águas, 78') e Kenedy (Rui Costa, 71').

GOLOS: 1-0 por Cadete (8'); 1-1, por João Vieira Pinto (30'); 2-1 por Figo (35'); 2-2, por João Vieira Pinto (37'); 2-3, por João Vieira Pinto (44'); 2-4, por Isaías (47'); 2-5, por Isaías (57'); 2-6 por Hélder Cristóvão (74'); 3-6 por Balakov (pen, 80'.)

21.11.21

Aos Domingos, o Portugal Anos 90 recorda alguns dos principais acontecimentos desportivos da década.

Para a maioria das pessoas – incluindo os desportistas – a rota para o sucesso é longa e árdua. Embora haja quem pareça já ter nascido ali, no topo da cadeia alimentar da sua respectiva área, a verdade é que, a maior parte das vezes, até as mais distintas carreiras têm início nos locais mais insólitos e inesperados. Nesta nova rubrica aqui no Anos 90, vamos relembrar onde andavam algumas das caras mais icónicas do desporto português, antes de serem famosos.

E começamos, desde logo, com um exemplo perfeito do tipo de percurso acima descrito: a história de Anderson Luís de Sousa, um médio brasileiro que, no decorrer dos anos 2000, se viria a tornar um dos jogadores mais instantaneamente reconhecíveis do mundo do futebol, passeando a sua classe primeiro ao serviço de um FC Porto em transição da fase 'sarrafeira' para a fase de conquista da Europa, e mais tarde do Barcelona, do Chelsea e da Selecção Nacional portuguesa. O que poucos saberão, no entanto, é que antes de viver estes anos de glória, Deco – como era mais comummente conhecido – militou em dois outros 'históricos' do futebol português, ambos entretanto tombados: nada mais, nada menos do que o Alverca (aqui por empréstimo do 'clube-pai' Benfica, juntamente com o colega de equipa e histórico dos ribatejanos, Caju) e Sport Comércio e Salgueiros.

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Deco alinhou pelo Alverca e Salgueiros, nas épocas de 1997-98 e 1998-99, respectivamente

Sim, um dos jogadores mais claramente predestinados da sua geração começou a sua ascensão para o sucesso do mesmo modo que tantos outros: descoberto no seu Brasil natal por um 'grande', mas cedo 'despachado' para um clube satélite, onde acaba por se afirmar. No caso de Deco, no entanto, a excelente época realizada no clube ribatejano - onde foi, ao lado do conterrâneo e colega de equipa Caju, uma das figuras de proa, com 32 jogos e 12 golos - não foi suficiente para conseguir uma segunda oportunidade no Benfica de Souness, demasiado ocupado a arranjar lugares de plantel para os seus 'boys' para reparar na pérola que tina debaixo do seu nariz. No início da época de 98-99, naquele que foi considerado posteriormente como um 'erro histórico', Deco viria a desvincular-se definitivamente do Benfica, clube pelo qual nunca chegara a calçar, e rumaria a Norte, para se juntar ao Salgueiros, seguindo Nandinho (outra aposta falhada do clube da Luz) na direcção inversa. Uma época assolada por lesões levaria a que o hoje luso-brasileiro alinhasse apenas doze vezes pelo histórico clube nortenho, mas mesmo com poucas aparições e muito azar, Deco conseguiu mostrar o seu talento a ponto de despertar o interesse do Porto, que o viria a contratar ainda antes do fim da temporada. O médio estreava-se, assim, na elite do futebol mundial da melhor maneira – com um título de campeão nacional, que quase fazia esquecer a época desafortunada que acabara de viver.

O resto da história é bem conhecido – títulos europeus com o Porto, transferências para o Barcelona e depois Chelsea, participação em algumas das melhores campanhas da selecção nacional portuguesa, e eventual regresso a 'casa' para alinhar pelo Fluminense. Uma carreira verdadeiramente de 'top' mundial, que é difícil de acreditar que começou com a dispensa de uma equipa que ficou na história pelo seu elevado volume de 'mancos', mas que não teve lugar para um dos últimos grandes 'números dez' puros do futebol moderno. No entanto, como se disse no início deste texto, por vezes a vida tem destas coisas – e Deco não será, certamente, o último exemplo que aqui vemos disso mesmo...

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