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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

20.06.22

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

O conceito de que as crianças não gostam de aprender, e são especialmente aversas a conteúdos televisivos didácticos, é tão falacioso como comum; de facto, programas como 'Rua Sésamo' ou 'Artur' provam precisamente o contrário – que o truque está em saber COMO fazer chegar a informação às crianças, de uma forma que as mesmas considerem interessante e cativante.

Outro exemplo deste mesmo axioma, e que chegou mesmo a partilhar tempo de antena com a 'Rua Sésamo', foi a trilogia Era Uma Vez... . Criado pelo francês Albert Barillé em finais dos anos 70 e início de 80, e tendo como ponto comum a família de personagens central, este conjunto de três séries co-produzidas por companhias francesas e japonesas ('Era Uma Vez...O Espaço', a segunda peça da trilogia, chegou mesmo a ser considerada uma série de 'anime'!) foi tão bem-sucedida na sua missão de veicular conteúdos educativos que continua, ainda hoje, a ser 'repescada' a espaços, na tentativa de educar toda uma nova geração de crianças e jovens sobre os temas da evolução humana, do corpo humano, e ainda do espaço sideral.

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O grupo central de personagens comum às três séries, aqui em 'Era Uma Vez...O Homem'

A primeiríssima destas transmissões deu-se, no entanto, cerca de uma década após a criação da trilogia, em inícios dos anos 90, quando a RTP2 apresentou as aventuras de Pedrinho, Psi (ou Pierrette) e Mestre, o carismático personagem barbudo que se viria a tornar o elemento mais identificável da série, e uma espécie de 'mascote' da mesma.

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O carismático Mestre, figura central da trilogia

Foi este o grupo de personagens que os jovens espectadores acompanharam através da evolução humana em 'Era Uma Vez...O Homem', do espaço exterior em 'Era Uma Vez...O Espaço' - esta com um maior balanço entre elementos dramáticos e didácticos, por oposição às restantes duas, que eram declaradamente educativas - e, finalmente, do corpo humano em 'Era Uma Vez...A Vida' (que viria mais tarde, aquando da dobragem para português, a ser conhecida, também, como 'Era Uma Vez..O Corpo Humano').

Em comum, além do núcleo central de personagens, as três séries tinham a animação – primitiva, mas bem conseguida – e a escrita de qualidade, capaz de transmitir informações ao público-alvo sem que com isso os conteúdos se tornassem maçudos ou aborrecidos; pelo contrário, grande parte dos membros da geração que cresceu entre finais dos anos 80 e inícios do novo milénio recorda com carinho esta trilogia de programas, que sem nunca se afirmarem como favoritos de ninguém, conseguiam ainda assim encontrar o seu espaço junto das crianças e jovens da época.

O sucesso desta trilogia não viria, aliás, a ficar-se pelas sucessivas transmissões televisivas, sendo que duas das três séries que a compunham (ficaria apenas a faltar 'Era Uma Vez...O Espaço') viriam a ser lançadas pela Planeta deAgostini em formato VHS, com nova dobragem, e acompanhados de livros complementares, naquela que foi uma das raras incursões da editora por formatos diferentes dos habituais fascículos. Do sucesso desta iniciativa, no entanto, falaremos na próxima Quinta-feira, quando formos ao Quiosque completar esta retrospectiva sobre as séries de Claude Barillé; entretanto, aqui ficam os genéricos das três séries, para ajudar a matar saudades...

17.05.22

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Numa semana em que se vive o rescaldo de mais um Festival Eurovisão, e depois de termos aqui recordado os mais emblemáticos participantes portugueses no mesmo durante a década de 90, nada melhor do que nos debruçarmos um pouco mais a fundo sobre o programa que revelou ao Mundo um dos nomes mais memoráveis dessa lista, Sara Tavares.

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Falamos, claro, de 'Chuva de Estrelas', o mega-popular concurso de talentos musicais que foi pedra basilar da programação da SIC desde a sua criação até ao virar do milénio. E a verdade é que se, à distância de trinta anos, o conceito do concurso (adaptado, como era habitual neste tipo de programas, de um formato estrangeiro, no caso holandês) parece tudo menos original, a verdade é que, à época, tratava-se mesmo de um programa inovador, um dos primeiros, senão mesmo o primeiro, do seu género em Portugal.

De facto, se para um público do século XXI, habituado a programas como 'Ídolos' e 'The Voice Portugal', 'Chuva de Estrelas' é extremamente fácil de definir – trata-se, pura e simplesmente, de uma versão embrionária de um concurso desse tipo – no contexto português de inícios da década de 90, o termo de comparação mais próximo para o que propunha Ediberto Lima talvez fosse mesmo o Festival da Canção, o evento anual que apurava, precisamente, o representante de Portugal no Festival Eurovisão daquele ano; as únicas (mas significativas) diferenças residiam no facto de os concorrentes de 'Chuva' interpretarem, quase exclusivamente, versões de músicas de outros artistas, muitos deles internacionais – um conceito que, décadas mais tarde, serviria de base aos referidos concursos de talentos adaptados de formatos de Simon Cowell.

Ao contrário de 'Ídolos', no entanto, 'Chuva de Estrelas' nunca esteve ciente do valor de uma audição propositadamente irónica ou embaraçosa – todos os concorrentes em destaque no programa eram escolhidos, unicamente, na base do seu talento, e correspondiam com interpretações à altura, emotivas e vigorosas - a carreira musical de Sara Tavares, por exemplo, teve início após a cantora ter 'canalizado' Whitney Houston, numa actuação que lhe valeu a vitória na primeira das seis edições do concurso, em 1993. Esta abordagem viria, mais tarde, a beneficiar também nomes como João Pedro Pais, João Portugal, Carlos Coincas (dos Excesso e D'Arrasar, respectivamente) e Célia Lawson, a responsável pelo primeiro 'nul points' de Portugal na Eurovisão em mais de trinta anos.

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A apresentadora e vencedora da primeira série do programa, Catarina Furtado e Sara Tavares

O facto de este concurso ter, ao longo dos anos, sido entregue à 'nata' dos apresentadores da SIC – primeiro a Catarina Furtado, depois a José Nuno Martins e, por fim, a Bárbara Guimarães – diz muito sobre a importância que lhe era atribuída no contexto geral da grelha de programação da SIC; e a verdade é que essa confiança não foi, de todo, infundada - o programa não só foi um sucesso (dando, até, azo a uma versão 'Mini', com cantores infantis, da qual paulatinamente aqui falaremos) como é, ainda hoje, um dos mais recordados de entre os transmitidos pela estação naquela época, ao lado de outras 'pérolas' como o Ponto de Encontro, o Templo dos Jogos, o Portugal Radical ou o Buereré. E apesar de, tal como alguns destes, a 'mise en scène' do concurso ter envelhecido particularmente mal – 'Chuva' já era 'piroso' na altura, e é ainda mais 'piroso' agora – o seu estatuto como precursos dos concursos de talentos que todos conhecemos (e de que todos já nos fartámos) hoje em dia continua a merecer-lhe lugar de destaque na 'revolução televisiva' do Portugal noventista.

19.04.22

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Quando se fala de humor feito em Portugal, pelo menos na era pré-Gato Fedorento, um nome se levanta acima de todos os outros: Herman José. Com carreira iniciada ainda no tempo do preto-e-branco, o actor e humorista (cuja carreira não dá, aliás, sinais de abrandar) atingiu o seu auge na década de 80, tendo explanado o seu humor entre o brejeiro e o satírico (e sempre no limiar do politicamente incorrecto) ao longo uma série de programas de enorme sucesso, como 'O Tal Canal' e 'Hermanias'; na década seguinte, no entanto, o luso-alemão sofreu uma inflexão na carreira, que o tornou conhecido, sobretudo, como apresentador de concursos e programas de variedades, entre os quais se destacam 'A Roda da Sorte' e 'Parabéns', dois programas de que paulatinamente aqui falaremos.

Já no final da referida década, no entanto, Herman sentiu o 'bichinho' da comédia (que nunca, verdadeiramente, o abandonara) 'morder' de novo, e não tardou a reunir novamente a sua posse de fiéis seguidores e cúmplices, com vista à criação de um novo programa de 'sketches' humorísticos, semelhante aos que o haviam notabilizado nos 'velhos tempos'; o que nem ele, nem ninguém poderia saber é que o mesmo se tornaria, aos olhos de muitos, não só o seu melhor programa, como um sério concorrente ao título de melhor programa de humor português de sempre.

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Falamos, é claro, da mítica 'Herman Enciclopédia', sobre cuja estreia se celebrararam neste fim-de-semana pascal exactos vinte e cinco anos (foi ao ar pela primeir vez a 15 de Abril de 1997) mas que continua, de uma forma ou de outra, a influenciar o humor criado em território nacional até aos dias de hoje.

Larga porção dessa influência deve-se ao facto de a geração que hoje cria programas de humor ter crescido com Herman, e ter provavelmente passado uma grande parte da sua infância e adolescência a citar ou até imitar cenas da 'Enciclopédia'. De facto, a penetração do programa na cultura popular portuguesa de finais do século XX foi tal que até mesmo quem não via conhecia (e utilizava no dia-a-dia) todos os principais personagens e bordõe; do mítico Diácono Remédios, para quem nunca 'habia nexexidade, ze, ze' (e respectiva mãe, sexóloga liberal) à não menos lendária Super Tia e o seu 'caturreiraaaa!', passando pelos televendedores Mike e Melga, da MELGASHOP, para quem tudo era 'fantáááástico!' ou pelos 'pastiches' de Artur Albarran (vivido por José Pedro Gomes, e conhecido por iniciar cada segmento com as palavras 'a tragédia, o drama, o horror') ou Lauro António (Lauro Dérmio, sinónimo com a sugestão 'let's luque et da treila'), foram inúmeros os 'bonecos' introduzidos pela 'Enciclopédia' no imaginário popular, muitos dos quais ainda nostalgicamente recordados por quem assistiu 'em tempo real' ao seu aparecimento.

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Diácono Remédios, provedor da 'Enciclopédia' e talvez o personagem mais popular de todos os introduzidos pelo programa.

Pode parecer incrível que um programa com este tipo de penetração e impacto cultural apenas tenha tido direito a duas temporadas, mas acredite-se ou não, foi esse o tempo de vida da 'Herman Enciclopédia' na televisão portuguesa; período talvez curto para uma emissão com o sucesso de que esta desfrutou, mas mais que suficiente para que, um quarto de século depois, toda uma geração retenha, ainda, memórias vívidas e nostálgicas das criações de Herman e seus asseclas, fazendo com que haja - ao contrário do que o Diácono Remédios poderia pensar - mesmo muita 'nexexidade' de prestar homenagem, por alturas do seu aniversário, a mais este marco da televisão portuguesa.

22.02.22

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Depois de há duas semanas termos falado dos dois LP's de músicas alusivas ao programa Arca de Noé (e, devido a uma mudança de planos de última hora, termos tido de adiar o presente post outro tanto) chega finalmente a altura de falarmos de um dos mais populares concursos, e programas infantis em geral, da primeira metade dos anos 90. E porque só há uma maneira de introduzir um artigo sobre este programa, comecemos, desde já, da maneira correcta – com o absolutamente lendário tema de abertura, um dos melhores de sempre da televisão portuguesa, e que qualquer criança ou jovem da época ainda será capaz de cantar quase de cor (e cuja letra, saliente-se, também servia na perfeição como insulto de recreio...)

Quem resistir a cantar isto, é mais forte do que nós...

Ultrapassada esta inevitável formalidade, falemos agora do concurso propriamente dito. Estreado logo no dealbar da década, e transmitido primeiro na RTP2 e, mais tarde, no então Canal 1, 'Arca de Noé´ adaptava um formato japonês, criado duas décadas antes, e que rapidamente atingiu sucesso mundial. Gravado no antigo Cinema Europa, em Lisboa, o programa tinha por base um formato muito simples e com uma estrutura clássica: quatro concorrentes – dos quais um era sempre uma figura pública - eram sujeitos a várias rondas de perguntas sobre animais, a maioria das quais baseadas num apoio visual, normalmente um vídeo pausado na altura certa, tendo os concorrentes que adivinhar qual o comportamento que o animal em causa adoptaria a seguir. O concorrente que mais perguntas acertasse ganharia o grande prémio de 250.000 escudos (cerca de 1250 euros), sendo que se o vencedor fosse a figura pública convidada, este valor reverteria na totalidade para uma instituição de apoio aos animais ou à vida selvagem (na verdade, a maioria dos participantes doava parte da sua bolsa a uma entidade deste âmbito, quase sempre o Jardim Zoológico de Lisboa.) Para além do conflito central, o programa ficava também marcado por segmentos de entrevista a tratadores e especialistas em animais (normalmente acompanhados dos mesmos, para gáudio das crianças em estúdio e a assistir em casa) e números musicais, interpretados ao vivo pelo responsável pela música do programa (e também favorito das crianças), Carlos Alberto Moniz, ou por um convidado especial.

Deste formato, adoptado durante as primeiras três temporadas do programa, é quase sinónima a carismática apresentação de Fialho Gouveia, um daqueles anfitriões da velha escola que sabia falar a um público jovem sem nunca ser condescendente – uma qualidade que partilhava com outras 'lendas' infanto-juvenis da época, como Júlio Isidro, ou o próprio Moniz, o qual viria, mais tarde, a tomar o seu lugar para a última temporada do programa. A seu lado, a também icónica e carismática Maria Arlene, a tradicional assistente comum a tantos concursos da mesma época, e que neste caso era responsável por marcar a pontuação dos concorrentes com bonecos das mascotes do programa – primeiro o Vitinho, da Milupa, e mais tarde os Orelhudos, então 'caras' dos iogurtes Mimosa.

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Os carismáticos anfitriões (e mascote) do programa

Foi assim até 1994, ano em que teria lugar uma mudança de formato, assinalada também por uma mudança na apresentação, que passava a caber a uma mulher, Ana do Carmo; nesta nova fase, os concorrentes eram três pares de um adulto e uma criança, já sem a presença de quaisquer figuras públicas, mantendo-se as regras e o restante ambiente basicamente inalterados. Já a quinta e última temporada era palco de nova mudança, com o programa a render-se finalmente e totalmente ao seu público-alvo: o cenário 'infantilizava-se', com cores mais vibrantes e adereços a imitar um barco (ou Arca), as equipas passavam a ser constituídas exclusivamente por crianças entre os 8 e os 12 anos, e a apresentação ficava a cargo de Carlos Alberto Moniz, que acumulava assim funções e se tornava a figura central do programa, apenas alguns meses antes de 'emigrar' para uma 'Casa' nos arredores de Lisboa, onde continuaria a conquistar o coração das crianças durante mais alguns anos.

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Uma emissão com Ana do Carmo como apresentadora

Quando saiu finalmente do ar, em Setembro de 1995, a 'Arca de Noé' havia marcado toda uma geração de crianças portuguesas, sendo parcial ou totalmente responsável pelo interesse generalizado que a miudagem da época desenvolveu por animais. E com bom motivo – o programa soube pegar num tema que, já de si, interessava ao seu público-alvo, e introduzi-lo num contexto igualmente apelativo para essa demografia (o da competição televisiva) criando uma receita praticamente perfeita para um programa de televisão infanto-juvenil, que, até hoje (mais de trinta anos após a estreia do concurso) poucas outras propostas souberam igualar, e ainda menos superar. E, convenhamos, AQUELE tema de abertura também ajudava.... 'VAMOS FAZER AMIIIIGOS, ENTRE OS A-NI-MAAAIS...!'

07.02.22

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Nos anos 90, como em décadas anteriores, ver ser lançado um disco relativo a um qualquer programa de grande popularidade entre os jovens não era nada de novo. Tal como acontecia com o cinema, e as respectivas bandas sonoras com músicas 'constantes ou inspiradas' no filme em causa, a produção musical era vista como apenas mais um de muitos meios possíveis para facturar com um determinado produto mediático, comparável a aspectos como o vestuário (oficial ou pirata), os brinquedos ou os jogos de computador; e a verdade é que - de programas 'de auditório' com apresentadores carismáticos, como o Buereré, o Batatoon, a Hora do Lecas ou o Muita Lôco, até programas educativos como a Rua Sésamo, ou mesmo alternativas menos óbvias, como as animações d'Os Patinhos ou (reza a lenda) o Dragon Ball Z - foram muitos e bem variados os programas que beneficiaram desta estratégia em Portugal durante aquela época.

Menos comum, no entanto, era ver lançamentos discográficos associados a concursos televisivos, o que não deixa, bem vistas as coisas, de fazer sentido; afinal, é difícil imaginar um álbum de canções baseado na Amiga Olga ou na Roda da Sorte, por exemplo. No entanto, na década a que este blog diz respeito, houve pelo menos um exemplo dessa estratégia a ser aplicada a um programa deste tipo, nomeadamente, os dois LP's com músicas retiradas do programa 'Arca de Noé'.

Verdade seja dita, a 'Arca de Noé', da qual aqui falaremos muito em breve, prestava-se melhor a este tipo de empreitada do que a maioria dos outros concursos, não só por ser declaradamente dirigida ao público infanto-juvenil, como por ser apresentado por Carlos Alberto Moniz, mais tarde também conhecido como Tio Carlos, dono de uma Casa num canal rival, e já na altura um conceituado compositor de músicas para crianças. A junção destes factores – a demografia-alvo do programa e o talento do apresentador – resultou, naturalmente, na produção de vários temas musicais centrados em torno do tema do programa, a saber, os animais e a vida selvagem.

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Foram estes temas, num total de catorze – já contando com duas repeitições do memorável e contagiante genérico do programa, a abrir e a fechar, tal como na televisão – que perfizeram o alinhamento do primeiro LP da 'Arca de Noé', lançado mesmo no dealbar da nova década pela editora Ariola, e que contava com a presença, na capa, do Vitinho, mascote da Milupa, marca associada ao programa na qualidade de patrocinador. Não que o disco precisasse desta 'recomendação' extra para ser, previsivelmente, um sucesso de vendas entre a criançada, vinculado como estava a um dos mais populares programas infantis portugueses da altura.

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Como também seria de esperar, a boa prestação deste primeiro álbum no mercado levou à produção de uma mais que natural sequela. Lançado dois anos depois do original – e com o sucesso do programa-pai ainda no auge, o que diz muito sobre a aceitação do mesmo entre o público-alvo – 'Arca de Noé 2' seguia exactamente os princípios de uma boa sequela, do título óbvio e pouco original à filosofia 'mais e maior', que via duplicar o número de discos deste segundo capítulo, e expandir-se o número de músicas de catorze para vinte e quatro (seis por lado de cada um dos LP's), mais uma vez precedidas e antecedidas por duas repetições do tema-genérico do programa. Ao contrário da maioria das sequelas, no entanto, neste caso o segundo capítulo tinha tanta qualidade como o primeiro, e os volumes de vendas voltaram a reflecti-lo, com o público-alvo novamente a aderir à proposta de Moniz e companhia.

Como disse em tempos George Harrison, no entanto, 'tudo deve passar', e o ciclo da 'Arca de Noé' como ponto alto das tardes de semana das crianças dos anos 90 acabou mesmo por chegar ao fim, antes que o apresentador e respectiva equipa de produção pudessem conceber um terceiro volume de músicas alusivas ao programa. Ainda assim, os dois LP's lançados constituem um excelente exemplo de música infantil de qualidade produzida em Portugal durante aqueles anos, exibindo uma vertente menos simplista e comercial que um título como 'As Canções do Lecas', sem por isso serem menos memoráveis ou atractivas para o seu público-alvo; no fundo, os mesmos princípios que haviam tornado o programa-pai num dos maiores êxitos da televisão infantil de inícios daquela década, ainda hoje lembrado com carinho por quem a ele assistiu. Desse aspecto, no entanto, falaremos num próximo post; até lá, aqui fica um dos melhores temas de qualquer dos álbuns, para vos animar a noite...

11.01.22

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

A cultura jovem viu, nos anos 80, 90 e 2000, exacerbar-se a atracção que os campos do marketing e do entretenimento já de há muito por ela vinham sentindo. Embora décadas anteriores tenham visto surgir produtos, campanhas e programas exclusivamente dedicados aos jovens, este fenómeno verificou-se, sobretudo, no estrangeiro; em Portugal, um país mais fechado e onde este tipo de fenómeno demorava, tradicionalmente, algum tempo a chegar, só nos anos 80 se começaram a ver os primeiros fogachos de cultura jovem na televisão, revistas e prateleiras de supermercado, e só nos anos 90 esta tendência foi inequivocamente abraçada, com a gíria, estética e interesses dos jovens a informarem inúmeras campanhas publicitárias, novos produtos, e sobretudo programas de televisão.

De facto, os 90s foram - pelo menos em Portugal - a década da programação jovem: só num espaço de dois ou três anos, no início da década, estreavam nos quatro canais portugueses um programa de música, um focado nos videojogos, um sobre desportos radicais, e até um híbrido de série e telenovela centrada em temáticas do interesse desta demografia (a mítica 'Riscos', da qual em breve aqui falaremos). Em meio a toda esta oferta, só faltava mesmo um programa que abordasse os tais temas de interesse de uma perspectiva real, ao invés da ficção proposta pela supracitada série; e, em 1994, foi precisamente isso que a SIC tentou oferecer, sob a forma do 'Muita Lôco' - um programa que se posicionava como 'baril e bué de fixe' logo a partir do título e respectivos gráficos.

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Mais lembrado, hoje em dia, como o programa que celebrizou José Figueiras, a verdade é que o Muita Lôco foi um bastião inescapável dos primeiros anos da SIC, tendo os telespectadores mais novos do canal de Carnaxide aprendido a viver com a presença daquele 'bonequinho' tipicamente 'baril' - de cabelo espetado e óculos escuros transparentes, como era moda na época - nos intervalos do Buereré e, aos Sábados, imediatamente a seguir a este.

O formato do programa não andava longe do de outras produções contemporâneas do terceiro canal, apresentando um misto de entrevistas, debate sobre temas do interesse do público-alvo, e o característico humor de José Figueiras, que se revelou um apresentador nato, uma espécie de João Baião mais inteligente e menos irritante que exibia grande química e ligação com os jovens presentes em estúdio.

A acompanhar o apresentador nestes momentos menos sérios estava sempre uma moça rechonchuda e divertida, conhecida apenas como Paulina, bem como a Banda Muita Lôco, um grupo residente, bem ao estilo 'talk show' americano, cujo líder era Rodrigo Leal, filho do ícone do 'pimba' para donas de casa, Roberto Leal. Os intervalos musicais protagonizados por esta banda serviam, também, como desculpa para José Figueiras soltar o seu mítico canto tirolês, que chegou a virar um daqueles 'pré-memes' dos inícios de 90, e que foi mesmo o foco do CD lançado pelo apresentador e banda residente do programa, e que também incluía uma versão 'rockalhada' do hino 'pimba' 'Mestre da Culinária', original de Quim Barreiros, e uma inacreditável faixa 'rap', que tem de ser ouvida para ser devidamente compreendida.

...malta, os anos 90 foram estranhos, OK?!

Todos estes elementos - incluindo as entrevistas e debates sérios, com a participação de personalidades relevantes e importantes no contexto do assunto em causa - eram filmados no estilo hiperactivo característico de outras produções de Ediberto Lima, como o 'Big Show SIC' ou o referido 'Buereré' , com a agravante de, por o programa ser dirigido ao público adolescente, a filmagem ser tornada AINDA MAIS energética - de relembrar que os anos 90 e 2000 foram a época em que 'para jovens' era frequentemente sinónimo de 'sem tempos mortos', dado o medo que as produtoras tinham de perder o seu público-alvo se abrandassem o ritmo sequer um segundo. No entanto, também este elemento acabava por integrar a personalidade bem vincada do programa - um dos principais factores por detrás do seu sucesso junto do público mais jovem.

Numa era em que a informação e debate sobre temas importantes está à distância de alguns cliques, já não haveria lugar para um programa como o Muita Lôco, o que pode ajudar a explicar o seu fim, logo no início da era digital; no entanto, numa época em que pouco se falava com, aos ou para os jovens, este foi um programa revolucionário, que - não obstante os pruridos em se assumir como programa sério, e a 'patine' de entretenimento 'fatela' típica do canal em que ia ao ar - terá sem dúvida constituído uma lufada de ar fresco para toda uma demografia que só na altura começava verdadeiramente a 'entrar para as contas' das grelhas de programação. E a verdade é que, nos quase vinte anos subsequentes, não tornou a haver um programa semelhante na televisão portuguesa; o Muita Lôco original (o que esteve no ar entre 1994 e 1995, tendo o regresso em 2000 sido um bem mais típico programa de música ao vivo) foi, e continua a ser, único - o que, numa época em que já tudo foi feito e a repetição é a chave do sucesso, constitui um atributo raro e indubitavelmente invejável.

04.01.22

NOTA: Este post é correspondente a Segunda-feira, 03 de Janeiro de 2022.

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Que melhor maneira de começar o ano do que com um dos melhores e mais icónicos temas de abertura da sua época, pertencente a uma das melhores e mais icónicas séries animadas do seu tempo?

Sim, hoje vamos falar da série original de 'Pokémon', um dos pontos de partida e um dos muitos elementos responsáveis pelo sucesso continuado daquele 'franchise' da Nintendo, o qual perdura até aos dias de hoje; e para quem conhece o império 'Pokémon' de hoje em dia, torna-se quase pitoresco (para além de nostálgico) revisitá-lo e recordar como o mesmo era, aqui, nos seus primórdios remotos.

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Chegado a Portugal mesmo a tempo de conquistar a crescente legião de fãs dos primeiros dois jogos lançados para Game Boy (dos quais, aliás, falaremos aqui muito em breve), a primeira temporada do 'anime' original de 'Pokémon' (uma das três do período hoje conhecido como 'Liga Kanto' ou 'Liga Indigo') estreava na SIC em Outubro de 1999, mesmo ao cair do pano da última década do século XX, bem como do segundo milénio; e a verdade é que este 'timing' não poderia ter sido melhor para uma iniciativa deste tipo, já que o final dos anos 90 e inícios de 2000 constituem a última década em que uma série descaradamente destinada a vender um produto poderia esperar almejar algum sucesso nas ondas televisivas . E não nos iludamos: por muito bom que seja enquanto série, o 'anime' de 'Pokémon' destinava-se, só e unicamente, a aumentar os volumes de vendas dos dois jogos, os verdadeiros catalistas de todo o 'franchise'.

As características muito particulares (e exclusivas) do desenho animado, no entanto, acabariam por exercer maior influência sobre os restantes produtos ligados aos monstrinhos de bolso do que se poderia, a princípio, imaginar - logo a começar pelos personagens. Enquanto que nos jogos o protagonista de boné não tinha nome, e os membros do maléfico Team Rocket eram todos rigorosamente iguais (militares de meia-idade, de uniforme descaradamente fascista), o 'anime' tratou de dar a ambas as partes personalidades únicas e absolutamente marcantes. Assim, o rapaz de boné passou a chamar-se Ash Ketchum (sendo 'Ash' uma das opções para o nomear no jogo, e o apelido um trocadilho com 'catch 'em', o bordão do 'franchise' e objectivo principal do protagonista), enquanto que o Team Rocket passou a estar (bem) representado pelo inesquecível duo cómico de Jessie e James, um casal de colegas-que-talvez-namorem com direito a récita introdutória (que muitas ex-crianças daquele tempo ainda saberão de cor e salteado) e capanga Pokémon, na pessoa do não menos inesquecível Meowth - o único Pokémon capaz de falar como os humanos, ao invés de apenas repetir variações sobre o seu nome.

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Uma daquelas imagens que 'falam'...

De igual modo, os líderes dos dois primeiros ginásios Pokémon dos jogos (Brock, o fã de Pokémon ligados à terra, e a 'aquática' Misty) foram promovidos de adversários a aliados do herói, que acompanham até ao final da série, criando uma dinâmica digna dos melhores trios do seu tipo, ao nível da de Ron, Harry e Hermione em 'Harry Potter' ou Aang, Sokka e Katara de 'Avatar'. Juntamente com aquela que se tornaria a figura de proa de todo o 'franchise' - Pikachu, o Pokémon eléctrico rebelde de Ash - e o imprevisível aliado de Misty, um Psyduck sem controlo dos seus poderes, está constituído um núcleo de personagens perfeitamente inesquecível para toda uma geração - com a particularidade de, ao contrário do que acontece na maioria destes tipos de casos, a afinidade pelos heróis e vilões desta série ser transversal a ambos os sexos, ainda mais do que acontecia com os jogos.

De facto, este núcleo duro de protagonistas tornou-se de tal forma popular que não só conseguiu tornar quase insignificantes os pontos fracos da série - como a estrutura repetitiva da maioria dos episódios e alguma tendência para 'encher chouriços' - como forçou a Nintendo a adaptar os restantes elementos do 'franchise' de forma permanente - ainda hoje, haverá muitas ex-crianças prontas a recordar o pasmo que sentiram ao descobrir que, nos jogos originais, Pikachu era apenas 'mais um' Pokémon (e até algo fraco por comparação a outros!) e que as fileiras do Team Rocket não continham uma rapariga de cabelo até aos joelhos nem o seu algo efeminado parceiro de crimes. Mais - a influência da série foi tal que motivou a Nintendo a lançar um terceiro jogo, 'Pokémon Yellow', que mais não era do que os originais 'Blue' e 'Red' com uma única, mas crucial mudança: o Pokémon de início do jogador era agora, por defeito, um Pikachu, que seguia o seu dono como um cão, em vez de ser carregado numa Pokébola - exactamente como acontecia com o rato eléctrico da série! E apesar de esta ser uma manobra de 'marketing' algo cínica - tratava-se, afinal de contas, do mesmo jogo, mas agora com todos os 150 Pokémon num só cartucho, prejudicando quem havia investido num dos títulos originais - para as crianças de finais de 90, o surgimento de 'Yellow' representava um importante elo unificador dos universos da série e dos jogos, e o cartucho foi um sucesso de vendas.

Em suma, e apesar de inicialmente ter sido concebido como apenas um elemento de uma estratégia omnicanal, o 'anime' de 'Pokémon' acabou por se tornar numa das partes mais influentes daquele que se viria a tornar um dos maiores 'franchises' comerciais de sempre - ainda que, para alguns 'gamers' mais velhos, fosse um daqueles programas que só se podiam ver às escondidas (ao contrário dos jogos, que eram socialmente aceitáveis até mesmo entre adolescentes, e muitas vezes jogados na presença, e com a ajuda, dos amigos.) E ainda que não tivesse atingido a popularide de Dragon Ball Z, pelo menos no imediato (poucas coisas atingiram), poucos constestarão o seu lugar no pódio das séries de 'anime' estreadas em Portugal, atrás das aventuras de Son Goku mas ombro a ombro com o outro clássico 'made in Japan' da época, Samurai X; e apesar de nunca ter chegado a ser 'mais que perfeito, maior do que a imaginação', é, ainda assim, um dos desenhos animados mais saudosamente lembrados pela geração em idade escolar naqueles anos de final do milénio, e que ainda demonstra qualidade suficiente para cativar Pokéfanáticos mais novos...

21.12.21

Porque nem só de séries se fazia o quotidiano televisivo das crianças portuguesas nos anos 90, em terças alternadas, este blog dá destaque a alguns dos outros programas que fizeram história durante aquela década.

Por muitas décadas que passem, o Natal português continua a pautar-se por uma série de tradições que parecem, por esta altura, serem já imutáveis: vai-se, por exemplo, ouvir 'A Todos Um Bom Natal', vai haver um anúncio da Popota ou da Leopoldina (ou de ambos), vai passar na televisão o 'Sozinho em Casa' (e provavelmente a 'Música no Coração' também) e a RTP vai exibir um programa de várias horas em que cantores e outras personalidades sociais de destaque se exibem por uma causa de caridade.

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Esta última tradição, em particular, avança a passos rápidos para o seu octogésimo aniversário (embora nem sempre tenha ocorrido de forma regular) com uma fórmula pouco ou nada alterada (só mudam mesmo a hora e duração da emissão e o nome dos artistas participantes), tendo-se já tornado sinónima com o Natal em Portugal. Trata-se, claro, de 'O Natal dos Hospitais', criação conjunta da RTP, do Diário de Noticias e da marca Phillips, que desde o final dos anos 50 se tornou um marco basilar da programação da emissora nacional durante a quadra natalícia, embora tenha estado esporadicamente ausente da mesma ao longo dos anos (o programa não teve, por exemplo, lugar nos dois primeiros anos da década de 90, tendo apenas sido transmitido a partir de 1992.)

Normalmente gravado em directo a partir dos hospitais de São João, no Porto, e de Alcoitão (com festas separadas e simultâneas na Madeira e Açores), o programa teve, no entanto, ocasionais investidas para fora do ambiente hospitalar, tendo chegado a ser transmitido a partir do Casino Estoril ou do Coliseu dos Recreios. Mais recentemente, já no novo milénio, a emissão expandiu-se, também, a outros hospitais, mas mantendo a mesma fórmula de sempre, com convidados 'famosos - normalmente ligados à RTP - e números musicais, a maioria dos quais de índole popular ou folclórica. 

Exemplos dos números musicais e teatrais típicos da emissão, neste caso retirados das transmissões de 1992 e 93, respectivamente.

Um formato que se presta a muito poucas alterações, e que o próprio público-alvo - na sua maioria envelhecido e pouco dado a inovações - dificilmente permitiria que fosse mudado. Lá diz a velha máxima que 'em equipa que ganha, não se mexe' - e a julgar pela amostra conjunta (o programa fez, até à data, parte da vida de pelo menos quatro gerações de portugueses, incluindo a que cresceu nos anos 90), no caso do 'Natal dos Hospitais', tal táctica tem mesmo rendido dividendos...

13.12.21

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

Corriam os primeiros anos da década de 90 quando se começaram a popularizar, no mercado de roupa de criança, artigos (muitos deles piratas) com o desenho de um rapazinho de cabelo espetado, pele amarela, figa em riste, e camisola ora azul, ora vermelha; pouco tempo mais tarde, o 'raio de acção' desse mesmo personagem havia-se estendido não só a outros artigos de vestuário como também a produtos como mochilas; mais algum tempo, e o mesmo (juntamente com a sua família) adquiria o direito à sua própria caderneta de cromos (da Panini, claro), colecção de autocolantes, série de decalcomanias e tatuagens temporárias, vários videojogos para os sistemas mais populares da altura, como a Mega Drive e o Game Boy, e até honras de foco central de um dos melhores posters centrais da história da TV Guia. Em apenas um par de anos, este boneco havia surgido do nada para se tornar um verdadeiro 'ídolo' da demografia infanto-juvenil – um feito tanto mais extraordinário quando levamos em conta que a série que protagonizava não era, nem nunca viria a ser, um programa para crianças.

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Não nos enganemos, no entanto – as crianças daqueles inícios dos 90 VIAM 'Os Simpsons'. Não tanto por causa do famoso humor sarcástico e algo negro – que lhes passava, certamente, um pouco 'por cima da cabeça' – mas para ver Bart Simpson fazer a vida negra à família e aos colegas de escola, a ponto de ser, frequentemente, estrangulado pelo pai em pleno quarto (coisa que, claro está, já não sucede hoje em dia – aliás, só é de surpreender como é que ninguém ainda tentou 'cancelar' Matt Groening por incentivar maus tratos a menores através do comportamento de Homer...) O primogénito da família Simpson tornou-se, quase sem querer, o epítoma da rebelião infantil para a década de 90, e – juntamente com personagens como Sonic ou as Tartarugas Ninja – ajudou a criar o protótipo para 'milhentas' personagens 'radicais' ao longo da próxima década, numa tendência que o seu próprio programa satirizou, num dos seus melhores episódios.

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A inevitável caderneta de cromos punha, inevitavelmente, o foco em Bart

Ainda que Bart fosse o principal motivo de interesse para o público infanto-juvenil, no entanto, o personagem estava longe de ser o único trunfo da série criada em 1989, e estreada na RTP dois anos depois; qualquer dissertação sobre o génio dos argumentos daquelas primeiras temporadas de 'Os Simpsons' é, aliás, redundante hoje em dia – TODA a gente sabe o quão bons eram aqueles episódios, especialmente as crianças e jovens dos anos 90, que os viram em primeira mão.

De facto, em Portugal (como, aliás, no resto do Mundo) a série reunia consenso entre jovens e adultos, afirmando-se como um dos primeiros fenómenos transversais a todas as camadas da sociedade, vários anos antes de 'Harry Potter' e duas décadas antes da esteia do Multiverso Marvel nas salas de cinema. O facto de quase todo o 'merchandise' da época ser dirigido especificamente a crianças, e se centrar na figura sardonicamente sorridente de Bart – a mais imediatamente apelativa para a demografia em causa – era fruto, tão-somente, de uma boa interpretação do mercado por parte das companhias em causa, não retirando à série qualquer credibilidade ou atractivo junto do público mais velho.

Infelizmente, a continuação da história d''Os Simpsons' é, também, sobejamente conhecida: demasiadas temporadas, demasiados personagens secundários, concessões a celebridades e ao politicamente correcto, mudanças desnecessárias e controversas, e uma eventual diluição de tudo o que havia tornado aquelas primeiras temporadas tão especiais. Ainda assim, quem tem idade suficiente para recordar 'a vida antes de Bart Simpson' sabe o impacto que o personagem, e a sua respectiva série, verdadeiramente tiveram na sociedade portuguesa de inícios dos anos 90, e em particular junto dos mais jovens – até porque quem tem interesse neste blog terá, quase certamente, sido um desses jovens vestidos com t-shirt alusiva a Bart Simpson, com o personagem desenhado na mochila da escola, e os bolsos cheios de cromos d''Os Simpsons' para a troca...

01.11.21

Em Segundas alternadas, o Anos 90 recorda algumas das séries mais marcantes para os miúdos daquela década, sejam animadas ou de acção real.

A maioria das séries infanto-juvenis mais populares dos anos 90 são bem conhecidas, tendo muitas delas, inclusivamente, já sido abordadas neste espaço: Dragon Ball Z (no primeiríssmo post de sempre deste blog), Power Rangers, Samurai X, Tartarugas Ninja ou Moto-Ratos de Marte, por exemplo, são ainda hoje recordados com nostalgia e carinho por quem teve hipótese de com eles conviver em criança.

No entanto, paralelamente a estas séries altamente publicitadas e, em alguns casos, geradoras de autênticas 'febres' de recreio, havia outras bem mais discretas, mas não menos apreciadas pelo público-alvo; foi o caso, por exemplo, de Dartacão, Dinossauros, ou da série de que hoje falamos, a qual é tão lembrada por quem a ela assistiu como ignorada pela restante Internet.

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Falamos de 'As Aventuras do Bocas' (no original, Ox Tales), a lendária série animada transmitida pela RTP entre 1989 e 1991, e que constituía o principal motivo para a maioria das crianças sintonizarem o programa Agora Escolha, e da apresentadora Vera Roquette ter inevitavelmente uma 'pilha' de desenhos infantis a exibir a cada edição do programa (e, sim, iremos eventualmente falar do Agora Escolha nas Terças de TV.)

Criada por dois holandeses, mas animado no Japão (o que a torna, para efeitos práticos, um 'anime'), esta hilariante série animada segue as desventuras do personagem titular, um boi agricultor habitante de um mundo idiossincrático, onde marsupiais, répteis aquáticos e animais da savana conseguem coexistir e sobreviver num ecossistema tipicamente rural, e onde o gado bovino deixa de ser apenas parte da vida de uma quinta para a passar a controlar.

É neste universo que se desenrolam as histórias tipicamente 'slice of life' da série, as quais se centram normalmente numa ideia (por vezes mirabolante, por vezes apenas bem-intencionada) do personagem principal para melhorar a sua vida e a daqueles que o rodeiam; evidentemente, por se tratar de um desenho animado de índole cómica, a maioria destas situações acabam por correr mal, levando inevitavelmente Bocas a proferir a sua frase característica: 'fiz outra vez asneira!'

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Uma cena bem ilustrativa da série

Um conceito simples, mas extremamente bem executado e repleto de momentos e personagens memoráveis, a começar pela música de abertura (cantada em holandês, e sobretudo lembrada pelo seu inesquecível refrão de 'Boes, Boes', que cá por casa, à época, se acreditava ser 'cuscus, cuscus') e estendendo-se a personagens como o próprio Bocas, a tartaruga Ted - que a voz da dobragem portuguesa tornava num personagem andrógino - as irritantes toupeiras, determinadas a enlouquecer o nosso herói, o leão careca ou o elefante com atitude 'body positive' (muito antes de tal conceito se popularizar) traduzida na sua frase-bordão de 'sou levezinho, sou levezinho...'

'BOES BOES! BOES BOES!'

Os próprios guiões se prestavam a situações perfeitamente hilariantes, abrangendo desde os efeitos inesperados de uma ventoinha demasiado forte até aos perigos de colocar demasiado fermento num bolo, ou tentar decorar um elefante com uma 'capa' de flores, sempre alicerçadas em 'gags' visuais muito bem veiculados pela animação dinâmica e bem conseguida, capaz de reter a atenção do público-alvo ao longo dos dez minutos que tipicamente durava cada história (cada episódio consistia de duas histórias, perfazendo os habituais vinte e poucos minutos de duração das séries animadas da época.)

Não é, pois, de admirar que 'Bocas' tenha permanecido na memória colectiva de toda uma geração de crianças portuguesas, as quais mantiveram o interesse na série durante tempo suficiente para a inevitável Prisvídeo achar que valia a pena editar alguns (poucos) episódios naqueles seus típicos VHS (e mais tarde DVD) de capas 'quase' bem desenhadas e conteúdos algo esparsos.

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Alguns dos vídeos da série lançados em Portugal

Ainda assim, numa época em que a Internet ainda não permitia o acesso rápido, fácil e livre a conteúdos nostálgicos de qualquer altura da História, estas 'cassettes' e discos afirmavam-se como a única forma de as crianças portuguesas poderem recordar aquele desenho animado que tanto os havia feito rir alguns anos antes (hoje em dia, como não podia deixar de ser, uma rápida pesquisa no YouTube permite encontrar todos os episódios, dobrados em português e organizados por ordem cronológica numa 'playlist', para máxima comodidade).

Quanto à série em si, continuou (e continua) a perfilar-se ao lado de 'Dartacão' como exemplo perfeito de como uma série sem grande publicidade e sem qualquer 'merchandise' oficial (além dos referidos vídeos) pode, ainda assim, fazer sucesso entre as crianças, apenas com base na sua qualidade; nesse aspecto, pelo menos, pode considerar-se que 'Bocas' não fez, de todo, asneira...

Primeira história do primeiro episódio da série

 

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