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Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

Portugal Anos 90

Uma viagem nostálgica pelo universo infanto-juvenil português dos anos 90, em todas as suas vertentes.

11.12.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de fazer parte integrante da cultura e costumes da ideologia católica e cristã portuguesa, o Natal não tem tradicionalmente, em termos musicais, a mesma expressão no nosso País de que goza, por exemplo, nos Estados Unidos ou Reino Unido. De facto, antes de David Fonseca se dedicar a criar 'hinos' nacionais para a quadra, eram poucos os artistas portugueses que se aventuravam na gravação de uma música de Natal, sendo a maioria dos álbuns e lançamentos do género em solo nacional constituídos por aquelas velhas músicas do domínio público que todos nos habituámos a ter como 'banda sonora' das compras de última hora. Com isto em mente, não deixa de ser surpreendente – e admirável – a tentativa da Vidisco de lançar um verdadeiro disco de Natal 'made in Portugal', com a edição de 'Natal – Música e Canções', logo na primeira quadra festiva da década de 90.

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De facto, das dezasseis músicas que compõem o álbum, nem uma se insere em qualquer das categorias supramencionadas: não há aqui 'standards' dos anos 40 a 60, canções cantadas porta-a-porta por crianças norte-americanas, e nem mesmo 'A Todos Um Bom Natal' – 'A' cantiga de Natal portuguesa – aqui marca presença. O alinhamento do disco é, assim, composto por uma mistura de canções tradicionais, como 'Noite Feliz', uma ou outra peça clássica ('Avé Maria', interpretado aqui por C. Morgan) e muitos temas menos conhecidos e mais obscuros, metade dos quais a cargo do misterioso conjunto Bola de Neve, e a outra da responsabilidade dos não menos anónimos Linucha, Ana Maria, Rui Pilar e Arlindo de Carvalho, além do referido C. Morgan. Uma equipa de perfeitos desconhecidos (quase todos especializados na produção de música 'por encomenda', embora Ana Maria tenha tido uma série de 'singles' na década de 60) que 'casa' bem com o título e capa perfeitamente genéricos do álbum.

De facto, reside aí a maior pecha de 'Natal – Música e Canções': apesar do conceito e temática interessantes e até algo inovadores, toda a execução do álbum tem aquela aura 'às três pancadas' típica de muitos lançamentos do género, e que, inevitavelmente, os relega para aqueles clássicos expositores de cassettes e CDs das tabacarias e bombas de gasolina, ou para a secção de 'super-desconto' do supermercado – e, a julgar pela ínfima expressão deste lançamento, tanto à época como três décadas e meia depois, é mesmo de crer que terá sido também esse o destino de 'Natal – Músicas e Canções'. Uma pena, pois conceptualmente, este disco poderia ter-se afirmado como alternativa às mesmas colectâneas importadas com a mesma dúzia de músicas de que, mesmo na altura, já todos estávamos cansados, bastando para isso ter tido uma execução um pouco mais cuidada...

20.11.23

NOTA: Por motivos de relevância temporal, esta Segunda será novamente de Sucessos. Voltamos às Séries na próxima semana.

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Apesar de ser, hoje em dia, um dos conceitos mais 'batidos' e reutilizados do panorama televisivo mundial – a ponto de muita gente o considerar já cansado e com pouco interesse – o concurso de talentos musicais era, ainda, um género totalmente novo e 'fresco' na televisão portuguesa em meados dos anos 90. Sim, havia o Sequim D'Ouro e o inevitável Festival da Canção, mas ambos eram espectáculos de índole mais tradicional, (ainda) sem o 'glamour' e entusiasmo que mais tarde marcaria o formato.

Assim, não é de admirar que o 'Chuva de Estrelas', um dos programas-âncora da nova, independente e 'rebelde' SIC, tivesse almejado o mega-sucesso de audiências aquando da sua estreia, há cerca de trinta anos. O conceito de jovens cantores em competição directa uns com os outros, e a fazer as suas próprias rendições de temas mundialmente famosos, não tardou a atrair a atenção de grande parte da audiência, que passou a seguir com atenção as eliminatórias e, por consequência, assistiu em primeira mão ao dealbar e ascensão de uma talentosa adolescente, que em 1994, com dezasseis anos recém-completos, se sagraria vencedora da primeira temporada do concurso, com a sua versão de “One Moment In Time” e, meses depois, repetiria o feito em pleno Festival da Canção, terminando por levar o tema “Chamar a Música” a uma das melhores classificações de sempre para Portugal no Festival da Eurovisão, ao atingir o oitavo lugar. Chamava-se Sara Alexandra Lima Tavares, e acaba de falecer, com apenas quarenta e cinco anos, deixando um considerável vazio no panorama da música 'étnica' e 'world music' portuguesas.

Sara interpretaria o mesmo tema, que a tornou famosa nos dois Festivais da Canção em que participou, ambos em 1994, quando a cantora tinha apenas dezasseis anos.

De ascendência cabo-verdiana, Sara não teve um início de vida propriamente fácil, tendo sido deixada a cargo de uma pessoa de confiança quando a mãe, recém-divorciada, se mudava com os restantes filhos para o Sul de Portugal. As dificuldades não impediram, no entanto, que Sara demonstrasse desde cedo talento para a música, o qual cultivaria desde essa tenra idade, permitindo-lhe estar em posição para concretizar o seu triplo feito enquanto ainda aluna do ensino secundário. No entanto, apesar do sucesso que tal façanha lhe rendeu, e de a mesma a ter posto nas 'bocas do Mundo' naquele ano de 1994, passariam ainda dois anos até que Sara editasse o seu primeiro registo oficial, um EP gravado em colaboração com o grupo Shout. No mesmo ano, daria voz à música cantada pela cigana Esmeralda em 'O Corcunda de Notre Dame', o então mais recente êxito da Walt Disney, numa versão que seria considerada pela própria 'casa do Rato Mickey' como a melhor adaptação internacional da música em causa.

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O registo de estreia da cantora, gravado com o grupo vocal Shout.

Os anos seguintes veriam Sara Tavares continuar a 'somar e seguir' na carreira, com participações no espectáculo musical de tributo a George Gershwin na Expo '98, colaborações com o popular grupo pop-rock Ala dos Namorados e, finalmente, a edição do seu primeiro álbum de longa-duração, 'Mi Ma Bô', editado no último ano do século XX e cujo título, em crioulo cabo-verdiano, remetia às suas raízes. Apesar do sucesso do mesmo, no entanto, o nome da cantora continuaria, em inícios do Terceiro Milénio, a surgir sobretudo ligado à gravação de músicas individuais para discos de tributo ou colaborações com outros músicos, vindo o segundo registo, 'Balancé', a sair apenas em 2005, mais de uma década após o 'momento' mediático da cantora. Mesmo assim, o interesse pela música de Sara continuava a existir, como o provam as vendas de Ouro do disco, e a selecção de uma das suas músicas para uma campanha do Millennium BCP.

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Os dois primeiros álbuns da cantora, de 1999 e 2005, respectivamente...

Mais quatro anos se passariam, no entanto, até Sara voltar a editar um disco. 'Xinti', lançado dez anos depois da estreia com 'Mi Ma Bô', surgia já depois de a cantora ter lançado o primeiro DVD, 'Alive in Lisboa' e viria a suscitar mais um sem-número de colaborações, com artistas tão díspares como Nelly Furtado e Buraka Som Sistema. Assim, até ao advento do disco seguinte, 'Fitxadu', passar-se-iam nada menos do que oito anos, em que o nome Sara Tavares se manteria relevante sobretudo no contexto da participação em faixas de outros artistas.

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...e os dois últimos, lançados em 2009 e 2013.

Sem que ninguém soubesse, no entanto, esse viria mesmo a ficar para a História como o último registo da cantora, que viria a falecer seis anos depois (a 19 de Novembro último, um dia depois da publicação original deste post e poucos meses depois da morte da 'musa' Tina Turner, cuja música a lançara) em consequência de um tumor cerebral diagnosticado uma década antes, em 2013. Uma perda trágica, não só por Sara fazer parte da geração que marcou, e que frequenta este nosso blog, mas também pelo talento que a cantora demonstrou ao longo de uma carreira que, apesar de apenas fugazmente mediática, ficou pautada pelas inúmeras e sonantes colaborações, e por vários registos de qualidade uniformemente alta, que marcaram a 'world music' em Portugal. Que descanse em paz.

13.11.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

O fim de uma banda icónica nem sempre garante o sucesso de seja qual for o projecto a que os músicos se dediquem em seguida; antes pelo contrário, esse tipo de 'sequela' musical tende, na maioria dos casos, a ser algo ignorada pelos fãs do grupo original, que desejam apenas mais um álbum da sua banda favorita. Assim, qualquer músico que embarque neste tipo de 'aventura' tem pela frente uma série de obstáculos, a começar por essa mesma aceitação dos fãs, e que passa também pela vontade, bastante frequente, de se demarcar do som do seu grupo de origem, o que ainda ajuda a reduzir mais o interesse da 'massa adepta' pelo novo projecto.

Foi, precisamente, esse o paradigma com que se depararam Rui Pragal da Cunha e Paulo Gonçalves, dos efémeros mas icónicos Heróis do Mar, banda que marcou a cena pop-rock nacional durante os anos 80, mas que não sobreviveu ao dealbar da nova década, encerrando actividades logo nos primeiros meses da mesma. Não demorou, no entanto, até que os dois músicos demarcassem novo objectivo musical, e, menos de um ano após a dissolução dos Heróis, via a luz o primeiro (e único) registo do projecto LX-90.

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As capas das duas versões (nacional e internacional) do único álbum do projecto.

Com um nome que consiste, simplesmente, das formas abreviadas do ano e localidade de formação da banda (mas que consegue, mesmo assim, soar 'cool' e misterioso q.b.), este projecto vê Rui e Paulo juntar-se a DJ Vibe e aos desconhecidos Nuno Miguel e Nini Garcia para desenvolver um som dançante e psicadélico, alicerçado em estilos como o 'trip-hop', e pautado pelas vocalizações dramáticas e por vezes quase declamadas de Rui Pragal da Cunha; no fundo, uma espécie de versão mais 'pesada' e alternativa do 'synth-pop' dos Heróis, que não tentava sequer agradar aos fãs dos mesmos, e apontava, em vez disso, a uma demografia totalmente nova que começava a dealbar entre as gerações mais novas.

Talvez tenha estado aí a razão do insucesso do projecto: sem a ligação sonora aos Heróis do Mar, Rui e Paulo alienaram uma base de fãs antes de terem conseguido conquistar outra, e acabaram por se perder nas 'malhas' das cenas pop-rock e alternativa nacionais. O grupo ainda tentou um 'ataque' internacional, através de uma versão do álbum com músicas em Inglês, mas ficou mesmo por aí a sua discografia, tendo os músicos encerrado actividades pouco tempo depois.

Em anos subsequentes, no entanto, o projecto LX-90 atingiu um certo estatuto de culto, que motivou mesmo, já neste ano de 2023 (concretamente a 13 de Julho) uma reunião, para participar no festival Super Bock Super Rock. Desta nova formação fazem parte, além dos dois ex-Heróis do Mar e de DJ Vibe, Nuno Roque, João Gomes e Samuel Palitos, este último um ex-membro dos ícones do punk nacional Censurados. Resta saber se este foi um reencontro esporádico ou se haverá planos para prosseguir com a carreira de um nome que merecia mais do que a carreira breve e discreta de que gozou, e a audiência de culto que logrou angariar durante a mesma.

16.10.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Todas as cenas musicais as têm: aquelas bandas que ficam juntas durante pouco tempo, lançam talvez um ou dois álbuns, sem nunca almejar grande sucesso, mas adquirem um estatuto de culto que as faz permanecer relevantes entre os círculos de melómanos mais 'curiosos' durante várias décadas. O movimento pop-rock português não é excepção nesse aspecto, como bem demonstra o grupo que abordamos nesta Segunda de Sucessos, cujo único álbum continua a ser uma das grandes 'curiosidades' do estilo, tal como era praticado em Portugal na primeira metade dos anos 90.

Formados em Chaves no final da década anterior, o projecto conhecido como Adamastor começou por apostar numa sonoridade mais pesada, com letras em Inglês, que chegou a render uma 'demo' com dois originais e uma versão de Thin Lizzy; no entanto, a entrada do vocalista e compositor Artur Órfão mudou o idioma para Português e o som para um registo mais voltado para o pop-rock radiofónico, já com muito pouco a ver com o hard rock tradicional e conservador da maqueta.

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Capa e contracapa do único álbum da banda.

De facto, o que se ouve no primeiro e único longa-duração da banda, editado em 1992 pela incongruente Espacial, rainha dos discos de 'pimba' de tabacaria ou estação de serviço (ao lado dos quais este disco muita vezes figura) está mais próximo de uns GNR do que das referências 'metálicas' nortenhas da época, como Xeque-Mate ou Tarantula, com músicas conduzidas, sobretudo, pela guitarra semi-acústica dedilhada - raramente se ouve um 'riff' electrificado na dúzia de temas que compõem o disco - pela percussão simples e compassada, tipicamente pop-rock, e pela voz dramática e meio declamada de Órfão, que traz muitos ecos de Rui Reininho, bem como uma pitada de Xico Soares (dos referidos Xeque-Mate), ainda que com mais talento e técnica do que este último. Uma fórmula que até poderia resultar, não fora a péssima produção (praticamente só se ouvem os três instrumentos atrás citados) e a desinspiração das composições de Órfão, que parece só saber escrever um único tipo de música, mudando apenas a letra e os arranjos. Aliado à dificuldade em ouvir as 'nuances' de cada tema, derivada da pobre produção, este factor faz com que o disco soe como um 'bolo' uniforme de música, sem que haja um único refrão memorável ou arranjo diferenciado que ajude qualquer das composições a destacar-se, o que torna a audição do disco algo penosa e retira a apetência para dar a habitual segunda ou terceira oportunidade a estes doze temas.

Assim, e dado o relativo insucesso do álbum, não é de surpreender que os Adamastor pouco mais tenham durado após a gravação do mesmo; com material mal produzido, aborrecido e parcamente promovido por uma editora totalmente errada, a banda estava condenada ao falhanço, e o principal contributo da mesma para a cena musical nacional continua, até aos dias de hoje, a ser a revelação do baterista Rui Danin, que viria posteriormente a fundar os Web – estes sim, uma banda de metal – e a colaborar com grupos tanto estabelecidos como emergentes da cena, como os supramencionados Tarantula (ídolos do metal nortenho), os Pitch Black, os Hyubris ou os ThanatoSchizo. Quanto ao único registo da sua primeira banda, certamente será encarado, hoje em dia, como um 'desvario' de juventude, cujo estatuto de culto se deve apenas ao seu relativo desconhecimento e raridade, e à presença de Danin entre os músicos participantes – uma situação que, face ao material apresentado, acaba até por ser algo lisonjeira...

A banda chegou a reunir-se em 2018, para tocar num evento local.

02.10.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

A grande maioria do movimento musical português continua, até hoje, a centrar-se em torno do pop-rock 'de guitarras' de pendor radiofónico, surgido nos anos 70 e consolidado como principal género lusitano nas duas décadas seguintes. Aqui e ali, surgem nomes proeminentes em outros estilos – nomeadamente o hip-hop, o metal e mesmo o tradicional fado – mas os mesmos continuam a ser uma minoria, e até mesmo esta breve 'janela' de oportunidade tende a não se estender a géneros mais periféricos do espectro musical. Serve esta introdução para clarificar que fundar um projecto de rock industrial em Portugal é nada menos do que um acto de coragem – e conseguir mantê-lo activo e relevante durante três décadas, uma façanha digna de ser louvada.

E, no entanto, é precisamente isso que Armando Teixeira e Rui Sidónio têm vindo a conseguir com o projecto Bizarra Locomotiva, cujo último álbum saiu há pouco mais de uma semana à data de publicação deste 'post', que teria sido escrito apenas dois dias após o seu lançamento, não fora o hiato forçado. Ainda assim, mesmo com este atraso, o lançamento de 'Volutabro' continua a ser relevante o suficiente para justificar uma retrospectiva dos seus autores, até por este ano assinalar o trigésimo aniversário do projecto.

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De facto, foi em 1993 que Teixeira e Sidónio procuraram reunir uma banda, com vista a participar no Concurso de Música Moderna de Lisboa. Desse primeiro passo à transição para banda 'a sério' mediariam apenas alguns meses, com o álbum de estreia auto-intitulado a sair logo no ano seguinte, pela independente Simbiose, uma das principais editoras de bandas 'underground' de rock pesado em Portugal.

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O álbum de estreia do grupo, lançado em 1994.

Esse mesmo selo viria, nos dois anos subsequentes, a editar mais dois registos de originais de um grupo que provava ter uma ética de trabalho 'à moda antiga', e que, no tempo que normalmente leva a uma banda a escrever um único álbum, lançava três registos, por entre uma agenda de concertos bastante preenchida – uma atitude que, aliada à qualidade do colectivo, não tardaria a torná-los conhecidos dentro dos círculos do rock, punk e metal portugueses, e que lhes valeria o respeito de nomes como Fernando Ribeiro, dos Moonspell (que viria a participar num dos discos do colectivo) e a participação na Bienal de Jovens Criadores da Europa Mediterrânica, em meados da década. Até final da mesma, tempo ainda para um quarto álbum ('Bestiário', de 1998, novamente pela Simbiose) e para a participação no lendário tributo aos Xutos e Pontapés, 'XX Anos, XX Bandas', com uma reinvenção industrializada do tema 'Se Me Amas' que não deixava de se destacar do som mais clássico e típico de outros colectivos presentes no disco, como os Entre Aspas.

O Novo Milénio via, finalmente, o ritmo de trabalho do grupo abrandar para um ritmo mais normal – nos primeiros dez anos do século XXI, saem três registos de originais, o último dos quais, 'Álbum Negro', de 2009, com intervalo de cinco anos em relação ao anterior 'Ódio' – mas sem beliscar minimamente a reputação do grupo, que perduraria até quando, na década de 2010, o grupo quase parou a produção criativa, soltando apenas um único álbum, o sétimo, intitulado 'Mortuário' e lançado por outra 'grande' independente portuguesa, a Rastilho, em 2015. Pelo meio, o afastamento do fundador e vocalista Armando Teixeira – um acontecimento que ditaria o fim de muitas bandas, mas não dos Bizarra, que, por entre compassos de espera tão forçados quanto necessários, chegariam, após tortuosos oito anos, ao disco correspondente (o oitavo) que prova que pouco ou nada mudou na sonoridade metálica industrial do grupo agora capitaneado por Rui Sidónio, um exemplo de perserverança numa cena que continua a ser ingrata para quem não aposte num estilo radiofónico e vendável. Que contem ainda muitos anos, porque o algo estagnado panorama musical português precisa de 'anomalias' como eles.

Primeiro avanço do novíssimo álbum do grupo, lançado no passado mês de Setembro

28.08.23

NOTA: Este 'post' é correspondente a Sábado, 26 de Agosto de 2023.

As saídas de fim-de-semana eram um dos aspetos mais excitantes da vida de uma criança nos anos 90, que via aparecerem com alguma regularidade novos e excitantes locais para visitar. Em Sábados alternados (e, ocasionalmente, consecutivos), o Portugal Anos 90 recorda alguns dos melhores e mais marcantes de entre esses locais e momentos.

Os festivais de música ao ar livre vêm-se, desde há três décadas, afirmando como um dos principais elementos do Verão português, a ponto de quase fazerem falta quando não se realizam, como durante a época de pandemia em 2020-21. Mas se cada ano parece adicionar mais e mais eventos deste tipo ao já preenchido calendário estival, continua a haver apenas um certo e determinado número de festivais verdadeiramente icónicos e sinónimos com esta época do ano, alguns dos quais entretanto desaparecidos (como o saudoso Ermal) e outros que celebram por esta altura aniversários históricos. O Festival do Sudoeste, por exemplo, comemorou o ano passado os seus vinte e cinco anos, e, este ano, é a vez de outro nome sonante da cena 'ao vivo' estival lusitana ter atingido um marco 'de respeito', ao assinalarem-se os trinta anos sobre a primeira edição do lendário Festival Paredes de Coura.

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Celebrado anualmente, em Julho e Agosto, na região com o mesmo nome, no Alto Minho, o coloquialmente chamado 'Couraíso' perfila-se, a par do não menos icónico Vilar de Mouros, como o mais destacado festival de música da região Norte de Portugal, tendo, ao longo das suas três décadas, atraído um sem-número de artistas de renome aos seus palcos, e tornado-se local de 'romaria' quase obrigatória para os fãs de pop-rock e rock alternativo portugueses. O que poucos dos que anualmente rumam à Praia Fluvial do Tabuão saberão, no entanto, é que as origens do seu 'paraíso' musical anual remontam a uma era em que muitos deles ainda nem sequer eram nascidos - nomeadamente, ao ano de 1993, quando um grupo de amigos do município decide, de forma independente, organizar um festival de música. Para esse efeito, criam panfletos feitos à mão e impressos de forma não menos artesanal e, aproveitando algum apoio monetário da Câmara Municipal, começam a contactar bandas, com o objectivo de formar um cartaz. Após vários altos e baixos - todos contados com enorme humor por um dos organizadores no podcast do Expresso dedicado à História do festival - acabam por conseguir confirmar cinco nomes, todos nacionais: Ecos da Cave, Gangrena, Cosmic City Blues, Boubacaba e Purple Lips actuam num palco improvisado a 20 de Agosto de 1993, configurando aquele que foi, efectivamente, o primeiro cartaz de Paredes de Coura.

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Cartazes da primeira e segunda edições do certame.

E a verdade é que a perserverança dos organizadores rendeu dividendos: aquele primeiro festival foi bem-sucedido o suficiente para, no ano seguinte, atrair uma banda tão conhecida e respeitada na cena nacional como os Ena Pá 2000, que se juntavam aos históricos Tédio Boys e a mais quatro bandas (incluindo duas repetentes da primeira edição) num cartaz bastante mais atractivo que o do ano anterior. E se 1994 já representou um considerável avanço em relação ao primeiro ano, 1995 elevou o festival a ainda outro nível, podendo considerar-se o ano em que Paredes de Coura verdadeiramente 'explodiu'. Blind Zero, Braindead, Pop Dell'Arte, More República Masónica e Primitive Reason formavam parte de um cartaz ainda cem por cento nacional, mas nem por isso menos atractivo - antes pelo contrário. O ano intermédio da década de 1990 é, ainda, histórico por ser o primeiro (e único) em que o festival foi dividido entre dois dias, no caso 19 e 20 de Agosto.

A partir daí, foi sempre a somar: logo no ano seguinte, o festival passa a ter três dias de duração, durante os quais actuam nomes de monta do panorama nacional, como Da Weasel, e, há exactos vinte e cinco anos, acolhe os primeiros artistas internacionais a pisar os seus palcos, com Red House Painters, Atari Teenage Riot, Anne Clark, The Divine Comedy e Tindersticks a juntarem-se a ídolos nacionais como Moonspell, Clã, Zen, Blind Zero, Belle Chase Hotel e os então 'enormes' Silence 4. A edição seguinte, última do século XX - que trazia nomes como The Gift, Lamb, Gomez, dEUS, Suede, Mogwai, Sneaker Pimps e uns Guano Apes então em estreita relação com o nosso país, é considerada pelo próprio organizador João Carvalho como a apoteose do festival, e a garantia de que o mesmo perduraria ainda durante muitos anos. E a verdade é que, desde então, já lá vão vinte e três, sem que o festival perca a força, relevância ou fama entre os fãs de boa música independente em Portugal e no estrangeiro - antes pelo contrário, como o comprova a sua colocação entre os melhores festivais de música da Europa por parte da prestigiada revista Rolling Stone, em 2005. Parabéns, Paredes de Coura - e que continues a ser uma referência na cena 'ao vivo' nacional durante ainda mais trinta anos.

07.08.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Qualquer propriedade intelectual que consiga algum sucesso – seja entre o público infanto-juvenil ou mesmo entre os mais 'crescidos' – estará sempre sujeita ao aparecimento de produtos que tentam utilizar a sua imagem para vender algo pouco ou nada relacionado com a mesma. Mas enquanto que a utilização dos sobrinhos do Pato Donald como porta-voz de cereais ainda pode ser vista como uma conexão com algum sentido, o mesmo não se pode dizer da presença de Songoku e seus amigos na capa de um CD de Europop.

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Um dos mais bizarros produtos já abordados no Anos 90 (crédito da imagem: OLX).

Que a maior febre de recreio de sempre em Portugal não poderia nunca ficar imune a este fenómeno era um dado adquirido; a estranheza vem do método escolhido para capitalizar sobre a popularidade da série. Isto porque, das sete músicas de 'Dragon Ball Z - Vivam os Meus Amigos' (lançado em 1997, no auge da popularidade da série) apenas as três escritas propositadamente pelo chefe do projecto, Fernando António dos Santos ('Kameame', 'Saber Ser Guerreiro' e 'Dragon Mix',) tentam estabelecer ligação com o 'anime' de Akira Toriyama, não constando sequer do alinhamento os lendários temas de abertura de qualquer dos (então) dois capítulos da saga. Mais – as músicas tão-pouco são interpretadas pelos actores da série, ficando, em vez disso, a cargo de vocalistas genéricos, alguns sem sequer direito a apelido nos créditos, caso do vocalista principal Cândido ou de uma tal Ana Margarida.

Quanto ao estilo musical, é o que se poderia esperar – um Eurodance marcadamente 'pimba', típico do período, e que não ficaria a mais num disco dos Excesso, D'Arrasar ou Santamaria (bandas que Cândido e os seus comparsas parecem, aliás, estar a tentar imitar.) Quem esperava algo mais tolo ou divertido, ao estilo de uns Aqua, poderá ficar desapontado, mas aqueles para quem a presença de Songoku na capa já constitui razão suficiente para a compra serão, sem dúvida, menos exigentes – à semelhança, aliás, dos responsáveis por este projecto, que nem sequer se preocuparam em colocar a imagem correcta na capa, já que o CD é alusivo a Dragon Ball Z, mas a ilustração é retirada do ÍNÍCIO da série original, com Songoku pré-adolescente e ainda de 'kimono' azul, e Yamcha com a sua roupa de fora-da-lei, antes de ambos trocarem as respectivas vestes pelo tradicional vermelho da escola do Mestre Tartaruga Genial!

'Vivam os Meus Amigos' destaca-se, assim, sobretudo pelo fascínio exercido por uma obra que consegue não acertar plenamente em absolutamente NADA, e cuja própria existência é, em si mesma, fascinantemente bizarra, justificando os elevadíssimos preços que o disco consegue em sites de leilões. Para quem ainda nutra alguma curiosidade mórbida quanto ao que se pode ouvir nesta 'pérola' da exploração comercial, fica abaixo o álbum completo, para que possam ser tiradas conclusões próprias...

12.06.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Os anos finais do Segundo Milénio foram um período notoriamente inclemente para Portugal no que ao Festival da Eurovisão diz respeito, com o País a ser, inevitavelmente, eliminado da meia-final ou – na melhor das hipóteses – 'corrido' nos últimos lugares da tabela classificativa, com os já famosos 'null points'. No entanto, conforme recordámos aquando da nossa retrospectiva por alturas do Festival no ano transacto, houve, durante essa fase menos boa, duas excepções à regra (curiosamente, em anos consecutivos) que não só conseguiram boas classificações na Eurovisão, mas também tornar-se sucessos de vendas após o fim do mesmo. Um deles foi 'Chamar a Música', grande êxito da vencedora do 'Chuva de Estrelas', Sara Tavares; o outro, um ano antes, foi 'A Cidade Até Ser Dia', música-título e de apresentação do terceiro álbum de Anabela Vaz Pires, normalmente conhecida apenas pelo seu primeiro nome. E porque, aquando da Eurovisão deste ano, deixámos passar a oportunidade de falar deste 'megahit' que então completava trinta anos, vimos agora – cerca de um mês depois – falar daquele que foi um dos maiores êxitos do Verão de 1993, e da carreira da cantora ainda adolescente, mas já veterana, que o levou aos palcos internacionais.

De facto, o que muitos dos que trautearam e parodiaram esta música durante o seu momento de fama talvez nunca tenham sabido é que o tema em causa estava longe de representar a revelação daquela 'miúda' de dezasseis anos e 'carinha laroca'; pelo contrário, antes da exposição mediática granjeada pelo concurso europeu de música, a faixa era apenas mais um 'single' numa carreira que começara oito anos antes, e cujo primeiro registo, um LP-single intitulado 'Rock do Amor', havia sido lançado ainda antes de Anabela atingir a puberdade. Tão-pouco era esta a primeira aventura de Anabela pelos palcos internacionais, já que, quatro anos antes do festival em causa, já a menina de então apenas doze anos se havia sagrado vice-campeã no Festival de Música da UNICEF, do qual também traria um prémio especial relativo à melhor interpretação. Dois anos depois – em 1991, mesmo ano em que sai o disco de estreia – Anabela tem nova aventura internacional, ao participar, com apenas catorze anos, no Festival Internacional da Canção de Sopot, na Polónia.

Torna-se, pois, aparente que, apesar da tenra idade, a Anabela que traria honra a Portugal na Eurovisão pela primeira vez em várias décadas era tudo menos uma iniciante, tendo já passado, literalmente, metade da sua vida a cantar, ou em palco. Ainda assim, para muita gente, aquela omnipresente faixa 'europeia' foi mesmo o primeiro (e último) contacto com a jovem artista, que continua até hoje a ser um dos mais famosos 'one-hit wonders' da música portuguesa.

De facto, e curiosamente, seria noutro campo completamente distinto que Anabela se viria a consagrar – nomeadamente, no teatro de revista, onde se tornou uma das 'musas' do monopolista Filipe La Féria. A restante carreira da cantora seria, assim, passada a alternar entre estas duas paixões, tendo mesmo a música passado, a dada altura, para segundo plano – Anabela lançaria apenas mais dois álbuns nos anos noventa, antes de embarcar num hiato discográfico de cerca de uma década, tendo todo o seu foco passado a centrar-se no teatro.

Mesmo quando decide regressar às edições musicais, em 2005, a cantora deixa bem claro que não pretende seguir no mesmo registo dos seus anos de adolescência, optando por uma veia mais experimental em 'Aether', cujas faixas consistem de poemas da autoria de alguns dos maiores poetas portugueses. O álbum seguinte, lançado cinco anos depois, optaria por uma abordagem exactamente inversa, apresentado versões de músicas do chamado 'nacional-cançonetismo', num registo mais leve e popular; novo disco de originais, no entanto, só em 2015, já depois de Anabela ter sido uma das 'Vozes do Coração' na colecção homónima de discos lançada pelo Correio da Manhã dois anos antes. 'Casa Alegre' é, aliás, o último registo da cantora até à data, sendo que o foco de Anabela se encontra, presentemente, na família, tendo a mesma sido mãe pela primeira vez em 2017.

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Anabela na actualidade

Para a maioria da população portuguesa, no entanto – pelo menos para quem não aprecia 'revistas' – Anabela será, para sempre, aquela jovem de vestido branco-creme, cujo tema de participação na Eurovisão serviu de base, durante aquele ano, para um sem-número de paródias, anedotas, e outras criações do tipo hoje conhecido como 'meme'; a música, essa, continua a 'alojar-se' de imediato no cérebro de quem sequer ouse pensar nela, e, trinta anos após o seu lançamento e período de maior sucesso, continua a merecer o estatuto que granjeou como parte da cultura popular portuguesa moderna. 'Quaaando caaaaai a noooooite naaaa cidaaaaadeeee...'

01.05.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Já aqui anteriormente falámos de algumas das principais bandas do 'boom' de pop-rock nacional vivido entre inícios da década de 80 e finais da seguinte, e que daria ao movimento musical 'mainstream' nacional uma panóplia de nomes que vai dos inevitáveis Xutos & Pontapés, UHF. Delfins e GNR a bandas como Resistência, Rio Grande, Rádio Macau, Clã, Santos & Pecadores, Ornatos Violeta, Blind Zero, Quinta do Bill, Sitiados, Três Tristes Tigres, Fúria do Açúcar, Silence 4 ou a banda de que falamos esta semana, e que celebra este ano o trigésimo aniversário do lançamento do seu álbum de estreia - os Entre Aspas.

Entre Aspas.jpg

Formados logo no início da década como um duo constituído pela vocalista Viviane (grande 'cartão de visita' do grupo) e pelo seu marido, o guitarrista Tó Viegas, o projecto foi inicialmente concebido apenas com o intuito de preencher um convite para tocar no bar Morbidus, em Faro, tendo a própria designação da banda surgido da forma como assinalaram a data do concerto na sua agenda pessoal, com um sinal de 'aspas'. No entanto, esse primeiro espectáculo rapidamente se desdobrou numa carreira a tempo inteiro, tendo o casal preenchido o alinhamento com uma secção rítmica – constituída pelo baixista Luís Fialho e pelo baterista João Vieira – a tempo de conquistar o terceiro lugar no primeiro Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa, realizado em 1991. Um início honroso para um percurso que teria o seu verdadeiro início no ano seguinte, quando a banda assina contracto com a multi-nacional BMG e inicia o processo de composição do seu primeiro álbum, já com Nuno Filhó no lugar do demissionário Luís Fialho.

O referido álbum, intitulado 'Entre SFF', veria a luz no ano seguinte (há quase exactos trinta anos) e contaria com a produção de Manuel Faria, ex-Trovante, que voltaria a colaborar com o grupo na versão de 'Traz Outro Amigo Também' incluída num álbum de tributo a Zeca Afonso, no ano seguinte. A par de temas próprios como 'Criaturas da Noite' e 'Voltas', este tema ajudou a cimentar a reputação da banda como um dos grandes nomes da nova vaga de pop-rock português.

A releitura de um dos mais famosos temas de Zeca Afonso feita pelo grupo em 1994.

Reputação essa, aliás, que seria cimentada pelo segundo álbum do grupo, 'Lollipop', lançado em 1995 e que contou com a produção daquele que era, à época, o nome de referência para trabalhos de pop-rock nacionais, Marsten Bailey, bem como com o contributo de dois novos integrantes, ambos de créditos firmados na cena – Filipe Valentim, ex-Rádio Macau, e Luís San Payo, ex-Pop Dell'Arte; antes da gravação do terceiro álbum ('Edelweiss', de 1997) verificar-se-ia ainda mais uma mudança, com a entrada do baterista Rui Freire a compôr aquele que seria o alinhamento dos Entre Aspas até ao final da carreira.

O dito final estava, no entanto, ainda a largos anos de distância, sendo que o grupo seguia de vento em popa, participando com dois temas na icónica colectânea 'Ao Vivo na Antena 3', em 1998 (mesmo ano em que Viviane é escolhida para dar voz a um dos temas do mega-projecto natalício 'Espanta Espíritos') e com uma versão de 'Doçuras' no não menos icónico tributo aos vinte anos de carreira dos lendários Xutos e Pontapés, lançado em 1999. Também nesse mesmo ano, é lançado o quarto álbum do grupo, 'Loja de Sonhos' produzido com a ajuda de Flak e com mistura de Joe Fossard.

A contribuição do grupo para a colectânea 'XX Anos, XX Bandas', dedicada aos vinte anos de carreira dos Xutos & Pontapés.

Infelizmente, o 'impulso' vivido pela carreira dos Entre Aspas durante a última década do século XX não sobreviveria aos primeiros anos do Novo Milénio, sendo o álbum ao vivo 'www.entreaspasaovivo.com' (lançado há quase exactos vinte e dois anos, em finais de Abril de 2001, e homónimo do hoje defunto 'site' do grupo) o último registo da banda antes da dissolução em 2005, e subsequente início da carreira a solo de Viviane. Os fãs do grupo teriam, no entanto, uma grata surpresa nove anos depois, quando, a pretexto daqueles que seriam os vinte anos de carreira do grupo, a BMG lança uma colectânea de êxitos – esta, sim, o último registo oficial de uma banda que, sem ter quaisquer daqueles 'hits' instantaneamente reconhecíveis tão típicos do pop-rock nacional de finais do século passado, conseguiu ainda assim estabelecer-se como um dos nomes na 'linha da frente' do movimento durante mais de uma década.

Mesmo após o término do grupo, no entanto, a carreira de Tó Viegas e Viviane seguiu tão firme como o seu casamento, tendo a dupla sido responsável, entre outros projectos, pelo tema 'Com Um Abraço', semi-finalista do Festival da Canção 2021 na voz de Ana Teresa – apenas uma das muitas provas de que o fim da banda que os notabilizou não correspondeu, de todo, à extinção da criatividade musical do casal, que continua a ter papel de destaque na cena 'pop' nacional moderna, mesmo que agora a partir dos 'bastidores'. Quanto aos Entre Aspas, o ano em que completariam trinta anos de carreira serviu mesmo de pretexto para uma reunião dos membros da formação clássica, e subsequente regravação do tema-estandarte do grupo, 'Criaturas da Noite'; resta esperar para ver se se trata de um regresso esporádico, ou se a carreira da banda virá, mesmo, a ganhar um 'segundo fôlego'...

A nova versão de 'Criaturas da Noite', gravada já este ano.

20.03.23

Qualquer jovem é, inevitavelmente, influenciado pela música que ouve – e nos anos 90, havia muito por onde escolher. Em segundas alternadas, exploramos aqui alguns dos muitos artistas e géneros que faziam sucesso entre as crianças daquela época.

Regra geral, a maioria das bandas é fácil de catalogar dentro de um estilo definido, seja ele o rock, o heavy metal, o pop, a música étnica, a música clássica, ou qualquer outra das dezenas de denominações que compõem o Mundo da música moderna. Por vezes, no entanto, surge um colectivo que verdadeiramente desafia as convenções estabelecidas, ousando mesclar estilos numa mistura ecléctica que os ajuda a destacar da 'maralha' e a atrair a atenção de toda uma base de fãs. Nos anos 90, existiu em Portugal um grupo assim, cuja proposta passou por misturar o canto tradicional do nosso País, o fado, com elementos de música pop e gótica – proposta essa que os ajudou a catapultar para os mais altos vôos a que uma banda nacional pode aspirar. Falamos, é claro, dos Madredeus, o colectivo centrado em torno do guitarrista clássico Pedro Ayres de Magalhães, e cujo elemento mais distintivo, na sua fase clássica, foi a inimitável voz de Teresa Salgueiro, a qual, durante a sua permanência no grupo, se faria ouvir ao lado de artistas tão díspares quanto José Carreras e Moonspell.

MADREDEUS-Foto-do-grupo-por-TV124.jpg

Formados ainda nos anos 80, datando o primeiro disco de 1987, seria, no entanto, na década seguinte que o colectivo baptizado com o nome de um bairro lisboeta atingiria a proeminência que se lhe conhece hoje em dia. O lançamento do segundo álbum, logo em 1990, e 'aventuras' internacionais como o concerto na exposição Europália '91 (dedicada à cultura portuguesa) ou a participação em bandas sonoras de filmes estrangeiros ajudaram a consolidar o nome do grupo não só dentro de portas como também 'lá fora', dando início à trajectória de sucesso que caracterizaria a carreira do grupo. O terceiro álbum, de 1994, já tem honras de digressão internacional e, no ano seguinte, a banda é convidada a colaborar com o cineasta Wim Wenders, que inclui temas dos Madredeus no seu 'Viagem a Lisboa', ajudando a elevar ainda mais o perfil internacional do colectivo. Já 'cá dentro', o mérito da banda era bem reconhecido, tornando-os figura de proa da cena musical nacional e motivando convites de índole tanto musical como cultural, como aquele que os levou a participar no espectáculo de abertura da Expo '98, ao lado de José Carreras, já depois de algumas alterações de formação e do lançamento de um quarto álbum, em 1997.

A ascensão do grupo não abrandaria, aliás, no Novo Milénio, que abriria com o lançamento de uma 'Antologia' e uma participação no filme 'Capitães de Abril', cada uma das quais com dois temas inéditos, e veria serem lançados, no espaço de apenas três anos, mais dois álbuns de originais, uma colectânea para o mercado brasileiro, um disco ao vivo e um de 'remixes' electrónicas – mais uma prova, caso as mesmas ainda fossem necessárias, de que o grupo havia atingido o patamar da fama e relevância. Seria, portanto, com alguma surpresa que os fãs do grupo receberiam a notícia de um 'ano sabático', em 2007, e, mais tarde, o êxodo da maioria dos membros, deixando o fundador Ayres de Magalhães e o teclista Carlos Maria Trindade como únicos representantes do nome.

Não querendo desvirtuar o mesmo com novos músicos, os dois decidem fundar um novo projecto, a Banda Cósmica, com o qual lançam três álbuns antes de decidirem mesmo 'ressuscitar' o seu grupo anterior, agora com novos músicos e a vocalista Beatriz Nunes no lugar que ficará para sempre associado a Teresa Salgueiro. Com esta nova formação, são lançados mais dois álbuns, o segundo dos quais, 'Capricho Sentimental', de 2015, é até hoje o último lançamento dos Madredeus. Qualquer que seja o futuro do grupo, no entanto, o colectivo de Pedro Ayres de Magalhães já inscreveu indelevelmente o seu nome na História da música portuguesa, e pode orgulhar-se de ser, até hoje, um dos principais nomes da mesma, tanto a nível nacional como internacional.

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